sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Capítulo 24 - Conclusões

Na manhã seguinte, arrumei todas as minhas coisas e fiquei à espera do Sr. Kadam, sentada na espreguiçadeira, batendo nervosamente o pé. A noite anterior havia me convencido de que eu precisava fazer alguma coisa em relação a Ren. A presença dele era irresistível.

Eu sabia que, se passasse mais tempo com ele, Ren me persuadiria a ter um relacionamento sério, e eu não podia de maneira nenhuma permitir isso.

Eu acabaria arrasada. Ah, seria maravilhoso por um tempo. Muito, muito maravilhoso. Mas não duraria. Ele era um Adônis e eu não era nenhuma Helena de Tróia. Nunca daria certo. Eu tinha que ser realista e reassumir o controle da minha vida. Decidi que, quando chegássemos à casa dele, teríamos uma conversa de mulher para tigre.

Então, se ele não desistisse, eu simplesmente voltaria para minha casa, como o Sr. Kadam sugerira. Talvez a distância ajudasse. Talvez Ren só precisasse de um tempo longe de mim para perceber que um relacionamento entre nós seria um erro. Com essa resolução, preparei-me para vê-lo outra vez quando
deixássemos o hotel.

Esperei muito tempo pelo Sr. Kadam. Já estava quase ligando para o seu quarto quando finalmente ouvi uma batida na porta. O Sr. Kadam estava lá, sozinho.

- Está pronta, Srta. Kelsey? Lamento que estejamos começando o dia tão tarde.
- Tudo bem. O Sr. Maravilhoso provavelmente estava aproveitando seu precioso tempo, certo?
- Não, na verdade o atraso foi culpa minha. Eu estava ocupado com... uma papelada.
- Ah. Não se preocupe com isso. Que tipo de papelada?

Ele sorriu.

- Nada importante.

O Sr. Kadam segurou a porta para mim e saímos para o corredor vazio. Eu estava começando a relaxar diante do elevador quando ouvi a porta de um dos quartos se fechar. Ren vinha pelo corredor em nossa direção. Havia comprado roupas novas. Obviamente, estava lindo. Recuei um passo e tentei evitar o contato visual.

Ren usava calça jeans escura, de grife, com lavagem envelhecida. A camisa, de boa qualidade, era de mangas compridas e abotoada na frente. Era azul, com listras brancas finas, e combinava perfeitamente com seus olhos. Ele havia enrolado as mangas e deixado a camisa solta e aberta no colarinho. O corte era esportivo, de modo que se ajustava perfeitamente em seu torso musculoso, o que me fez arquejar involuntariamente, apreciando seu esplendor masculino.

Ele parece um modelo. Como vou poder dispensar isso? O mundo é tão injusto. Sério, é como rejeitar um encontro com Brad Pitt. A garota capaz de fazer isso devia ganhar o prêmio de maior idiota do século.

Novamente corri minha lista de razões para não ficar com Ren. O bom de ver sua figura irresistível e observá-lo andar por aí como uma pessoa normal era que isso firmava minha resolução. Sim. Seria difícil, mas agora estava ainda
mais óbvio para mim que não tínhamos nada a ver um com o outro.

Quando ele se juntou a nós à espera do elevador, sacudi a cabeça e murmurei entre dentes:

- O cara é um tigre por 350 anos e sai da maldição com um gosto sofisticado e um senso de moda apurado. Incrível! Como se explica isso?
- O que foi, Srta. Kelsey? - perguntou o Sr. Kadam.
- Nada.

Ren sorriu, convencido.

Ele provavelmente me ouviu. Porcaria de ouvido de tigre.

As portas do elevador se abriram. Entrei e fui para um canto, torcendo para que o Sr. Kadam se pusesse entre nós dois, mas aparentemente o Sr. Kadam não estava recebendo as mensagens silenciosas que eu lhe enviava e permaneceu junto aos botões do elevador. Ren parou ao meu lado, ficando perto demais. Ele me olhou de cima a baixo bem devagar e me dirigiu um sorriso cúmplice. Descemos em silêncio.

Quando as portas se abriram, ele me deteve, tirou a mochila do meu ombro e passou-a para o dele, deixando-me sem nada para carregar. Ele ia à frente, ao lado do Sr. Kadam, enquanto eu seguia mais devagar atrás, mantendo distância entre nós e um olho desconfiado em sua figura alta.

No carro, o Sr. Kadam falou por nós três. Estava muito entusiasmado por Ren poder se manter na forma humana novamente. Devia ser um grande alívio para ele. De certa forma, o Sr. Kadam estava sob o jugo da maldição tanto quanto Ren e Kishan. Ele não podia ter vida própria. Dedicar seu tempo e atenção a servir os irmãos havia se tornado seu único propósito na vida. Era tão escravo dos tigres quanto estes eram da maldição.

Ocorreu-me então que eu corria o risco de me tornar escrava de um tigre também. Ah! Eu provavelmente gostaria. Revirei os olhos diante desse pensamento. Tenho raiva de mim. Como sou fraca! Odiava a ideia de que tudo que ele precisaria fazer era estalar os dedos. Meu lado independente se inflamou. Já chega! Acabou! Vou ter uma conversa definitiva com ele quando chegarmos e espero que ainda possamos ser amigos.

Essa linha de raciocínio basicamente tomou conta dos meus pensamentos durante toda a viagem para casa. Eu começava a devanear e então parava, passava um sermão em mim mesma e repetia meu mantra obstinado. Tentei ler, mas, de tanto ter que reler o mesmo parágrafo vezes sem conta, desisti e cochilei um pouco.

Finalmente chegamos, já tarde da noite. Dei uma olhada na iluminada casa dos sonhos de Ren e soltei um profundo suspiro. Eu me sentia à vontade ali. Seria muito difícil ir embora quando chegasse a hora e lá no fundo eu tinha a
sensação de que esta chegaria muito em breve.

Embora eu houvesse cochilado um pouco durante a viagem, achei que devia tentar descansar. Forcei-me a parar de me angustiar com minha escolha, escovei os dentes e vesti o pijama. Tirei Fanindra da mochila com cuidado. Colocando uma almofadinha na mesa de cabeceira, ajeitei o corpo rijo e
enroscado de Fanindra o mais confortavelmente possível, com a cabeça voltada para a vista da piscina. Se eu fosse uma cobra imobilizada, seria para lá que eu gostaria de olhar.

Em seguida, tirei a gada e o Fruto Dourado. Envolvendo o fruto em uma toalha macia, coloquei-o, assim como a gada, na gaveta da cômoda. Olhando para o fruto, percebi que tinha fome. Queria um lanche, mas estava com muita preguiça de descer. Enfiei o fruto na gaveta. Precisava me lembrar de pedir
ao Sr. Kadam que guardasse o Fruto Dourado e a gada com o Selo da família de Ren, onde quer que este estivesse. Precisavam ficar em um lugar seguro.

Quando me enfiei na cama, percebi um pratinho de biscoitos e queijo com fatias de maçã na mesa de cabeceira, perto de Fanindra. Eu não o havia notado antes.

Humm. O Sr. Kadam deve ter entrado e deixado o prato quando eu estava no banheiro.

Grata por sua atenção, comi o lanche e apaguei as luzes. O sono não vinha. Minha mente não me deixava descansar. Eu temia encarar Ren no dia seguinte. Tinha medo de não conseguir dizer o que precisava ser dito. Finalmente adormeci por volta das quatro da manhã e dormi até o meio-dia.

