segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Capítulo 8 - Uma Explicação

O rapaz se aproximou de mim cautelosamente, os braços esticados diante de si, e repetiu:

- Kelsey, sou eu, Ren.


Ele não parecia assustador, mas mesmo assim meu

corpo se retesou, apreensivo. Confusa, estendi a mão à frente,
numa tentativa inútil de deter o seu avanço.

- O quê? O que foi que você disse?


Ele chegou mais perto, pôs a mão no peito musculoso e falou devagar:


- Kelsey, não corra. Eu sou Ren. O tigre.


Ele virou a mão para me mostrar a coleira de Ren e a

corda amarela enrolada nos dedos. Olhei atrás dele e, de fato, o
felino branco havia desaparecido. Recuei alguns passos para
pôr mais distância entre nós. Ele viu meu movimento e
imediatamente imobilizou-se. A parte de trás dos meus joelhos
atingiu a barreira de pedra. Parei e pisquei várias vezes, sem
entender o que ele estava me dizendo.

- Onde está Ren? Eu não compreendo. Você fez alguma coisa com ele?

- Não. Eu sou ele.

Ele voltou a vir em minha direção, enquanto eu sacudia a cabeça.


- Não. Não pode ser.


Tentei dar mais um passo para trás e quase caí sobre o

muro. Ele me alcançou num piscar de olhos e segurou-me pela
cintura, me equilibrando.

- Você está bem? - perguntou ele, cortês.
- Não!

Ele ainda segurava minha mão. Fitei a mão dele, imaginando as patas do tigre.


- Kelsey? - Ergui o olhar para seus surpreendentes

olhos azuis. - Eu sou o seu tigre.
- Não - sussurrei. - Não! Não é possível. Como poderia ser?

Sua voz baixa era tranquilizadora.


- Por favor, vamos entrar. O dono não está em casa

agora. Você pode se sentar e relaxar, e eu vou tentar explicar tudo.

Eu estava atônita demais para discutir, então deixei que

me guiasse na direção da cabana. Ele prendia meus dedos nos
dele, como se temesse que eu saísse correndo para a selva. Não
costumo seguir estranhos por aí, mas alguma coisa nele me
transmitia a sensação de segurança. Eu sabia que ele não me
faria mal. Era o mesmo sentimento forte que experimentara
com o tigre. Ele abaixou a cabeça para transpor a porta e
entrou na pequena cabana, puxando-me com ele.

A casinha tinha um só cômodo com uma cama pequena

a um canto, uma janela minúscula na parede lateral e uma
mesa com duas cadeiras em outro canto. Uma cortina aberta
revelava uma pequena banheira. A cozinha era apenas uma
pia com torneira, um balcão baixo e algumas prateleiras com
vários alimentos enlatados e temperos. Acima de nossas
cabeças, do teto, pendiam cordões com uma variedade de ervas
e plantas secas que enchiam o ambiente com uma doce fragrância.

O rapaz gesticulou para que eu me sentasse na cama,

então se encostou em uma parede e esperou silenciosamente que eu me acomodasse.

Recuperando-me do choque inicial, saí de meu

atordoamento e avaliei minha situação. Ele era Ren, o tigre. Nós
nos encaramos por um momento e eu soube que ele estava
dizendo a verdade. Os olhos eram os mesmos.

Senti o medo em meu corpo escoar enquanto uma nova

emoção emergia para preencher o vazio: raiva. Apesar de todo
o tempo que eu passara ao seu lado, ele preferira não me
contar seu segredo. Tinha me conduzido pela selva,
aparentemente de propósito, e me deixara acreditar que estava
perdida, num país estrangeiro, na natureza selvagem, sozinha.

Eu sabia que ele nunca me machucaria. Era um... amigo

e eu confiava nele. Mas por que não havia confiado em mim?

Tivera muitas oportunidades de partilhar sua realidade

peculiar, mas não o fizera.

Olhando para ele com desconfiança, perguntei, irritada:


- Então, o que você é? Um homem que se tornou

tigre ou um tigre que se transformou em homem? Ou você é
como um lobisomem? Se me morder, eu também vou virar tigre?

