sexta-feira, 4 de abril de 2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sobre a Blogueira

                                                       
                                               
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Livros favoritos - Sorte ou azar, PJO, HDO, A Saga do Tigre, A Seleção, O último beijo, Probabilidade estatística do amor a primeira vista e Paranormalcy.
Idade - 15 anos.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O guarda


O guarda é o segundo conto que se passa no universo criado por Kiera Cass, autora da trilogia A Seleção. Depois de conhecermos os verdadeiros pensamentos e inquietações de Maxon em O príncipe, agora temos um vislumbre das ideias e emoções do jovem Aspen, ex-namorado de America, que vai trabalhar como soldado no palácio durante o concurso.
Antes de ir para o palácio competir pelo coração do príncipe Maxon, America Singer era completamente apaixonada por Aspen. Criado como um Seis, ele nunca imaginou que acabaria se tornando um dos soldados responsáveis por proteger a monarquia. Em O guarda, a história é contada pelo seu ponto de vista, a partir do momento que a Seleção é reduzida à Elite. Sua rotina é composta de exercícios e tarefas variadas dentro da casa da família real . desde cuidar da correspondência até combater os ataques rebeldes. Pela primeira vez, o enfoque é o mundo paralelo dos funcionários do palácio, suas dinâmicas e rede de relacionamentos, que America nunca chegou a conhecer.



Capítulo 11

Após o ataque, o comando militar fez uma reunião na ala hospitalar, já que muitos soldados estavam
internados.
— Encaramos como um sucesso a perda de apenas dois homens esta noite — o comandante
anunciou. — Considerando o número de rebeldes, nossas poucas baixas são um testemunho a favor
do treinamento e da capacidade de cada um de vocês.
Ele fez uma pausa, como se esperasse nossos aplausos, mas estávamos exaustos demais para isso.
— Detivemos vinte e três rebeldes para julgamento após interrogatório, o que é fantástico.
Contudo, estou desapontado com a contagem de corpos — nesse momento, ele nos encarou. —
Dezessete. Dezessete rebeldes mortos.
Avery baixou os olhos. Já tinha confessado que dois eram dele.
— Vocês não devem matar, a não ser que outro soldado esteja sob ameaça direta, ou que a família
real seja atacada. Precisamos dessa escória viva para os interrogatórios.
Escutei uns muxoxos pela enfermaria. Eu não gostava daquela ordem. Poderíamos acabar as coisas
muito mais rápido se simplesmente eliminássemos os rebeldes que invadiam o palácio. Mas o rei
queria suas respostas, e diziam por aí que havia torturas especiais para extrair informações dos
rebeldes. Esperava nunca descobrir quais eram.
— Dito isso, todos vocês fizeram um excelente trabalho para proteger o palácio e reprimir o
ataque. Quem não estiver entre os poucos pacientes graves pode seguir a escala habitual. Se possível,
durmam um pouco, e preparem-se. O dia será longo com o palácio nesse estado.
O chefe dos mordomos achou melhor que a família real e as garotas da Elite realizassem suas
tarefas do lado de fora enquanto os funcionários trabalhavam para deixar o palácio apresentável de
novo. As visitantes da Federação Alemã e da realeza italiana chegariam em poucos dias, e as criadas
já estavam sobrecarregadas com os preparativos.
O sol escaldante, o cansaço extremo e o uniforme engomado me deixavam desconfortável.
Somando-se a isso a dor terrível do machucado na minha cabeça, as feridas ocultas do
estrangulamento e um ferimento na perna que eu nem sabia como tinha adquirido, estava
praticamente em frangalhos.
A única coisa boa daquele dia era poder ficar perto de America. Ela estava sentada ao lado de
Kriss, planejando a organização do evento. Com exceção de Celeste, nunca tinha visto America
irritada com as outras garotas, mas sua linguagem corporal denunciava que ela não estava feliz com a
companhia. Kriss, porém, parecia completamente alheia a isso; não parava de falar com America e,
de tempos em tempos, lançava um olhar para Maxon. Fiquei incomodado ao notar que America
fazia o mesmo, mas duvidei que seus sentimentos tivessem mudado. Como ela poderia olhar para ele
e não lembrar dos gritos de Marlee?
As tendas e mesas espalhadas pelo gramado davam a impressão de que a família real estava
realizando uma festa no jardim. Se não tivesse visto com meus próprios olhos, jamais adivinharia que
o palácio havia sido saqueado. Todos ali costumavam esquecer os ataques e seguir em frente.
Não sabia se ignoravam os ataques porque pensar muito sobre eles os tornava mais assustadores, ou
simplesmente porque não havia tempo a perder. Ocorreu-me que, se a família real parasse para
pensar sobre os ataques, talvez descobrissem um jeito melhor de impedi-los.
— Não sei nem por que me dou ao trabalho — o rei disse, um pouco alto demais. Em seguida,
entregou um papel a alguém e ordenou discretamente: — Apague as anotações de Maxon; só
servem para causar distrações.
Enquanto essas palavras preenchiam meus ouvidos, minha visão era ocupada apenas pelo olhar de
America. Ela me observava atentamente. Pude notar sua preocupação com as bandagens na minha
cabeça e com meus passos mancos. Pisquei para ela na tentativa de acalmá-la. Não tinha certeza se
conseguiria passar o dia inteiro fazendo rondas e depois ainda pegar o posto de guarda na frente de
seu quarto à noite. Mas se esse fosse o único meio de…
— Rebeldes! Corram!
Olhei depressa para os portões do palácio. De certo alguém se confundira.
— O quê? — perguntou Markson.
— Rebeldes! Dentro do palácio! — berrou Lodge. — Estão chegando!
Vi a rainha levantar num piscar de olhos e, sob a proteção de suas criadas, correr para uma entrada
secreta na lateral do palácio.
O rei juntou sua papelada. No lugar dele, estaria mais preocupado com meu pescoço do que com
qualquer informação vazada, seja qual fosse.
America ainda estava em sua cadeira, paralisada. Dei um passo em sua direção, mas Maxon entrou
na minha frente e jogou Kriss em meus braços.
— Corra! — ordenou.
Hesitei um pouco, pensando em America.
— Corra! — repetiu.
Fiz o que era preciso e disparei a correr; Kriss não parava de gritar o nome de Maxon. Em poucos
segundos, tiros já ecoavam, e o palácio foi inundado por uma multidão composta quase igualmente
por rebeldes e soldados.
— Tanner! — gritei, impedindo-o de seguir para a batalha.
Botei Kriss em seus braços e instruí:
— Siga a rainha.
Ele obedeceu sem questionar, e voltei para buscar Meri.
— America, não! Volte! — Maxon gritava.
Segui seu olhar repleto de pânico e vi America correndo freneticamente para a floresta com
rebeldes em seu encalço.
Não.
O ritmo dos disparos dos guardas acentuava os passos de America, apressados e arriscados. Os
rebeldes, com suas sacolas lotadas, quase a alcançavam. Pareciam mais jovens e atléticos que os da
noite anterior. Cheguei a me perguntar se não eram seus filhos, tentando terminar o que os pais
haviam começado.
Saquei o revólver e me posicionei. Estava com a nuca de um rebelde na mira. Disparei três tiros
rápidos. Errei todos quando ele ziguezagueou e correu para trás de uma árvore.
Maxon ensaiou uns passos desesperados rumo à floresta, mas seu pai o agarrou antes de ele ir longe
demais.