Demorei a me levantar. Eu sabia que estava evitando Ren e nossa conversa, mas não me importava. Tomei banho e me vesti devagar. Quando reuni coragem para descer, meu estômago reclamava de fome.

Desci a escada e ouvi alguém na cozinha. Aliviada por achar que se tratava do Sr. Kadam, cheguei à cozinha e, para minha aflição, encontrei Ren, sozinho, tentando fazer um sanduíche. Ele tinha ingredientes espalhados por toda a
cozinha. Todos os legumes e verduras da geladeira e quase todos os condimentos encontravam-se em cima da bancada. E lá estava ele de pé, pensativo, tentando calcular se devia usar ketchup ou molho de pimenta no sanduíche de peru com berinjela. Ele havia amarrado um dos aventais do Sr. Kadam na cintura e estava todo sujo de mostarda. Apesar da minha tentativa de ficar quieta, não contive o riso.

Ele sorriu, mas manteve a atenção no sanduíche.

- Ouvi você levantar. Levou bastante tempo para descer. Imaginei que deveria estar com fome e vim fazer um sanduíche para você.

Eu ri com azedume.

- Argh, não um desses. Fico com um de manteiga de amendoim.

- Certo. E qual desses vidros é de manteiga de amendoim?

Apontou para um grupo de frascos. Ele havia colocado os de rótulo em inglês de um lado e mantivera todas as outras coisas perto dele.

Confusa, eu me aproximei.

- Você não sabe ler inglês, sabe?

- Não. Posso ler cerca de 15 outras línguas e falar umas 30, mas não consigo decifrar o que são estes vidros.

Sorri para ele.

- Se tivesse cheirado, provavelmente saberia, Faro de Tigre.

Ren ergueu os olhos, sorriu e pousou os dois frascos na bancada. Depois, veio até mim e me beijou na boca.

- Está vendo? É por isso que você deve estar por

perto. Preciso de uma namorada inteligente.

Voltou ao sanduíche e começou a abrir frascos e a cheirá-los.

- Ren! Eu não sou sua namorada! - explodi.

Ele se limitou a sorrir para mim como resposta, localizou a manteiga de amendoim e fez o sanduíche de manteiga de amendoim mais exagerado que eu já vira. Dei uma mordida e não consegui abrir a boca.

- Uen, quetaumumcopodeueite?

Ele riu.

- O quê?

- Ueite, ueite!

Imitei alguém bebendo algo.

- Ah, leite! Só um segundo.

Esvaziei metade do copo de leite de uma só vez, para limpar a manteiga grudenta da boca. Separando as duas fatias de pão, escolhi a que tinha a menor quantidade de manteiga de amendoim, dobrei-a ao meio e a comi.

Ren se sentou à minha frente com o maior e mais estranho sanduíche do planeta e começou a comer. Arregalei os olhos diante daquilo e ele riu.

Decidi que aquela era uma boa hora para falar, quando ele não podia responder.

-Ren? Tem uma coisa importante que precisamos discutir. Dê uma passada hoje na varanda ao pôr do sol, está bem?

Ele se imobilizou com o sanduíche a meio caminho da boca.

- Um encontro secreto? Na varanda? Ao pôr do sol?

- Ele arqueou uma sobrancelha. - Kelsey, você está tentando me seduzir?
- Dificilmente - murmurei, seca.

Ele riu.

- Bom, sou todo seu. Mas seja gentil comigo esta noite, minha amada. Sou novo nessas histórias de seres humanos.

Exasperada, rejeitei:

- Eu não sou sua amada.

Ele ignorou meu comentário e voltou a devorar seu almoço. Também pegou a outra metade do sanduíche de manteiga de amendoim que descartei e a comeu, comentando:

- Ei! Essa coisa é gostosa.

Quando terminei, fui até a ilha da cozinha e comecei a arrumar a bagunça de Ren. Depois de comer, ele se levantou para me ajudar. Trabalhávamos bem juntos. Era quase como se soubéssemos o que o outro ia fazer antes que ele fizesse. Em pouco tempo a cozinha ficou imaculada. Ren tirou o avental e o
atirou no cesto de roupa suja. Então, aproximou-se por trás de mim enquanto eu guardava alguns copos e me abraçou pela cintura, me puxando para ele.

Cheirou meu cabelo, beijou meu pescoço e murmurou em meu ouvido:

- Humm, definitivamente pêssegos e creme, mas com um toque picante. Vou me transformar em tigre e tirar um cochilo, assim posso salvar todas as minhas horas para você esta noite.

Fiz uma careta. Ele devia estar esperando uma sessão de amassos, e eu, planejando romper com ele. Ele queria namorar e minha intenção era explicar que não daria certo ficarmos juntos. Não que oficialmente estivéssemos juntos. Ainda assim, parecia um rompimento.

Por que isso precisa ser tão difícil?

Ren me embalou e sussurrou:

- "Que doce som de prata faz a língua dos amantes à

noite, tal qual música langorosa que ouvido atento escuta."

Virei-me em seus braços, chocada.

- Como você se lembra disso? É de Romeu e Julieta!

Ele deu de ombros.

- Prestei atenção quando você leu para mim. Eu gostei.

Ele beijou delicadamente minha bochecha.

- Vejo você à noite, iadala.

E me deixou ali parada.

Pelo resto da tarde, não consegui me concentrar em coisa alguma. Nada prendia minha atenção por mais que uns poucos minutos. Ensaiei algumas frases na frente do espelho, mas todas me soavam muito pouco convincentes: "Não é você, sou eu", "Tem muitos outros peixes no mar", "Eu preciso me
encontrar", "Nossas diferenças são grandes demais", "Eu não sou a garota certa para você", "Existe outra pessoa". Droga, cheguei até a tentar "Sou alérgica a gatos".

Nenhuma das desculpas que me ocorreram funcionaria com Ren. Decidi que a melhor coisa a fazer era ser direta e falar a verdade. Essa era eu. Eu enfrentava as situações, resolvia os problemas e seguia com a vida.

O Sr. Kadam esteve fora o dia todo. O Jeep não estava lá. Eu alimentei a esperança de que ele estivesse por ali para me distrair um pouco, quem sabe me dar um conselho, mas ele havia sumido.

O pôr do sol chegou rápido demais e eu subi, nervosa. Entrei no banheiro, desfiz minhas tranças e escovei os cabelos até que eles caíssem pelas minhas costas em ondas suaves. Pus um brilho nos lábios e lápis nos olhos, e então procurei no closet algo melhor para usar do que uma camiseta. Aparente-
mente, alguém andara acrescentando roupas de grife ao meu armário. Peguei uma blusa de algodão xadrezinho cor de amora, com debruns de seda preta, e uma calça cigarrete preta na altura dos tornozelos.

A coisa mais caridosa a fazer seria me apresentar com a aparência mais sem graça possível, o que provavelmente tornaria tudo mais fácil para ele, mas eu não queria que suas lembranças de mim fossem de uma desmazelada vestindo roupas de menino.

Afinal, tenho um pouco de orgulho feminino. Eu ainda quero que ele sofra. Pelo menos um pouco.