Ele inclinou a cabeça com uma expressão confusa, mas

não respondeu de imediato. Observava-me com os mesmos
olhos azuis intensos do tigre. Era desconcertante.

- Ren? Acho que eu ficaria mais à vontade se você se

afastasse um pouco de mim enquanto discutimos esta situação.

Ele suspirou, andou calmamente até o canto, sentou-se

em uma das cadeiras e então se encostou na parede,
equilibrando-se nas duas pernas de trás da cadeira.

- Kelsey, vou responder a todas as suas perguntas.

Só peço que tenha paciência comigo e me dê tempo para explicar.
- Muito bem. Explique.

Enquanto ele organizava os pensamentos, eu analisava

sua aparência. Eu não podia acreditar que aquele fosse o meu
tigre - que o tigre de quem eu tanto gostava fosse esse homem.

Ele não tinha muita semelhança com um tigre, exceto

pelos olhos. Tinha lábios carnudos, queixo quadrado e um
nariz aristocrático. Não se parecia com nenhum homem que
eu já tivesse visto. Eu não conseguia identificar, mas havia nele
algo mais, um refinamento. Ele transpirava confiança, força e nobreza.

Mesmo descalço e vestido com roupas simplórias,

parecia alguém poderoso. E mesmo que não fosse bonito - e ele
era extremamente bonito - eu ainda me sentiria atraída por
ele. Talvez fosse seu lado tigre. Os tigres sempre me parecem
majestosos. Ele era tão bonito como homem quanto como tigre.

Eu confiava no tigre, mas poderia confiar no homem?

Olhava-o com cautela da beirada da cama frágil, com minhas
dúvidas estampadas no rosto. Ele foi paciente, permitindo-me
examiná-lo com atrevimento, e até parecia estar se divertindo,
como se pudesse ler meus pensamentos.

Finalmente quebrei o silêncio.


- E então, Ren? Estou ouvindo.


Ele beliscou a ponte do nariz com o polegar e o

indicador, então subiu a mão e a deslizou entre o cabelo preto
sedoso, desarrumando-o de uma forma perturbadoramente atraente.

Deixando a mão cair no colo, ele me olhou, pensativo, sob os cílios espessos.


- Ah, Kelsey. Por onde começar? São tantas coisas para lhe contar...


Sua voz era baixa, refinada e agradável, e logo me vi

hipnotizada por ela. Ele falava inglês muito bem, com apenas
um leve sotaque. Tinha uma voz doce - do tipo que desperta
sonhos em uma garota. Tentei me livrar dessa sensação e o
peguei me examinando com seus olhos azul cobalto.

Havia uma conexão tangível entre nós. Eu não sabia se

era simples atração ou algo mais. Sua presença era
perturbadora. Tentei evitar os olhos dele para me acalmar, mas
acabei torcendo as mãos e fitando meus pés, que batiam
nervosos no piso de bambu. Quando tornei a olhar para seu
rosto, o canto de sua boca estava voltado para cima em um
sorriso malicioso e uma de suas sobrancelhas estava arqueada.

Pigarreei.


- Desculpe. O que foi que você disse?

- É tão difícil assim ficar parada ouvindo?
- Não. É que você me deixa nervosa, só isso.
- Você não ficava nervosa perto de mim antes.
- Bem, você não tem a mesma aparência de antes.
Não pode esperar que eu tenha o mesmo comportamento na sua presença.
- Kelsey, tente relaxar. Eu nunca faria mal a você.
- Certo. Vou sentar em cima das mãos. Assim é melhor?

Ele riu.


Uau. Até seu riso é magnético.


- Ficar quieto foi algo que tive que aprender como

tigre. Um tigre precisa se manter imóvel por longos períodos. É
preciso paciência e, para esta explicação, você vai precisar ser paciente também.

Ele alongou os ombros poderosos e então estendeu a

mão para puxar o cordão de um avental que pendia de um
gancho. Ficou enrolando o fio no dedo inconscientemente e disse:

- Preciso ser breve. Posso assumir a forma humana

durante apenas alguns minutos por dia... para ser exato, por 24
minutos a cada 24 horas. Portanto, como vou me transformar
em tigre de novo logo, quero aproveitar ao máximo meu tempo com você. Tudo bem?

