terça-feira, 22 de outubro de 2013

Capítulo 11 - A Caverna de Kanheri

Na manhã seguinte, acordei e encontrei o Selo do
Império Mujulaain na cômoda. A bonita pedra de cor creme
tinha estrias dourado-alaranjadas e pendia de uma fita macia.
Peguei o pesado objeto para examiná-lo mais de perto e
imediatamente percebi as palavras esculpidas que Ren dissera
significarem sabedoria, vigilância, bravura e compaixão. Uma
flor de lótus desabrochava na base do Selo. Os detalhes no
desenho demonstravam uma habilidade altamente sofisticada. Era lindo.

Se o pai era tão fiel a estas palavras quanto Ren diz que

era, deve ter sido um bom rei.

Por um minuto, deixei minha imaginação criar uma

versão mais velha de Ren como rei. Podia facilmente visualizá-
lo liderando outras pessoas. Ele tinha algo que me fazia querer
confiar nele e segui-lo. Sorri ironicamente. As mulheres o
seguiriam até em um precipício.

O Sr. Kadam servira ao seu príncipe por mais de 300

anos. A idéia de que Ren podia inspirar uma vida de lealdade
era extraordinária. Deixei de lado minhas especulações e olhei
novamente com admiração para o Selo de vários séculos.

Abri a bolsa que o Sr. Kadam havia deixado e descobri

que ela continha câmeras, tanto digital quanto descartável,
fósforos, algumas ferramentas para cavar, lanternas, um
canivete, aqueles tubinhos que emitem luz quando são
agitados, papel e carvão para desenho, comida, água, mapas e
alguns outros itens. Vários deles haviam sido colocados em
bolsas plásticas à prova d’água. Testei o peso da bolsa e
descobri que era bem razoável.

Abri o closet, corri os dedos outra vez pelo meu lindo

vestido e suspirei. Vesti jeans e camiseta, calcei as novas botas
de caminhada e peguei os tênis.

No primeiro andar, encontrei o Sr. Kadam cortando
mangas para o café da manhã.

- Bom dia, Srta. Kelsey - disse ele, e apontou para
meu pescoço. - Vejo que a senhorita encontrou o Selo.
- Encontrei, sim. É muito bonito, mas um pouquinho
pesado. - Coloquei algumas fatias de manga em meu prato e
despejei um pouco de chocolate quente caseiro em uma
caneca. - O senhor cuidou dele durante todos esses anos?
- Sim. Ele é muito precioso para mim. O Selo na
verdade foi feito na China, não na Índia. Foi um presente dado
ao avô de Ren. Selos antigos assim são bem raros. É feito de
pedra Shoushan, que, contrariando a crença popular, não é um
tipo de jade. Os chineses acreditavam que Shoushans eram
ovos de fênix de cores vivas encontrados em ninhos no alto das
montanhas. Homens que arriscavam a vida para localizá-los e
capturá-los recebiam honras, glória e riqueza.
- Interessante - comentei, instigando-o a continuar
seu relato.
- Somente os homens mais ricos tinham objetos
entalhados nesse tipo de pedra. Receber um de presente foi
uma grande honra para o avô de Ren. Este é um tesouro de
família de valor inestimável. A boa notícia para você é: dizem
que ter ou usar alguma coisa feita desse tipo de pedra dá sorte.
Talvez a ajude na jornada mais do que você imagina.
- Parece que a família de Ren era muito especial.
- De fato era, Srta. Kelsey.

Tínhamos acabado de nos sentar para tomar iogurte
com manga quando Ren entrou, sorrateiro, na cozinha e pôs a
cabeça no meu colo.

Cocei suas orelhas.

- Que bom que você se juntou a nós. Está ansioso
para pôr o pé na estrada? Deve estar empolgado por se ver tão
perto de quebrar a maldição.

Ele continuou a me olhar com intensidade, como se
estivesse impaciente para sair, mas eu não queria correr.
Acalmei-o com pedaços de manga. Momentaneamente
satisfeito, ele se sentou e saboreou o petisco, lambendo o sumo
de meus dedos.

Eu ri.

- Pare! Isso faz cócegas! - Ele me ignorou, passou
para o meu braço e me lambeu quase até a manga da camiseta.
- Ei, eca, Ren! Está bem. Está bem. Vamos.

Lavei meu braço, olhei a vista da propriedade uma
última vez e segui para a garagem. O Sr. Kadam já estava do
lado de fora com Ren. Ele pegou a bolsa da minha mão,
colocou-a no banco do carona e então segurou a porta en-
quanto eu subia no Jeep.

- Tome cuidado, Srta. Kelsey - advertiu o Sr. Kadam.
- Ren vai protegê-la, porém são muitos os perigos no caminho.
Contra alguns estamos prevenidos, mas estou certo de que
vocês irão enfrentar muitos dos quais não tenho ciência. Tenha
cautela.
- Eu terei. Tomara que a gente volte logo.

Fechei o vidro da janela e saí da garagem dando ré. O
GPS começou a soar de novo, dizendo-me para onde ir. Mais
uma vez, senti uma profunda gratidão pelo Sr. Kadam. Ren e
eu estaríamos totalmente perdidos sem ele.

A viagem não teve nada de memorável. O trânsito
estava muito tranquilo na primeira hora. Começou a ganhar
intensidade à medida que íamos nos aproximando de Mumbai,
mas a essa altura eu havia quase me acostumado a dirigir do
outro lado da rua. Seguimos por cerca de quatro horas antes de
eu parar no fim de uma estrada de terra que delimita o parque.