Satisfeita com minha aparência, passei por Fanindra, acariciei-lhe a cabeça e pedi que me desejasse sorte. Abri a porta de vidro, deslizando-a, e saí para a varanda. O ar estava morno e cheirava a jasmim e ao aroma amadeirado da selva. Fiquei observando o sol mergulhar no horizonte, deixando o céu rosa e laranja. As luzes da piscina e do chafariz se acenderam lá embaixo quando me recostei no sofazinho acolchoado pendurado e comecei a balançar levemente,
desfrutando a brisa suave e de fragrância doce que soprava em minha pele.

Suspirei e disse em voz alta:

- Só falta uma daquelas bebidas tropicais com abacaxi, cereja e um guarda-chuvinha.

Alguma coisa chiou ao meu lado em uma mesinha lateral. Era um copo curvo e gelado contendo uma bebida à base de frutas laranja-avermelhada, com guarda-chuva, cerejas e tudo! Apanhei-a para ver se era de verdade. Tomei
um gole, cautelosa, e o suco doce e espumante estava perfeito.

Alguma coisa estranha está acontecendo. Não tem mais ninguém aqui, então como essa bebida surgiu do nada?

Nesse exato momento Ren apareceu e eu me esqueci da bebida misteriosa. Ele estava descalço, de calça preta com cinto fino e camisa de seda verde da cor do mar. Os cabelos estavam úmidos e ele os penteara para trás. Sentou-se ao meu lado no sofazinho e passou o braço pelos meus ombros. Seu cheiro era fantástico. Aquele seu aroma quente de sândalo, que fazia lembrar um dia de verão, se misturava ao jasmim.

O paraíso só pode ter este cheiro. Ren pôs um pé em uma mesa lateral e começou a nos balançar para a frente e para trás. Ele parecia feliz por simplesmente se sentar, relaxar e desfrutar a brisa e o pôr do sol, e ficamos assim por um tempo, sentados lado a lado confortavelmente. Era bom. Talvez ainda pudéssemos ser amigos assim depois. Eu esperava que sim. Gostava da sua companhia.

Ele estendeu a mão e pegou a minha, entrelaçando os dedos nos meus. Ficou brincando com eles por um tempo, depois levou minha mão aos lábios e os beijou lentamente, um a um.

- Sobre o que você queria falar esta noite, Kelsey?

- É...

Sobre que diabos eu queria falar? Não conseguia lembrar. Ah, sim. Eu me livrei da reação que tivera com sua presença e me preparei.

- Ren, prefiro que você se sente à minha frente para que eu possa vê-lo. Assim me distrairá menos.

Ele riu de mim.

- Está bem, Kells. Como quiser.

Ele puxou uma cadeira, colocando-a diante de mim, e se sentou. Inclinando-se, pegou meu pé e o colocou em seu colo.

Encolhi a perna.

- O que você está fazendo?

- Relaxe. Você parece tensa.

Começou a massagear meu pé. Eu ia protestar, mas Ren me lançou um olhar que me fez calar.

Ele torceu meu pé para um lado e para outro.

- Seus pés estão cheios de bolhas. Precisamos comprar um calçado melhor para você, se vai andar pela selva com essa frequência. 
- As botas de trekking me fizeram bolhas também. O problema não deve estar nos sapatos. Eu tenho andado calçada mais nas últimas semanas do que em toda a minha vida. Meus pés não estão acostumados a isso.

Ele franziu a testa e delicadamente acompanhou o arco do meu pé com o dedo, o que disparou arrepios pela minha perna. Então envolveu meu pé com as duas mãos e começou a massagear, tomando o cuidado de evitar os pontos sensíveis. Eu estava prestes a reclamar outra vez, mas a sensação era tão
gostosa. Além disso, essa podia ser uma boa distração durante uma conversa constrangedora, por isso deixei que ele continuasse. Olhei para o seu rosto e ele me estudava, curioso.

O que deu na minha cabeça? Como pude achar que ele sentado à minha frente facilitaria as coisas? Idiota! Agora preciso olhar diretamente para o arcanjo guerreiro e tentar me manter concentrada. Fechei os olhos por um minuto. Vamos, Kells. Foco. Foco. Você consegue!

- Ren, tem mesmo uma coisa que precisamos discutir.

- Muito bem. Vá em frente.

Deixei escapar um suspiro.

- Sabe, eu não posso... corresponder aos seus sentimentos. Ou ao seu... afeto.

Ele riu.

- Do que você está falando?

- Bem, o que quero dizer é que eu...

Ele se inclinou para a frente e falou, a voz baixa, cheia de significado:

- Kelsey, eu sei que você corresponde aos meus sentimentos. Não finja mais.

Quando foi que ele deduziu isso? Talvez enquanto você o beijava feito uma pateta, Kells. Eu tinha esperanças de que o tivesse enganado, mas ele podia ver através de mim. Resolvi me fazer de boba e fingir que não sabia do que ele estava falando.

Agitei a mão no ar.


- Está bem! Sim! Admito que me sinto atraída por você. - Quem não se sentiria? - Mas não vai dar certo - concluí.


Pronto, falei.


Ren pareceu confuso.


- Por que não?

- Porque me sinto atraída demais por você.
- Não estou entendendo. Como essa atração por mim pode ser um problema? Eu diria que é uma coisa boa.
- Para pessoas normais... sim - afirmei.
- Então eu não sou normal?
- Não. Deixe-me explicar dessa forma: assim... um homem faminto comeria feliz um rabanete, certo? Na verdade, um rabanete seria um banquete se fosse tudo o que ele tivesse.

Mas, se houvesse um banquete de verdade diante dele, o

rabanete jamais seria escolhido.

Ren permaneceu calado por um momento.


- O que está querendo dizer?

- Estou dizendo... que eu sou o rabanete.
- E eu sou o quê? O banquete?
- Não... você é o homem. Só que... eu não quero ser o rabanete. Quem quer? Mas sou realista o bastante para saber o que sou e eu não sou um banquete. Quero dizer, você poderia estar comendo bombas de chocolate, pelo amor de Deus.
- Mas não rabanete.
- Não.
- Mas e se... - Ren fez uma pausa, pensativo - ...eu gostar de rabanete?
- Você não gosta. Só não conhece nada melhor. Eu lamento ter sido tão rude com você. Normalmente não sou assim. Não sei de onde vem todo esse sarcasmo.

Ren arqueou uma sobrancelha.

- Muito bem. Tenho um lado cínico e mau que costuma ficar escondido - admiti. - Mas que aflora quando estou sob grande estresse ou extremamente desesperada.

Ele pôs meu pé no chão, pegou o outro e começou a massageá-lo com os polegares. Não disse nada, então continuei:

- Ser insensível e detestável era a única coisa que eu podia fazer para afastá-lo. Foi como um mecanismo de defesa.
- Então você admite que estava tentando me afastar.
- Sim. É claro.
- E isso porque você é um rabanete.

Frustrada, eu disse:

- Sim! Agora que você pode ser um homem de novo, vai encontrar alguém melhor, alguém que o complemente. Não é culpa sua. Você foi um tigre por tanto tempo que não sabe como o mundo funciona.
- Certo. E como o mundo funciona, Kelsey?

