quarta-feira, 5 de março de 2014

Capítulo 1 - Um crime brutal

Tinha sido um professor. Um ser humano. Dos melhores.
Agora nem parecia um homem. Era apenas um cadáver brutalmente
massacrado. Uma massa de sangue, retorcida e pisoteada, jogada na calçada
como um fardo de roupa suja.
Naquela manhã de junho, as aulas no Colégio Elite começavam de modo
trágico demais.
Alguém lembrou-se de cobrir o corpo com jornais. As manchetes falavam da
violência urbana.
Amparada por um colega, uma estudante vomitou.
Do grupo de curiosos, um rapazinho afastou-se. Pouco depois, de dentro do
colégio, ouviu-se o som triste de uma gaita.

* * *

A bordo do Boeing que cortava o ar em direção ao misterioso Pantanal Matogrossense,
Miguel tirou do bolso a pequena gaita prateada. A gaitinha. A marca
registrada de Crânio, o companheiro desaparecido. A gaitinha. Agora
completamente muda, longe do sopro do amigo. Longe de Crânio, o gênio dos
Karas.
Os Karas! O avesso dos coroas, o contrário dos caretas! Aquele grupo secreto
de alunos do Colégio Elite reunido por Miguel só pela farra, pela aventura, mas
que logo acabaria se envolvendo em perigos reais. Perigos que nem mesmo ele,
Miguel, o líder dos Karas, poderia ter imaginado. Como aquele que os cinco
adolescentes haviam enfrentado na luta contra o sinistro Doutor Q.I. e sua Droga
da Obediência. Os cinco Karas: Miguel, Calu, Chumbinho, Magri e... e Crânio!
Miguel falou baixinho, como um desabafo, para Magri, sentada na poltrona a
seu lado:
— Ele pode estar morto. A esta hora, Crânio pode estar morto...
A garota apertou a mão do amigo.
— Ele está vivo, Miguel. Tenho certeza.
O calor da menina trouxe uma sensação gostosa que percorreu todo o corpo
do rapazinho. Um conforto especial de que ele precisava. Um conforto que só
poderia ser oferecido por Magri, a única garota do grupo dos Karas.
— A culpa é toda minha, Magri. Eu estava errado. Não quis acreditar no que
Crânio dizia. Ele ficou sozinho. Eu o abandonei...
— Não se culpe, Miguel. As ideias de Crânio pareciam malucas mesmo. Eu
também não acreditei nas teorias dele sobre o assassinato do professor Elias.
Chega de fossa. Tenha confiança. Nós vamos encontrá-lo!
Miguel cerrou os dentes, tentando disfarçar o pessimismo. Ele não se
perdoaria se os outros percebessem seu momento de fraqueza.
Os "outros" eram Calu e Chumbinho, e ocupavam as duas poltronas atrás de
Miguel e Magri. Examinavam um mapa do Mato Grosso do Sul, e Chumbinho
apontava para fora, tentando localizar pequenas vilas em meio ao cerrado.
— Sabe, Calu, meu pai importou um novo simulador de vôo para o meu
computador. É um programa de treinamento para os pilotos da NASA. Já estou
dominando perfeitamente. Passar por cima de uma serrinha como esta, por
exemplo, seria uma moleza. Um cálculo fácil. Era só subir os flaps suavemente,
sem que...
— Ora, Chumbinho, você só pensa em computador e vídeo game!
Na poltrona à frente de Miguel havia mais um "outro", do qual só se podia ver
a careca e ouvir o ronco de seu sono agitado. O detetive Andrade, aquele amigo
dedicado, persistente, sempre suando quando tinha sobre os ombros algum
problema dos grandes. Um problema como aquele. Por isso o detetive estava
suando, mesmo durante o sono.
Miguel apertou a gaitinha prateada entre as mãos, como se assim pudesse
abraçar o dono dela. E lembrou-se da última vez que ouvira o som da gaitinha, no
forro do imenso vestiário do Colégio Elite, o esconderijo secreto dos Karas.

