segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Capítulo 10 - Um Refúgio

- Bem, acho que para nós isso significa o retorno à selva, certo, Ren?

Ele não se virou diante do meu comentário, mas

continuou avançando lentamente. Eu seguia atrás dele,
pensando em todas as perguntas que lhe faria quando se
transformasse em homem.

Depois de andar por algumas horas, chegamos a um

pequeno lago. Imaginei que aquele fosse o lago Suki do qual
Phet falara. Havia, de fato, muitas aves ali. Patos, gansos,
martins-pescadores, grous e maçaricos pontilhavam a água e
as margens à procura de comida. Vi até aves maiores, talvez
algum tipo de águia ou falcão, circulando no céu acima de nós.

Nossa chegada perturbou um bando de garças, que

levantou vôo freneticamente, tornando a pousar na água, na
extremidade oposta do lago. Pássaros menores disparavam de
um lado para outro em tons de verde, amarelo, cinza, azul e
preto com peito vermelho, mas não vi nenhum dos pássaros de Durga.

Onde as árvores lançavam sombra na água, grupos de

ninfeias formavam um bom posto onde os sapos se
empoleiravam para descansar. Eles nos observavam com olhos
amarelos e pulavam na água quando passávamos.

Falei tanto para mim mesma quanto para Ren:


- Você acha que existem crocodilos ou jacarés no lago?


Ele começou a andar ao meu lado e eu não sabia se isso

significava que havia mesmo répteis perigosos ali ou se ele
queria apenas me fazer companhia. Por via das dúvidas,
deixei-o andar entre mim e o lago.

O dia estava quente, com céu claro, sem uma única

nuvem para oferecer sombra. Eu transpirava muito. Ren seguia
sob as sombras das árvores sempre que possível para tornar a
caminhada um pouco mais tolerável, mas eu ainda me sentia
péssima. Enquanto contornávamos o lago, ele mantinha um
passo lento e regular, que eu conseguia acompanhar com
facilidade. Mesmo assim, sentia as bolhas se formando em
meus calcanhares. Peguei o filtro solar na mochila e o apliquei
no rosto e nos braços. A bússola indicava que estávamos
seguindo para o norte.

Quando Ren parou para beber em um riacho, descobri

que Phet havia preparado nosso almoço e colocado a comida
na minha mochila. Tratava-se de uma grande folha verde
envolvendo uma bola de arroz branco grudento recheada com
carne apimentada e legumes temperados. Era um pouco
picante demais para o meu gosto, mas o arroz puro ajudou a
dar uma equilibrada. Encontrando duas outras bolas envoltas
em folhas na mochila, joguei-as para Ren, que se exibiu
saltando e pegando-as no ar. Ele, naturalmente, engoliu-as inteiras.

Andando por mais umas quatro horas, finalmente

deixamos a selva, saindo em uma pequena estrada. Eu me senti
feliz de andar no pavimento liso - pelo menos até meus pés
começarem a queimar. Eu podia jurar que o asfalto negro e
quente estava derretendo a sola dos meus tênis.

Ren empinou o nariz no ar, virou à direita e marchou

ao lado da estrada por quase um quilômetro até chegarmos a
um Jeep verde metálico novinho em folha. O veículo tinha
janelas fumê e uma capota preta e rígida.

O tigre parou ao lado do Jeep e se sentou.


Arfando, tomei um grande gole de água e perguntei:


- O que foi? O que você quer que eu faça?


Ren continuou sem expressão.


- É o carro? Você quer que eu entre nele? O.k. Só

espero que o dono não fique chateado.

Ao abrir a porta, encontrei um bilhete do Sr. Kadam no

banco do motorista.


Srta. Kelsey,


Por favor, me perdoe. Eu queria lhe contar a verdade.

Aqui está um mapa com indicações de como chegar à
casa de Ren, onde irei encontrá-la.
As chaves estão no porta-luvas. Não se esqueça de
dirigir do lado esquerdo da estrada.
A viagem dura cerca de uma hora e meia. Espero que
cheguem bem.

Seu amigo


Anik Kadam



Peguei o mapa e o coloquei no banco do carona.

Abrindo a porta traseira, joguei as bolsas ali e peguei outra
garrafa de água para a viagem. Ren saltou para o banco de trás e ali se estirou.

Sentei-me ao volante e abri o porta-luvas, encontrando

um pequeno chaveiro com as chaves prometidas. Na grande
lia-se Jeep. Dei a partida no motor e sorri, grata, quando um
jato de ar frio soprou, vindo das entradas de ar.

Quando saí para a estrada estreita e vazia, uma vozinha

no aparelho GPS chiou: "Siga em frente por 50 quilômetros.
Depois vire à esquerda."

Mantendo-me à esquerda na estrada e agarrando o

volante, olhei para minha mão. Apesar do suor e de enxugar o
rosto constantemente, o desenho de Phet ainda estava lá,
permanente como uma tatuagem. Liguei o rádio, encontrei
uma estação que tocava uma música interessante e deixei que
me fizesse companhia pela estrada enquanto Ren cochilava.

Era fácil seguir as indicações do Sr. Kadam, ainda mais

com o GPS. Praticamente não havia trânsito na estrada que
seguíamos, o que era bom, pois sempre que um carro passava
por mim eu agarrava o volante, nervosa. Eu tinha acabado de
aprender a dirigir no lado direito e trocar os lados não era fácil.

Depois de uma hora, segundo as instruções, eu deveria

pegar uma estrada de terra. Não havia placas, mas o GPS
apitou, indicando que estávamos no lugar certo, então virei e
entrei na selva densa. Parecíamos estar no meio do nada, mas a
estrada estava em bom estado.

O sol ia se pondo e o céu escurecia quando a estrada se

abriu em um caminho de pedras arredondadas fortemente
iluminado que circulava um chafariz alto, cercado de flores.
Erguendo-se atrás dele, havia a casa mais fantástica que eu já
vira. Parecia uma mansão de milhões de dólares que se poderia
encontrar nos trópicos ou talvez no litoral da Grécia. Imaginei
que o lugar perfeito para ela seria o pico de uma ilha, com vista para o mar Mediterrâneo.

