quarta-feira, 12 de março de 2014

Capítulo 5

No fim das contas, não vi os formulários. Tinha muitos motivos para
não fazer isso, mas o que me convenceu de verdade foi achar que seria
melhor começarmos da estaca zero quando nos conhecêssemos. Além
disso, se meu pai havia se preocupado tanto com os detalhes de cada candidata,
talvez eu não quisesse fazer a mesma coisa.
Mantive uma distância confortável entre mim e a Seleção... até o
evento cruzar a minha porta.
Enquanto circulava pelo terceiro andar na sexta de manhã, ouvi o riso
musical de duas garotas na escadaria principal do segundo andar. Uma voz
empolgada exclamou:
— Você acredita que estamos aqui? — e ambas riram.
Soltei um palavrão e corri para o cômodo mais próximo. Haviam me
dito algumas vezes que eu conheceria todas as garotas de uma só vez, no
sábado. Não explicaram a importância disso, mas eu suspeitava que tinha
a ver com a maquiagem. Se uma Cinco pusesse os pés no palácio sem
qualquer ajuda... bom, eu acho que ela não teria grandes chances. Talvez
isso deixasse as coisas mais justas. Saí discretamente do meu esconderijo e
voltei para o quarto, tentando esquecer aquele episódio de uma vez.
Mas, de novo, enquanto eu caminhava para deixar algo no escritório
do meu pai, ouvi a voz oscilante de uma garota que eu não conhecia,
causando um sobressalto por todo o meu corpo. Voltei para o quarto e
limpei meticulosamente todas as lentes da minha câmera, e organizei todo
o meu equipamento. Pretendia me manter ocupado até o cair da noite,
quando eu sabia que as garotas estariam em seus dormitórios e eu poderia
circular livremente.
Essa era uma das minhas características que dava nos nervos do meu
pai. Ele dizia que eu o deixava nervoso por andar tanto pra lá e pra cá. O
que eu poderia fazer? Eu penso melhor de pé.
O palácio estava quieto. Se eu já não soubesse, não poderia adivinhar
que tínhamos tamanha companhia. Talvez as coisas não parecessem tão
diferentes se eu não focasse nas mudanças.
Enquanto caminhava até o fim do corredor, fui interrompido por
vários “e se?” que me atormentavam. E se eu não conseguisse amar nenhuma
das garotas? E se nenhuma delas me amasse? E se minha alma
gêmea não tivesse sido escolhida para participar, em favor de uma garota
mais útil de sua província?
Sentei nos degraus da escada e apoiei a cabeça sobre as mãos. Como
eu poderia fazer isso? Como poderia encontrar alguém que eu amasse,
que me amasse, que meus pais aprovassem e o povo adorasse? Sem contar
que ela precisava ser inteligente, atraente e talentosa; precisava ser alguém
que eu poderia apresentar a todos os presidentes e embaixadores com
quem cruzássemos.
Repeti a mim mesmo que devia me recompor, e pensar nos “e se?”
positivos. E se fosse maravilhoso conhecer essas garotas? E se todas fossem
encantadoras, divertidas e lindas? E se exatamente a garota que eu quisesse
agradasse ao meu pai, superando todas as nossas expectativas? E se meu
par perfeito estivesse naquele momento deitada em sua cama, desejando o
melhor para mim?
Talvez... Talvez a Seleção pudesse se tornar tudo aquilo com que
havia sonhado antes, quando ela ainda não era tão real. Era minha chance
de encontrar uma companheira. Por muito tempo, Daphne fora a única
pessoa em que podia confiar. Ninguém mais entendia bem nossas vidas.
Mas, agora, eu poderia compartilhar meu mundo com outra pessoa, e seria
a melhor experiência de todas, porque... porque essa pessoa seria
minha.
E eu seria dela. Estaríamos sempre juntos. Ela seria para mim o que
minha mãe é para meu pai: seu porto seguro, a calma que o mantém com
os pés no chão. E eu poderia ser seu guia, seu protetor.