- É aqui que devemos entrar. Segundo o mapa,
vamos levar duas horas e meia andando até a caverna de
Kanheri. - Consultei o relógio e continuei: - Isso nos deixa com
um intervalo de cerca de duas horas antes que anoiteça e os turistas vão embora.

Ren saltou do carro e me seguiu para o parque, para
um local na sombra. Deitou-se na grama e eu me sentei perto
dele. A princípio, usei seu corpo como apoio para as costas e
então, gradualmente, fui relaxando encostada nele, usando
suas costas como almofada.

Olhando para o alto das árvores, comecei a falar.
Contei a Ren como fora crescer com meus pais, recordei as
visitas à minha avó e as viagens de férias da família.

- Mamãe era enfermeira em uma instituição para
idosos, mas depois resolveu ficar em casa e cuidar de mim -
expliquei, voltando ao passado e às doces lembranças. - Ela
fazia o melhor cookie com gotas de chocolate e creme de
amendoim do mundo. Achava que demonstrar amor
significava fazer cookies em casa e provavelmente foi esse o
motivo de eu ter sido uma criança gorducha.

Ren ouvia com atenção.

- Papai era o típico pai que faz churrasco no
quintal. Era professor de matemática e acho que passou parte
disso para mim, pois também gosto de matemática. Todos nós
adorávamos ler e tínhamos uma pequena biblioteca em casa.
Os livros do Dr. Seuss eram os meus preferidos. Mesmo agora
eu quase posso sentir a presença dos meus pais quando pego
um livro.

As lembranças me emocionavam, mas eu não queria
parar de falar.

- Quando viajávamos, eles gostavam de se hospedar
em pousadas simples, e eu ficava com um quarto só para mim.
Viajamos praticamente por todo o estado e conhecemos
fazendas de maçãs e minas antigas, cidades inspiradas na
Bavária que serviam panquecas alemãs no café da manhã, o
mar e as montanhas. Acho que você se apaixonaria facilmente
pelo Oregon. Não viajei tanto quanto você, mas não posso
imaginar um lugar mais bonito do que o estado onde nasci.

Mais tarde, falei sobre a escola e meu sonho de ir para a
universidade, embora eu não pudesse pagar mais do que uma
faculdade comunitária. Falei até do acidente dos meus pais, de
como me senti sozinha quando aconteceu e de como era viver
com uma família adotiva.

A cauda de Ren batia de um lado para outro, por isso eu
sabia que ele estava acordado e ouvindo, o que me
surpreendeu, pois achei que cairia no sono, entediado com a
minha tagarelice. Por fim, minha voz foi baixando, eu mesma
ficando com sono, e acabei cochilando no calor até sentir Ren
se mover e ficar de pé.

Então me espreguicei.

- Já é hora de ir, não é? Muito bem. Você vai na
frente.

Iniciamos a caminhada pelo parque. A vegetação ali era
muito mais aberta do que no Santuário da Vida Selvagem
Yawal. As árvores eram mais espaçadas. Lindas flores púrpura
cobriam as colinas. Passamos por tecas e bambus, mas havia
outros tipos que eu não conseguia identificar. Vários animais
atravessavam em disparada à nossa frente. Eu vi coelhos,
cervos e porcos-espinhos. Olhando para os galhos mais altos,
podia encontrar centenas de pássaros, numa grande variedade de cores.

Enquanto andávamos sob um grupo de árvores
particularmente denso, ouvi grunhidos estranhos e assustados
e avistei macacos Rhesus se balançando nas alturas. Eram
inofensivos, mas, à medida que nos dirigíamos mais para o
centro do parque, vi outras criaturas mais perigosas. Eu me
desviei de uma píton gigante que, pendurada em uma árvore,
nos observava com olhos negros e imóveis. Lagartos-monitores
enormes de língua bifurcada e corpo comprido cruzavam
correndo o nosso caminho, sibilando. Besouros grandes e
gordos zumbiam preguiçosamente à nossa volta, trombavam,
atarantados, em objetos em pleno voo e então prosseguiam sua jornada.

Era tudo bonito, mas ao mesmo tempo assustador, e era
bom ter um tigre por perto. De vez em quando, Ren saía do
caminho e circulava um trecho, o que me levava a pensar que
ele estava evitando certos lugares ou talvez, estremeci, certas coisas.

Depois de cerca de duas horas de caminhada,
chegamos perto da caverna Kanheri, nos limites da selva. A
floresta havia se tornado mais esparsa, abrindo-se para uma
colina sem árvores. Degraus de pedra levavam colina acima,
até a entrada, mas ainda estávamos muito distantes para ter
mais do que um simples vislumbre da caverna. Comecei a me
dirigir aos degraus, mas Ren saltou à minha frente e me
cutucou com o focinho, indicando que eu voltasse para as
árvores.

- Quer esperar mais um pouco? Certo. Vamos esperar.

Sentados sob a proteção de uns arbustos, esperamos por
uma hora. Ligeiramente impaciente, vi turistas saírem da
caverna, descerem os degraus devagar e seguirem para o
estacionamento. Pude ouvi-los tagarelando enquanto se
afastavam em seus carros.

- Que pena que não pudemos vir de carro -
observei, com inveja. - Teríamos poupado um bocado de
esforço. Mas acho que as pessoas não entenderiam por que um
tigre estava me seguindo por aí. Sem contar que o guarda
florestal ficaria de olho na gente.