Eu podia sentir a frustração em sua voz, mas prossegui:


- Bem, para falar sem rodeios, você poderia estar namorando alguma top model ou uma atriz. Não está prestando atenção à sua volta?
- Ah, sim, de fato eu venho prestando atenção! -
gritou ele, furioso. - O que você está dizendo é que eu devia ser um libertino rico, superficial e convencido, que só se importa com dinheiro, poder e em melhorar seu status. Que eu deveria namorar mulheres superficiais, volúveis, ambiciosas e sem cérebro, que se importem mais com minhas conexões do que comigo. E que eu não sou inteligente o bastante, ou atualizado o bastante, para saber quem eu quero ou o que eu quero na vida! Será que isso resume o seu ponto de vista?
- Sim - respondi, com a voz aguda.
- Você acha mesmo isso?

Eu me encolhi.


- Acho.


Ren se inclinou em minha direção.

- Você está errada, Kelsey. Errada em relação a si mesma e errada em relação a mim!

Ele estava furioso. Eu me mexi, desconfortável, enquanto ele prosseguia:

- Eu sei o que eu quero. Não estou sob o efeito de nenhuma ilusão. Durante séculos estudei as pessoas de dentro de uma jaula e isso me deu bastante tempo para estabelecer minhas prioridades. No primeiro instante em que a vi, na primeira vez em que ouvi sua voz, eu soube que você era diferente. Você era especial. Quando colocou a mão na jaula e me tocou, fez com que eu me sentisse vivo de uma maneira que nunca sentira antes.
- Talvez isso seja apenas parte da maldição. Já pensou nisso? Esses podem não ser seus verdadeiros sentimentos. Talvez você tenha pressentido que eu era a pessoa que iria ajudá-lo e, de alguma forma, interpretou mal suas
emoções.
- Duvido muito. Nunca senti isso por ninguém, nem antes da maldição.

As coisas não estavam indo pelo caminho que eu queria. Senti uma necessidade desesperada de fugir antes que eu dissesse alguma coisa que arruinasse meus planos. Ren era o lado escuro, o fruto proibido, a minha Dalila - a última tentação. A questão era... eu poderia resistir?

Dei um tapinha amigável em seu joelho e joguei meu trunfo:


- Estou indo embora.

- Você o quê?
- Estou voltando para casa, no Oregon. O Sr. Kadam acha que vai ser mais seguro para mim, com Lokesh solto por aí, tentando nos matar e tudo o mais. Além disso, você precisa de tempo para esclarecer... as coisas.
- Se você vai, então vou com você!

Sorri-lhe com ironia.

- Isso anula o propósito da minha ida. Você não acha?


Ele alisou o cabelo para trás, deixou escapar um profundo suspiro, pegou minha mão e olhou intensamente nos meus olhos.


- Kells, quando você vai aceitar o fato de que devemos ficar juntos?


Eu me senti mal, como se estivesse chutando um cachorrinho fiel que só queria ser amado. Olhei para a piscina.

Um momento depois, ele se recostou na cadeira e disse, ameaçador:

- Eu não vou deixar você ir.


Por dentro, eu queria desesperadamente pegar a mão

dele e implorar que me perdoasse, que me amasse, mas resisti,
deixei as mãos caírem no colo e implorei:

- Ren, por favor. Você tem que me deixar ir. Eu preciso... Eu tenho medo... Olhe, eu não posso estar aqui, perto de você, quando você mudar de idéia.

- Isso não vai acontecer.
- Pode acontecer. Há uma boa chance.

Ele grunhiu, furioso:


- Não há nenhuma chance!

- Olhe, meu coração não pode correr esse risco e eu não quero colocar você numa posição embaraçosa. Sinto muito, Ren. Sinto mesmo. Eu quero ser sua amiga, mas compreendo se você não quiser isso. Vou voltar quando precisar de mim, se precisar, para ajudá-lo a encontrar as outras três oferendas. Eu
não abandonaria você ou Kishan assim. Só não posso ficar aqui com você se sentindo obrigado a ficar comigo por piedade, porque precisa de mim. Mas saiba que eu nunca abandonaria sua causa. Sempre estarei à disposição de vocês dois, aconteça o que acontecer.
- Ficar com você por piedade? Kelsey, você não pode estar falando sério!
- Estou. Muito, muito sério. Vou pedir ao Sr. Kadam
que providencie a minha volta nos próximos dias.

Ele não disse mais nada. Ficou ali sentado. Eu podia ver que estava enfurecido, mas achava que, depois de uma ou duas semanas, quando recomeçasse a voltar ao mundo, ele acabaria agradecendo o meu gesto.

Desviei os olhos.

- Estou muito cansada agora. Gostaria de ir dormir.

- Levantei-me e segui para o meu quarto. Antes de fechar as portas de correr, perguntei: - Posso fazer um último pedido?

Ele continuou sentado lá, calado, os braços cruzados no peito, com uma expressão tensa e furiosa.

Suspirei. Mesmo furioso ele é lindo.

Como permanecia calado, continuei:


- Seria muito mais fácil para mim se eu não o visse. Como homem. Vou tentar evitar a maior parte da casa. Ela é sua, afinal, então vou ficar no quarto. Se você vir o Sr. Kadam, por favor, diga que eu gostaria de falar com ele.

Ele não respondeu.

- Até logo, Ren. Cuide-se.



Forcei-me a desviar os olhos, fechei as portas e puxei as cortinas.



Cuide-se? Que despedida ridícula. As lágrimas

afloraram aos meus olhos e nublaram minha visão. Estava
orgulhosa por ter feito aquilo sem mostrar emoção. Mas agora
eu me sentia como se um rolo compressor tivesse passado por
cima de mim.



Eu não conseguia respirar. Fui para o banheiro e abri o

chuveiro para abafar qualquer ruído. Fechei a porta, o que
aprisionou todo o vapor ali dentro, e solucei. Espasmos de
agonia sacudiam o meu corpo. Meus olhos, nariz e boca, todos
jorraram simultaneamente quando me permiti sentir o
desespero vazio da perda.



Escorreguei para o chão e deslizei ainda mais até estar

esparramada com o rosto encostado no mármore frio. Deixei as
emoções me dominarem até me sentir completamente esgotada.
Meus braços e pernas pareciam sem vida e insensíveis, e os
cabelos se encresparam e grudaram-se às lágrimas no rosto.



Bem mais tarde, levantei-me lentamente, desliguei o

chuveiro, lavei o rosto e fui para a cama. Imagens de Ren
voltaram a atravessar minha mente e lágrimas silenciosas
correram mais uma vez. Cheguei até a pensar em colocar
Fanindra no meu travesseiro e abraçá-la, de tão desesperada
que eu estava por ser consolada. Chorei até dormir, com a
esperança de que na manhã seguinte fosse me sentir melhor.



No dia seguinte, acordei tarde outra vez faminta e

entorpecida. Estava emocionalmente esgotada. Não queria
correr o risco de descer para pegar alguma coisa para comer.
Não queria encontrar Ren. Sentei-me na cama, puxei os joelhos
até o peito e me perguntei o que fazer.



Decidi escrever no diário. Despejar os meus pensamentos e emoções embaralhados em suas páginas fez com que eu me sentisse um pouco melhor. Meu estômago roncava.



Eu adoraria uns crepes de frutas vermelhas do Sr. Kadam.



Alguma coisa se moveu na minha visão periférica.

Virei-me e vi o café da manhã posto para mim na mesinha. Fui
até lá inspecionar. Crepes de frutas vermelhas! Fiquei
boquiaberta.



Isso é bom demais para ser verdade.