Levantei e comecei a descer as escadas, confiante. Só precisava me
agarrar a esse sentimento. Disse a mim mesmo aquilo que a Seleção seria
para mim: esperança.
Já estava sorrindo quando cheguei ao primeiro andar. Não estava exatamente
relaxado, mas determinado.
— ... sair — clamava uma voz frágil, que ecoava pelo corredor. O que
estava acontecendo?
— Senhorita, vá para seu quarto agora.
Espiei o fim do corredor e vi, graças à luz da lua, um guarda bloqueando
a passagem de uma garota — uma garota! — para o jardim.
Estava muito escuro, então eu não pude distinguir muito bem suas
feições, mas seus cabelos eram vermelhos e brilhantes, como uma mistura
de mel, rosas e sol.
— Por favor.
Sua angústia parecia crescer a cada momento e seu corpo tremia.
Então me aproximei, ainda tentando decidir o que fazer.
O guarda disse algo que não pude compreender. Continuei a avançar,
sem entender muito toda aquela cena.
— Eu... não consigo respirar — ela disse antes de cair nos braços do
guarda, que precisou soltar seu bastão para segurá-la. Ele parecia um pouco
irritado.
— Deixem-na sair! — ordenei assim que cheguei até eles.
Danem-se as regras. Eu não podia permitir que aquela garota sofresse
daquela maneira.
— Ela desmaiou, Alteza — explicou o guarda. — Queria sair.
Eu sabia que os guardas estavam apenas tentando nos manter em segurança,
mas o que eu podia fazer?
— Abram as portas — ordenei.
— Mas... Alteza...
Encarei-o com o olhar sério.
— Abram as portas e deixem-na sair. Agora!
— Imediatamente, Alteza.
O guarda ao lado da porta a destrancou. Notei então a moça oscilar
nos braços do outro guarda, na tentativa de se reerguer. Assim que as
portas se abriram, uma lufada do vento morno e doce de Angeles nos envolveu.
Quando a moça sentiu o vento em seus braços, começou a se
mexer.
Cruzei a porta e observei-a cambalear pelo jardim. Seus pés descalços
produziam sons secos ao bater no chão de cascalho. Nunca havia visto
uma garota de camisola antes. Embora aquela jovem em particular não
estivesse muito graciosa no momento, ainda assim ela me fascinava de um
modo estranho.
Percebi que os guardas também a observavam e fiquei incomodado.
— Voltem aos seus postos — disse em voz baixa.
Os dois limparam a garganta e viraram-se de costas, para o corredor.
— Fiquem aí até que eu os chame — instruí-os antes de avançar pelo
jardim.
Mal podia vê-la, mas era capaz de ouvi-la. Ela arfava; dando a impressão
de estar soluçando. Tive esperança de que não fosse esse o caso.
Por fim, ela deixou-se cair sobre a grama, com a cabeça e os braços apoiados
em um banco de pedra.
Ela não pareceu notar minha aproximação, então esperei ali por uns
momentos até que ela levantasse o olhar. Depois de um tempo, comecei
a me sentir um pouco constrangido. Imaginando que ela ao menos
gostaria de me agradecer, tomei a palavra:
— Está tudo bem, querida?
— Eu não sou sua querida — ela replicou, lançando um olhar de
raiva. As sombras ainda a ocultavam, mas seu cabelo brilhava ao facho de
luar que escapara das nuvens.
Entretanto, rosto visível ou não, captei plenamente suas intenções
com aquela frase. Onde estava a gratidão?
— O que eu fiz para ofender a senhorita? Por acaso não lhe dei exatamente
o que queria?
Ela não respondeu. Deu-me as costas e retomou o choro. Por que as
mulheres demonstravam tamanha propensão às lágrimas? Não quis ser
grosseiro, mas tive que perguntar:
— Com licença, querida, mas você vai continuar chorando?
— Não me chame assim! Não sou mais querida para você do que as
outras trinta e quatro estranhas que você mantém aqui nessa jaula.