Parei o carro, abri as portas e me maravilhei com o magnífico cenário.


- Ren, sua casa é incrível! - exclamei. - Não acredito que você seja o dono disto!


Peguei as bolsas, subi lentamente o caminho calçado de

pedras e admirei a garagem com espaço para quatro carros.
Imaginei que tipos de veículos estariam guardados ali. Lindas
plantas tropicais circundavam a casa, transformando o terreno
em um paraíso luxuriante. Reconheci aves-do-paraíso, bambu
ornamental, altas palmeiras-imperiais, densas samambaias e
bananeiras folhosas, mas ainda havia muitas outras. Uma
piscina e um ofurô encontravam-se iluminados na lateral da
casa, e uma fonte resplandecente lançava água da piscina no ar.

A casa de três andares era pintada de branco e creme.

O segundo andar tinha uma varanda coberta que circundava
toda a construção, com balaustradas de ferro, sustentadas por
pilares de cor creme. O último andar contava com sacadas
altas e em arco, ao passo que janelas panorâmicas eram o traço
mais característico do andar principal.

Quando Ren e eu alcançamos a entrada de mármore e

madeira de teca, girei a maçaneta e vi que a porta estava
destrancada. A área externa era quente e vibrante, refletindo a
variedade e a intensidade das cores da índia. O interior era
opulento e encantador, decorado em tons mais frios.

Com certeza isso é melhor do que dormir na selva.


Entramos no amplo vestíbulo, com o teto abobadado,

piso de mármore e uma escadaria curva com balaustradas de
ferro trabalhado. O ambiente era coroado por um
deslumbrante candelabro de cristal. Janelas imensas emol-
duravam a visão panorâmica da selva circundante.

Tirei meus tênis imundos e atravessei o vestíbulo até

uma biblioteca de atmosfera masculina. Poltronas de couro
marrom-escuro, divãs e sofás aconchegantes estavam
distribuídos sobre um belo tapete. A um canto via-se um
imenso globo e as paredes eram cobertas por estantes. Havia
inclusive uma escada deslizante que alcançava as prateleiras
superiores. Uma mesa pesada, meticulosamente limpa e
organizada, com uma cadeira de couro, estava posicionada a
um lado e de imediato me lembrou o Sr. Kadam.

Uma lareira de pedra esculpida tomava conta de uma

parede. Eu não conseguia imaginar quando uma lareira seria
usada na índia, mas ainda assim era uma bela peça. Um vaso
dourado cheio de penas de pavão refletia as nuances azuis,
verdes e púrpura das almofadas e dos tapetes. Era a biblioteca
mais linda do mundo.

Quando estávamos prestes a percorrer a casa, ouvi o Sr. Kadam gritar:


- Srta. Kelsey? É você?


Eu estivera determinada a me mostrar aborrecida com

ele e Ren, mas percebi que mal podia esperar para vê-lo.

- Sim, sou eu, Sr. Kadam.


Encontrei-o na ampla cozinha gourmet, de aço

inoxidável, com piso de mármore negro, bancadas de granito e
fornos duplos, onde o Sr. Kadam estava ocupado preparando uma refeição.

- Srta. Kelsey! - O homem de negócios veio

correndo ao meu encontro e disse: - Estou tão feliz em vê-la.
Espero que não esteja zangada comigo.
- Bem, não estou muito feliz com a maneira como
tudo aconteceu, mas - sorri para ele e baixei os olhos para o
tigre - culpo este aqui mais do que ao senhor. Ele admitiu que
o senhor queria me contar a verdade.

O Sr. Kadam fez uma careta, desculpando-se, e assentiu com a cabeça.


- Por favor, nos perdoe. Não tínhamos a intenção de

aborrecê-la. Venha. Preparei a comida.

Ele voltou apressado para a cozinha, abriu a porta de

um cômodo cheio de aromáticos condimentos frescos e secos e
desapareceu ali dentro por vários minutos. Quando saiu,
depositou sua seleção na ilha de trabalho da cozinha e abriu
mais uma portinha para outra ampla despensa. Espiei lá dentro
e vi prateleiras cheias de pratos e taças elegantes, e até um
impressionante faqueiro de prata. Ele pegou dois delicados
pratos de porcelana e duas taças e pôs a mesa.

- Sr. Kadam, uma coisa está me perturbando.

- Só uma? - provocou ele.

Eu ri.


- Por ora. Queria saber se o senhor chegou mesmo a

chamar o Sr. Davis para acompanhá-lo e cuidar do Ren. E,
nesse caso, o que o senhor teria feito se ele dissesse sim e eu não?
- De fato eu o consultei, só para manter as
aparências, mas também sugeri sutilmente ao Sr. Maurizio que
talvez fosse melhor para ele persuadir o Sr. Davis a não vir. Na
verdade, eu lhe ofereci mais dinheiro se insistisse para que o
Sr. Davis permanecesse no circo. Quanto ao que eu faria se
você recusasse, suponho que teríamos que lhe fazer uma oferta
melhor e continuar tentando até encontrarmos uma que nãopudesse recusar.

- E se eu ainda dissesse não? O senhor teria me sequestrado?


O Sr. Kadam riu.


- Não. Se nossa oferta continuasse a ser recusada, meu próximo passo

teria sido lhe contar a verdade e esperar que a senhorita acreditasse.
- Ufa, que alívio.
- Só então eu iria sequestrá-la.

Ele riu com a própria piada e voltou a atenção para o jantar.


- Isso não é muito engraçado, Sr. Kadam.

- Não pude resistir. Desculpe, Srta. Kelsey.

Ele me conduziu para uma saleta a fim de tomarmos o café da manhã.


Sentamo-nos a uma mesa redonda perto de um janelão

que dava para a piscina iluminada. Ren se acomodou aos meus pés.

O Sr. Kadam queria saber tudo o que acontecera

comigo desde que nos separamos. Eu lhe contei sobre o
caminhão e descobri que ele havia pago ao motorista para me
abandonar lá. Então falamos sobre a selva e sobre Phet.