— Parem! — Maxon gritou, livrando-se do braço do pai. — Vocês vão acertá-la! Cessar fogo!
Embora America não fosse da família real, eu duvidava que alguém ficaria bravo caso matássemos
aqueles rebeldes sem mais delongas. Corri para a frente, posicionei-me de novo e atirei duas vezes.
Nada.
Maxon me agarrou pelo colarinho.
— Eu disse cessar fogo!
Apesar de eu ser uns cinco centímetros mais alto do que ele, e geralmente considerá-lo um
covarde, a fúria em seus olhos naquele momento impunha respeito.
— Perdão, senhor.
Ele me soltou com um empurrão, para depois me dar as costas e passar a mão no cabelo. Nunca o
tinha visto tão consternado. Me lembrou de seu pai quando estava prestes a explodir.
Tudo que ele demonstrava por fora, eu sentia por dentro. Uma das garotas da Elite desaparecera; a
única mulher que eu já amara estava perdida. Não sabia se ela seria capaz de correr mais rápido que
os rebeldes ou encontrar um esconderijo. Meu coração acelerava de medo e se despedaçava com o
desespero ao mesmo tempo.
Prometera a May que não deixaria ninguém machucá-la. Falhei.
Olhei para trás, sem saber ao certo o que esperava encontrar. As garotas e os funcionários já
estavam seguros. Não havia ninguém além do príncipe, do rei e de uns dez guardas.
Maxon finalmente nos encarou. Sua expressão era a de um animal enjaulado.
— Encontrem-na. Encontrem-na agora! — berrou.
Considerei a possibilidade de simplesmente correr floresta adentro, na tentativa de alcançar
America antes dos rebeldes. Mas como a encontraria?
Markson deu um passo à frente.
— Venham, rapazes. Vamos nos organizar.
Fomos atrás dele.
Meus passos estavam vacilantes e eu tentava me acalmar. Precisava estar atento a tudo. Vamos
encontrá-la, prometi a mim mesmo. Ela é mais forte do que imaginam.
— Maxon, vá para junto de sua mãe — ouvi o rei ordenar.
— O senhor não pode estar falando sério. Como posso ficar em um abrigo enquanto America está
desaparecida? Ela pode estar morta!
Olhei para trás e vi Maxon se contorcer e arfar, quase vomitando só de pensar naquilo.
O rei Clarkson endireitou o corpo de Maxon, agarrando-o firme pelos ombros, e o sacudiu.
— Recomponha-se! Precisamos de você a salvo. Vá. Agora.
Maxon cerrou os punhos e flexionou levemente os cotovelos; por uma fração de segundo, pensei
seriamente que daria um soco no pai.
Talvez escapasse à minha alçada, mas tive certeza de que o rei poderia acabar com Maxon se
quisesse. Eu não desejava a morte do cara.
Depois de ofegar algumas vezes, Maxon soltou-se das garras do pai e seguiu para o palácio, pisando
firme.
Logo voltei os olhos para a floresta, torcendo para que o rei não notasse que alguém tinha
testemunhado a cena. Eu pensava cada vez mais sobre a insatisfação do rei com o trabalho do filho,
mas depois disso, não pude deixar de considerar que a coisa ia muito além de algumas anotações
erradas na papelada.
Por que alguém preocupado com a segurança do filho agiria de maneira tão… agressiva com ele?
Me juntei aos outros soldados bem quando Markson começava a falar:
— Algum de vocês tem familiaridade com esta floresta?
Todos permanecemos calados.
— É muito grande e, como vocês podem ver, fica bastante densa após alguns metros de
caminhada. As muralhas do palácio se estendem por mais de cem metros floresta adentro até se
encontrarem. Esse trecho do muro, porém, não está com a manutenção em dia. Os rebeldes não
teriam dificuldade para pular pela parte danificada, especialmente se levarmos em conta como foi
fácil que superassem os trechos mais fortes da barreira, na frente.
Maravilha.
— Vamos nos espalhar numa linha de frente e avançar devagar. Devemos procurar pegadas,
objetos caídos, galhos quebrados… qualquer coisa que sirva de pista até o lugar para onde a levaram.
Quando escurecer, voltamos para buscar lanternas e reforços.
Então ele encarou cada um de nós e concluiu suas orientações:
— Não quero voltar de mãos abanando. Ou recuperamos a senhorita com vida, ou o seu corpo,
mas não deixaremos o rei ou o príncipe sem respostas esta noite. Entendido?
— Sim, senhor! — gritei, e os outros fizeram o mesmo.
— Ótimo. Espalhem-se.
Tínhamos avançado poucos metros quando Markson estendeu o braço e me deteve.
— Você está mancando muito, Leger. Tem certeza de que pode participar? — perguntou.
Meu sangue subiu e fiquei a ponto de explodir, como Maxon alguns minutos antes. Nada me
impediria de ir atrás dela.
— Estou perfeitamente bem, senhor — assegurei.
Markson me examinou novamente.
— Precisamos de uma equipe forte. Talvez você devesse ficar.
— Não, senhor — repliquei rapidamente. — Nunca desobedeci ordens, senhor. Não me force a
fazer isso agora.
Meu olhar era absolutamente sério, e ele certamente o notou quando o encarei, determinado a
prosseguir. Ele abriu um leve sorriso quando assentiu e seguiu seu caminho em direção às árvores.
— Tudo bem. Vamos.
Tudo parecia em câmera lenta. Gritávamos por America e parávamos à espera de uma resposta;
várias vezes, a brisa mais leve ou o ruído mais suave bastavam para nos enganar. De vez em quando
alguém descobria uma pegada, mas a terra estava tão seca que a trilha se desfazia dois passos à frente,
nos deixando apenas com a sensação de tempo perdido. Duas vezes encontramos pedaços de tecido
presos em arbustos, mas nada que correspondesse às roupas que America vestia. O pior foi encontrar
algumas poucas gotas de sangue. Ficamos uma hora parados para examinar a copa de cada árvore,
analisar cada grão de terra que poderia ter sido revirado por passos.
A noite começava a cair e logo perderíamos a luz.
Enquanto os outros avançavam, fiquei para trás por um minuto. Em qualquer outra circunstância,
teria achado tudo aquilo lindo. A luz, filtrada pelas folhas, parecia o espírito dos raios de sol. As
árvores tocavam-se no alto, como se estivessem desesperadas por companhia. A sensação geral que o
lugar provocava era de fascínio.
E eu precisava me preparar para a possibilidade real de voltar sem America. Pior: podia voltar
com seu cadáver nos braços.
Doía só de pensar. Pelo que eu lutaria no mundo senão por ela?
Eu estava em busca das coisas boas. E ela era a única coisa boa em mim.
Segurei as lágrimas e permaneci forte. Só precisaria continuar lutando.
— Certifiquem-se de ter vasculhado todos os lugares — Markson relembrou. — Se a mataram,
podem tê-la pendurado ou tentado enterrá-la. Atenção.
As palavras dele renovaram minha dor, mas me esforcei por continuar.
— Senhorita America! — gritei.
— Estou aqui!
Apurei os ouvidos, com medo demais de acreditar.
— Estou aqui! — a voz repetiu.
America apareceu correndo, suja e descalça. Guardei a arma e abri os braços para ela.
— Graças aos céus — eu disse, aliviado.
Quis beijá-la naquele mesmo instante, mas saber que ela estava respirando, e nos meus braços, teria
que bastar.