Sorri comigo mesmo. Uma das minhas maiores preocupações era a de
que aquelas garotas tentassem o tempo todo me mostrar suas virtudes, na
tentativa de me impressionar. Atormentava-me a possibilidade de passar
semanas conhecendo uma garota, escolhê-la e, depois do casamento,
descobrir uma personalidade nova e insuportável.
E ali estava alguém que não dava a mínima para quem eu era. Ela estava
me dando uma bronca!
Caminhei ao seu redor enquanto pensava em suas palavras. Perguntei
a mim mesmo se minha mania de circular a incomodava. Se sim, será que
ela diria?
— Sua afirmação é falsa. Todas vocês são queridas por mim.
Sim, eu estava tentando me esquivar de tudo relacionado à Seleção,
mas isso não queria dizer que aquelas garotas não fossem especiais aos
meus olhos.
— Trata-se simplesmente de descobrir quem há de ser a mais querida
— completei.
— Você disse mesmo “há de ser”? — perguntou ela, cética.
— Receio que sim — respondi com um risinho. — Perdoe-me. É
fruto da minha educação.
Ela murmurou algo ininteligível.
— Perdão?
— É ridículo! — gritou.
Céus, como ela era geniosa. Meu pai não devia saber muito a seu respeito.
Com certeza, nenhuma garota com tal determinação entraria no
grupo se ele soubesse. Sorte dela que fui eu — e não ele — a vir ajudá-la.
Ela já teria sido mandada para casa cinco minutos atrás.
— O que é ridículo? — indaguei, embora estivesse certo de que ela se
referia àquela situação. Nunca tinha visto algo assim.
— O concurso! Tudo! Você nunca amou ninguém na vida? É assim
que quer escolher sua mulher? Você é baixo a esse ponto?
Aquilo doeu. Baixo? Sentei no banco para facilitar a conversa. Queria
que aquela garota — quem quer que ela fosse — compreendesse o meu
lado, como as coisas eram pela minha perspectiva. Tentei não me distrair
com as curvas da sua cintura, quadris e pernas, ou mesmo com a aparência
de seus pés descalços.
— Entendo que possa dar essa impressão, que tudo possa ser visto
como entretenimento barato — disse, concordando com a cabeça. —
Mas meu mundo é muito fechado. Não conheço tantas mulheres. As
poucas que conheço são filhas de diplomatas, e geralmente temos
pouquíssimos assuntos em comum. Isso quando falamos a mesma língua.
Sorri à lembrança dos momentos constrangedores durante os longos
jantares sentado ao lado de uma jovem a quem teria que fazer sala, mas
com quem não podia conversar porque os intérpretes estavam ocupados
tratando dos negócios. Olhei para a garota, esperando que ela risse
comigo dos meus problemas. Como seus lábios se recusaram a se mexer,
limpei a garganta e continuei:
— Sendo essas as circunstâncias — disse, esfregando as mãos de
nervosismo —, nunca tive a oportunidade de me apaixonar.
Ela pareceu se esquecer de que eu não tinha autorização para me envolver
com ninguém até aquele momento. Fiquei curioso. Na esperança
de não estar sozinho, articulei minha pergunta mais íntima.
— E você?
— Tive — ela respondeu, com uma mistura de orgulho e tristeza na
voz.
— Então você teve muita sorte.
Fixei o olhar na grama por uns instantes. Prossegui, pois não queria
prolongar aquela situação que deixava clara a minha vergonhosa falta de
experiência.
— Minha mãe e meu pai se casaram assim e são muito felizes. Tenho
esperança de alcançar a felicidade, de encontrar uma mulher que toda a
Illéa possa amar, alguém que possa ser minha companheira e me ajude a
receber os líderes de outras nações. Alguém que seja amiga dos meus amigos
e minha confidente. Estou pronto para encontrar minha esposa.
Até eu notava o desespero, a esperança e o desejo em minha voz. A
dúvida voltou a se insinuar. E se ninguém ali pudesse me amar?
“Não”, disse a mim mesmo, “isto vai dar certo.”