De repente me lembrei do suco espumante que eu provara na noite passada. Quando quis alguma coisa para beber, ele aparecera.



Decidi testar esses estranhos fenômenos.



- Queria leite achocolatado - falei em voz alta, e um

copo alto de leite frio com chocolate se materializou do nada.



Resolvi experimentar pensando.



Queria um par de sapatos novo.



Nada aconteceu.



- Queria um par de sapatos novo - eu disse em voz alta.



Ainda assim, nada aconteceu.



Talvez só funcione com comida. Pensei: Queria um milk-shake de morango.

Outro copo grande apareceu, cheio até a borda com um

espesso milk-shake de morango, finalizado com creme batido e
uma fatia de morango.

O que faz isso acontecer? A gada? Fanindra? Durga? O Fruto? O Fruto! O Fruto Dourado da índia! O Sr. Kadam tinha dito que, por meio do Fruto Dourado, o povo da índia seria alimentado. O Fruto Dourado provê alimento! Peguei o fruto na gaveta e o segurei enquanto fazia outro desejo.

- Um... rabanete, por favor.


O fruto tremeluziu e brilhou como um diamante

dourado, e um rabanete apareceu em minha mão livre.
Examinei-o cuidadosamente e então o arremessei na lixeira.

- Está vendo? Nem eu quero um rabanete - murmurei com ironia.

Tive vontade de partilhar imediatamente essa novidade

incrível com Ren e corri para a porta. Girei a maçaneta, mas
então hesitei. Não queria desfazer todas as coisas que dissera na
noite passada. Eu fora sincera sobre continuarmos amigos, no
entanto, por ironia, era eu quem não podia ser sua amiga nesse
momento. Eu precisava de tempo para esquecê-lo.

Resolvi esperar pela volta do Sr. Kadam. Então contaria

a Ren sobre o fruto.

Comecei a comer os crepes e me deliciei com a refeição

- ainda mais especial por ser mágica. Quando terminei, me vesti e resolvi ler no quarto. Algum tempo depois, alguém bateu na porta.

- Posso entrar, Srta. Kelsey?

Era o Sr. Kadam.


- Sim. A porta está aberta.


Ele entrou, fechou a porta e se sentou em uma das espreguiçadeiras.


- Sr. Kadam, fique bem aí. Tenho algo para lhe

mostrar! - Levantei-me, empolgada, e corri para a cômoda.
Pegando o Fruto Dourado, eu o desembrulhei e pousei
delicadamente em cima da mesa. - O senhor está com fome?

Ele riu.


- Não. Acabei de comer.

- Bem, peça alguma coisa para comer assim mesmo.
- Por quê?
- Experimente.
- Está bem. - Os olhos dele piscaram. - Queria uma
tigela do ensopado da minha mãe.

O fruto fulgurou e uma tigela branca surgiu diante de nós. O aroma picante de ensopado de carneiro com ervas encheu o quarto.



- Como isso é possível?

- Vá em frente, Sr. Kadam. Deseje algo mais. Alguma comida.
- Quero um iogurte de manga.



O fruto cintilou mais uma vez e um pequeno pote de

iogurte de manga apareceu.



- Viu? É o fruto que faz isso! Ele alimenta a Índia. Entendeu?



Ele pegou o fruto com todo o cuidado.



- Que descoberta impressionante! Já contou para Ren?



Corei, culpada.



- Não, ainda não. Mas o senhor pode contar.



Ele assentiu, atônito, e revirou o fruto nas mãos,

olhando-o de todos os ângulos.



- Sr. Kadam? Tem outra coisa que eu queria lhe falar.



Ele deixou o fruto de lado com delicadeza e voltou toda

sua atenção para mim.



- Claro, Srta. Kelsey. O que é?



Soltei um profundo suspiro.



- Acho que é hora... de eu voltar para casa.



Ele se recostou na cadeira, juntou os dedos e me olhou, pensativo.



- Por que acha isso?

- Bem, como o senhor disse, tem esse tal Lokesh, e
também tem outras... coisas.
- Outras coisas?
- Sim.
- Como, por exemplo...
- Como, por exemplo... bem, não quero me
aproveitar de sua hospitalidade para sempre.



Ele dispensou meu argumento.



- Bobagem. Você faz parte da família. Temos uma dívida eterna com você, que jamais poderá ser paga. Esta casa é tão sua quanto nossa.



Sorri para ele, agradecida.



- Obrigada. Mas não é só isso, é também... Ren.

- Ren? Quer me falar sobre isso?



Eu me sentei na borda do sofá e abri a boca para dizer

que não queria falar desse assunto, mas acabou transbordando.
Antes que me desse conta, eu chorava, e ele estava sentado ao
meu lado dando tapinhas na minha mão e me consolando,
como se fosse meu avô.



Ele não disse nada. Simplesmente me deixou pôr para

fora toda a mágoa, a confusão e os sentimentos novos. Quando
terminei, ele me afagou as costas, enquanto eu soluçava, as
lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Ele me entregou um lenço
de tecido caro e desejou ter uma xícara de chá de camomila
para me dar.



Em meio às lágrimas, ri de sua expressão encantada ao

me entregar o chá. Então assoei o nariz e me acalmei. Estava
horrorizada com o fato de ter lhe confessado tudo. O que ele
deve estar pensando de mim? De repente outro pensamento
atravessou meu desespero: E se ele contar a Ren?



Como se lesse meus pensamentos, o Sr. Kadam disse:



- Srta. Kelsey, não se sinta mal por ter me contado.

- Por favor, por favor, não conte para Ren -
implorei.
- Fique tranquila, não vou trair sua confiança. - Ele
deu uma risadinha. - Sou muito bom em guardar segredos,
minha querida. Não se desespere. A vida muitas vezes parece
sem esperanças e complicada demais para um desfecho feliz.
Eu só espero poder lhe oferecer um pouco da paz e da
harmonia que você me devolveu.



Ele recostou-se na cadeira, pensativo, afagando a barba curta.



- Talvez seja mesmo hora de você voltar para o Oregon. Está certa quando diz que Ren precisa de tempo para aprender a ser um homem outra vez, embora não exatamente da forma que você acredita. Além disso, tenho muitas pesquisas para fazer antes de sairmos à procura da segunda oferenda de Durga.



Ele fez uma pausa.



- É claro que vou tomar as providências para sua

viagem. Nunca se esqueça, porém, de que esta casa é sua e de
que pode me ligar quando quiser e eu a trarei de volta
imediatamente. Se a senhorita não achar muito atrevimento da
minha parte, eu a considero uma filha. - Ele riu. - Ou talvez
uma neta seja o mais exato.



Sorri para ele, trêmula, abracei-o e solucei novamente em seu ombro.



- Obrigada. Muito obrigada. Também considero o

senhor parte da minha família. Vou sentir muito a sua falta.



Ele retribuiu meu abraço.



- Também sentirei saudade. Agora, chega de

lágrimas. Por que não vai nadar e pegar um pouco de ar fresco
enquanto eu tomo as providências?



Enxuguei uma lágrima que cintilava no meu olho.



- Boa idéia. Acho que vou fazer isso.



Ele apertou minha mão e saiu do quarto, fechando a

porta silenciosamente ao passar.



Seguindo seu conselho, vesti o maiô e fui para a piscina.