— Estou com ela! Está viva! — avisei os outros e observei uniformes vindo na nossa direção.
Ela tremia um pouco e dava para perceber que ainda estava atordoada com toda aquela situação.
Não ligava para o ferimento na perna: America ficaria em meus braços de qualquer jeito. Peguei-a
no colo e ela se segu rou no meu pescoço.
— Estava com muito medo de encontrar seu corpo por aí — admiti. — Você está ferida?
— Um pouco, nas pernas.
Olhei para baixo e vi uns arranhões cobertos de sangue. De modo geral, tivemos sorte.
Markson parou na nossa frente, tentando esconder sua felicidade por encontrá-la.
— Senhorita America — perguntou —, você tem algum ferimento?
— Apenas uns arranhões na perna.
— Eles tentaram machucá-la?
— Não. Eles não me pegaram.
Essa é a minha garota.
Todas as expressões eram um misto de choque e alegria com a notícia, mas Markson certamente
era o mais contente.
— Penso que nenhuma das outras garotas correria mais rápido do que eles.
America suspirou, aliviada, e sorriu.
— Nenhuma das outras é uma Cinco.
Comecei a rir, assim como os outros. Nem toda experiência nas castas inferiores era inútil.
— Bom argumento — Markson comentou, dando um tapinha nas minhas costas sem tirar os olhos
de America. — Vamos levá-la de volta.
Ele liderou o caminho, gritando mais algumas instruções.
— Sei que você é rápida e esperta, mas fiquei apavorado — contei a ela durante o percurso.
Ela levou os lábios ao meu ouvido e confessou:
— Menti para o oficial.
— O que você quer dizer? — cochichei de volta.
— Eles chegaram a me alcançar.
Encarei-a, imaginando o que seria tão ruim a ponto de ela não querer contar na frente dos outros.
— Não fizeram nada, mas uma menina me viu — America continuou. — Ela fez uma reverência
e foi embora.
Fiquei aliviado e, em seguida, confuso.
— Reverência?
— Também fiquei surpresa. Ela não parecia brava ou amea çadora. Na verdade, parecia uma garota
normal.
Depois de uma pausa, acrescentou:
— Ela estava com livros, um monte de livros.
— Parece que isso acontece bastante — contei. — Ninguém faz ideia do que fazem com eles.
Meu palpite é que usam para fazer fogueiras. Acho que é frio onde eles vivem.
Cada vez ficava mais evidente que os rebeldes queriam apenas arruinar tudo o que o palácio
possuía: obras de arte, muralhas ou mesmo a sensação de segurança… E tomar as estimadas posses do
rei para simplesmente tacar fogo era como mostrar um enorme dedo do meio para a monarquia.
Se eu não tivesse vivenciado pessoalmente a crueldade que os rebeldes eram capaz de demonstrar,
teria achado graça.
Os outros soldados estavam tão próximos que ficamos calados pelo resto da caminhada, mas a
distância ficava mais curta com America tão perto de mim. Cheguei a desejar que o percurso fosse
maior. Depois do que acontecera, não queria sequer perdê-la de vista.
— Os próximos dias talvez sejam cheios para mim, mas tentarei vê-la em breve — sussurrei
quando o palácio despontou no horizonte. Era hora de devolvê-la a eles.
— Tudo bem — ela disse, se inclinando na minha direção.
— Leger, leve-a ao doutor Ashlar, e tire o dia de folga. Você fez um bom trabalho hoje —
Markson disse, dando tapinhas nas minhas costas mais uma vez.
Os corredores estavam repletos de funcionários, que ainda limpavam os vestígios do primeiro
ataque. As enfermeiras na ala hospitalar vieram tão depressa que não tive tempo de falar com
America novamente. Mas ao deitá-la no leito e reparar em seu vestido esfarrapado e suas pernas
arranhadas, não pude deixar de pensar que era culpa minha. Olhando em retrospecto para a origem
de tudo aquilo, tive certeza que sim. Já estava na hora de começar a consertar o estrago.
America dormia quando me esgueirei até a ala hospitalar naquela noite. Ela estava mais limpa, mas
seu rosto ainda demonstrava preocupação, mesmo em repouso.
— Oi, Meri — sussurrei ao me aproximar de seu leito.
Ela não se mexeu. Não ousei sentar, nem mesmo com a desculpa de que estava verificando se a
garota que salvei passava bem. Permaneci de pé, vestido com o uniforme recém-passado que usaria
apenas pelos poucos minutos necessários para desabafar.
Estendi a mão para tocá-la, mas desisti. Olhei bem em seu rosto adormecido e comecei a falar:
— Eu… eu vim pedir desculpas. Por hoje. Quer dizer… — respirei fundo. — Eu devia ter
corrido atrás de você. Devia ter protegido você. Mas não fiz nada disso, e você quase morreu.
Breves contrações em seus lábios indicavam que America sonhava.
— Para ser honesto, peço desculpas por muito mais do que isso — admiti. — Sinto muito por ter
perdido a cabeça na casa da árvore. Sinto muito por ter dito para você enviar aquele formulário
idiota. É que eu sempre achei… — engoli em seco — sempre achei que com você eu poderia fazer
as coisas direito.
Fiz uma pausa antes de continuar:
— Não consegui salvar meu pai. Não consegui proteger Jemmy. Mal posso sustentar minha
família, então pensei que talvez pudesse dar a você a chance de uma vida melhor do que a que eu
tinha a oferecer. E convenci a mim mesmo de que esse era o jeito certo de amá-la.
Observei-a por alguns instantes, desejando que eu tivesse coragem para confessar essas coisas
quando ela estivesse em condições de responder e dizer como eu errei.
— Não sei se posso desfazer minhas escolhas, Meri. Não sei se voltaremos a ser como antes. Mas
não vou deixar de tentar. Eu vivo por você — disse, dando de ombros. — Você é a única coisa pela
qual eu já quis lutar.
Havia muito mais a dizer, mas ouvi a porta da ala hospitalar se abrindo. Mesmo no escuro, o terno
de Maxon era inconfundível. Tratei de me retirar, com a cabeça baixa, para dar a impressão de que
estava apenas fazendo a ronda.
Ele sequer notou minha presença. Mal olhou para mim enquanto seguia em direção ao leito de
America. Observei-o puxar uma cadeira e sentar ao seu lado.
Não pude evitar o ciúme. Desde aquele primeiro dia no apartamento do irmão dela — desde o
momento em que descobri o que sentia por America —, fora obrigado a amá-la de longe. Mas
Maxon podia sentar ao seu lado, tocar sua mão: o abismo entre suas castas não importava.
Detive-me à porta, sem tirar os olhos da cena. A Seleção havia desgastado o laço entre mim e
America, e Maxon era uma lâmina afiada, capaz de cortá-lo completamente se chegasse perto
demais. E eu não tinha uma ideia clara do quão perto America o deixava chegar.
Tudo o que podia fazer era esperar, e dar a America o tempo de que ela parecia precisar. Para ser
sincero, o tempo de que nós todos precisávamos.
Só o tempo poderia resolver nossa situação.

Capítulo 10

Olhar para a parede perdia a graça depois de meia hora montando guarda. Já passava muito da meianoite,
e tudo o que eu podia fazer era esperar o amanhecer. Pelo menos meu tédio significava que
America estava segura.
O dia tinha passado sem grandes acontecimentos, exceto pela confirmação da chegada de visitas.
Mulheres. Muitas mulheres.