Observei a garota, que à sua maneira também parecia desesperada.
— Você realmente acha que aqui é uma jaula?
— Sim, eu acho — retrucou. E acrescentou, um segundo depois: —
Majestade.
Achei graça.
— Eu mesmo já pensei nisso mais de uma vez. Mas você deve admitir
que é uma jaula muito bonita.
— Para você — ela emendou rapidamente. — Encha sua jaula com
mulheres brigando pela mesma coisa e veja que legal é.
— Mas já ocorreram discussões por minha causa? Será que vocês não
percebem que sou eu que faço a escolha?
Não sabia se devia me sentir animado ou preocupado. Em todo caso,
era interessante pensar nisso. Talvez, se eu conhecesse uma moça que me
desejasse muito, acabaria desejando-a também.
— Na verdade, não é bem assim. Elas brigam por duas coisas. Algumas
por você, outras pela coroa. E todas pensam já saber o que falar e
fazer para que sua escolha seja óbvia.
— Ah, sim. O homem ou a coroa. Receio que algumas não saibam
ver a diferença — comentei, balançando a cabeça e baixando o olhar para
a grama.
— Boa sorte com isso — foi seu comentário cômico.
Só que não havia nada cômico na situação. Era a confirmação de
outro dos meus maiores temores. Mais uma vez fui vencido pela curiosidade,
embora tivesse certeza de que ela mentiria.
— E você, pelo que luta?
— Na verdade, estou aqui por engano.
— Engano?
Como era possível? Se ela tinha se inscrito, se fora escolhida e viera
por livre e espontânea vontade...
— É, mais ou menos. Bem, é uma longa história...
Uma história que eu precisaria conhecer mais cedo ou mais tarde.
— ... Estou aqui. E não estou lutando. Meu plano é aproveitar a comida
até você me chutar — completou.
Não pude evitar. Explodi em gargalhadas. Aquela garota era a antítese
de tudo o que esperava. Até ser chutada? Estava ali pela comida? Por incrível
que pareça, eu estava gostando daquilo tudo. Talvez as coisas
fossem simples como minha mãe dissera; eu conheceria as candidatas aos
poucos, como tinha sido com Daphne.
— O que você é? — perguntei. Ela não devia ser mais do que
Quatro, visto seu entusiasmo pela comida.
— Como? — ela perguntou, sem entender o que eu quis dizer.
Não quis insultá-la, de modo que comecei pelo alto.
— Dois? Três?
— Sou Cinco.
Então essa era uma das Cinco. Sabia que meu pai não ficaria muito feliz
em saber da minha gentileza com ela, mas foi ele quem a deixou entrar,
afinal.
— Ah, sim. Então a comida deve ser um bom motivo para ficar.
Soltei mais uma risada e tentei descobrir o nome daquela jovem tão
divertida.
— Sinto muito, não consigo ler seu broche no escuro.
Ela inclinou levemente a cabeça. Para o caso de ela perguntar por que
eu não sabia seu nome ainda, comecei a pensar o que soaria melhor: uma
mentira — dizer que tinha muito trabalho e não havia conseguido memorizar
todos os nomes — ou a verdade — dizer que estava tão nervoso
com toda a situação que adiei aquilo até o último segundo.
Que, por acaso, tinha acabado de passar.
— Meu nome é America.
— Muito bem, perfeito — disse, com um sorriso. Se dependesse do
nome, não acreditava que ela pudesse servir. Era o nome do antigo país,
uma nação teimosa e problemática que transformamos em algo mais forte.
Mas, pensando bem, talvez tenha sido esse o motivo de meu pai deixá-la
entrar: para mostrar que não tinha medo ou preocupações com nosso passado,
mesmo que os rebeldes se apegassem tolamente a ele.
Para mim, a palavra tinha um quê musical.
— America, minha querida, espero muito que encontre algo nesta
jaula por que valha a pena lutar. Depois de tudo isso, não posso deixar de
imaginar como seriam as coisas se você realmente se esforçasse.