Fiquei nadando, tentando pôr energia em outra coisa que não
minhas emoções. Quando senti fome, experimentei desejar um
sanduíche triplo de presunto, alface e tomate, e um desses
surgiu ao lado da piscina.



Isto é muito útil! Não preciso nem estar no mesmo

cômodo do fruto! Eu me pergunto qual será o alcance dele.



Comi o sanduíche e me deitei em uma toalha de praia

até minha pele ficar quente. Então pulei na piscina e fiquei
boiando preguiçosamente por um tempo.



Um homem alto se aproximou e parou ao lado da

piscina, diante do sol. Mesmo protegendo os olhos com a mão,
eu não conseguia ver seu rosto, mas sabia quem era.



- Ren! Você não pode me deixar em paz? - resmunguei, mal-humorada. - Não quero falar com você agora.



O homem saiu da frente do sol e eu estreitei os olhos para vê-lo.



- Você não quer me ver? Depois de eu ter percorrido

toda essa distância? - Ele estalou a língua. - Tsc, tsc, tsc.
Alguém precisa lhe ensinar boas maneiras, senhorita.
- Kishan? - arquejei.



Ele sorriu.



- Quem mais, bilauta?



Dei um grito, subi em disparada os degraus da piscina e

corri para ele, que abriu os braços para mim e riu quando lhe
dei um grande abraço molhado.



- Não posso acreditar que esteja aqui! Estou tão feliz!



Ele me olhou de cima a baixo com seus olhos dourados,

tão diferentes dos de Ren.



- Bem, se eu soubesse que era esse tipo de recepção

que me esperava, teria vindo muito mais cedo.



Eu ri.



- Pare de brincar. Como foi que você chegou aqui?

Também ganhou seis horas? Precisa me contar tudo!



Ele ergueu a mão e deu uma risadinha.



- Espere, espere. Em primeiro lugar, quem está

brincando? E, em segundo, por que você não se troca e nos
sentamos para uma longa conversa?
- Está bem. - Sorri para ele e hesitei. - Mas podemos
continuar aqui na piscina?



Ele inclinou a cabeça, confuso, mas sorriu.



- Claro, se quiser. Vou esperar você aqui.

- Certo. Não se mova. Volto já!



Subi correndo a escada dos fundos que levava ao meu

quarto, tomei um banho rápido, me vesti e penteei os cabelos.
Também pedi duas vacas-pretas, cortesia do Fruto Dourado, e
as levei comigo.



Quando voltei à piscina, ele havia carregado duas

espreguiçadeiras para a sombra e estava recostado, relaxando
com as mãos atrás da cabeça e os olhos fechados. Vestia
camiseta preta com calça jeans e seus pés estavam descalços.
Afundei na outra cadeira e lhe entreguei um dos copos.



- O que é isso que você trouxe para mim?

- É refrigerante batido com sorvete. Experimente.



Ele tomou um gole e tossiu. Eu ri.



- As bolhas subiram pelo nariz?

- Parece que sim. Mas é gostoso. Muito doce. Acho
que me lembra você. É do seu país?
-É.
- Se eu quiser responder às suas perguntas antes que
a noite caia, acho melhor começar. - Ele tomou outro gole da
bebida e continuou: - Primeiro, você perguntou se eu também
consegui minhas seis horas. A resposta é sim. Sabe, é estranho.
Vivi resignado como tigre por séculos, mas, depois que você e
Dhiren estiveram lá, passei a me sentir desconfortável em meu
pelo negro. Pela primeira vez em muito tempo, eu queria me
sentir vivo outra vez, não como um animal, mas como eu mesmo.
- Entendo. Como você descobriu que tinha seis horas? E como chegou aqui?
- Eu tinha começado a usar meus minutos como
humano todos os dias e também passara a ir sorrateiramente às
vilas próximas para observar as pessoas e ver o que o mundo
moderno oferece. - Ele suspirou com tristeza. - O mundo
mudou muito desde que deixei de fazer parte dele.



Assenti e ele prosseguiu.



- Um dia, há cerca de uma semana, eu observava,

como homem, as crianças brincando na praça do vilarejo.
Sabia que meu tempo estava se esgotando, então voltei para a
selva e esperei os tremores que precedem a transformação. Mas
eles não vieram.



Ele sorria ao fazer seu relato.



- Esperei uma hora, depois duas, e nada. Eu sabia

que alguma coisa havia acontecido. Atravessei a selva e esperei
até sentir o impulso do tigre tomar conta de mim novamente.
Testei no dia seguinte, e no outro, e o tempo era o mesmo todos
os dias. Então concluí que você e Ren haviam tido sucesso, pelo
menos parcial. Depois disso, voltei para a vila como homem e
pedi a algumas pessoas que me ajudassem a fazer uma ligação
para o Sr. Kadam. Alguém finalmente descobriu como falar
com ele, que foi me buscar.
- Então foi por isso que o Sr. Kadam esteve ausente
nos últimos dias.



Kishan me olhou de cima a baixo, tornou a se reclinar e bebericou sua vaca-preta, parecendo aprovar. Ergueu o copo para mim.



- Preciso confessar que não fazia a menor idéia do que estava perdendo.



Ele sorriu e esticou as longas pernas diante de si,

cruzando-as nos tornozelos.



- Bem, estou feliz que tenha vindo - declarei. - Esta é

a sua casa e o seu lugar é aqui.



Ele ficou sério e seus olhos se perderam na distância.



- Acho que sim. Durante muito tempo, achei que

não havia mais nenhuma centelha de humanidade em mim.
Minha alma era sombria. Mas você, minha querida - ele
estendeu o braço, pegou a minha mão e a beijou -, me trouxe
de volta à luz.



Pousei a mão levemente em seu braço.



- Você apenas sentia a falta de Yesubai. Não acredito

que sua alma fosse sombria ou que você tivesse perdido sua
humanidade. Só que leva tempo para sarar quando seu coração
é partido dessa maneira.



Seus olhos piscaram.



- Talvez você esteja certa. Agora, me conte suas

aventuras! O Sr. Kadam me pôs a par dos fatos básicos, mas
quero saber dos detalhes.



Contei-lhe sobre as armas de Durga e ele demonstrou

grande interesse na gada em particular. Riu quando contei a
história dos macacos atacando Ren e me olhou horrorizado
quando descrevi o kappa que quase me matara. Era fácil
conversar com ele. Kishan ouvia com interesse e eu não sentia
o frio na barriga que experimentava quando estava com Ren.



Ao concluir a história, fitei a piscina enquanto Kishan

estudava com atenção o meu rosto.



- Tem mais uma coisa que está me deixando curioso, Kelsey.



Sorri para ele.



- O que mais você quer saber?

- O que exatamente está acontecendo entre você e Ren?



Algo comprimiu o meu peito, mas tentei parecer indiferente.



- O que quer dizer?

- Vocês dois são mais do que companheiros de viagem? Estão juntos?



Respondi rápido:



- Não. Claro que não.



Ele sorriu.



- Ótimo! - Ele pegou minha mão e a beijou. - Então isso significa que você está livre para sair comigo. Nenhuma garota em seu juízo perfeito iria mesmo querer ficar com Ren. Ele é muito... monótono. Frio, no que diz respeito a relacionamentos.



Por um momento, fiquei boquiaberta, chocada, e então

senti a raiva varrer o choque e assumir seu lugar.