Ele me fez muitas perguntas sobre minhas conversas

com Phet e ficou particularmente interessado em meu desenho
de hena. Virou minha mão e examinou atentamente os
símbolos de ambos os lados.

- Então você é a protegida de Durga - concluiu ele,

recostando-se em sua cadeira, e sorriu.
- Como o senhor sabia que eu era a pessoa capaz de quebrar a maldição?
- Não tínhamos certeza, mas agora Phet confirmou
nossas suspeitas. Quando Ren estava no cativeiro, ele não podia
alterar sua forma. De alguma forma, você falou as palavras
que o libertaram. Elas lhe permitiram se transformar em
homem novamente e entrar em contato comigo. Esperávamos
que você fosse a pessoa certa para quebrar a maldição, aquela
que procurávamos, a protegida de Durga.
- Sr. Kadam, quem é Durga?

O Sr. Kadam buscou uma estatueta dourada em outra

sala e a colocou delicadamente sobre a mesa. Era a imagem
lindamente esculpida de uma deusa indiana com oito braços
disparando uma flecha com seu arco, montada em um tigre.

- Por favor, me fale sobre ela - falei, tocando um braço da deusa.

- Claro, Srta. Kelsey. Na língua dos hindus, Durga
significa "a invencível". Ela é uma grande guerreira,
considerada a deusa mãe de muitos dos outros deuses e deusas
da índia. Tem várias armas à sua disposição e segue para a
guerra montando um magnífico tigre chamado Damon. Uma
deusa muito bonita, é descrita como tendo cabelos longos e
cacheados e uma pele brilhante, que brilha ainda mais quando
ela se encontra no calor de uma batalha. Com frequência está
vestida em trajes azul-celeste e adornada com jóias de ouro,
pedras preciosas e reluzentes pérolas negras.

Virei a estatueta.


- Que armas são estas que ela está segurando?

- Existem representações diversas dela por toda a
índia. Em cada uma, Durga tem um número de braços e uma
coleção de armas ligeiramente diferentes. Esta estatueta mostra
um tridente, um arco e flecha, a espada e uma gada, que é
semelhante a uma maça ou clava. Ela também carrega um
kamandai, ou concha, um chakram, uma cobra, e uma
armadura com escudo. Já vi outros desenhos de Durga com
uma corda, um sino e uma flor de lótus. Não só Durga tem
várias armas à sua disposição como também pode manipular os raios e os trovões.

Peguei a estatueta e a examinei de diferentes ângulos. Os oito braços eram assustadores.


O Sr. Kadam prosseguiu:


- A deusa Durga nasceu do rio para ajudar a

humanidade em seus momentos de necessidade. Ela enfrentou
um demônio, Mahishasur, que era meio humano, meio búfalo.
Ele aterrorizava a terra e o céu, e ninguém conseguia matá-lo.
Assim, Durga assumiu a forma de uma deusa guerreira para derrotá-lo.

Pondo a estatueta de volta na mesa, eu disse, hesitante:


- Sr. Kadam, não é minha intenção ser desrespeitosa

e espero não ofendê-lo, mas não acredito nesse tipo de coisa.
Acho fascinante, mas estranho demais para ser verdade. Tenho
a sensação de que estou presa em algum tipo de mitologia indiana na série de TV Além da imaginação.

O Sr. Kadam sorriu.


- Ah, Srta. Kelsey, não se preocupe. Eu não me

ofendi. Durante minhas viagens e pesquisas tentando ajudar
Ren e seu irmão Kishan a quebrar a maldição, tive que me
abrir para novas idéias e crenças que eu mesmo jamais havia
considerado. Cabe ao seu coração decidir e saber o que é real e o que não é.
- Acho que sim.
- A senhorita deve estar bem cansada da viagem.
Vou lhe mostrar o quarto onde poderá descansar.

Ele me conduziu para o segundo andar, até um amplo

quarto decorado em ameixa e branco com acabamentos
dourados. Um vaso redondo de rosas brancas e gardênias
perfumava levemente o ambiente. Uma cama de dossel com
montes de almofadas cor de ameixa encontrava-se junto à
parede. Um grosso tapete branco cobria o chão. Portas de vidro
bisotado abriam-se para a maior varanda que eu já vira e que dava para a piscina.

- É lindo! Obrigada, Sr. Kadam.


Ele assentiu e se foi, fechando a porta suavemente ao sair.


Arranquei as meias e desfrutei da sensação de andar

descalça no tapete aveludado. Portas de vidro texturizado
abriam-se para um banheiro espetacular, maior do que todo o
primeiro andar de Mike e Sarah. Havia uma banheira de
mármore branco e um imenso chuveiro que também funcio-
nava como sauna. Toalhas macias cor de ameixa pendiam de
um suporte aquecido e frascos de vidro continham sabonetes e
espumas de banho nas fragrâncias lavanda e pêssego.

Perto do banheiro havia um closet com bancos

acolchoados brancos, prateleiras e gavetas. Um lado estava
vazio e o outro tinha uma arara de roupas novas ainda
envoltas em plástico. A cômoda também estava cheia de
roupas. Uma parede inteira tinha o propósito de guardar
sapatos, mas estava quase totalmente vazia. Uma caixa de
sapatos nova encontrava-se ali, esperando para ser aberta.

Depois de um banho de chuveiro completamente

relaxante e de trançar o cabelo, tirei minhas poucas roupas da
bolsa e guardei-as no closet e na cômoda. Arrumei minha
maquiagem, meu espelho, minha escova de cabelo e minhas
fitas em uma bandeja espelhada sobre a pia de mármore.

Vestida com o pijama, corri para a cama e tinha

acabado de pegar meu livro de poesia quando ouvi uma batida
nas portas abertas da varanda. Olhei para lá e meu coração
começou a bater forte no peito. Um homem estava de pé do
outro lado. Vislumbrei olhos azuis - Ren, na versão príncipe
indiano. Quando saí para a varanda, percebi que seu cabelo
estava molhado e que ele exalava um cheiro maravilhoso,
como uma mistura de cascatas e selva. Estava tão bonito que eu
me senti muito mais tímida que de costume. Enquanto eu
andava em sua direção, meu coração disparou ainda mais.

Ren me olhou de cima a baixo e franziu a testa.