Levantei do banco, ajoelhei-me a seu lado e tomei sua mão. Felizmente,
seu olhar estava fixo em nossos dedos, não em meus olhos. Se ela
visse meu rosto, notaria como fiquei boquiaberto quando eu enfim a vi
pela primeira vez. As nuvens se abriram no momento exato, e a lua iluminou
completamente seu rosto. E como se não bastasse ela ser capaz de
me enfrentar e não ter medo de ser ela mesma, America tinha uma beleza
impressionante.
Sob seus cílios grossos surgiam olhos azuis como o gelo, uma cor fria
para balancear as chamas de seus cabelos. Suas bochechas eram macias e
estavam um pouco coradas por causa do choro. Seus lábios, suaves e
rosados, abriram-se um pouco enquanto ela inspecionava nossas mãos.
Senti uma palpitação estranha no meu peito, como a luz de uma
lareira ou o calor da tarde. Aquela sensação permaneceu alguns momentos
comigo, brincando com as batidas de meu coração.
Critiquei a mim mesmo mentalmente. Que previsível era eu ficar tão
encantado pela primeira garota pela qual tinha autorização de nutrir algum
sentimento. Era tolice, rápido demais para ser verdade. Expulsei o
calor de mim. Ao mesmo tempo, porém, não queria dispensá-la. O
tempo diria se ela era digna de estar no páreo. Evidentemente, America
era alguém que eu precisaria conquistar, e isso levaria tempo. Mas eu
começaria naquele exato momento.
— Se isso a deixar feliz, posso informar aos funcionários que você
prefere ficar no jardim. Assim, você pode vir aqui à noite sem ser incomodada
pelos guardas. No entanto, acho que seria bom se houvesse
sempre um deles por perto.
Eu não precisava importuná-la revelando a frequência dos ataques rebeldes.
Se ela mantivesse um guarda por perto, ficaria bem.
— Não... não sei se quero algo que venha de você — ela soltou a
mão gentilmente e cravou os olhos na grama.
— Como quiser.
Fiquei um pouco decepcionado. Que coisa horrível eu teria feito para
que ela me rejeitasse daquele jeito? Talvez aquela garota fosse
inconquistável.
— Você vai voltar para dentro daqui a pouco?
— Sim — sussurrou.
— Então vou deixá-la com seus pensamentos. Haverá um guarda
perto da porta esperando.
Queria que ela tivesse o tempo que fosse necessário, mas temia que
um ataque inesperado ferisse alguma das meninas — mesmo aquela, que
parecia nutrir uma verdadeira aversão a mim.
— Obrigada, errr... Alteza.
Sua voz deixava entrever certa vulnerabilidade, e então percebi que o
problema talvez não fosse eu. Talvez ela só estivesse sobrecarregada com
todos os acontecimentos a seu redor. Como culpá-la por isso? Decidi me
expor outra vez à rejeição.
— Querida America, você poderia me fazer um favor? — perguntei,
tomando novamente sua mão. Ela me lançou um olhar cético. Algo em
seus olhos me dizia que ela procurava a verdade em mim, e que não desistiria
até conseguir.
— Talvez.
Seu tom me deu esperanças e abri um sorriso.
— Não conte isso às outras. Tecnicamente, não devo conhecê-las até
amanhã. Não quero irritar ninguém.
Funguei um pouco, e logo me arrependi. Às vezes, minha risada era a
pior.
— Embora não possa dizer que seus gritos tenham qualquer semelhança
com um encontro romântico, não acha? — concluí.
Enfim America sorriu para mim, brincalhona.
— Nem de longe! — disse, para depois respirar fundo e afirmar: —
Não contarei.
— Obrigado.
Deveria ter me contentado com seu sorriso e ido embora. Mas algo
em mim — talvez minha criação, sempre voltada a avançar, a conquistar
— me forçava a dar um passo a mais. Ergui sua mão até meus lábios e
beijei-a.
— Boa noite.
Parti antes que ela tivesse chance de me criticar ou que eu fizesse
qualquer burrice.