Finalmente o sol se pôs e as pessoas se foram. Ren
deixou cautelosamente a proteção das árvores e farejou o ar.
Satisfeito, começou a se dirigir aos degraus de pedra
entalhados na colina pedregosa. A subida era longa e eu estava
sem fôlego quando chegamos lá em cima.

Assim que entramos na caverna, deparamos com um
bunker de pedra aberto, com cômodos que me lembravam os
favos de uma colméia, todos idênticos. Um bloco de pedra do
tamanho de uma cama pequena encontrava-se posicionado do
lado esquerdo de cada cômodo e prateleiras escavadas
localizavam-se nas paredes dos fundos. Uma placa informava
que a caverna era parte de um povoamento budista que datava
do século III.

Não é estranho que estejamos procurando uma profecia
hindu em um povoamento budista?, pensei ao seguirmos em
frente. Mas, afinal, tudo nesta aventura é mesmo um pouco
estranho.

Adentrando ainda mais a caverna, notei longos fossos
de pedra conectados por arcos que corriam de um poço de
pedra central e avançavam - provavelmente mais para o alto
da montanha. Uma placa dizia que os fossos já haviam sido
usados como aqueduto, para levar água até aquela área.

Chegando à câmara principal, corri as mãos sobre os
sulcos profundos da parede elaboradamente entalhada. Sinais
da antiga escrita hindu e hieróglifos haviam sido gravados nas paredes.

Os vestígios de um teto, ainda mantido em alguns
pontos por pilares de pedra, lançavam sombras no local.
Estátuas haviam sido entalhadas nas colunas de pedra e,
enquanto andávamos, eu mantinha os olhos nelas para me
certificar de que não deixariam os restos do teto desabar sobre
nós.

Ren prosseguiu até os fundos da câmara principal, na
direção da boca negra e escancarada da caverna que avançava
ainda mais fundo na colina. Eu o segui e transpus a abertura,
alcançando um piso arenoso em um amplo espaço circular.
Fazendo uma pausa, deixei que meus olhos se ajustassem por
um minuto. A caverna circular tinha muitas aberturas. A luz
que entrava, suficiente apenas para revelar a silhueta da
abertura, não conseguia penetrar nos corredores adiante e ia
enfraquecendo rapidamente à medida que o sol se punha.

Peguei uma lanterna e perguntei:

- O que fazemos agora?

Ren se dirigiu para o primeiro vão sombrio e
desapareceu na escuridão. Seguindo-o, abaixei-me para entrar
na pequena câmara repleta de prateleiras de pedra. Perguntei-
me se algum dia teria sido usada como biblioteca. Depois de
percorrê-la, voltei à entrada, esperando ver uma placa gigante
que dissesse "Profecia de Durga aqui!", e de repente senti uma
mão em meu ombro. Dei um pulo com o toque de Ren.

- Não faça isso! Não pode me avisar antes?
- Desculpe, Kells. Precisamos procurar em cada uma
das cavernas um símbolo que pareça o Selo. Você procura em
cima e eu, embaixo.

Ele apertou brevemente meu ombro e se
metamorfoseou em tigre.

Estremeci. Acho que nunca vou me acostumar com isso.

Não vimos nenhum entalhe na câmara, então passamos
para a seguinte e depois para a outra. No quarto vão,
procuramos com mais cuidado, pois a caverna era cheia de
glifos. Ficamos ali por pelo menos uma hora. Tampouco
tivemos sorte na quinta caverna.

A sexta estava vazia. Nem sequer uma prateleira de
pedra decorava as paredes, mas foi na sétima abertura que
encontramos algo. O vão levava a uma câmara muito menor
que as outras. Era comprida e estreita e tinha algumas
prateleiras à semelhança das outras cavernas. Ren encontrou o
entalhe debaixo de uma das prateleiras. Eu provavelmente não
o teria visto se estivesse procurando sozinha.

Ele grunhiu suavemente para mim e enfiou o nariz sob
a laje de pedra.

- O que foi? - perguntei e me abaixei.

De fato, debaixo da prateleira na parede dos fundos da
câmara havia um entalhe que reproduzia perfeitamente o Selo.

- Bem, acho que é ele. Cruze os dedos, ou melhor, as
garras.

Tirei o Selo do meu pescoço e o coloquei sobre o
entalhe, ajeitando-o até sentir que se encaixava com um
clique. Esperei, mas nada aconteceu. Tentei girar o Selo e dessa
vez ouvi um chiado mecânico por trás da parede. Depois de
uma volta completa, senti resistência e ouvi um silvo abafado.
A poeira subiu pelas bordas da parede, revelando que na
verdade se tratava de uma porta.

Um ronco grave e abafado sacudiu a porta à medida
que ela lentamente deslizava para trás. Tirei o Selo do encaixe,
tornei a colocá-lo em meu pescoço e dirigi o fraco feixe de luz
para além da porta. Vi apenas mais paredes. Ren me cutucou
com o focinho, fazendo-me abrir espaço, e entrou primeiro. Eu
me mantinha o mais perto possível dele e umas duas vezes
quase tropecei em suas patas.

Voltando o foco da lanterna para a parede, encontrei
uma tocha presa a um suporte de metal. Peguei alguns fósforos
e fiquei surpresa por conseguir acendê-la quase
imediatamente. A chama iluminou o corredor muito melhor do
que minha modesta lanterna.

Estávamos no topo de uma escada sinuosa. Espiei com
cautela por sobre a borda, vendo um abismo escuro. Como o
único caminho era a escada, peguei a tocha e iniciei a descida.
Um clique soou às nossas costas e, com um ligeiro silvo, a porta
se fechou, trancando-nos ali.