* * *

Tirando uma melodia preguiçosa da gaita, meio na sombra, meio iluminado
pela luz do entardecer que entrava pelas poucas telhas de vidro do forro do
vestiário, Crânio confundia-se com a sombra de Calu, o colega e ator inigualável,
e com a elegância de Magri. Ao lado da garota, Miguel sentia-se envolvido por
aquele perfume que sempre o fazia sonhar. Entrando pelo alçapão, a figura
menor de Chumbinho, o último dos Karas, veio juntar-se ao grupo, com aquele
sorriso maroto.
— Emergência máxima, Karas? O que houve? O Doutor Q.I. fugiu da cadeia?
— Espero que não, Chumbinho — respondeu Calu, demonstrando que uma
emergência máxima dos Karas não era ocasião para piadas. — Vamos ouvir por
que Crânio nos convocou.
À frente do gênio dos Karas havia uma misteriosa caixa de metal.
Crânio parou de soprar a gaitinha quando percebeu que toda a atenção estava
concentrada nele e no que ele tinha a dizer. Bateu a gaitinha na coxa para
enxugá-la e falou, sem olhar diretamente para ninguém:
— A polícia está errada. Andrade está errado. O assassinato do professor
Elias é um trabalho para os Karas.
Num relance, todas as tensões da luta contra a Droga da Obediência voltaram
à memória de Miguel. Todas as tensões vividas pelos cinco Karas ao lado do
detetive Andrade. Todos os sustos. Todos os riscos. Agora, depois de tanta
dedicação, depois de tanta eficiência provada pelo gordo detetive, ele e toda a
polícia estariam errados a respeito do assassinato do professor Elias!
— Todo mundo está errado, não é, Crânio? E o que você sabe que a polícia
não descobriu?
— Por enquanto não sei de nada, Miguel. Mas tenho certeza que não
encontraremos pistas aqui em São Paulo. A resposta está em Mato Grosso do Sul.
Está no Pantanal.
— Onde?! — riu Chumbinho. — Crânio, você ficou maluco?

* * *

Miguel voltou a cabeça para olhar pela vigia do Boeing e, nesse movimento,
seu rosto encontrou os cabelos de Magri, que descansava a cabeça em seu
ombro. Miguel desejou que ela estivesse dormindo, para não sair daquela
posição.