Quis olhar para trás e ver sua reação, mas seria incapaz de suportar se
me deparasse com qualquer indício de desgosto. Se meu pai pudesse ler
meus pensamentos naquele momento, ficaria bastante insatisfeito. Àquela
altura, depois de tudo, eu precisava ser mais duro.
Ao chegar à porta, dirigi-me aos guardas:
— Ela precisa de um tempo sozinha. Se não entrar em meia hora,
peçam-lhe delicadamente para entrar.
Olhei ambos nos olhos para ter certeza de que haviam captado a
mensagem.
— Também seria conveniente que vocês evitassem falar disso com as
pessoas. Entendido?
Os dois fizeram que sim com a cabeça, e eu segui para a escadaria
principal. Enquanto caminhava, ouvi um dos guardas cochichar:
— O que significa “conveniente”?
Soltei um suspiro e continuei a subir as escadas. Quando cheguei ao
terceiro andar, praticamente corri até meu quarto. Eu dispunha de uma
imensa sacada, que dava para os jardins. Não arrisquei sair e ser pego no
flagra, espionando, mas fui até as portas de vidro e puxei a cortina.
America permaneceu lá por cerca de dez minutos, e foi acalmando-se
aos poucos. Observei-a secar o rosto, limpar a camisola e entrar. Considerei
a possibilidade de dar um pulo até o corredor para que nos encontrássemos
outra vez “sem querer querendo”. Mas pensei melhor. Ela estava
nervosa e provavelmente fora de si. Se eu queria ter ao menos uma
chance, teria que esperar pelo dia seguinte.
O dia seguinte... quando trinta e quatro outras garotas seriam postas
diante de mim. Ah, como fui burro de esperar tanto. Fui até a minha
mesa e desenterrei a pilha de fichas para estudar as fotos delas. Não sei
quem teve a ideia de pôr os nomes no verso, era completamente inútil.
Peguei uma caneta e transcrevi os nomes na frente. Hannah, Anna...
Como seria capaz de decorar tudo aquilo? Jenna, Janelle, Camille... Sinceramente?
Seria um desastre. Precisava aprender pelo menos alguns
nomes. De resto, confiaria nos broches até memorizar todos.
Porque eu ia conseguir fazer isso. E direito. Era minha obrigação. Precisava
provar que podia ser um líder e tomar decisões. Do contrário,
quem confiaria em mim como futuro rei? Como o próprio rei confiaria
em mim?
Detive-me nos destaques. Celeste... Lembrei-me do nome. Um dos
meus conselheiros mencionara que ela era modelo e até chegou a me
mostrar uma foto dela de maiô nas páginas reluzentes de uma revista.
Tratava-se provavelmente da candidata mais sexy, e eu certamente não a
julgaria mal por causa disso. Lyssa saltou aos meus olhos, mas não de uma
maneira positiva. A não ser que ela tivesse uma personalidade campeã,
não estava no páreo. Talvez fosse uma atitude medíocre da minha parte,
mas era tão ruim assim querer isso? Ah, Elise. Pelos traços exóticos de
seus olhos, ela devia ser a garota que meu pai disse ter familiares na Nova
Ásia. Só por isso já era forte na disputa.
America.
Detive-me sobre sua foto. Seu sorriso era absolutamente radiante.
O que lhe fez abrir um sorriso tão luminoso naquele dia? Eu? Será
que os sentimentos que nutria por mim naquele dia — fossem quais
fossem — já tinham passado? Ela não pareceu muito feliz em me conhecer.
Mas... até que sorriu ao final.
Recomeçaria com ela pela manhã. Eu não sabia bem o que buscava,
mas muito do que me parecia certo estava presente naquela foto. Talvez
sua força de vontade ou sua honestidade; talvez a pele suave das costas de
sua mão ou seu perfume... O que eu sabia com certeza é que queria que
ela gostasse de mim.
Como exatamente conseguiria isso?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens

Não dê spoiller!
Deixem comentários e incentive a dona do blog a continuar postando! Façam pedidos!