- Ótimo - murmurei. - Vamos nos preocupar com
isso só mais tarde.

Ren simplesmente me olhou e esfregou a cabeça na
minha perna. Massageei o pelo de sua nuca e continuamos a
descer os degraus. Ele se colocou no lado externo da escada, o
que me deixava colada à parede enquanto descíamos. Eu não
tinha fobia de altura, mas uma passagem secreta, degraus
estreitos, um abismo escuro e nenhum corrimão com certeza
estavam me apavorando. Fiquei grata por ele ficar com o lado
mais perigoso.

Descíamos devagar e meu braço começou a doer por
causa da tocha. Mudei-a para a outra mão, tomando cuidado
para não pingar azeite quente em Ren. Quando finalmente
alcançamos a base poeirenta da escada, outra passagem escura
se abriu diante de nós e deparamos com uma bifurcação. Soltei um gemido.

- Que caminho seguimos agora?

Ren entrou em um dos corredores e farejou o ar. Então
passou ao outro e ergueu a cabeça para farejar novamente.
Voltando ao primeiro, ele prosseguiu. Eu também farejei o ar,
só para ver se conseguia perceber o mesmo que ele, mas a
única coisa que senti foi um odor acre e insalubre, parecido
com enxofre. O cheiro amargo impregnava a caverna e parecia
se intensificar a cada curva que fazíamos.

Avançamos quase no escuro, serpenteando pelo
labirinto subterrâneo. A tocha lançava uma luz bruxuleante
nas paredes, criando sombras assustadoras que dançavam em
círculos sinistros. Enquanto prosseguíamos pelo labirinto
lúgubre, encontramos várias áreas abertas onde os caminhos se
ramificavam. Ren tinha que parar e cheirar cada passagem
antes de escolher a que ele achava que nos levaria na direção
certa.

Pouco depois de passar por uma dessas áreas abertas,
um som aterrorizante sacudiu a passagem. Um martelar
metálico soou bem alto e um portão de ferro com pontas
afiadas cravou-se no chão logo atrás de mim. Girei rapida-
mente e gritei de medo. Nós não só estávamos em um labirinto
antigo e escuro como estávamos em um labirinto antigo e
escuro cheio de armadilhas.

Ren veio para o meu lado e se manteve bem perto, o
suficiente para que eu mantivesse a mão em seu pescoço.
Cravei os dedos em seu pelo e segurei com força para me
tranquilizar. Três curvas depois, ouvi um zumbido abafado
vindo de uma das passagens à frente. O zumbido aumentava
de volume à medida que nos aproximávamos.

Dobrando uma esquina, Ren parou e olhou diretamente
à frente. Seu pelo se eriçou e espetou os meus dedos. Ergui a
tocha para ver por que ele havia parado e agarrei com força
seu pelo ao mesmo tempo que arregalava os olhos e começava
a tremer.

O corredor adiante estava se mexendo. Besouros negros
gigantes, do tamanho de bolas de beisebol, subiam
preguiçosamente uns sobre os outros, obstruindo a passagem à
nossa frente. As estranhas aberrações pareciam limitar seus
movimentos àquele corredor.

- É... Ren? Tem certeza de que precisamos ir naquela
direção? Esta outra passagem parece um pouco melhor.

Ele deu um passo, aproximando-se da esquina.
Relutante, eu o segui. Os besouros tinham exosqueletos pretos e
brilhantes, seis pernas peludas, antenas tremulantes e duas
mandíbulas pontudas na frente que estalavam, abrindo-se e
fechando-se como tesouras afiadas. Alguns deles abriam asas
negras espessas e zumbiam ruidosamente ao voar para a
parede oposta. As pernas espinhentas de outros besouros
prendiam-se ao teto.

Olhei para Ren e engoli em seco quando ele avançou,
determinado a atravessar a passagem. Ele se virou para trás e
me olhou.

- Está bem, Ren. Eu vou. Mas vou correr o caminho
todo. Tente me acompanhar.

Dei alguns passos para trás, segurei com mais força a
tocha e disparei à frente. Estreitando os olhos, corri com os
lábios apertados, um grito no fundo da garganta o tempo todo.

Atravessei a passagem o mais rápido possível e quase perdi o
equilíbrio algumas vezes, quando minhas botas patinavam
sobre vários besouros ao mesmo tempo, esmagando-os. Uma
imagem horrível cruzou minha mente: cair de cara naquele
monte de insetos. Decidi tomar mais cuidado com os pontos onde pisava.

Tinha a sensação de estar correndo em um rolo gigante
de plástico bolha e cada passo meu estourava várias bolhas
enormes. Os besouros explodiam como sachês de ketchup e
espirravam uma gosma verde em todas as direções. Isso,
naturalmente, perturbou os outros besouros. Vários
levantaram voo e começaram a enxamear em torno do meu
corpo, aterrissando na minha calça, na minha blusa e no meu
cabelo. Eu conseguia desviá-los do rosto com a mão livre, que
várias vezes foi espetada por suas mandíbulas.

Chegando finalmente ao outro lado, comecei a me
sacudir convulsivamente para me livrar de quaisquer possíveis
caronas. Tive que arrancar com a mão alguns que não queriam
se soltar, inclusive um que subia pelo meu rabo de cavalo.

Então comecei a limpar a sola das botas na parede enquanto
tentava ver Ren.