- Por que não está usando as roupas que comprei

para você? As que estão no closet e na cômoda?
- Ah... Você quer dizer que aquelas roupas são para
mim? - perguntei, confusa. - Eu não... Mas... Por que você iria...
Como... Bem, de qualquer forma, obrigada. E obrigada por me
deixar usar este quarto lindo.

Ren me dirigiu um largo sorriso que me deixou sem

ação. Ele pegou uma mecha do meu cabelo que se soltara na
brisa, prendeu atrás da minha orelha e disse:

- Gostou das flores?


Por um momento, fiquei apenas olhando para ele, então

pisquei e consegui deixar sair um fraco "sim", quase um
guincho. Ele assentiu, satisfeito, e gesticulou na direção do
pátio. Assenti e inspirei o ar quando Ren me pegou pelo
cotovelo e me conduziu até uma cadeira. Depois de verificar
que eu estava confortável, sentou-se na cadeira à minha frente.
Fiquei simplesmente olhando para ele, sem conseguir elaborar
um só pensamento coerente.

- Kelsey, sei que você tem muitas perguntas para mim. O que quer saber primeiro?


Eu estava hipnotizada por seus olhos azuis brilhantes,

que de alguma forma cintilavam até no escuro. Por fim,
consegui sair do transe. Disse a primeira coisa que me veio à mente:

- Você não se parece com outros homens indianos.

Seus... seus olhos são... diferentes e... - gaguejei, desajeitada.

Por que não consigo me controlar?


Se soei como uma idiota, Ren não demonstrou notar.


- Meu pai tinha ascendência indiana, mas minha

mãe era asiática. Era um princesa de outro país que foi
prometida a meu pai como noiva. Além disso, tenho mais de
300 anos, o que também deve fazer alguma diferença, suponho.
- Mais de 300 anos! Isso significa que você nasceu em...
- Nasci em 1657.
- Certo. - Eu me remexi na cadeira. Parece que acho
homens mais velhos extremamente atraentes. - Então por que
você aparenta ser tão jovem?
- Não sei. Eu tinha 21 anos quando me lançaram a maldição. Não envelheci mais depois disso.

Cerca de um milhão de perguntas saltavam na minha

mente e de repente senti a necessidade de tentar solucionar esse enigma.

- E o Sr. Kadam? Quantos anos ele tem? E como o

chefe do Sr. Kadam se encaixa nessa história? Ele sabe sobre você?

Ele riu.


- Kelsey, eu sou o chefe do Sr. Kadam.

- Você? Você é o rico empregador dele?
- Na verdade não definimos nosso relacionamento
dessa forma, mas a explicação que ele lhe deu foi mais ou
menos precisa. Quanto à idade do Sr. Kadam, isso é mais
complicado. Ele é um pouco mais velho que eu. Era meu
general e o conselheiro militar de confiança de meu pai.
Quando a maldição recaiu sobre mim, corri para ele e
consegui voltar à forma humana por tempo suficiente para lhe
contar o que acontecera. Ele rapidamente organizou as coisas,
escondeu meus pais e seus bens, e desde então tem sido meu protetor.
- Mas como ele pode estar vivo ainda? Deveria ter morrido há muito tempo.

Ren hesitou.


- O Amuleto de Damon o protege do

envelhecimento. Ele o usa no pescoço e nunca o tira.

Eu me lembrei da viagem de avião, quando vi de

relance o pendente do Sr. Kadam. Sentei-me mais na ponta da cadeira.

- Damon? Não é esse o nome do tigre de Durga?

- Isso. O nome do tigre de Durga e do amuleto são o
mesmo. Não sei muito sobre essa conexão nem sobre as origens
do amuleto. Tudo o que sei é que ele se quebrou em vários
pedaços há muito tempo. Alguns dizem que são quatro
pedaços, cada um deles representando um dos elementos
básicos, os quatro ventos, ou mesmo os quatro pontos cardeais.
Outros dizem que são cinco ou mais. Meu pai me deu seu
pedaço e minha mãe deu o dela a Kishan.

Eu mal piscava, querendo compreender tudo. Ele continuou:


- O homem que lançou a maldição do tigre sobre

mim queria nossos pedaços do amuleto. Foi por isso que
enganou Kishan. Ninguém sabe com certeza que tipo de poder
o amuleto exerceria se todos os pedaços fossem reunidos. Mas
ele era cruel e nada o deteria em seu propósito de obter todos os pedaços e descobrir.
- Que pessoa detestável.

Ren deu de ombros.


- Então o Sr. Kadam agora usa o meu pedaço do

amuleto. Nós acreditamos que seu poder o vem protegendo e
mantendo vivo todo esse tempo. Embora ele tenha envelhecido,
isso vem acontecendo, felizmente, muito devagar. É um amigo
de grande confiança que abriu mão de muita coisa para ajudar
minha família ao longo dos anos. Nunca poderei pagar minha
dívida com ele. Não sei como teria sobrevivido todo esse tempo
sem seu auxílio. - Ren olhou na direção da piscina e sussurrou:
- O Sr. Kadam cuidou dos meus pais até a morte deles e os
protegeu quando eu não pude fazê-lo.

Inclinei-me para a frente e pousei minha mão sobre a

dele. Eu podia sentir sua tristeza quando falava sobre os pais.
Seu sofrimento solitário de algum modo tomou conta de mim e
se entrelaçou com o meu. Ele virou a mão e distraidamente
começou a acariciar meus dedos com o polegar enquanto
olhava a paisagem, imerso em seus próprios pensamentos.

Normalmente, eu me sentiria sem jeito ou constrangida

por ficar de mãos dadas com um homem que acabara de
conhecer. Em vez disso, porém, eu me sentia confortada. A
perda de Ren ecoava a minha e seu toque me dava uma
sensação de paz. Enquanto olhava seu rosto bonito, eu me
perguntei se ele sentiria o mesmo. Eu compreendia a dor aguda
do isolamento. Os orientadores na escola disseram que eu não
fiquei de luto tempo suficiente após a morte dos meus pais e
que isso me impedia de estabelecer vínculos com outras
pessoas. Eu sempre me afastava, assustada, de relacionamentos
profundos. Percebi que, de certa forma, éramos ambos
solitários e senti uma grande compaixão por ele naquele
momento. Eu não conseguia imaginar 300 anos sem contato
humano, sem comunicação, sem alguém que olhasse em meus
olhos sabendo quem eu sou. Mesmo que eu me sentisse
desconfortável, eu não poderia ter lhe negado aquele momento de contato humano.