- Ei! Em primeiro lugar, não vou ficar com nenhum

dos dois. Segundo, uma garota precisa ser louca para não
querer Ren. Você está errado em relação a ele. Ele não é nem
monótono nem frio. Na verdade, ele é atencioso, carinhoso,
lindo, confiável, leal, doce e charmoso.



Ele me avaliou, pensativo, por um instante. Eu me

remexi, desconfortável sob o seu olhar, sabendo que falara
rápido demais e mais do que devia.



- Entendo - aventurou-se ele, cauteloso. - Talvez

você tenha razão. O Dhiren que conheci certamente mudou
nas últimas centenas de anos. No entanto, apesar disso e de
você sustentar que não vai ficar com nenhum de nós, eu queria
propor sairmos para comemorar hoje à noite. Se não como
minha... qual é a palavra adequada?
- A palavra é namorada.
- Namorada. Se não como namorada... então como amiga.



Fiz uma careta.



Kishan continuou pressionando:



- Com certeza você não vai me deixar por aí, sozinho e indefeso, em minha primeira noite no mundo real, não é?



Ele sorriu, tentando me convencer. Eu queria, sim, ser

sua amiga, mas não sabia o que dizer em relação ao convite. E,
por um breve momento, me perguntei como Ren se sentiria em
relação a isso e quais poderiam ser as consequências.



- Onde você quer comemorar? - perguntei.

- O Sr. Kadam disse que tem uma boate numa cidade aqui perto onde se pode jantar e dançar. Pensei que poderíamos dar uma passada lá, quem sabe comer alguma coisa, e você poderia me ensinar a dançar.



Eu ri, nervosa.



- Esta é a primeira vez que venho à Índia e não sei

nada sobre a música e a dança daqui.



Kishan pareceu ainda mais animado.



- Ótimo! Então vamos aprender juntos. Não aceito não como resposta.



Ele se levantou para ir, apressado.



- Espere, Kishan! - gritei. - Eu nem sei o que vestir!

- Pergunte a Kadam. Ele sabe tudo! - gritou sobre o ombro.



Assim que ele desapareceu na casa, mergulhei,

melancólica, em um estado de depressão. A última coisa que eu
queria fazer era tentar me divertir quando me encontrava
emocionalmente vazia. No entanto, eu me sentia feliz por
Kishan estar de volta e em ótimo astral.



No fim, concluí que, embora não sentisse vontade de

comemorar nada, eu não queria frustrar o recém-descoberto
entusiasmo de Kishan pela vida. Inclinei-me para recolher os
copos vazios de nossas bebidas e descobri que eles haviam
desaparecido.



Incrível! O Fruto Dourado não só provê a comida como

também cuida da louça!



Eu me levantava para entrar na casa quando pressenti

alguma coisa. Um arrepio percorreu meus braços. Olhei ao
redor, mas não vi nem ouvi nada. Então senti um zumbido
elétrico atravessar meu corpo. Alguma coisa me puxou e me
fez erguer os olhos para a sacada. Lá estava Ren de pé,
encostado em uma coluna, os braços cruzados sobre o peito, me
observando.



Ficamos nos olhando por um minuto, sem dizer nada,

mas pude sentir o clima entre nós se modificar, tornando-se
denso, opressivo e tangível - como quando o ar muda pouco
antes de uma tempestade. Eu podia sentir seu poder me
envolver ao roçar minha pele. Embora não pudesse vê-la, sabia
que uma tempestade estava chegando.



O ar opressivo me puxava como uma contracorrente,

tentando me sugar de volta para o vácuo de poder que Ren
havia criado entre nós. Eu sentia que precisava me arrancar
fisicamente dele. Fechei os olhos e ignorei aquela mudança,
seguindo em frente.



Quando finalmente me livrei daquilo, uma sensação

horrível e dilacerante tomou conta de mim, e eu me vi girando
no vazio sozinha. Enquanto me arrastava até o quarto e
fechava a porta, podia sentir seus olhos ainda em mim, me
queimando e abrindo um buraco abrasador nas minhas costas.
Entrei, rígida, no quarto escuro, arrastando os fios rompidos e
desconectados atrás de mim.



Fiquei no quarto pelo resto da tarde. O Sr. Kadam foi me

ver e expressou sua felicidade ao saber que eu sairia à noite
com Kishan. Ele sugeriu que todos fôssemos juntos, para comemorar.



- Então o senhor e Ren querem ir também? - perguntei.

- Não vejo por que não. Vou falar com ele.
- Sr. Kadam, talvez fosse melhor vocês terem uma
noite exclusivamente masculina. Eu só vou atrapalhar.
- Bobagem, Srta. Kelsey. Todos temos motivos para
comemorar e eu vou cuidar para que Ren se comporte bem.



Ele se virava para sair quando eu disse:



- Espere! O que eu devo usar?

- Pode usar o que quiser. Roupas modernas ou um
traje mais tradicional. Por que não usa sua sharara?
- Não acha que vou ficar deslocada?
- Não. Muitas mulheres usam essa peça em
celebrações. Seria perfeitamente aceitável.



Meu rosto mostrou preocupação e ele acrescentou:



- Se não quer usá-la, pode escolher uma de suas

roupas comuns. As duas opções são apropriadas.



Ele saiu e eu dei um gemido. Tentar comemorar sozinha

com Kishan já era bastante difícil, mas pelo menos ele não me
fazia sentir como se estivesse me afogando em um turbilhão de
emoções. Agora Ren estaria lá. Seria um tormento.



Eu me sentia estressada diante da ideia de sair de casa.

Queria vestir roupas comuns, mas sabia que os rapazes
provavelmente usariam Armani ou algo do tipo, e eu não
queria ficar ao lado deles de jeans e tênis. Então optei pela sharara.



Peguei a saia pesada e o top no closet, corri a mão sobre

os bordados de contas e suspirei. Era tão linda. Demorei um
pouco arrumando o cabelo e fazendo a maquiagem. Realçando
os olhos com mais rímel e lápis do que costumava usar,
também passei um pouco de sombra cinza-púrpura e usei uma
prancha para alisar o cabelo. A sensação de alisá-lo em longos
movimentos era bastante terapêutica e me ajudou a relaxar.



Quando terminei, meus cabelos castanho-dourados

estavam lisos e brilhantes, caindo soltos pelas costas. Deslizei o
corpete azul cuidadosamente pela cabeça e peguei a saia
pesada. Ajeitei-a na cintura, alinhando as dobras brilhantes,
gostando da sensação de peso que ela dava. Ao manusear o in-
trincado desenho de lágrimas de pérolas, não pude deixar de sorrir.



Estava lamentando que o Fruto Dourado não pudesse

criar calçados quando uma batida soou à porta. O Sr. Kadam
estava à minha espera.



- Está pronta, Srta. Kelsey?

- Quase. Não tenho sapatos.
- Ah, talvez possa pegar alguma coisa emprestada no closet de Nilima.



Eu o segui até o quarto de Nilima, onde ele abriu o

closet e apanhou um par de sandálias douradas. Ficaram um
pouco grandes, mas eu as amarrei bem e acabou dando certo.
O Sr. Kadam me ofereceu o braço.



- Espere um segundo. Esqueci uma coisa.



Corri de volta ao meu quarto e peguei a echarpe

dupatta, enrolando-a em torno dos ombros.