Em parte, ficava animado com a notícia. As damas que visitavam o palácio tendiam a ser menos
agressivas fisicamente. Suas palavras, porém, poderiam deflagrar guerras se ditas na entonação errada.
Os membros da Federação Alemã eram velhos amigos, o que nos favorecia em termos de
segurança. Os italianos eram uma caixinha de surpresas.
Pensei em America a noite inteira, imaginando o que significava sua expressão no Jornal Oficial.
Contudo, não sabia ao certo se devia perguntar sobre isso. Deixaria em suas mãos: se sentisse
vontade de contar, eu ouviria. Por ora, ela precisava se concentrar no que vinha adiante. Quanto
mais tempo ela ficasse no palácio, mais tempo eu a teria comigo.
Alonguei os ombros e ouvi meus ossos estalarem. Só mais algumas horas. Aprumei o corpo e
flagrei um par de olhos azuis me espiando da ponta do corredor.
— Lucy?
— Oi — ela respondeu, entrando no corredor. Logo atrás vinha Mary, trazendo um pequeno
cesto coberto por um pano.
— A senhorita America tocou o sino para chamá-las? Está tudo bem? — perguntei, colocando a
mão sobre a maçaneta para abrir a porta para as duas.
Lucy pôs a mão delicada no peito; parecia nervosa.
— Ah, está tudo bem. Hum, viemos ver se você estava aqui.
Fiz uma cara de estranhamento e afastei a mão da maçaneta.
— Bem, eu estou. Precisam de algo?
Elas trocaram olhares antes de Mary falar:
— Reparamos que você tem feito muitos turnos nos últimos dias. Imaginamos que poderia estar
com fome.
Mary puxou o pano do cesto, revelando uma pequena seleção de pães, bolos e brioches que
provavelmente tinham sobrado dos preparativos para o café da manhã.
Abri um sorriso no canto da boca.
— É muita gentileza de vocês, mas, primeiro, não posso comer no trabalho; e segundo, acho que
vocês já repararam que sou um cara bem forte.
Flexionei o braço, arrancando risinhos das duas.
— Posso tomar conta de mim mesmo — concluí.
— Sabemos que você é forte — Lucy disse, inclinando a cabeça para o lado —, mas aceitar ajuda
também é um tipo de força.
Suas palavras quase me deixaram sem ar. Desejei que alguém tivesse dito aquilo para mim meses
antes. Eu poderia ter evitado tanta dor…
Observei o rosto das duas. Elas lembravam America naquela última noite na casa da árvore:
esperançosas, empolgadas, ternas. Meus olhos se voltaram para o cesto de comida. Eu continuaria
com isso? Afastaria as poucas pessoas que me davam a sensação de ser eu mesmo?
— O plano é o seguinte: se alguém aparecer, vocês dizem que me imobilizaram no chão e me
forçaram a comer. Combinado?
Mary sorriu e estendeu o cesto.
— Combinado.
Peguei um pedaço do pãozinho de canela e dei uma mordida.
— Vocês também vão comer, certo? — perguntei enquanto mastigava.
Lucy esfregou as mãos com entusiasmo antes de caçar algo no cesto. Mary logo fez o mesmo.
— Então, como estão as imobilizações de vocês? — brinquei. — Quer dizer, preciso garantir que
nossa história seja convincente.
Lucy cobriu a boca com a mão enquanto ria.
— Por incrível que pareça, isso não faz parte do nosso treinamento.
Arregalei os olhos.
— Como assim? São as coisas mais importantes por aqui. Limpar, servir e lutar em combates
corpo a corpo.
Ambos riam enquanto comiam.
— É sério — continuei. — Quem é a responsável? Vou escrever uma carta para ela.
— Vamos comentar com a chefe das criadas pela manhã — Mary prometeu.
— Ótimo — concordei, para logo em seguida dar outra mordida e balançar a cabeça, fingindo
indignação.
Mary engoliu o pedaço que estava em sua boca e disse:
— Você é tão engraçado, soldado Leger.
— Aspen.
Ela sorriu novamente e continuou:
— Aspen. Você vai ficar depois que acabar o serviço obrigatório? Tenho certeza de que se você se
inscrever, o palácio irá aceitá-lo como guarda permanente.
Depois que me tornara Dois, meu desejo era continuar como soldado… mas no palácio?
— Acho que não. Minha família está em Carolina. Tentarei servir lá se puder.
— Que pena — Lucy sussurrou.
— Não fique triste ainda. Tenho quatro anos pela frente.
Ela abriu um sorrisinho.
— Verdade.
Mas dava para notar que Lucy ainda não estava bem. Lembrei de seu comentário mais cedo, de
que as pessoas com quem se importava tendiam a ir embora. Me senti ao mesmo tempo feliz e
incomodado por, de algum modo, ter me tornado importante para ela. Ela era importante para
mim, claro. Assim como Anne e Mary. Só que meu contato com as três se dava quase
exclusivamente através de America. Como eu tinha me tornado importante para elas?
— Sua família é grande? — Lucy quis saber.
Fiz que sim com a cabeça.
— Três irmãos: Reed, Beckner e Jemmy, e três irmãs: Kamber e Celia, que são gêmeas, e Ivy, a
mais nova. Mais a minha mãe.
Mary começou a cobrir o cesto de novo.
— E seu pai? — ela perguntou.
— Morreu faz alguns anos.
Eu finalmente podia contar isso sem desmoronar por dentro. Antes, falar da morte do meu pai me
dava uma sensação de fraqueza, porque eu ainda precisava dele. Todos precisávamos. Mas tive sorte.
Às vezes, os pais de família simplesmente desapareciam em meio às castas inferiores, deixando suas
famílias para trás, para lutarem sozinhas ou perecerem.
Meu pai, porém, fez o possível até o fim. A vida sempre seria difícil por sermos Seis, mas ele nos
mantinha numa situação estável, para termos um pouco de orgulho do que fazíamos e de quem
éramos. Eu queria ser como ele.
Os pagamentos eram melhores no palácio, mas eu proveria melhor minha família se estivesse mais
perto de casa.
— Sinto muito — Lucy disse suavemente. — Minha mãe também morreu há alguns anos.
Saber que Lucy havia perdido a pessoa mais importante de sua vida fez com que eu redesenhasse a
imagem que tinha dela na cabeça, preenchendo todas as lacunas.
— Nunca mais é a mesma coisa, não é?
Ela sacudiu a cabeça e baixou os olhos para o tapete.
— Ainda assim — falou —, precisamos buscar as coisas boas.
Ela levantou o rosto, e pude entrever uma exígua esperança em sua expressão. Não consegui tirar
os olhos dela.
— Curioso você dizer isso.
Ela olhou para Mary e depois para mim.
— Por quê?
Dei de ombros.
— Apenas é.
Enfiei o último pedaço de pão na boca e limpei os farelos dos dedos.
— Obrigado, senhoritas, pela comida, mas é melhor vocês irem. Não é lá muito seguro circular
pelo palácio à noite.
— Tudo bem — Mary disse. — Já estava na hora de melhorarmos nossas habilidades na luta corpo
a corpo mesmo.
— Pule sobre Anne — aconselhei. — Nunca subestime o elemento surpresa.
Ela riu novamente.
— Não vamos subestimar. Boa noite, soldado Leger — ela se despediu, já seguindo pelo corredor.
— Esperem — pedi.
Ambas pararam. Indiquei a parede com uma passagem secreta.