* * *

— Ora, Crânio — reclamou Calu, do meio das sombras do forro do vestiário
— você convocou uma emergência máxima dos Karas para vir com essa
história? Pode explicar o que tem a ver o Pantanal de Mato Grosso com um
professor de matemática? O que tem a ver um professor de São Paulo com os
jacarés e as piranhas do Pantanal? O que tem a ver um assassinato em pleno
asfalto paulista com aquela natureza fantástica? Pode explicar?
Crânio não respondeu, esperando que a avalanche de objeções terminasse.
Mas, por dentro, sorriu, seguro de sua inteligência. Como sempre.
— Você era o aluno predileto do professor Elias — argumentou Miguel —
mas isso não o obriga a ser o detetive que vai solucionar esse bárbaro assassinato.
Nós estamos chocados, mas a verdade é uma só: nosso professor é mais uma
vítima dessa brutalidade toda. Foi mais um latrocínio nojento, sem razão, sem
explicação...
— Ele foi assassinado por causa de alguns trocados que trazia no bolso —
acrescentou Magri. — Nem era dia de pagamento. Isso é São Paulo...
Crânio lembrava-se da genialidade do professor Elias, aquele homem magro,
mal vestido, sempre de sandálias, que vivia a contar tostões em troca de educar
os jovens das famílias mais ricas da cidade. Lembrava-se da originalidade do
professor e de sua estranha teoria: para o professor Elias, a matemática era a
única ciência verdadeiramente humana. Como? Para ele, isso era claro: a
natureza cria seus fenômenos físicos, químicos, biológicos e geográficos
independentemente da ação do homem, mas a natureza não cria teoremas,
equações, nem logaritmos. Isso são criações humanas. A natureza produz
laranjas, por exemplo, mas não soma ou subtrai laranjas. Isso é uma abstração
da inteligência humana. Portanto, a matemática é a única ciência inventada pelo
homem. Então por que a maioria dos estudantes tem problemas com a
matemática? Bem, talvez isso ocorra com a maioria, mas nunca com os alunos
do professor Elias. Para eles, a matemática era uma ciência fascinante e o
professor Elias um verdadeiro ídolo.
— Eu me sinto na obrigação de descobrir o assassino do professor Elias,
recomeçou Crânio. — Foi como se tivessem trucidado alguém da minha família.
— Mas o que o Pantanal tem a...
— Em primeiro lugar, Chumbinho, por que tanta brutalidade no assassinato do
professor? Por que surrá-lo daquela maneira para roubar alguns trocados? Ele
não teria reagido. Não era um homem de briga. Por isso eu acho que ele não foi
morto perto do colégio, onde o corpo foi encontrado. Ele foi levado para algum
lugar distante e torturado.
— Torturado? Mas que bobagem! Por que alguém torturaria um professor de
matemática? Para descobrir o quê? As respostas da próxima prova?
— É o que precisamos descobrir, Calu. O professor Elias devia saber alguma
coisa, alguma coisa muito importante. Por isso foi torturado e morto. Depois
abandonaram seu corpo na calçada do Colégio Elite, para dar a impressão de um
crime comum, cometido por um assaltante qualquer.
— Um assalto comum, seguido de morte. Essa foi a conclusão da polícia,
Crânio. Foi o que nos disse o Andrade. Não há outra explicação.
— Há mais uma coisa, Miguel: a malinha do professor estava abandonada ao
lado do corpo. Fui visitar a viúva dele, ontem à tarde. Ela me recebeu muito bem,
procurando parecer conformada, mas...
Crânio pegou a caixa de metal, procurando concentrar-se na questão
principal.
— Vocês sabem que o Elias trabalhava de vez em quando como fotógrafo
para ganhar algum dinheiro extra, não sabem? A viúva me deixou examinar a
malinha dele. Tudo parecia em ordem, como verificou a polícia. Junto com
outras coisas havia esta caixa de slides. São fotos do Pantanal feitas pelo
professor durante os feriados da semana santa. Ele estava tentando vendê-las
para alguma revista.
O rapazinho levantou a tampa da caixa. Era um classificador especial para
slides, onde eles ficavam em ordem, com uma fenda para cada um.
— O professor Elias era muito organizado. A ordem era para ele uma
verdadeira mania. Examinei cuidadosamente todos os slides. Eles estão
arquivados na seqüência em que foram fotografados, seguindo um roteiro de
viagem. Há somente uma exceção: estes três slides que mostram passageiros
descendo a escada de desembarque de um avião, no aeroporto de Cumbica, em
São Paulo. Pela lógica deveriam estar no fim, mas estão bem no meio da série.
— Estamos vendo. E daí?
— Eu só posso chegar a uma conclusão, Miguel. Aqui havia três fotos que
comprometiam alguém. As fotos foram retiradas apressadamente e, em seu
lugar, foram colocadas as três últimas. Alguém matou Elias para roubar as fotos,
depois de torturá-lo para descobrir se ele sabia mais alguma coisa. Só que esse
alguém não queria que a polícia descobrisse qualquer ligação entre os slides e o