Respirei fundo.


- Sim. Quero ouvir sua explicação. Por favor, prossiga.

- Você se lembra da história do príncipe Dhiren que
o Sr. Kadam lhe contou no circo?
- Lembro. Espere aí. Você está dizendo...
- Aquela história era verdadeira, pelo menos a
maior parte dela. Eu sou o Dhiren de quem ele falou. Eu era o
príncipe do Império Mujulaain. É verdade que Kishan, meu
irmão, e minha noiva me traíram, mas o fim da história é
mentira. Eu não fui morto, como muitas pessoas foram levadas
a acreditar. Meu irmão e eu fomos amaldiçoados e
transformados em tigres. O Sr. Kadam vem fielmente
mantendo nosso segredo por todos esses séculos. Por favor, não
o culpe por trazê-la aqui. Foi culpa minha. Sabe, eu... preciso de você, Kelsey.

Minha boca ficou seca de repente e eu me inclinei para

a frente, mal me mantendo sentada na beira da cama. E quase
caí. Limpei a garganta rapidamente e reajustei minha posição,
esperando que ele não tivesse notado.

- Como assim, precisa de mim?

- O Sr. Kadam e eu acreditamos que você é a única
que pode quebrar a maldição. De certa forma, você já me libertou de meu cativeiro.
- Mas não fui eu quem o libertou. Foi o Sr. Kadam quem comprou sua liberdade.
- Não. O Sr. Kadam não tinha meios de comprar
minha liberdade até você surgir. Quando fui capturado, não
poderia mais mudar para minha forma humana ou recuperar
minha liberdade até que alguma coisa, ou, melhor dizendo,
alguém especial aparecesse. Esse alguém especial é você.

Ele enroscou o cordão do avental em torno do dedo e eu

o observei desenrolar e começar tudo de novo. Meus olhos
retornaram ao seu rosto, voltado para a janela. Ele parecia
calmo e sereno, mas reconheci a tristeza em seu íntimo. O sol
brilhava através da janela e a cortina soprava ligeiramente
com a brisa, fazendo a luz do sol e a sombra dançarem em seu rosto.

- Certo - gaguejei. - Para que você precisa de mim? O que eu tenho que fazer?


Ele se virou para mim e continuou:


- Viemos a esta cabana por uma razão. O homem

que mora aqui é um xamã e é quem poderá explicar seu papel
nisso tudo. Ele não quis adiantar nada antes que a
encontrássemos e a trouxéssemos aqui. Nem eu sei por que
você é a escolhida. O xamã também insiste em falar conosco a
sós e foi por isso que o Sr. Kadam ficou para trás.

Ele se inclinou para a frente.


- Você vai ficar aqui comigo até ele voltar e vai pelo

menos ouvir o que ele tem a dizer? Se depois decidir que quer
voltar para casa, o Sr. Kadam cuidará disso.

Voltei os olhos para o chão.


- Dhiren...

- Por favor, me chame de Ren.

Corei e fitei seus olhos.


- Está certo, Ren. Sua explicação é impressionante. Não sei o que dizer.


Emoções variadas cruzaram seu lindo rosto.


Quem sou eu para dizer não a um belo homem - quer dizer, tigre? Suspirei.


- Muito bem. Vou esperar e falar com seu xamã,

mas estou com calor e com fome, cansada, suada, precisando
de um bom banho e, francamente, não sei nem se confio em
você. Acho que não aguento mais uma noite dormindo na selva.

Ele suspirou aliviado enquanto me dirigia um sorriso.

Era como o sol rompendo uma nuvem de tempestade.

- Obrigado - disse ele. - Lamento que esta parte da

viagem tenha sido desconfortável para você. O Sr. Kadam e eu
divergimos nessa questão de atrair você para a selva. Ele
achava que devíamos simplesmente lhe contar a verdade, mas
eu não tinha certeza se você viria. Pensei que, se passasse um
pouco mais de tempo comigo, aprenderia a confiar em mim e
eu poderia lhe revelar quem eu era à minha maneira. Era isso
que estávamos discutindo quando você nos viu perto do caminhão.
- Então era você! Deviam ter me contado a verdade.
O Sr. Kadam estava certo. Poderíamos ter evitado toda essa
caminhada na selva e vindo até aqui de carro.