— Não querem ir pelos fundos? Eu ficaria bem mais aliviado — sugeri.
Elas sorriram.
— Sem problemas.
Mary e Lucy acenaram ao passar por mim. Quando chegaram até a parede, Mary puxou a
maçaneta, mas Lucy cochichou algo. Mary concordou com a cabeça e sumiu escadaria abaixo, e
Lucy voltou até mim.
Ela remexia as mãos, seu tique nervoso reaparecendo à medida que se aproximava.
— Não sou… Não sou boa com palavras — ela confessou, balançando o corpo de leve. — Só
queria agradecer por ser tão simpático conosco.
— Não é nada — respondi, balançando a cabeça.
— Para nós, é.
Seus olhos estavam cheios de uma intensidade que eu nunca vira antes. Ela continuou:
— Não importa o número de vezes que as criadas da lavanderia ou da cozinha nos digam que
temos sorte, não nos sentimos assim a não ser que alguém admire nosso trabalho. A senhorita
America faz isso, o que não esperávamos. E você também faz. Vocês dois são bondosos sem se
esforçarem para isso — ela abriu um sorriso ao dizer as palavras. — Só achei que você devia saber o
quanto isso é importante. Talvez ainda mais para Anne, mas ela nunca admitiria.
Eu não sabia como reagir. Depois de refletir por uns instantes, a única coisa que me veio à mente
foi:
— Obrigado.
Lucy assentiu e, incerta do que dizer, partiu rumo à passagem na parede.
— Boa noite, senhorita Lucy.
Ela se virou para mim, e parecia que eu tinha lhe dado o melhor presente do mundo.
— Boa noite, Aspen.
Quando ela se foi, meus pensamentos se voltaram para America. Ela aparentara muita preocupação
no Jornal Oficial, mas me perguntei se tinha noção da mudança que seu comportamento causava nas
pessoas ao seu redor. Seu pai tinha razão: ela era boa demais para o palácio.
Eu precisava arrumar tempo para lhe dizer o quanto ela ajudava as pessoas sem perceber. Por ora,
esperava que ela estivesse descansando, sem se preocupar com seja lá o que estivesse…
Meus pensamentos foram interrompidos por três mordomos que passaram correndo por mim; um
deles chegou a tropeçar. Enquanto seguia para o fim do corredor para descobrir do que corriam, a
sirene soou.
Nunca a escutara antes, mas sabia o que aquele som significava: rebeldes.
Disparei de volta e escancarei a porta do quarto de America. Se havia correria, talvez já
estivéssemos em desvantagem.
— Droga, droga, droga — resmunguei. America precisava se vestir o mais rápido possível.
— Hein? — ela disse, sonolenta.
Roupas. Precisava encontrar roupas.
— Levante-se, Meri! Onde estão seus malditos sapatos?
Ela jogou o cobertor longe e levantou, dando com os pés em cima dos sapatos.
— Aqui. Preciso do roupão — ela disse, apontando para ele enquanto ajeitava os sapatos. Fiquei
feliz por ter entendido a urgência rapidamente.
Peguei o roupão todo dobrado ao pé da cama e comecei a procurar o lado certo.
— Deixe para lá. Eu carrego.
Ela o arrancou da minha mão e eu a apressei até a porta.
— Você precisa correr — alertei. — Não sei o quão perto estão.
Ela concordou com a cabeça. Dava para sentir a adrenalina pulsando dentro de mim. Envolvi
America em meus braços na escuridão, embora soubesse que aquele não era o momento para isso.
Pressionei meus lábios contra os dela, enroscando a mão em seus cabelos e a puxando para mim.
Idiotice. Muita, muita idiotice. Mas parecia certo em milhares de sentidos. A sensação era de que
fazia uma eternidade desde a última vez que tínhamos nos beijado tão profundamente, mas nos
deixamos envolver sem dificuldades. Seus lábios eram cálidos, e o gosto familiar de sua pele ainda
estava lá. Debaixo de um leve aroma de baunilha, reencontrei seu cheiro: o aroma natural exalado
por seu cabelo, suas bochechas e seu pescoço.
Eu poderia ter ficado ali a noite inteira, e percebi que ela também, mas precisava levá-la a um
abrigo.
— Vá. Agora — ordenei, empurrando-a para o corredor. Não olhei para trás ao dobrar a esquina.
Me preparei para encarar o que quer que estivesse à minha espera.
Saquei o revólver e olhei para os lados em busca de algo suspeito. Vi o rastro do vestido de uma
criada que entrava em um dos abrigos secretos. Esperava que Lucy e Mary já tivessem chegado até
Anne e as três estivessem escondidas, longe do perigo.
Ao ouvir o som inconfundível de disparos, avancei pelo corredor rumo à escadaria principal. Pelo
barulho, os rebeldes estavam concentrados apenas no primeiro andar. Ajoelhei no canto da parede à
espera dos passos que se aproximavam.
Instantes depois, alguém correu escada acima. Levei menos de um segundo para identificá-lo como
um intruso. Mirei e atirei, atingindo o homem no braço. Gemendo, o rebelde caiu para trás, e vi
um guarda saltar para capturá-lo.
Ouvi um estrondo na outra ponta do corredor. Os rebeldes tinham descoberto a escada lateral e
subiam para o segundo andar.
— Se encontrarem o rei, matem-no! Levem o que conseguirem carregar. Eles precisam saber que
estivemos aqui! — alguém berrava.
Me aproximei o mais silenciosamente possível daquela gritaria, me escondendo pelos cantos e
olhando várias vezes antes de seguir adiante. Quando me virei, notei outros dois uniformes.
Gesticulei para que se abaixassem e se movessem devagar. Quando chegaram mais perto, identifiquei
Avery e Tanner. Eu não podia ter pedido reforços melhores. Avery era muito bom de mira, e
Tanner sempre se esforçava além do seu dever, já que tinha mais a perder do que os outros.
Tanner era um dos poucos soldados recrutados depois de casado. Já nos contara várias vezes como
a esposa reclamava por ele usar a aliança no polegar — o anel pertencera a seu avô, mas eles não
tinham dinheiro para mandar ajustar. Ele prometeu à mulher que essa seria a primeira coisa com que
gastaria ao voltar para casa, junto com uma aliança melhor para ela.
Ela era a America dele. Mantinha sempre a concentração por causa dela.
— O que houve? — Avery sussurrou.
— Acho que acabei de ouvir o líder. Ordenou que os rebeldes matassem o rei e roubassem o que
fosse possível.
Tanner se levantou, com a arma em punho, em posição de espreita.
— Precisamos encontrá-los para garantir que estejam seguindo para os andares de cima, longe do
abrigo — falou.
Assenti.
— Talvez sejam mais do que damos conta, mas se agirmos discretamente, acho que…
Na outra ponta do corredor, uma porta se abriu de repente. Um mordomo corria com dois
rebeldes em seu encalço. Tratava-se do jovem mordomo, o da cozinha. Parecia perdido e
aterrorizado. Os rebeldes aparentemente carregavam ferramentas de fazenda, então pelo menos não
poderiam devolver nossos tiros.
Virei na direção deles, estabilizei o peso do corpo e mirei.
— Pro chão! — gritei para o mordomo, que obedeceu.
Acertei um dos rebeldes na perna. Avery acertou o outro, mas seu tiro, intencionalmente ou não,
pareceu muito mais letal.
— Vou amarrar os dois — Avery avisou. — Encontrem o líder.
