quarta-feira, 2 de abril de 2014

Capítulo 9

Eu tinha ouvido falar do chá para as moças da Elite e sabia que America não estaria no quarto
quando bati na porta.
— Soldado Leger — Anne disse ao abrir, com um grande sorriso. — Que prazer em vê-lo.
A essas palavras, Lucy e Mary se aproximaram para me cumprimentar.
— Olá, soldado Leger — Mary disse.
— A senhorita America não está no momento. Chá com a família real — Lucy acrescentou.
— Ah, eu sei. Gostaria de conversar com as senhoritas um momento.
— Claro — Anne disse, indicando o interior do quarto.
Caminhei até a mesa, e as três logo puxaram a cadeira para mim.
— Não — insisti. — Vocês é que devem sentar.
Mary e Lucy ocuparam os dois assentos. Anne e eu ficamos de pé.
Tirei o chapéu e apoiei a mão no encosto da cadeira de Mary. Queria que ficassem à vontade para
falar comigo e esperava que deixar a formalidade de lado ajudasse.
— Em que podemos ajudar? — Lucy perguntou.
— Estou apenas verificando a segurança. Queria saber se vocês notaram alguma coisa incomum.
Pode parecer bobo, mas os mínimos detalhes podem nos ajudar a manter as garotas da Elite seguras.
Era verdade, mas não era exatamente da nossa alçada ir atrás dessas informações.
Anne inclinou a cabeça, ponderando. Já Lucy cravou os olhos no teto, pensativa.
— Acho que não — Mary quebrou o silêncio.
— De diferente, só o fato de a senhorita America estar menos ativa desde o Halloween —
comentou Anne.
— Por causa de Marlee? — chutei.
Todas confirmaram com a cabeça.
— Acho que ela ainda não superou — Lucy disse. — Não que eu a culpe por isso.
— Claro que não — Anne disse, dando-lhe um tapinha no ombro.
— Então além de frequentar o Salão das Mulheres e comparecer às refeições, ela praticamente só
fica no quarto?
— Sim — Mary confirmou. — A senhorita America já tinha feito isso antes, mas ultimamente
parece que quer ficar escondida.
A partir disso, deduzi duas coisas importantes. Primeiro: America já não passava tempo a sós com
Maxon. Segundo, nossos encontros ainda passavam despercebidos, mesmo para as pessoas mais
próximas a ela.
Os dois detalhes inflaram meu coração de esperança.
— Há algo mais que a gente deva fazer? — Anne perguntou.
Achei graça. Era o tipo de questão que eu teria feito se fosse ela, para tentar me antecipar aos
problemas.
— Acho que não. Prestem atenção nas coisas que veem e escutam, como sempre, e sintam-se à
vontade para me contatar diretamente se acharem que algo está errado.
Seus rostos estavam ansiosos para agradar.
— Você é um guarda maravilhoso, soldado Leger — Anne elogiou.
Neguei com a cabeça.
— É apenas meu trabalho. E, como vocês sabem, a senhorita America é da minha província.
Quero cuidar dela.
Foi a vez de Mary se dirigir a mim:
— Acho tão engraçado vocês dois virem da mesma província e agora você ser praticamente o
guarda-costas dela. Vocês moravam perto em Carolina?
— Mais ou menos — tentei manter nossa proximidade vaga.
Lucy abriu um sorriso radiante.
— Você chegou a conhecê-la mais nova? Como ela era na infância?
Não consegui conter um sorriso.
— Topei com ela algumas vezes. Era uma menina moleque. Sempre na rua com o irmão.
Teimosa feito uma mula e, pelo que lembro, muito, mas muito talentosa.
Lucy achou graça.
— Então, praticamente a mesma de sempre — ela comentou, e todos riram.
— Praticamente — confirmei.
Essas palavras alimentaram ainda mais os sentimentos em meu peito. America era familiar para
mim por mil razões. E, sob os vestidos de gala e as joias, essas razões ainda estavam lá.