Ren me lançou um sorriso cálido e preguiçoso, beijou meus dedos e disse:


- Venha, Kelsey. Você precisa dormir e meu tempo está se esgotando.


Ele me puxou, me erguendo, de modo que fiquei muito

perto dele, e quase parei de respirar. Enquanto ele segurava
minha mão, senti um leve tremor atravessar a ponta dos meus
dedos. Ele me levou até a porta do quarto, disse um rápido boa-
noite, inclinou a cabeça e se foi.

Na manhã seguinte, investiguei meu novo guarda-

roupa - cortesia de Ren. Fiquei surpresa ao ver que eram, na
maior parte, jeans e blusas, roupas práticas e modernas que as
garotas americanas de hoje usariam. A única diferença era que
as peças tinham as cores vivas e vibrantes da índia.

Abri o zíper de uma das sacolas no closet e fiquei

perplexa ao encontrar um vestido de seda azul no estilo
indiano. Era bordado com minúsculas pérolas prateadas em
toda a saia e no corpete. O vestido era tão lindo que eu quis
experimentá-lo na hora.

A saia deslizou suavemente sobre a minha cabeça e

pelos meus braços, acomodando-se à cintura. Serviu
perfeitamente. Dos quadris, ela descia até o chão em pregas
pesadas - pesadas graças às centenas de pérolas costuradas na
bainha. O corpete tinha mangas japonesas e também era
ricamente bordado com pérolas. Ajustou-se bem ao meu corpo,
terminando logo acima do umbigo. Normalmente eu jamais
usaria uma roupa que me deixasse com a barriga de fora, mas
aquele vestido era incrível. Girei em frente ao espelho, me
sentindo uma princesa.

Por causa do vestido, resolvi que faria um esforço extra

com o cabelo e a maquiagem. Peguei meu raramente usado
estojinho de maquiagem e passei blush, uma sombra escura e
lápis azul. Finalizei com rímel e um brilho rosado nos lábios.
Então, desfiz as tranças da noite anterior e penteei o cabelo
com os dedos, ajeitando-o em cachos que caíam pelas costas.

Uma echarpe azul transparente acompanhava o vestido

e eu a enrolei em torno dos ombros, sem saber bem como usá-
la. Eu não havia planejado usar o vestido durante o dia, mas,
depois de experimentá-lo, não conseguia me convencer a tirar
do corpo aquela linda peça.

Descalça e me sentindo nas nuvens, desci a escada para

tomar o café da manhã. O Sr. Kadam já estava na cozinha,
assoviando e lendo um jornal indiano. Ele nem se deu ao trabalho de erguer os olhos.

- Bom dia, Srta. Kelsey. Seu café da manhã está na bancada da cozinha.


Saracoteei por ali, tentando chamar sua atenção, peguei

meu prato e um copo de suco de papaia, e então
ostentosamente ajeitei o vestido e deixei escapar um suspiro
dramático enquanto me sentava diante dele.

- Bom dia, Sr. Kadam.


Ele me espiou pela borda lateral do jornal, sorriu e então pôs o jornal de lado.


- Srta. Kelsey! A senhorita está encantadora!

- Obrigada. - Corei. - Foi o senhor que o escolheu? É lindo!
- Sim. E chamada de sharara. Ren queria lhe dar
roupas novas e eu as comprei quando estava em Mumbai. Ele
também me pediu que escolhesse alguma coisa especial. Suas
únicas instruções foram "bonito" e "azul". Queria poder ter todo
o crédito pela escolha, mas tive um pouco da ajuda de Nilima.

- Nilima? A comissária de bordo? Ela é sua... Quer

dizer, vocês são...? - gaguejei, envergonhada.

Ele riu.


- Nilima e eu temos, sim, uma relação bem próxima,

como você adivinhou, mas não do tipo que está pensando.
Nilima é minha tatatatatataraneta.

Meu queixo caiu. Eu estava atônita.


- Sua o quê?

- Ela é minha neta precedida por vários "tata".
- Ren me contou que o senhor era um pouco mais
velho que ele, mas não mencionou que o senhor tinha uma família.

O Sr. Kadam dobrou o jornal e bebericou o suco.


- Fui casado há muito, muito tempo e tivemos

alguns filhos, que também tiveram filhos, e assim por diante.
De todos os meus descendentes, somente Nilima conhece o
segredo. Para a maioria deles, sou um tio distante e abastado,
que está sempre viajando a negócios.
- E a sua mulher?

O sorriso do Sr. Kadam desapareceu e ele ficou

pensativo.

- Foi muito difícil para nós. Eu a amava de todo o

meu coração. À medida que o tempo passava, ela foi
envelhecendo, e eu não. O amuleto me afetou profundamente,
de maneiras que eu não esperava. Ela sabia de tudo e dizia que isso não a aborrecia.

Ele esfregou o amuleto sob a camisa. Vendo meu

interesse, puxou uma fina corrente de prata e me mostrou a
pedra verde, em formato de cunha. No alto, havia o fraco
contorno da cabeça de um tigre. Glifos desciam pelo círculo
externo, mas o Sr. Kadam disse que só conseguia ler parte de uma palavra.

Melancólico, esfregou o amuleto entre os dedos.


- Minha querida esposa ficou velha e muito doente.

Ela estava morrendo. Tirei esse amuleto do meu pescoço e
implorei a ela que usasse. Ela se recusou, fechou meus dedos
em volta dele e me fez jurar que nunca mais o tiraria até que
meu dever estivesse cumprido.

Uma pequena lágrima rolou do canto do meu olho.


- O senhor não poderia tê-la forçado a usar e se alternarem?


Ele sacudiu a cabeça com tristeza.


- Não. Ela queria seguir o curso natural da vida.