Ele corria em disparada pela passagem, que continuava
a zumbir, e, com um grande salto, aterrissou ao meu lado,
sacudindo-se violentamente. Vários besouros ainda se
agarravam ao seu pelo, de modo que tive que empurrá-los com
o cabo da tocha. Um deles havia beliscado sua orelha com
força suficiente para fazê-la sangrar. Para minha sorte, eu
conseguira atravessar sem que nenhum me beliscasse a ponto
de rasgar a pele.

- Acho que usar roupas ajuda, Ren. Eles acabam
beliscando as roupas em vez da pele. Pobre tigre. Você tem
besouros esmagados em todas as patas. Eca! Pelo menos eu
tenho a vantagem das botas.

Ele sacudiu as patas, uma de cada vez, e eu o ajudei a
tirar corpos de besouros dos espaços entre seus dedos.
Estremecendo uma última vez, acelerei o passo para pôr o
máximo de distância possível entre os besouros e nós.

Cerca de 10 curvas depois, pisei em uma pedra que
afundou no chão. Paralisada, esperei que a próxima armadilha
fosse acionada. As paredes começaram a se sacudir e pequenos
painéis de metal se projetaram delas, fazendo com que lanças
de metal, pontudas e afiadas, surgissem de ambos os lados.
Deixei escapar um gemido. Além das lanças, a armadilha
também consistia em um óleo negro e viscoso que jorrava de
canos de pedra, cobrindo o chão.

Ren assumiu a forma humana.

- Tem veneno na ponta das lanças, Kelsey. Posso
sentir o cheiro. Fique no meio. Tem espaço suficiente para
passarmos, mas não se deixe nem mesmo arranhar por estas
pontas.

Dei outra olhada nas lanças compridas e pontudas e
estremeci.

- Mas e se eu escorregar?
- Segure com força o meu pelo. Vou usar minhas
garras como âncoras enquanto avançamos bem devagar. Não
corra agora.

Ren voltou à forma de tigre. Ajeitei a mochila e me
agarrei com força ao pelo de sua nuca. Ele deu um passo
cauteloso na poça de óleo, testando-a primeiro com uma das
patas. Ela deslizou um pouco e eu vi as garras emergirem e
mergulharem no óleo e depois no piso de terra. Ele então as
cravou com força no chão escorregadio. Depois de firmar a
perna, ele deu outro passo e firmou as garras da outra pata.
Depois que essa pata estava apoiada com firmeza, ele teve que
puxar com força para erguer a outra pata.

Era um processo meticuloso e tedioso. Cada lança letal
estava posicionada a intervalos aleatórios, de modo que eu não
podia nem me acostumar a um ritmo. Era preciso concentrar
toda a atenção nelas. Havia uma na altura da minha
panturrilha, outras perto do pescoço, da cabeça, da barriga.
Comecei a contar e parei quando cheguei a 50. Todo o meu
corpo tremia por causa do esforço de contrair os músculos e
me mover, rígida, por tanto tempo. Um passo em falso e eu
estaria morta.

Felizmente Ren estava avançando bem devagar, pois
mal havia espaço para andarmos lado a lado. Tínhamos apenas
uns 2 centímetros de espaço livre de cada lado. Eu dava cada
passo com todo o cuidado. O suor escorria pelo meu rosto.
Mais ou menos na metade do caminho, soltei um grito. Devo
ter pisado em um local particularmente escorregadio, pois
minha bota deslizou. Meu joelho se dobrou e eu cambaleei.
Havia uma ponta de ferro na altura do meu peito, mas no
último segundo virei o corpo e ela se cravou na mochila, e não
no meu braço. Ren ficou paralisado, esperando pacientemente
que eu me endireitasse.

Arquejei e me ergui, um membro trêmulo de cada vez.
Foi um milagre eu não acabar empalada. Quando Ren emitiu
um gemido, eu lhe dei tapinhas nas costas.

- Estou bem - tranquilizei-o.

Tive sorte, muita sorte. Prosseguimos ainda mais
devagar e por fim emergimos na outra extremidade, trêmulos
porém salvos. Deixei-me cair no chão de terra e gemi,
esfregando meu pescoço rígido.

- Depois das lanças, os besouros não parecem assim
tão ruins. Acho que eu prefiro passar por eles de novo a
enfrentar essas aí.

Ren lambeu meu braço e fiz um carinho em sua cabeça.

Após um rápido descanso, prosseguimos. Atravessamos
várias outras passagens sem que nada acontecesse. Eu estava
começando a baixar a guarda quando ouvi um barulho e uma
porta afundou atrás de nós. Outra começou a descer à frente, e
corremos para atravessá-la, mas não conseguimos. Bem, Ren
poderia ter atravessado, mas ele não iria sem mim.

Um ruído gorgolejante começou a soar em canos acima
de nossas cabeças e um painel se abriu no teto. Um momento
depois, fomos lançados ao chão por uma torrente de água que
caiu sobre nós. Ela apagou nossa tocha e rapidamente começou
a encher a câmara. A água já estava nos meus joelhos quando
consegui me pôr de pé novamente. Abri um zíper da mochila,
tateando cegamente. Encontrando um tubo comprido, dei-lhe
uma batida, sacudi-o e o líquido ali dentro começou a brilhar.
A luz amarela tingiu o pelo branco de Ren.

- O que vamos fazer? Você sabe nadar? Vai cobrir
sua cabeça primeiro!

Ren se transformou em homem.

- Os tigres sabem nadar. Posso prender a respiração
mais tempo como tigre do que como homem.

A água agora estava na nossa cintura e ele rapidamente
me puxou além do cano de onde a água jorrava até a porta à
nossa frente. Quando a alcançamos, eu já estava flutuando. Ren
mergulhou, procurando uma saída.