Ele suspirou.


- Não. Precisaríamos ter atravessado a selva de

qualquer forma. Não há como entrar tanto assim no santuário
de carro. O homem que mora aqui prefere que seja assim.

Cruzei os braços e murmurei:


- Bem, ainda assim vocês deviam ter me contado.


Ele retorceu o cordão do avental.


- Sabe, dormir ao ar livre não é tão ruim assim. Você

pode olhar as estrelas e sentir a brisa fresca soprando o seu
pelo depois de um dia quente. O cheiro da grama é doce e - ele
me olhou nos olhos - o do seu cabelo também.

Corei e resmunguei:


- Bem, fico feliz que alguém tenha gostado.


Ele sorriu, divertido, e disse:


- Eu gostei.


Tive um rápido vislumbre de Ren como homem,

aconchegado ao meu lado na floresta. Imaginei-o descansando
a cabeça no meu colo enquanto eu lhe acariciava os cabelos e
achei que era melhor me concentrar na situação presente.

- Ouça, Ren, você está mudando de assunto. Não

gostei da forma como me manipulou para chegar até aqui. O
Sr. Kadam devia ter me contado no circo.

Ele sacudiu a cabeça.


- Achamos que você não fosse acreditar nessa

história. Ele inventou a viagem para a reserva de tigres com o
intuito de trazê-la para a índia. Imaginamos que, com você
aqui, eu poderia assumir a forma humana e esclarecer tudo.
- Provavelmente você tem razão - admiti. - Se
tivesse se transformado em homem lá, talvez eu não tivesse vindo.
- Por que você veio?

- Eu queria ficar mais tempo com... você. Você sabe,

o tigre. Eu iria sentir saudade dele. Quer dizer, de você.


Enrubesci.


Ele me dirigiu um sorriso torto.


- Eu também teria sentido saudade de você.


Torci a bainha da blusa entre as mãos.


Interpretando mal meus pensamentos, ele disse:


- Kelsey, sinto muito, de verdade, pela decepção. Se

houvesse alguma outra maneira...

Ergui os olhos para ele. Sua cabeça pendia de um modo

que me lembrou o tigre. A frustração e o constrangimento que
eu sentia em relação a ele se dissiparam. Meus instintos me
diziam que eu devia acreditar nele e ajudá-lo. A conexão
emocional que eu tinha com o tigre ficava ainda mais forte na
presença do homem. Senti compaixão dele e de sua situação.

- Quando você vai se transformar novamente em tigre? - perguntei com delicadeza.

- Logo.
-Dói?
- Não tanto quanto antes.
- Você entende o que eu digo quando está na forma
de tigre? Ainda poderei falar com você?
- Sim, consigo ouvir e compreender o que você fala.

Respirei fundo.


- Está bem. Vou ficar aqui até o xamã voltar. Mas

ainda tenho muitas perguntas para você.
- Eu sei. Vou tentar respondê-las da melhor forma
possível, mas terá que guardá-las para amanhã, quando serei
novamente capaz de falar com você. Podemos passar a noite
aqui. O xamã deve voltar ao anoitecer.

- Ren?

- Sim?
- A selva me assusta e esta situação também.

Ele soltou o cordão do avental e olhou nos meus olhos.


- Eu sei.

- Ren?
-Sim?
- Não... me deixe, ok?

Seu rosto se suavizou, assumindo uma expressão de

ternura, e os cantos de sua boca ergueram-se em um sorriso sincero.

- Asambhava. Não vou deixar você.


Eu me vi correspondendo ao seu sorriso e de repente

uma sombra enevoou o seu rosto. Ele fechou os punhos e
retesou o maxilar. Vi um tremor percorrer-lhe o corpo e a
cadeira tombou para a frente quando ele desabou de quatro no
chão. Estendi as mãos para segurá-lo e fiquei perplexa ao ver
seu corpo se metamorfosear de volta à forma de tigre que eu
conhecia tão bem. Ren, o tigre, sacudiu-se, então se aproximou
da minha mão estendida e esfregou a cabeça nela.

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