Nossos filhos estavam casados e felizes, e ela achava que era
hora de seguir para a próxima vida. Ela se sentia confortada
sabendo que eu estaria por aqui para cuidar da nossa família.

O Sr. Kadam sorriu, pesaroso.


- Fiquei com ela até o momento de sua morte e,

depois disso, com muitos de meus filhos e netos. Mas, à medida
que os anos passavam, foi ficando cada vez mais difícil para
mim suportar vê-los sofrendo e morrendo. Além disso, quanto
mais pessoas soubessem do segredo de Ren, mais perigo ele
correria, então eu os deixei. De vez em quando volto para
visitar meus descendentes, mas é... difícil para mim.
- O senhor se casou novamente?
- Não. De vez em quando, procuro um de meus
tataranetos e ofereço-lhe trabalho. Eles são maravilhosos. Além
disso, Ren foi uma boa companhia para mim até sua captura.

Eu não tentei encontrar ninguém para amar desde então. Não

creio que meu coração suportasse dizer adeus mais uma vez.
- Ah, Sr. Kadam, eu sinto muito. Ren tem razão: o
senhor sacrificou muitas coisas por ele.

Ele sorriu.


- Não fique triste por mim, Srta. Kelsey. Este é um

tempo de celebração. Você entrou em nossas vidas e o fato de
estar aqui me deixa muito feliz.

Tomou uma das minhas mãos nas suas, dando-lhe tapinhas, e piscou para mim.


Eu não sabia o que dizer em resposta, então

simplesmente sorri de volta para ele. O Sr. Kadam soltou minha
mão, levantou-se e começou a lavar os pratos. Eu me pus de pé
para ajudar no momento em que Ren entrava preguiçosamente
na cozinha, dando um enorme bocejo, como só um tigre pode
fazer. Eu me virei e acariciei o pelo de sua cabeça, um tanto constrangida.

- Bom dia, Ren! - falei, animada, e então rodopiei

para mostrar minha roupa. - Muito obrigada pelo vestido! É
muito bonito, não é? Nilima escolheu muito bem.

Ren se sentou abruptamente no chão, me observou por

um momento girando em meu vestido, então se levantou e saiu.

- O que deu nele? - perguntei.


O Sr. Kadam se virou para mim enquanto enxugava as

mãos em uma toalha.

- Hein?

- Ren acaba de sair.
- Quem entende os tigres? Talvez esteja com fome. Com licença um instante, Srta. Kelsey.

Sorriu para mim e foi atrás de Ren.


Mais tarde, nós dois nos acomodamos na adorável sala

do pavão, que abrigava a impressionante coleção de livros do
Sr. Kadam. Os livros estavam cuidadosamente arrumados em
prateleiras de mogno polido. Escolhi um volume sobre a Índia
que era cheio de mapas antigos.

- Sr. Kadam, o senhor pode me mostrar onde fica a

caverna Kanheri? Phet disse que precisamos ir até lá para
descobrir como livrar Ren da maldição.

Ele abriu o livro e apontou para um mapa de Mumbai.


- A caverna fica na parte norte da cidade, no Parque

Nacional de Borivali, que agora é chamado de Parque Nacional
Sanjay Gandhi. É formada por rocha basáltica e tem escrita
antiga nas paredes. Eu já estive lá, mas nunca encontrei uma
passagem subterrânea. Os arqueólogos estudam a caverna há
anos, mas ninguém conseguiu encontrar ainda uma profecia escrita por Durga.
- E quanto ao Selo do qual Phet falou? O que é isso?
- O Selo é uma pedra especial que tem estado sob
meus cuidados por todos esses anos. Eu o guardo em
segurança, com muitos dos objetos da família de Ren, em um
cofre de banco. Na verdade, preciso sair agora para pegá-la.
Vou trazê-la para você esta noite. Telefone para seus pais
adotivos hoje para que saibam que você está bem. Pode dizer a
eles que vai ficar na índia durante o verão como minha
aprendiz nos negócios, se quiser.

Assenti. Eu precisava mesmo ligar para eles. Sarah e

Mike provavelmente estavam se perguntando se a essa altura
eu tinha sido comida por um tigre.

- Também preciso buscar na cidade algumas coisas

que vocês vão precisar levar em sua jornada até a caverna. Por
favor, sinta-se em casa e descanse. Tem almoço e jantar já
preparados na geladeira. Se quiser nadar, não se esqueça de
usar protetor solar. Fica guardado em um armário perto da
piscina, ao lado das toalhas.

Subi as escadas e encontrei meu celular sobre a cômoda

no quarto. Foi gentil da parte dele devolvê-lo depois do
incidente na selva. Sentei-me em uma espreguiçadeira de
veludo dourado, liguei para meus pais adotivos e conversamos
longamente sobre o trânsito, a comida e o povo da Índia.
Quando eles quiseram saber sobre a reserva de tigres, me
esquivei à pergunta dizendo que Ren estava sendo bem
cuidado. O Sr. Kadam tinha razão. A maneira mais fácil de
explicar minha permanência na Índia era dizer que eu tinha
aceitado trabalhar como estagiária dele até o fim do verão.

Depois de desligar, localizei a área de serviço e lavei

minhas roupas e a colcha da minha avó. Em seguida, sem nada
mais para fazer, resolvi explorar cada cômodo da casa. A área
do porão abrigava uma academia de ginástica totalmente
equipada, mas não com aparelhos modernos. O chão era
coberto por uma espécie de tatame preto acolchoado. Metade
do porão era uma construção subterrânea, cavada na encosta
da colina, e o restante era aberto para o sol com imensas
janelas do teto ao chão. Uma porta de vidro deslizante se abria
para um grande deque que levava à selva. A parede dos fundos
era plana e revestida por lambris.

Havia um painel de botões ao lado da porta. Pressionei

o botão superior e uma seção dos lambris se abriu, revelando
uma variedade de armas antigas, como machados, lanças e
facas de vários tamanhos, pendendo de compartimentos
especialmente feitos para elas. Tornei a pressionar o botão e ela
se fechou. Apertei o segundo botão e outra seção da parede se
abriu, exibindo espadas. Cheguei mais perto para inspecioná-
las. Eram muitos os diferentes estilos, indo de finos floretes a
pesadas espadas de lâminas largas e uma que se encontrava
especialmente guardada em uma caixa de vidro. Parecia uma
espada samurai que certa vez eu vira em um filme.