Quando sua cabeça reemergiu, ele gritou:

- Tem outra marca do Selo na porta. Tente inserir o
Selo e girá-lo, como você fez antes!

Assenti e respirei fundo. Debaixo da água, tateei ao
longo da porta, procurando a marca. Quando finalmente a
encontrei, estava ficando sem fôlego. Lutando para chegar à
superfície, bati com força as pernas, sobrecarregada com a
mochila pesada e o Selo que pendia do meu pescoço. Ren
estendeu os braços debaixo da água, agarrou a mochila e me
puxou para a superfície.

Agora estávamos flutuando perto do teto. Iríamos nos
afogar a qualquer instante. Respirei fundo algumas vezes.

- Você consegue, Kells. Tente de novo.

Enchi os pulmões mais uma vez e arranquei o Selo do
pescoço. Ren soltou a mochila e eu mergulhei novamente,
tomando impulso até a base da porta. Pressionei o Selo no sulco
e o girei para um lado e para outro, mas ele não se moveu.

Ren havia voltado à forma felina e agora descia
nadando até mim. Suas patas rasgavam a água, e o movimento
jogava o pelo de seu rosto para trás, dando-lhe uma aparência
assustadora, como um monstro marinho branco listrado. A
carranca de dentes pontudos também não ajudava. Eu estava
ficando sem ar outra vez, mas sabia que a câmara fora
inundada e que não havia mais opções.

Entrei em pânico e comecei a pensar o pior. Eu
morreria aqui. Nunca seria encontrada. Não teria um enterro.
Qual seria a sensação de me afogar? Seria rápido. Só leva um
minuto ou dois. Meu cadáver ficaria inchado, flutuando para
sempre perto do corpo de tigre de Ren. Aqueles besouros
horríveis entrariam aqui e comeriam o meu corpo? De alguma
forma, isso parecia pior do que a morte em si. Ren podia
prender o fôlego por mais tempo. Ele me veria morrer.
Imaginei como se sentiria com isso. Lamentaria? Sentiria
culpa? Será que ele se bateria contra a porta?

Lutei contra a vontade desesperada de nadar para a
superfície. Não havia mais superfície. Não havia mais ar.
Frustrada e apavorada, esmurrei o Selo e senti um leve
movimento. Bati novamente, com mais força, e ouvi um baru-
lho. A porta finalmente começou a se levantar e o Selo caiu.
Estendi o braço em desespero, mal conseguindo agarrar a fita
entre dois dedos enquanto a água jorrava pela porta, levando-
nos com ela.

A torrente nos jogou no corredor seguinte e então
escorreu por buracos de drenagem, deixando o chão
encharcado e lamacento. Arquejei e tossi, inspirando o ar em
grandes golfadas. Olhei para Ren, ri e então tossi novamente.
Mesmo engasgando, eu ainda ria.

- Ren - riso-tosse -, você está parecendo um - tosse-
tosse-riso - gato afogado!

Ele não deve ter achado graça. Ren bufou, veio até mim
e sacudiu-se como um cachorro, espalhando água e lama por
toda parte. Seu pelo projetava-se como agulhas molhadas.

- Ei! Muito obrigada! Ah, não tem problema. Ainda
assim é engraçado.

Tentei espremer a água de minhas roupas, tornei a
colocar o Selo no pescoço e resolvi verificar as câmeras para
ter certeza de que a água não havia penetrado nas sacolas.

Virei o conteúdo da mochila no chão. Os objetos caíram em
uma poça lamacenta que salpicou em minhas roupas
empapadas. Exceto pela comida ensopada, tudo o mais estava
bem protegido. Graças à previdência do Sr. Kadam, as câmeras
pareciam intactas.

- Bem, não temos nada para comer. Mas, fora isso, estamos bem.

Relutante, tornei a me levantar. Desconfortável e
encharcada, resmunguei por pelo menos uns 10 minutos.
Minhas botas faziam chape-chape e as roupas molhadas me
irritavam.

- O lado bom é que lavamos os restos dos besouros e
o óleo - murmurei.

Quando a luz do tubo morreu, tirei uma lanterna da
mochila e a sacudi.

Ouvi o barulho de água dentro dela, mas mesmo assim
ela funcionou. Fizemos algumas curvas para a esquerda, em
seguida uma para a direita e chegamos a um comprido
corredor, mais comprido do que qualquer outro por que já
tínhamos passado. Ren e eu começamos a atravessá-lo.

Aproximadamente no meio, Ren parou, saltou à minha frente e
começou a me forçar a recuar rápido.

- Que ótimo! O que foi agora? Escorpiões?

Naquele momento, um grande estrondo sacudiu o
túnel. O chão arenoso sobre o qual eu estivera instantes antes
ruiu. Recuei, tropeçando, enquanto o chão continuava a se
esfacelar e mergulhar em um abismo profundo. Os tremores
pararam de repente e então eu engatinhei até a beirada para
olhar para baixo. Segurar a lanterna sobre a borda não ajudou
muito, pois ainda assim não conseguia ver a profundidade do
buraco.

Frustrada, gritei para o buraco:

- Quem você pensa que eu sou? Indiana Jones?
Acho melhor saber que não tem nenhum chicote nesta
mochila! - Gemi e me voltei para Ren. Indicando o caminho do
outro lado do abismo, eu disse: - Suponho que é nesta direção
que devemos ir, certo?

Ren baixou a cabeça e espiou o abismo. Então pôs-se a
andar de um lado para outro ao longo da borda, examinando
as paredes e olhando para a passagem que prosseguia do outro
lado. Desabei contra a parede, puxei uma garrafa de água da
mochila, tomei um longo gole e fechei os olhos.