Vi o mordomo levantar e correr para um dos quartos. Não importava que qualquer um poderia
entrar ou sair facilmente; ele precisava da ilusão de segurança.
Escutei mais gritos, mais disparos, e concluí que aquele era um dos ataques pesados. Tentei me
concentrar. Tinha uma missão, e ela era tudo o que eu podia enxergar.
Tanner e eu nos esgueiramos até o terceiro andar. Pelo caminho, encontramos várias mesas, obras
de arte e vasos destruídos. Um rebelde pichava a parede com uma espécie de tinta pastosa que
certamente trouxera consigo. Me aproximei rapidamente por trás e lhe dei uma coronhada. Ele
caiu, e eu abaixei para revistá-lo atrás de armas.
No instante seguinte, uma nova leva de disparos soou na outra ponta do corredor. Tanner me
arrastou para trás de um sofá tombado. Quando o barulho cessou, espiamos para calcular o perigo.
— Conto seis rebeldes — ele disse.
— Eu também. Posso pegar dois, talvez três.
— Isso basta. Os outros devem correr. Ou talvez estejam armados…
Olhei ao redor. Com o estilhaço de um espelho quebrado, cortei uma tira do estofado do sofá e
enrolei no vidro.
— Use isto se chegarem perto demais.
— Boa — Tanner comentou, antes de mirar nos rebeldes. Fiz o mesmo.
Os disparos foram rápidos, e cada um de nós acertou dois rebeldes antes de os outros dois
correrem na nossa direção, e não na contrária. Lembrando das ordens de manter os rebeldes vivos
para interrogatório, mirei nas pernas, mas eles se moviam tão depressa que errei os tiros.
Tanner e eu observamos os dois: o primeiro, enorme, desviou para o lado de Tanner; o outro, um
cara mais velho, descabelado e com um olhar insano, veio na minha direção. Guardei a arma e me
preparei para a briga.
— Droga. Você ficou com o mais fácil — Tanner comentou antes de saltar uma cadeira e avançar
com toda a força contra seu oponente.
Eu estava uma fração de segundo atrás. O rebelde mais velho se aproximou aos berros, suas mãos
curvadas como garras. Agarrei um de seus braços e feri seu peito com a faca improvisada.
Ele não era lá muito forte; parte de mim chegou a ter pena. Ao segurar seu braço, pude sentir seus
ossos facilmente.
Ele gemeu e caiu de joelhos. Puxei seus braços e pernas para trás e os amarrei. Enquanto dava o
nó, alguém me agarrou pelas costas e me atirou contra um retrato na parede, me fazendo cortar a
testa no vidro.
Fiquei atordoado. O sangue atrapalhava minha visão, tornando difícil reagir. Senti uma ponta de
pânico antes de relembrar meu treinamento. Abaixei, e ele me segurou pelos ombros novamente.
Como uma alavanca, lancei o corpo dele para a frente.
Apesar de ser muito maior que eu, o rebelde se estatelou no chão coberto de destroços. Procurei
uma corda mais resistente, mas logo caí sob o peso de outro rebelde.
Eu estava imobilizado, com os braços presos por um homem gigante que sentava sobre a minha
barriga.
— Me leve até o rei — ele ordenou. Sua voz era áspera; seu hálito fétido e pantanoso.
Sacudi a cabeça.
Ele soltou meus braços e me segurou pelo colarinho, se aproximando do meu rosto. Antes que eu
pudesse atacá-lo com as mãos, ele bateu minha cabeça no chão, me atordoando mais uma vez.
Minha cabeça girava e comecei a sentir falta de ar. O rebelde apertava meu crânio, me obrigando a
encará-lo.
— ONDE ESTÁ O REI?
— Não sei — respondi ofegante, lutando contra a dor na minha cabeça.
— Vamos lá, rapazinho — ele provocou. — Entregue o rei, e pode ser que saia dessa vivo.
Eu não podia revelar o abrigo. Apesar de odiar o que o rei fazia, entregá-lo implicava entregar
America, e isso estava fora de questão.
Eu podia mentir. Ganhar tempo suficiente para escapar da situação.
Ou podia morrer.
— Quarto andar — menti. — Sala escondida na ala leste. Maxon está lá também.
Ele riu, deixando escapar o hálito nojento.
— Não foi difícil, foi?
Permaneci calado.
— Se você tivesse me contado quando perguntei pela primeira vez, talvez eu não tivesse que fazer
isto.
Ele pôs as mãos em volta do meu pescoço e começou a apertar. Mais uma tortura para minha
cabeça, que àquela altura parecia que ia explodir. Minhas pernas se debatiam e ergui a cintura na
tentativa de tirá-lo de cima de mim. Inútil. Ele era simplesmente grande demais.
Senti meus membros pararem de funcionar. Todo o oxigênio escapava do meu corpo.
Quem contaria à minha mãe?
Quem cuidaria da minha família?
… pelo menos beijei America uma última vez.
… última vez.
… vez.
Em meio à tontura, ouvi um disparo e senti o enorme rebelde perder as forças e cair para o lado.
Minha garganta emitia ruídos bizarros ao puxar o ar novamente para dentro do corpo.
— Leger? Você está bem?
Minha visão escurecia, então não pude enxergar o rosto de Avery. Mas ouvia sua voz. Era o suficiente.

Capítulo 9

Eu tinha ouvido falar do chá para as moças da Elite e sabia que America não estaria no quarto
quando bati na porta.
— Soldado Leger — Anne disse ao abrir, com um grande sorriso. — Que prazer em vê-lo.
A essas palavras, Lucy e Mary se aproximaram para me cumprimentar.
— Olá, soldado Leger — Mary disse.
— A senhorita America não está no momento. Chá com a família real — Lucy acrescentou.
— Ah, eu sei. Gostaria de conversar com as senhoritas um momento.
— Claro — Anne disse, indicando o interior do quarto.
Caminhei até a mesa, e as três logo puxaram a cadeira para mim.
— Não — insisti. — Vocês é que devem sentar.
Mary e Lucy ocuparam os dois assentos. Anne e eu ficamos de pé.
Tirei o chapéu e apoiei a mão no encosto da cadeira de Mary. Queria que ficassem à vontade para
falar comigo e esperava que deixar a formalidade de lado ajudasse.
— Em que podemos ajudar? — Lucy perguntou.
— Estou apenas verificando a segurança. Queria saber se vocês notaram alguma coisa incomum.
Pode parecer bobo, mas os mínimos detalhes podem nos ajudar a manter as garotas da Elite seguras.
Era verdade, mas não era exatamente da nossa alçada ir atrás dessas informações.
Anne inclinou a cabeça, ponderando. Já Lucy cravou os olhos no teto, pensativa.
— Acho que não — Mary quebrou o silêncio.
— De diferente, só o fato de a senhorita America estar menos ativa desde o Halloween —
comentou Anne.
— Por causa de Marlee? — chutei.
Todas confirmaram com a cabeça.
— Acho que ela ainda não superou — Lucy disse. — Não que eu a culpe por isso.
— Claro que não — Anne disse, dando-lhe um tapinha no ombro.
— Então além de frequentar o Salão das Mulheres e comparecer às refeições, ela praticamente só
fica no quarto?
— Sim — Mary confirmou. — A senhorita America já tinha feito isso antes, mas ultimamente
parece que quer ficar escondida.
