quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 18 - O bichinho empalhado

De pé, encarando com respeito o "bisneto" de Adolf Hitler, o Komandant
tomou um ar solene:
— Meu Guia, é chegada a hora de apresentar-lhe o único de nossos grandes
trunfos que a Organização não transmitiu ao senhor...
— O quê?! — Chumbinho fingiu-se encolerizado. — Como alguém ousou não
me contar alguma coisa? Quero saber imediatamente que raio de trunfo é esse!
Depois, os responsáveis por essa traição vão conhecer o sabor da minha
vingança!
Calú pigarreou, tentando mostrar ao amigo que a sua encarnação do Esperado
estava meio exagerada.
Chumbinho nem ligou para a advertência e continuou agindo como um senhor
feudal de filme de Idade Média:
— Cabeças rolarão! Ninguém está autorizado, está sabendo? Ninguém está
autorizado a dar sequer um passo sem o meu consentimento!
— Sim... é claro, meu Guia... Mas acontece que essa informação foi
guardada como uma surpresa para o senhor...
— Então me surpreenda, desgraçado! Qual é a sua maldita surpresa?
— Acompanhe-me, meu Guia. O senhor vai me perdoar depois que souber
qual é a surpresa...
Chumbinho levantou-se e Calú foi atrás dele.
— Um momento! — interrompeu o Komandant. — A informação só pode
ser conhecida pelo Guia, em pessoa. Ninguém mais está autorizado a...
— E quem autoriza ou desautoriza alguma coisa nesta porcaria, hein,
Komandant? Quem é o senhor para desautorizar alguém que eu mesmo
autorizei? O meu companheiro vai aonde eu for!
— Claro, meu Guia... desculpe... por aqui, meu jovem Guia...
— Por aqui onde, Komandant? Isto é uma estante!
— É uma porta secreta, meu Guia...
Batendo os pés, Chumbinho caminhou para a estante que o alemão lhe
apontava. Calú foi atrás, segurando-se para não rir.
Chumbinho não parecia um bisneto de Adolf Hitler. Parecia um bisneto de
Charles Chaplin!
Os Karas haviam faltado às aulas aquele dia, coisa difícil de acontecer. Por
isso, o bedel surpreendeu-se ao ver Magrí, Miguel e Crânio chegando ao Colégio
Elite quase no fim da última aula. Mas, como aquela era uma escola
democrática, ninguém impediu a entrada dos três, mesmo tão fora de hora.
A encarregada do laboratório sorriu ao ver entrar Crânio, o mais competente
dos seus frequentadores, e voltou a ler o que estava lendo. Os três Karas nada
disseram.
Cada um sabia o que fazer. Percorreram as estantes cheias de frascos, lendo
cada rótulo, cada etiqueta. Depois de alguns minutos reuniram-se desanimados
no fundo do laboratório, onde estava a seção de zoologia.
— Não adianta, pessoal — lamentou-se Crânio. — Chumbinho pode ter lido o
nome de Ferenc Gábor em um folheto, em um livro, em qualquer lugar... Nunca
vamos descobrir...
Miguel ficou calado. Ele sabia que aquela era uma pista fraca, uma
alternativa desesperada. Agora, até mesmo aquilo tinha se transformado em
nada!
Magrí acariciou um esquilo empalhado.
— Coitado do Chumbinho... Ele adorava bichinhos... Vivia dizendo que era
uma maldade empalhar os bichos. Ele só gostava de bichos vivos...
Com seus olhos de vidro, o esquilo estava fixado sobre uma base de madeira,
à frente da qual havia uma plaquinha metálica onde estava escrito Sciurus
kaibabensis.
Virou o esquilo. Sob a base de madeira, havia uma etiqueta com a assinatura
do autor do trabalho:

FERENC GÁBOR — ARTE EM TAXIDERMIA

O Komandant fez girar a estante, revelando uma antecâmara sem janelas.
Como em um filme de terror, o alemão acendeu as velas de um velho
candelabro e iluminou fracamente o caminho.
Um calafrio percorreu as costas de Chumbinho. Um verdadeiro Kara não
sente medo, mas com aquela umidade... Bem, Chumbinho tinha certeza que
aquilo era frio, não era medo.
Entraram por um estreito corredor que dava em uma escadaria cheia de teias
de aranha. Ao lado da escada, havia uma pequena porta trancada.
— Esta porta, meu Guia, abre-se para um túnel. É uma perfeita saída de
emergência. O túnel foi construído secretamente, e os homens que o construíram
não existem mais. O jovem Guia vai ver: eu pensei em tudo. Só eu tenho a chave
desta porta...
Um rato passou por entre as pernas de Chumbinho. O menino agarrou a mão
de Calú. O amigo estava tão gelado quanto ele. Também deveria estar com frio.
Guiados por aquele velho, que parecia ainda mais terrível sob a luz das velas,
os dois Karas começaram a subir a interminável escadaria desvencilhando-se de
teias de aranha e respirando um ar carregado de mofo e velhice.
O Komandant não parecia fazer nenhum esforço para subir. A cada degrau,
mostrava-se cada vez mais enlevado, como se estivesse subindo para o céu.
A escada enrolava-se em espiral pelo interior da torre que os dois Karas
haviam visto quando o helicóptero chegou ao Castelo Wachenfeld e terminava
em uma porta de madeira grossa e pesada.
O Komandant empurrou a porta, que abriu rangendo.
Através do vão da porta, o velho alemão esticou o braço que segurava o
candelabro. Calú e Chumbinho tentaram enxergar o que havia dentro do pequeno
quartinho do alto da torre. O candelabro pouco iluminava e não deu para
distinguir quase nada.
Um cheiro espesso ocupava o ar do quartinho. Um cheiro de morte.
O Komandant entrou primeiro e depositou o candelabro sobre uma mesinha,
onde havia vários discos antigos, uma velha vitrola, um amplificador e um
microfone.
Não abriu a porta-janela que devia dar para a pequena sacada que os garotos
haviam visto do lado de fora, no alto da torre. Parece que o dia estava proibido de
entrar naquele local. O Castelo Wachenfeld era servido por luz elétrica, mas
aquele alemão parecia preferir as velas, talvez para aumentar o tom sinistro do
que preservava naquele quartinho. O velho pegou uma das velas e rodeou o
quartinho, acendendo vários outros candelabros.
Aos poucos, no centro do quartinho, uma sombra começou a destacar-se.
Os dois Karas seguraram a respiração, não só pela expectativa, mas para se
defenderem do cheiro de mofo que infectava aquela atmosfera.
— Aqui está, jovem Guia! O grande segredo!
Aos poucos, os olhos dos dois garotos foram se acostumando com a fraca
iluminação. A sombra tornou-se um pouco mais nítida.
Naquele momento, o coração de Calú disparou. Ele fez um rápido cálculo
mental e exclamou:
— Caramba! Ele deve ter mais de cem anos!
Sentado numa poltrona, envergando um uniforme caqui, com a cruz suástica
em vermelho no braço direito, um velho mais ou menos da idade do Komandant
olhava para os visitantes com um olhar vítreo, duro, tresloucado!
O Komandant estava à beira das lágrimas quando anunciou, com a ênfase e o
fanatismo que guardara por décadas:
— Aqui está, meu jovem Guia! O grande segredo que vai nos levar à vitória!

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