Senti uma mão quente tocar a minha.

- Precisamos encontrar uma forma de transpor o abismo.
- Fique à vontade para tentar.

Fiz um gesto dispensando-o e voltei a beber minha
água.

Ele foi até a borda e espiou do outro lado, avaliando a
distância. Mudando para a forma de tigre, voltou alguns passos
na direção de onde viéramos, ficou de frente e disparou a toda
velocidade na direção do buraco.

- Ren, não! - gritei.

Ele saltou, transpondo o buraco facilmente, e aterrissou
com leveza, apoiado nas patas da frente. Então se afastou um
pouco da outra borda e fez o mesmo para voltar. Aterrissou aos
meus pés e assumiu a forma humana.

- Kells, tenho uma idéia.

- Só espero que você não me inclua nela. Ah, já sei.
Você quer amarrar uma corda na sua cauda, saltar, amarrá-la
do lado de lá e então me fazer atravessar pela corda, certo?

Ele olhou para cima, como se considerasse a ideia, e
então sacudiu a cabeça.

- Não, você não tem força para fazer algo assim.
Além disso, não temos corda nem nada em que amarrar uma
corda.
- Certo. Então qual é o plano?

Segurando minhas mãos, ele explicou:

- O que vou propor vai ser muito mais fácil. Confia
em mim?
- Confio em você. Só que... - Olhei em seus olhos
azuis preocupados e suspirei. - Está bem. O que eu tenho que
fazer?
- Você viu que eu pude transpor esse espaço muito
bem como tigre, certo? Então, quero que fique parada bem na
beira do abismo e espere por mim. Vou correr até o fim do
túnel, ganhar velocidade e saltar como tigre. Ao mesmo tempo,
quero que você salte e agarre meu pescoço. Vou mudar para a
forma humana em pleno ar para poder segurá-la e cairemos
juntos do outro lado.

Bufei com desdém e ri.

- Você está brincando?

Ele ignorou meu ceticismo.

- Vamos precisar cronometrar com precisão e você
terá que saltar também, na mesma direção, porque, se não fizer
isso, eu simplesmente vou atingi-la com toda a força e
arremessar nós dois lá no fundo.
- Está falando sério? Quer mesmo que eu faça isso?
- Estou falando sério. Venha. Fique aqui enquanto
eu pratico algumas vezes.
- Não podemos simplesmente encontrar outro
corredor ou coisa parecida?
- Não tem outro. Este é o caminho certo.

Com relutância, parei perto da borda e fiquei olhando
enquanto ele saltava para um lado e para outro algumas vezes.
Observando o ritmo de sua corrida e do salto, comecei a
compreender o que ele queria que eu fizesse. Mas cedo demais
Ren estava de volta à minha frente.

- Não posso acreditar que você me convenceu a
fazer isso. Tem certeza? - perguntei.
- Sim, tenho certeza. Está pronta?
- Não! Preciso de um minuto para escrever
mentalmente meu testamento.
- Kells, vai dar tudo certo.
- Claro que vai. Muito bem, deixe-me olhar o lugar
em que estamos. Quero ter certeza de que posso registrar cada
minuto dessa experiência em meu diário. Se bem que essa deve
ser uma atitude inútil, porque com certeza vou morrer na
queda.

Ren pôs a mão no meu rosto, olhou nos meus olhos e
disse com firmeza:

- Kelsey, confie em mim. Eu não vou deixar você
cair.

Assenti, ajustei as correias da mochila nos ombros e me
dirigi com nervosismo à beira do abismo. Ren voltou à forma
felina e disparou até o fim do corredor. Ele se abaixou e então
lançou-se à frente em um ímpeto veloz. Um imenso animal
corria em disparada, vindo na minha direção, e todos os meus
instintos me diziam que corresse - corresse o mais depressa
possível na direção contrária. O medo do abismo às minhas
costas diminuiu diante da possibilidade de ser atropelada por
um animal daquele tamanho.

Eu quase fechei os olhos de medo, mas me controlei no
último segundo, corri dois passos à frente e lancei meu corpo
no vazio. No mesmo instante Ren deu um salto impressionante
e eu estendi os braços para envolver com eles o seu pescoço.

Comecei a me agarrar desesperadamente em seu pelo,
percebendo que eu estava caindo, e então senti braços que me
agarravam pela cintura. Ele me apertou de encontro ao peito
musculoso e giramos no ar de modo que ele ficou debaixo de
mim. Aterrissamos do outro lado do abismo com um ruído seco
que me tirou o ar enquanto batíamos no chão e deslizávamos
um pouco com as costas de Ren.

Sorvi profundamente o ar para dentro de meus
pulmões em frangalhos. Assim que consegui voltar a respirar,
examinei as costas de Ren. A camisa branca estava suja e
rasgada, e sua pele, arranhada e sangrando em diversos pontos.
Peguei uma camisa molhada na mochila para limpar seus
arranhões, enquanto removia pequenos pedaços de cascalho cravados na pele.

Quando terminei, agarrei Ren pela cintura em um
abraço forte. Ele me envolveu com os braços e me puxou para
mais perto. Sussurrei de encontro ao seu peito, em voz baixa
porém firme:

- Obrigada. Mas nunca... nunca... nunca mais faça isso!
Ele riu.
- Se eu causar efeitos como este, com certeza vou fazer.
- Não vai, não!