crime. Por isso o criminoso substituiu os slides. Pode haver outra explicação?
— Pode haver dezenas delas, Crânio. E a sua me parece a mais forçada.
— É apenas a mais lógica, Magri. O professor Elias fotografou alguma coisa
suspeita. Algo tão grave que ele não poderia continuar vivo...
— Está bem, Crânio! — concordou Miguel. — Vamos supor que você tenha
razão. Mas, se os slides roubados são a única pista, como vamos segui-la? Como
vamos descobrir o que o professor Elias fotografou?
— Seguindo a mania de ordem dele. Se os slides estão em seqüência, não será
difícil ver o que o professor fotografou.
— Ver?! Como?
— Se as fotos estão classificadas pela ordem em que foram tiradas; é só
percorrer o mesmo roteiro que o professor fez. É só ir visitando os mesmos
lugares que ele visitou e localizar aqueles que fotografou antes e depois das três
que foram roubadas. Desse modo, talvez dê para descobrir pelo menos onde
teriam sido fotografados os três slides que faltam!
Miguel sorriu, divertido, como se estivesse falando com uma criança, e não
com o mais brilhante dos alunos do Colégio Elite.
— Parece lógico, Crânio. Mas de uma lógica totalmente maluca. Vamos
supor que as três fotos sejam de um barco, no meio de um rio. Mesmo que você
descubra o tal rio, como vai ficar sabendo que havia um barco passando por ali
naquele momento? E, depois, como vai descobrir o que estava acontecendo
naquele barco? E se as fotos forem da cara de alguém? Você até poderia
descobrir o cenário, mas nunca quem foi fotografado à frente dele.
— Pode ser, Miguel. Mas os slides são nossa única pista. Foram feitos no
Pantanal e é lá que temos de conseguir a resposta. Tenho uma tia que é
fazendeira no Mato Grosso do Sul, mais ou menos na mesma região que o
professor visitou, às margens da rodovia Transpantaneira. É a tia Matilde, uma
parente distante que eu nunca conheci. Ela viveu muito tempo nos Estados Unidos
e casou-se por lá. Depois que o marido morreu, voltou para o Brasil e instalou-se
na região do Pantanal. Já telegrafei pra ela dizendo que nós...
— Um momento, Crânio — interrompeu Miguel. — Nós não vamos para o
Pantanal seguir uma pista sem pé nem cabeça. Deixe que a polícia...
— A polícia está atrás de algum assaltante desconhecido. Nunca vai chegar a
conclusão nenhuma!
— Também estou arrasado com o assassinato do professor Elias, Crânio. Mas
esse não é um trabalho para os Karas, é um trabalho para a polícia.
Crânio olhou um a um os quatro companheiros durante o silêncio que se
seguiu à decisão de Miguel. Os olhares que recebeu de volta aconselhavam a
desistir. Levantou-se e encolheu os ombros, reconhecendo a derrota.
— Então tenho de ir sozinho. É só conseguir uma autorização do meu pai para
viajar, e acho que dá para embarcar logo.
— Mas as férias ainda não começaram. Você vai perder os exames finais do
primeiro semestre!
— Já fechei todas as médias, Chumbinho.
— Só que ganhará um zero em cada prova, não é? E, pela primeira vez, você
vai perder o primeiro lugar no Colégio Elite.
— Valerá a pena se eu descobrir o assassino do Elias!
— Então, boa viagem, Crânio — encerrou Miguel, sorrindo. — Deixe o
número da caixa postal de sua tia. Telegrafaremos quando a polícia solucionar o
crime. Boas férias. Dizem que o Pantanal é lindo, ainda mais agora, no meio do
ano...

31 comentários:

  1. MIGUEL OTARRIOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!
    CRÂNIO TÚ É O KRA U_U

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  2. vc do colegio venceslauense q esta lendo esse comentario... parabens...vc teve preguica assim como eu de ir na biblioteca!

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  3. Comecei a ler por um trabalho de escola, porem me parece ser um bom livro

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Esse livro é muito bom indico para qualquer um que goste de detevives e investigação

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  6. ADORO Esse livro eu estou estudando sobre ele

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  7. cenas para proximo capitulo vai ser top

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  8. topzera mlkada os brabo
    çgthrmçjmnhrlthjpltwhrjhp´p´p´p´p´p´p´p´p´p´p´p´p´p

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  9. E.E. Prof. José Nicolau Pirágine lendo e amando!!!
    Parabéns pelo blog!!!
    Prof.ª Taty

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  10. iguinorem os expoilers !!!!!! é tudo mentira !!!!!ninguem vai morrer relaxa :):):):):):):):):)

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  11. Eu estou fazendo de tudo para ler a coleção inteira kkk gosto muito da coleção os karas

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