Voltando ao primeiro andar, encontrei um home

theater com um sistema de mídia de última geração e poltronas
reclináveis de couro. Logo atrás da cozinha havia uma sala de
jantar formal para banquetes, com piso de mármore, sanca e
um candelabro deslumbrante. Ao lado da biblioteca do pavão,
descobri uma sala de música com um reluzente piano de cauda
preto e um impressionante sistema de som com centenas de
CDs. Quase todos os artistas dos CDs pareciam indianos, mas
também encontrei vários cantores americanos, inclusive Élvis
Presley. Uma guitarra antiga de formato muito estranho pendia
da parede e havia um sofá curvo de couro negro posicionado no meio da sala.

O quarto do Sr. Kadam também ficava no andar

principal e se assemelhava muito à sala do pavão, com mobília
de madeira polida e muitos livros. Tinha ainda alguns belos
quadros e uma ensolarada área de leitura. No alto da escada,
no terceiro andar, encontrei um convidativo loft. Ali havia um
pequeno conjunto de estantes e duas confortáveis cadeiras de
leitura num ambiente que se debruçava sobre a ampla escadaria.

Também encontrei outro quarto grande, um banheiro e

uma despensa. No meu andar, encontrei mais três quartos, fora
o meu. Um era decorado em tons de rosa, para uma garota -
talvez para Nilima, quando viesse visitá-los. O segundo parecia
ser um quarto de hóspedes, com cores mais masculinas.

Entrando no último quarto, vi portas de vidro que

levavam à mesma varanda do meu. Sua decoração era simples,
comparada à dos outros. A mobília era de mogno escuro
polido, mas não havia detalhes nem enfeites. As paredes eram
lisas e as gavetas estavam vazias.

É aqui que Ren dorme?


Vendo uma escrivaninha a um canto, me aproximei e

vi um maço de papel creme grosso, uma caneta-tinteiro antiga
e um tinteiro. A folha de cima tinha uma nota escrita numa
linda caligrafia.














Uma fita verde de cabelo que parecia muito ser uma 
das minhas estava perto do tinteiro. Espiei no armário e não 
encontrei nada - nenhuma roupa, nenhuma caixa, nenhum 
objeto pessoal. 

Voltei para o andar de baixo e passei o resto da tarde 
estudando cultura, religião e mitologia indianas. Esperei até o 
estômago roncar para comer alguma coisa, desejando ter 
companhia. O Sr. Kadam ainda não voltara do banco e não 
havia o menor sinal de Ren. 

Depois de jantar, subi e encontrei Ren novamente de pé 
na varanda, olhando o pôr do sol. Aproximei-me, tímida, e parei atrás dele. 

- Oi, Ren. 

Ele se virou e examinou a minha aparência. Seu olhar 
desceu cada vez mais lentamente pelo meu corpo. Quanto mais 
ele olhava, mais seu sorriso se abria. Por fim, seus olhos 
percorreram o caminho de volta até o meu rosto vermelho vivo. 

Ele suspirou e fez uma reverência profunda. 

- Sundari. Eu estava aqui pensando que nada 
poderia ser mais lindo que este pôr do sol, mas estava 
enganado. Você aí parada à luz do sol poente, com o cabelo e a 
pele reluzindo, é quase mais do que um homem pode... apreciar plenamente. 

Tentei mudar de assunto. 

- O que significa sundari? 
- Significa "mais linda". 

Tornei a enrubescer, o que o fez rir. Ele pegou minha 
mão, passou-a por debaixo do seu braço e me levou para as 
cadeiras do pátio. O sol foi mergulhando atrás das árvores, 
deixando seu brilho tangerina no céu por mais alguns instantes. 

Então nos sentamos ali mais uma vez, mas agora ele se 
acomodou ao meu lado no balanço e manteve minha mão na dele. 

- Espero que você não se aborreça - arrisquei, 
timidamente -, mas hoje dei uma explorada na casa, inclusive no seu quarto. 
- Não me aborreço. Certamente achou o meu quarto o menos interessante. 
- Na verdade, fiquei curiosa com umas anotações 
que vi. São suas? 
- Anotações? Ah, sim. Rabisquei algumas coisas para 
me ajudar a gravar as palavras de Phet. Ali só diz: siga a 
profecia de Durga, caverna de Kanheri, Kelsey é a protegida de Durga, esse tipo de coisa. 
- Ah. Eu... também vi uma fita. É minha? 
- Sim. Se a quiser de volta, pode pegar. 
- Para que você a quer? 

Ele deu de ombros, parecendo constrangido. 

- Queria uma lembrança, uma prenda da garota que salvou a minha vida. 
- Uma prenda? Como uma donzela que dá seu lenço a um cavaleiro de armadura brilhante? 

Ele sorriu. 

- Exatamente. 

Zombei: 

- Pena você não ter esperado que Cathleen ficasse um pouco mais velha. Ela vai ser muito bonita. 

Ele franziu a testa. 

- Cathleen do circo? - Sacudiu a cabeça. - Você foi a 
escolhida, Kelsey. E, se eu tivesse a opção de escolher a garota 
que iria me salvar, ainda teria sido você. 
- Por quê? 
- Por várias razões. Eu gostei de você. Você é 
interessante. Tinha a sensação de que via a pessoa através do 
pelo do tigre. Quando você falava, era como se estivesse 
dizendo exatamente as coisas que eu precisava ouvir. Você é 
inteligente. Adora poesia e é muito bonita.

Ri com sua afirmação. Eu, bonita? Ele não pode estar 
falando sério. Eu era comum em tantos aspectos. Não me 
preocupava com a maquiagem ou o estilo de cabelo da moda. 
Nem ligava para roupas elegantes, mas desconfortáveis, como 
outras adolescentes. Minha pele era pálida e meus olhos eram 
tão castanhos que chegavam a ser quase pretos. De longe,
minha melhor característica era o sorriso, pelo qual meus pais 
pagaram muito caro, assim como eu - com três anos de uso de 
aparelho ortodôntico. 