Com relutância ele me soltou e eu comecei a murmurar
comigo mesma, queixando-me de tigres, homens e besouros.
Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo por sobreviver a
uma experiência de quase morte. Eu praticamente podia ouvi-
lo entoando para si mesmo: "Eu triunfei. Venci. Sou um
homem, etc. etc." Sorri com desdém. Homens! Não importa de
que século sejam, são todos iguais.

Examinei minhas coisas para ter certeza de que tinha
tudo de que precisava e então tornei a pegar a lanterna. Ren se
transformou novamente em tigre e tomou a minha frente.

Atravessamos mais algumas passagens até encontrar
uma porta com símbolos gravados. Não havia maçaneta nem
puxador. Do lado direito, a cerca de um terço da altura, via-se
a marca da palma de uma mão com desenhos semelhantes aos
da minha. Olhei para a minha mão e a virei. Os símbolos eram
uma imagem espelhada.

- São iguais aos desenhos de Phet!

Pousei a mão sobre a porta de pedra fria, alinhando-a
com o desenho, e senti um formigamento quente. Tirei a mão e
olhei para a minha palma. Os símbolos brilhavam em
vermelho, mas, estranhamente, isso não doía. Aproximei a mão
da porta novamente e senti o calor aumentar outra vez. Cente-
lhas elétricas começaram a crepitar entre a porta e a minha
mão à medida que eu a aproximava. Parecia que uma
tempestade de raios em miniatura estava se abatendo entre
minha mão e a pedra, e então senti a pedra se mover.

A porta se abriu para dentro, como se puxada por mãos
invisíveis, dando-nos passagem. Entramos em uma ampla
gruta que brilhava levemente por causa do líquen
fosforescente que crescia nas paredes de pedra. O centro da
gruta abrigava um monólito alto e retangular com uma
pequena coluna de pedra erguida diante dele. Limpei a poeira
da coluna e vi um par de marcas de mãos - uma direita e uma
esquerda. A impressão direita parecia a mesma da porta, mas a
esquerda tinha os mesmos desenhos feitos nas costas da minha
mão direita.

Experimentei colocar ambas as mãos no bloco de pedra,
mas nada aconteceu. Pus as costas da mão direita sobre a
marca da mão esquerda. Os símbolos começaram a emitir um
brilho vermelho novamente. Virando a mão, coloquei-a, com a
palma para baixo, sobre a marca da mão direita e senti mais do
que um formigamento morno dessa vez. A conexão crepitava
com energia e o calor jorrava da minha mão para a pedra.

Ouvi um ronco grave no topo do monólito e um ruído
de algo sendo sorvido. Um líquido dourado transbordou sobre
o topo da construção e começou a jorrar pelos quatro lados,
reunindo-se em uma bacia na base. A solução reagia a alguma
coisa na pedra, que sibilava e fumegava enquanto o líquido
espumava, borbulhava e chiava, e por fim gotejava na bacia.

Depois que os silvos cessaram e o vapor clareou,
arquejei, em choque, vendo que entalhes de glifos haviam
aparecido nos quatro lados da pedra, onde antes não havia
nada.

- Acho que é isto, Ren. A profecia de Durga! Era o que
estávamos procurando!

Peguei a câmera digital e comecei a fotografar a
estrutura. Depois tirei mais algumas fotos com a câmera
descartável, como medida de segurança. Em seguida, peguei
papel e carvão e fiz uma cópia das gravuras das mãos na pedra
e na porta, colocando o papel sobre elas e cobrindo-as com o
carvão. Eu precisava documentar tudo para que o Sr. Kadam
pudesse decifrar o significado daquilo.

Rodeei o monólito tentando compreender alguns
símbolos e então ouvi um grito de Ren. Eu o vi erguer a pata e
colocá-la no chão novamente com cuidado. O ácido dourado
estava vazando da bacia em pequenos riachos e avançando
pelo piso de pedra, preenchendo todas as ranhuras. Olhei para
baixo e vi que meu cadarço fumegava onde encostava em uma
poça dourada.

Tínhamos os dois acabado de saltar para a parte
arenosa do piso quando outro grande estrondo sacudiu o
labirinto. Do teto alto começaram a cair pedras. Elas batiam no
piso de pedra e se estilhaçavam. Ren me focinhou, me forçando
a ir de encontro à parede, onde me abaixei, protegendo a
cabeça. Os tremores aumentaram e, com um estampido
ensurdecedor, o monólito se partiu em dois, caindo no chão e
se despedaçando. O ácido dourado borbulhava através da
bacia quebrada e foi se espalhando pelo chão, destruindo
lentamente a pedra e tudo mais que tocava.

O ácido avançou em nossa direção até não haver mais
para onde irmos. A porta estava bloqueada, encerrando-nos
ali, e parecia não existir outra saída.

Ren se ergueu, farejou o ar e afastou-se um pouco.
Apoiado nas patas traseiras, pôs as garras na parede e começou
a arranhar furiosamente alguma coisa.

Aproximando-me dele, vi que ele tinha aberto um
buraco e que havia estrelas do outro lado! Ajudei-o a cavar e a
deslocar as pedras até que o buraco fosse grande o bastante
para ele atravessá-lo com um salto. Depois que ele saiu, atirei a
mochila pela abertura e a transpus, caindo do outro lado e
rolando pelo chão.

Naquele momento, uma rocha imensa caiu com
estardalhaço, fechando o buraco. Os tremores diminuíram até
cessarem de todo. O silêncio desceu sobre a selva escura, onde
ficamos parados, enquanto uma poeira fina e leve pairava no
ar e caía suavemente sobre nós.

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