A partir disso, deduzi duas coisas importantes. Primeiro: America já não passava tempo a sós com
Maxon. Segundo, nossos encontros ainda passavam despercebidos, mesmo para as pessoas mais
próximas a ela.
Os dois detalhes inflaram meu coração de esperança.
— Há algo mais que a gente deva fazer? — Anne perguntou.
Achei graça. Era o tipo de questão que eu teria feito se fosse ela, para tentar me antecipar aos
problemas.
— Acho que não. Prestem atenção nas coisas que veem e escutam, como sempre, e sintam-se à
vontade para me contatar diretamente se acharem que algo está errado.
Seus rostos estavam ansiosos para agradar.
— Você é um guarda maravilhoso, soldado Leger — Anne elogiou.
Neguei com a cabeça.
— É apenas meu trabalho. E, como vocês sabem, a senhorita America é da minha província.
Quero cuidar dela.
Foi a vez de Mary se dirigir a mim:
— Acho tão engraçado vocês dois virem da mesma província e agora você ser praticamente o
guarda-costas dela. Vocês moravam perto em Carolina?
— Mais ou menos — tentei manter nossa proximidade vaga.
Lucy abriu um sorriso radiante.
— Você chegou a conhecê-la mais nova? Como ela era na infância?
Não consegui conter um sorriso.
— Topei com ela algumas vezes. Era uma menina moleque. Sempre na rua com o irmão.
Teimosa feito uma mula e, pelo que lembro, muito, mas muito talentosa.
Lucy achou graça.
— Então, praticamente a mesma de sempre — ela comentou, e todos riram.
— Praticamente — confirmei.
Essas palavras alimentaram ainda mais os sentimentos em meu peito. America era familiar para
mim por mil razões. E, sob os vestidos de gala e as joias, essas razões ainda estavam lá.
— Preciso descer. Não quero perder o Jornal Oficial.
Estendi o braço sobre as garotas para apanhar o chapéu.
— Talvez seja bom irmos com você — Mary sugeriu. — Está quase na hora.
— Claro.
O Jornal Oficial era o único programa de televisão que os funcionários podiam assistir. E havia
apenas três lugares para tal: a cozinha, a oficina onde as criadas costuravam e um amplo espaço de
convivência que era mais usado como local de trabalho do que como área de lazer. Eu preferia a
cozinha. Anne foi à frente, com Lucy e Mary logo atrás, junto comigo.
— Eu ouvi algo sobre visitas, soldado Leger — Anne disse, fazendo uma pausa para conversar. —
Mas pode ser apenas boato.
— Não, é verdade — repliquei. — Não sei detalhes, mas ouvi que chegarão duas comitivas.
— Viva! — Mary exclamou, sarcástica. — Serei condenada a passar toalhas de mesa de novo. Ei,
Anne, seja sua tarefa qual for, podemos trocar? — perguntou, acorrendo a Anne. Logo as duas
estavam discutindo sobre as tarefas que ainda nem tinham recebido.
Ofereci o braço a Lucy.
— Madame.
Ela sorriu, passou a mão pelo meu braço e empinou o nariz.
— Senhor.
Atravessamos o corredor. Enquanto as três conversavam sobre afazeres incompletos e vestidos com
barra por fazer, me dei conta de que costumava ficar muito feliz quando passava o tempo com as
criadas de America.
Podia ser Seis com elas.
Sentei no balcão com Lucy de um lado e Mary do outro. Anne circulava pedindo silêncio, pois o
Jornal Oficial estava prestes a começar.
Cada vez que as câmeras focavam nas garotas, eu notava algo de errado. America parecia
deprimida. Pior: estava tentando disfarçar, e falhava miseravelmente.
O que a preocupava tanto?
Pelo canto do olho, vi Lucy retorcendo as mãos.
— O que houve? — sussurrei.
— Alguma coisa está errada com a minha senhorita. Posso ver em seu rosto.
Lucy levou a mão à boca e começou a roer as unhas.
— O que será que aconteceu com ela? — continuou. — A senhorita Celeste parece pronta para
dar o bote. O que faremos se ela ganhar?
Pus a mão em seu colo e, milagrosamente, ela se acalmou e me lançou um olhar maravilhado.
Tinha a impressão de que as pessoas ignoravam o nervosismo de Lucy.
— A senhorita America ficará bem.
Ela concordou, sentindo-se reconfortada por minhas palavras.
— Mas eu gosto dela — Lucy cochichou. — Quero que fique. Parece que todo mundo vai
embora quando quero que fiquem.
Então Lucy tinha perdido alguém. Talvez muitas pessoas. Passei a entender um pouco melhor seus
problemas de ansiedade.
— Bom, você vai ter que me aturar pelos próximos quatro anos — comentei, dando-lhe uma leve
cutucada. Ela sorriu e segurou as lágrimas nos olhos.
— Você é muito simpático, soldado Leger. Todas achamos isso — ela disse, passando o dedo pelos
cílios.
— Bom, vocês também são senhoritas muito simpáticas. Sempre fico feliz em vê-las.
— Não somos senhoritas — ela respondeu, baixando o olhar.
Discordei:
— Se Marlee ainda é uma senhorita por ter se sacrificado por alguém que amava, então vocês com
certeza também são. Na minha opinião, vocês se sacrificam todos os dias. Cedem seu tempo e sua
energia aos outros, o que é exatamente a mesma coisa.
Reparei que Mary deu uma olhada na nossa direção antes de voltar a encarar a televisão. Anne
também deve ter escutado minhas palavras, porque parecia inclinada para ouvir melhor.
— Você é o melhor guarda que temos, soldado Leger.
Sorri.
— Quando estamos aqui em baixo, podem me chamar de Aspen.

Capítulo 8

Esperei até ter certeza de que todos dormiam e então abri a porta de America. Fiquei empolgado ao
encontrá-la ainda acordada. Eu passara o dia desejando que ela me esperasse, e o jeito que ela
inclinou a cabeça e se aproximou de mim me deu a impressão de que já esperava me encontrar
naquela noite.
Como sempre, deixei a porta aberta e me ajoelhei ao lado da cama.
— Como vão as coisas?
— Tudo bem, acho. — Dava para notar por sua voz que não era bem assim. — Celeste me
mostrou este artigo hoje. Não sei se quero falar disso. Estou tão cansada dela.
Qual era o problema daquela garota? Será que se achava capaz de torturar os outros e conseguir a
coroa através de trapaças? Sua presença contínua no palácio era mais um exemplo do péssimo gosto
de Maxon.
— Acho que com Marlee fora, ele vai demorar para dispensar alguém, não?
Ela deu de ombros de maneira tão triste e breve que parecia ter gasto toda sua energia no gesto.
— Ei — chamei, pondo a mão sobre seu joelho —, vai ficar tudo bem.
America abriu um sorriso fraco.
— Eu sei. Só sinto saudades dela. E estou confusa.
— Confusa sobre o quê? — perguntei, ajeitando-me em uma posição mais confortável para ouvir.
Sua resposta veio desesperada.
— Sobre tudo: o que faço aqui, quem sou eu. Pensei que soubesse… — ela esfregou as mãos,
como se quisesse escolher as palavras certas. — Não sei nem explicar direito.