— Preciso descer. Não quero perder o Jornal Oficial.
Estendi o braço sobre as garotas para apanhar o chapéu.
— Talvez seja bom irmos com você — Mary sugeriu. — Está quase na hora.
— Claro.
O Jornal Oficial era o único programa de televisão que os funcionários podiam assistir. E havia
apenas três lugares para tal: a cozinha, a oficina onde as criadas costuravam e um amplo espaço de
convivência que era mais usado como local de trabalho do que como área de lazer. Eu preferia a
cozinha. Anne foi à frente, com Lucy e Mary logo atrás, junto comigo.
— Eu ouvi algo sobre visitas, soldado Leger — Anne disse, fazendo uma pausa para conversar. —
Mas pode ser apenas boato.
— Não, é verdade — repliquei. — Não sei detalhes, mas ouvi que chegarão duas comitivas.
— Viva! — Mary exclamou, sarcástica. — Serei condenada a passar toalhas de mesa de novo. Ei,
Anne, seja sua tarefa qual for, podemos trocar? — perguntou, acorrendo a Anne. Logo as duas
estavam discutindo sobre as tarefas que ainda nem tinham recebido.
Ofereci o braço a Lucy.
— Madame.
Ela sorriu, passou a mão pelo meu braço e empinou o nariz.
— Senhor.
Atravessamos o corredor. Enquanto as três conversavam sobre afazeres incompletos e vestidos com
barra por fazer, me dei conta de que costumava ficar muito feliz quando passava o tempo com as
criadas de America.
Podia ser Seis com elas.
Sentei no balcão com Lucy de um lado e Mary do outro. Anne circulava pedindo silêncio, pois o
Jornal Oficial estava prestes a começar.
Cada vez que as câmeras focavam nas garotas, eu notava algo de errado. America parecia
deprimida. Pior: estava tentando disfarçar, e falhava miseravelmente.
O que a preocupava tanto?
Pelo canto do olho, vi Lucy retorcendo as mãos.
— O que houve? — sussurrei.
— Alguma coisa está errada com a minha senhorita. Posso ver em seu rosto.
Lucy levou a mão à boca e começou a roer as unhas.
— O que será que aconteceu com ela? — continuou. — A senhorita Celeste parece pronta para
dar o bote. O que faremos se ela ganhar?
Pus a mão em seu colo e, milagrosamente, ela se acalmou e me lançou um olhar maravilhado.
Tinha a impressão de que as pessoas ignoravam o nervosismo de Lucy.
— A senhorita America ficará bem.
Ela concordou, sentindo-se reconfortada por minhas palavras.
— Mas eu gosto dela — Lucy cochichou. — Quero que fique. Parece que todo mundo vai
embora quando quero que fiquem.
Então Lucy tinha perdido alguém. Talvez muitas pessoas. Passei a entender um pouco melhor seus
problemas de ansiedade.
— Bom, você vai ter que me aturar pelos próximos quatro anos — comentei, dando-lhe uma leve
cutucada. Ela sorriu e segurou as lágrimas nos olhos.
— Você é muito simpático, soldado Leger. Todas achamos isso — ela disse, passando o dedo pelos
cílios.
— Bom, vocês também são senhoritas muito simpáticas. Sempre fico feliz em vê-las.
— Não somos senhoritas — ela respondeu, baixando o olhar.
Discordei:
— Se Marlee ainda é uma senhorita por ter se sacrificado por alguém que amava, então vocês com
certeza também são. Na minha opinião, vocês se sacrificam todos os dias. Cedem seu tempo e sua
energia aos outros, o que é exatamente a mesma coisa.
Reparei que Mary deu uma olhada na nossa direção antes de voltar a encarar a televisão. Anne
também deve ter escutado minhas palavras, porque parecia inclinada para ouvir melhor.
— Você é o melhor guarda que temos, soldado Leger.
Sorri.
— Quando estamos aqui em baixo, podem me chamar de Aspen.

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