Ainda assim, eu estava lisonjeada. 

- Muito bem, Príncipe Encantado, pode guardar sua 
lembrança. - Hesitei e então disse: - Sabe, uso essas fitas em 
memória da minha mãe. Ela costumava escovar meu cabelo e 
trançar fitas nele enquanto conversávamos. 

Ren sorriu, compreendendo. 

- Então ela significa ainda mais para mim. 

Quando o momento passou, ele continuou: 

- Bem, Kelsey, amanhã nós vamos para a caverna. 
Durante o dia, há muitos turistas por lá, o que significa que 
vamos ter que esperar até a noite para procurar a profecia de 
Durga. Entraremos furtivamente no parque pela selva e 
seguiremos a pé por um trecho, portanto use as botas de 
caminhada novas que compramos para você, que estão na caixa em seu closet. 
- Ótimo. Nada como amaciar botas novas numa 
caminhada pela quente selva indiana - brinquei.

- Não vai ser assim tão ruim e, mesmo novas, as 
botas vão deixar seus pés mais confortáveis do que os tênis. 
- Acontece que eu gosto dos meus tênis e vou levá-
los comigo para o caso de suas botas me fazerem calos. 

Ren esticou as pernas compridas e cruzou os pés descalços à sua frente. 

- O Sr. Kadam vai nos preparar uma bolsa com itens 
de que podemos precisar. Vou me certificar de que ele deixe 
espaço para os seus tênis. Você terá que dirigir até Mumbai e o 
parque, pois eu estarei no banco de trás como tigre. Sei que 
não gosta do trânsito daqui. Lamento que tenha mais esse inconveniente. 
- Não gostar do trânsito é um eufemismo - 
murmurei. - As pessoas daqui não sabem dirigir. Elas são loucas. 
- Podemos pegar estradas secundárias com menos 
tráfego e ir de carro só até os arredores de Mumbai. Não vamos 
atravessar a cidade como antes. Não será tão ruim. Você dirige bem.

- Ah, é fácil para você falar. Vai dormir no banco de trás a viagem toda. 

Ren tocou minha face com os dedos e gentilmente virou meu rosto para o dele. 

- Rajkumari, quero lhe dizer obrigado. Obrigado 
por ficar e me ajudar. Você não sabe quanto isso significa para mim. 
- De nada - sussurrei. - E o que significa rajkumari? 

Ele me lançou um sorriso branco luminoso e habilmente mudou de assunto. 

- Quer saber um pouco sobre o Selo? 

Eu sabia que ele estava fugindo da minha pergunta, mas concordei: 

- Quero. O que é? 
- É uma pedra retangular esculpida, com cerca de 
três dedos de espessura. O rei sempre a usava em público. Era 
um símbolo dos deveres da família real. O Selo do Império tem 
quatro palavras esculpidas, uma em cada face: Viveka, 
Jagarana, Vira e Anukampa, que, traduzidas livremente, 
significam: "Sabedoria", "Vigilância", "Bravura" e "Compaixão". 

Você deverá estar com o Selo quando formos para as cavernas. 
Phet disse que ele é a chave que abriria a passagem. O Sr. 
Kadam o deixará em sua cômoda antes de partirmos. 

Eu me levantei, fui até a balaustrada e ergui os olhos 
para as estrelas que surgiam. 

- Não consigo imaginar a sua vida antigamente. É tão diferente de tudo o que eu conheço. 
- Tem razão, Kelsey. 
- Pode me chamar de Kells. 

Ele sorriu e se aproximou. 

- Você está certa, Kells. É diferente. Tenho muito a 
aprender com você. Mas talvez possa lhe ensinar algumas 
coisas também. Por exemplo, a sua echarpe... Posso? 

Ren tirou o xale que caía sobre os meus ombros e o estendeu diante de mim. 

- Existem muitas formas de usar uma echarpe 
dupatta. Uma delas é arrumá-la sobre os ombros como você 
fez, outra é passar uma extremidade sobre o ombro e a outra 
sobre o braço, como é a moda atual. Assim.

Enrolando-a em torno de seu corpo, ele se virou para 
me mostrar o estilo, e eu não pude deixar de rir. 

- E como é que você sabe qual é a moda atual? 
- Eu sei muitas coisas. Você ficaria surpresa. - Ele 
soltou a echarpe novamente, enrolando-a de outra maneira. - 
Você também pode dobrá-la sobre o cabelo, o que é 
apropriado num encontro com pessoas mais velhas, pois isso demonstra respeito. 

Fiz uma profunda reverência para ele, ri e disse: 

- Obrigada por me mostrar como demonstrar o 
devido respeito, madame. E permita-me dizer que fica encantadora de seda.

Ele riu e me mostrou mais algumas maneiras de usar a 
echarpe, cada uma mais engraçada que a outra. Enquanto 
falava, eu me via encantada. Ele é tão... atraente, charmoso, 
magnético, irresistível... cativante. Um homem lindo, quanto a 
isso não havia dúvida, mas, mesmo que não fosse, eu podia me 
imaginar sentada ao lado dele, feliz, conversando por horas. 

Vi um tremor percorrer os braços de Ren. Ele esperou 
que passasse e deu um passo em minha direção.

- Meu estilo favorito, porém, é como você a usou 
hoje mais cedo, jogada solta sobre os dois braços. Assim, vejo o 
efeito completo de seu lindo cabelo descendo pelas costas. 

Enrolando o tecido diáfano em torno dos meus ombros, 
ele puxou o xale e delicadamente me levou para mais perto 
dele. Estendeu a mão, pegou um cacho e o enrolou em torno de seu dedo. 

- Esta vida é muito diferente da que eu conheço. 
Tantas coisas mudaram... - Ele soltou o xale, mas continuou 
segurando o cacho. - Mas algumas são muito, muito melhores. 

Ele largou o cacho, correu um dedo pela minha face e 
me empurrou levemente de volta ao meu quarto. 

- Boa noite, Kelsey. Teremos um dia cheio amanhã.

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