Olhei para America e me dei conta de que a perda de Marlee e a descoberta do verdadeiro
caráter de Maxon a tinham exposto a verdades que ela não queria enxergar. Isso desfez seu encanto
talvez rápido demais. Parecia paralisada, receosa de dar qualquer passo por não conhecer as
armadilhas ao longo do caminho. America tinha me visto perder o pai e aguentar as chibatadas de
Jemmy, e testemunhou minha luta para manter minha família segura e alimentada. Mas ela só vira
tudo isso; nunca sentira na pele. Sua família estava intacta — com exceção de seu irmão idiota —, e
ela nunca perdera nada de verdade.
Talvez com exceção de você, imbecil , parte de mim acusava. Afastei o pensamento. O foco no
momento era ela, não eu.
— Você sabe quem é, Meri. Não deixe eles mudarem você.
Ela mexeu a mão, como se estivesse prestes a tocar a minha. Só que não o fez.
— Aspen, posso lhe perguntar uma coisa?
Seu rosto ainda estava repleto de preocupações. Concordei com a cabeça.
— É meio estranho. Se para ser princesa eu não precisasse casar com ninguém, se fosse apenas um
cargo que eu pudesse escolher, você acha que eu seria capaz?
Eu esperava qualquer coisa, menos aquilo. Foi difícil crer que ela ainda considerava a hipótese de
se tornar princesa. Mas talvez não considerasse. Era só uma especulação, e ela tinha dito que pensava
naquilo sem estar ao lado de Maxon.
Levando em conta a maneira como ela tinha lidado com tudo que acontecera em público, pude
imaginar que se sentiria impotente ao enfrentar as coisas que se passavam atrás de portas fechadas.
America era boa em várias coisas, mas…
— Perdão, Meri. Não acho. Você não é calculista como eles — respondi, tentando demonstrar
que não era um insulto. Na verdade, estava feliz por ela não ser esse tipo de pessoa.
Ela franziu as sobrancelhas finas.
— Calculista? Como assim?
Soltei um suspiro, tentando pensar em como explicar sem entrar em muitos detalhes.
— Estou em toda parte, Meri, e escuto muita coisa. Há muita agitação no sul, nas áreas com
grande concentração de castas inferiores. Segundo os guardas mais antigos, essas pessoas nunca
concordaram muito com os métodos de Gregory Illéa, e já faz tempo que há conflitos na região.
Dizem por aí que foi por isso que o rei ficou fascinado pela rainha. Ela veio do sul, e sua escolha
acalmou as coisas por uns tempos. Parece que já não é mais assim.
Ela refletiu sobre minhas palavras e comentou:
— Isso não explica o que você quis dizer com calculista.
O que poderia acontecer se eu compartilhasse com ela o que sabia? Ela tinha mantido nosso
relacionamento em segredo por dois anos. Podia confiar nela.
— Outro dia, antes dessa história de Halloween, eu estava em um dos escritórios. Eles discutiam
sobre simpatizantes dos rebeldes no sul. Pediram-me que levasse umas cartas para a ala postal em
segurança. Havia mais de trezentas cartas, America. Trezentas famílias rebaixadas de casta por não
terem denunciado alguma coisa ou por terem ajudado alguém que o palácio considerava uma
ameaça.
Ela chegou a perder o ar, e pude notar dezenas de situações se desenrolando diante de seus olhos.
— Eu sei — continuei. — Dá para imaginar? E se fosse você? Você só sabe tocar piano, e de
repente, tem que arrumar emprego em um escritório. Como encontrar um emprego na área? A
mensagem é bem clara.
A preocupação dela mudou de foco.
— E Maxon… ele sabe disso?
Era uma boa pergunta.
— Acho que sim. Falta pouco para ele governar sozinho.
Ela assentiu. Deixei que absorvesse a informação junto com todas as outras que descobrira
recentemente sobre seu “namorado”.
— Não conte para ninguém, certo? Um deslize como esse poderia custar meu emprego — alertei,
acrescentando mentalmente: “e muitas outras coisas”.
— Claro. Já esqueci.
Seu tom de voz era leve e tentava mascarar suas preocupações. Seu esforço me fez sorrir.
— Sinto saudades de estar com você, longe de tudo isso. Saudades dos nossos problemas de antes
— lamentei. O que eu não daria para estar irritado porque ela tinha me preparado um jantar…
— Entendo o que você quer dizer — ela disse, com um riso sincero. — Andar às escondidas pelo
meu quintal é tão mais fácil do que no palácio.
— E desdobrar-me para arrumar uma moedinha para você era melhor que não ter nada para
oferecer — acrescentei, dando uma batidinha no jarro ao lado de sua cama. Sempre achei um bom
sinal ela mantê-lo por perto mesmo antes de eu chegar ao palácio. — Eu não sabia que você
guardava todas até a véspera da sua partida — completei, lembrando do impressionante peso que
senti quando America virou o jarro sobre minhas mãos.
— Claro que eu guardava! — ela exclamou, orgulhosa. — Quando você estava longe, elas eram
tudo o que me restava. Às vezes, eu as despejava em cima da cama só para juntá-las de novo. Era
bom ter algo que você tinha tocado.
Ela era como eu. Nunca peguei nada dela para guardar, mas armazenava cada momento como se
fosse um objeto. Eu repassava essas memórias sempre que as coisas estavam mais calmas. Passava
mais tempo com ela do que ela jamais imaginara.
— O que você fez com elas? — America quis saber.
Abri um sorriso.
— Estão em casa, esperando.
Antes de America partir para a Seleção, eu tinha guardado um pouco de dinheiro para me casar
com ela. Mais recentemente, pedi à minha mãe que separasse um pouco de cada pagamento para
mim. Tinha certeza de que ela sabia qual era o destino daquele dinheiro. Mas entre todas as minhas
economias, aquelas moedinhas eram a coisa mais preciosa.
— Esperando o quê?
Um casamento decente. Alianças de verdade. Nossa casa própria.
— Isso eu não posso dizer.
Eu lhe contaria tudo em breve. Ainda estávamos percorrendo nosso caminho de volta um para o
outro.
— Ótimo — ela falou, fingindo estar irritada. — Guarde seus segredos. E não se preocupe por não
ter nada para me dar. Já estou feliz por tê-lo aqui, por finalmente podermos acertar as coisas, mesmo
que não seja como nos velhos tempos.
Franzi a testa. Estávamos assim tão distantes do que já tínhamos sido? Tão distantes que ela
precisava afirmar com todas as letras? Não. Não para mim. Ainda éramos os mesmos de Carolina, e
eu precisava fazer com que se lembrasse disso.
Queria dar o mundo a ela, mas tudo o que tinha no momento eram as roupas do corpo. Olhei
para baixo, arranquei um botão e o ofereci a ela.
— Literalmente, não tenho nada mais a oferecer, mas você pode agarrar-se a isto, uma coisa que
toquei, e pensar em mim a qualquer hora. Pode ter certeza de que estarei pensando em você
também.
Ela pegou o botãozinho dourado da minha mão e olhou para ele como se eu lhe tivesse dado a lua.
Seus lábios tremiam e ela respirava devagar, como se estivesse prestes a chorar. Talvez eu tivesse
estragado tudo.
— Não sei como fazer isso agora — confessou. — Sinto que não sei mais fazer nada. Eu… eu não
esqueci você, certo? Você ainda está aqui.
Ela levou a mão ao peito, e vi seus dedos se cravarem na pele, na tentativa de acalmar o que quer
que se passasse em seu coração.
Sim, ainda havia um longo caminho a percorrer, mas sabia que passaria rápido se o percorrêssemos
juntos.
Sorri. Já não precisava saber mais.
— Isso basta para mim.

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