Ele sorriu e me ofereceu o braço novamente. Saímos da

casa e fomos até a entrada, onde eu esperava ver o Jeep. Em seu
lugar, porém, estava estacionado um lustroso Rolls-Royce
Phanton prata. O Sr. Kadam abriu a porta para mim e eu
mergulhei no luxuoso interior de couro cinza.



- De quem é este carro? - perguntei, passando a mão pelo painel polido.

- E meu. - O Sr. Kadam sorriu, radiante, obviamente cheio de orgulho. - Os automóveis na Índia, em sua maioria, são muito pequenos e econômicos. Na verdade, apenas um por
cento da população tem carro. Quando se compara os
automóveis da índia com os americanos...



Ele citou rapidamente vários outros fatos sobre

automóveis antes de virar a chave na ignição enquanto eu
sorria e afundava no banco ouvindo com muita atenção.



- Kishan já está descendo e Ren... não quis vir.

- Entendo.



Eu deveria ter ficado feliz, mas me senti desapontada.

Sabia que era melhor se não ficássemos nenhum tempo juntos
até essa paixão, ou o que quer que fosse, passar, e ele
provavelmente estava apenas respeitando meu desejo de não
vê-lo, mas ainda havia uma parte de mim que queria estar com
ele pelo menos essa última vez.



Engoli meus sentimentos e sorri para o Sr. Kadam.



- Tudo bem. Vamos nos divertir sem ele.



Kishan saiu apressado pela porta. Usava um suéter fino

de decote em V cor de vinho sobre a calça cáqui. Seus cabelos
tinham sido cortados em camadas irregulares, penteados para
lhe dar uma aparência hollywoodiana. O suéter revelava sua
estrutura musculosa. Ele estava muito bonito.



Abriu a porta traseira do carro e entrou.



- Desculpem a demora.



E se inclinou entre os bancos dianteiros.



- Ei, Kelsey, você... - Ele se deteve e assoviou. - Uau, Kelsey! Você está incrível! Vou ter que afugentar os outros homens com uma vara!



Fiquei vermelha.



- Até parece. Você não vai nem conseguir chegar

perto de mim, com a multidão de mulheres que irá cercá-lo.



Ele sorriu e se recostou no banco.



- Fico feliz que Ren tenha decidido recuar. Assim tenho mais de você para mim.



- Humm...



Virei-me para a frente e afivelei o cinto de segurança.



Paramos diante de um belo restaurante com uma

varanda que o circundava em toda sua extensão e Kishan
correu para me abrir a porta. Em seguida me ofereceu o braço
enquanto me dirigia um sorriso irresistível. Ri e aceitei o braço,
determinada a aproveitar a noite.



Fomos conduzidos a uma mesa nos fundos. A garçonete

se aproximou e eu tomei a liberdade de escolher refrigerante
de cereja para mim e para Kishan. Ele pareceu feliz em me
deixar sugerir as opções de comida para ele.



Foi divertido olharmos o cardápio juntos. Ele me

perguntou quais eram os meus pratos preferidos e o que ele
deveria experimentar. Ele traduzia o que o cardápio dizia e eu
dava a minha opinião. O Sr. Kadam pediu um chá de ervas e
sentou-se calado bebericando o chá enquanto ouvia nossa con-
versa. Depois de pedirmos a comida, ficamos observando os
casais na pista de dança.



A música era suave e lenta, clássicos atemporais, mas

em uma língua diferente. Deixei que a melancolia tomasse
conta de mim e me calei. Quando a comida chegou, Kishan
começou a comer com satisfação e ficou feliz em terminar o
meu prato quando eu já estava satisfeita. Ele parecia fascinado
com tudo - as pessoas, a língua, a música e, principalmente, a
comida. Fez milhares de perguntas ao Sr. Kadam: "Como eu
pago?", "De onde veio o dinheiro?", "Quanto se dá ao garçom?".



Eu ouvia e sorria, mas meus pensamentos estavam

distantes. Quando os pratos foram retirados, ficamos
bebericando e observando as pessoas à nossa volta.



O Sr. Kadam pigarreou.



- Srta. Kelsey, posso ter o prazer desta dança?



Ele se levantou e estendeu o braço. Seus olhos brilhavam e ele sorria para mim. Olhei para ele com meu sorriso lacrimoso e pensei em como iria sentir a falta desse homem bondoso.



- Claro que sim, meu caro senhor.



Ele afagou minha mão em seu braço e me conduziu

para a pista de dança. Ele dançava muito bem. Até então eu só
havia dançado com garotos da escola em bailes e em geral eles
apenas se movimentavam em círculo até a música acabar. Não
era nada interessante nem empolgante. Dançar com o Sr.
Kadam era muito mais divertido. Ele me conduziu por toda a
pista de dança, me girando em círculos que faziam minha saia
se abrir como um leque. Eu ri e me diverti com ele, que me
rodopiava e me trazia de volta habilmente a cada vez.



Quando a música acabou, voltamos para a mesa. O Sr.

Kadam agiu como se estivesse velho e sem fôlego, mas, na
verdade, era eu quem estava ofegante. Kishan batia o pé no
chão, impaciente, e assim que voltamos ele se pôs de pé,
agarrou minhas mãos e me levou de volta para a pista.



Dessa vez a música era mais rápida. Kishan parecia um

bom aprendiz, pois observava com atenção e copiava os
movimentos das outras pessoas dançando na pista. Ele tinha
um bom ritmo, mas estava exagerando na tentativa de parecer
natural. Foi divertido, porém, e eu ri o tempo todo.



A música seguinte era uma canção de amor lenta e eu comecei a voltar para a mesa, mas Kishan pegou a minha mão e disse:



- Espere, Kelsey, quero experimentar esta.



Ele observou por alguns segundos um casal perto de

nós. Em seguida, colocou meus braços em torno de seu pescoço
e enlaçou minha cintura. Manteve os olhos nos outros casais
por mais alguns segundos apenas e então me olhou com um
sorriso travesso.



- Posso ver claramente o benefício deste tipo de

dança. - Ele me puxou um pouco mais para perto e murmurou:
- Sim. Isso é muito bom.



Suspirei e deixei meus pensamentos vagarem por um

momento. Um som de repente vibrou através do meu corpo.
Um ronco profundo. Não. Um leve grunhido. Que mal se podia
ouvir acima da música. Ergui os olhos para Kishan, me
perguntando se também ouvira, mas ele fitava alguma coisa
por cima da minha cabeça.



Uma voz baixa porém poderosa disse atrás de mim:



- Creio que esta seja a minha dança.



Era Ren. Eu podia sentir sua presença. Seu calor se infiltrou em minhas costas e eu estremeci, como folhas à brisa morna da primavera.



Kishan estreitou os olhos e disse:



- Creio que a escolha é da dama.



Kishan baixou os olhos para mim. Eu não queria provocar uma cena, por isso simplesmente assenti e tirei meus braços de seu pescoço. Kishan fuzilou seu substituto com os olhos e, furioso, deixou a pista de dança.



Ren se colocou diante de mim, tomou minhas mãos nas

dele e as colocou em torno de seu pescoço, deixando meu rosto
dolorosamente perto do seu. Em seguida deslizou as mãos de
forma lenta e deliberada por meus braços nus e pelas laterais
do meu corpo, até envolverem a cintura. Com os dedos, ele
traçou pequenos círculos na parte inferior exposta das minhas
costas, apertou minha cintura e me puxou, apertando meu
corpo contra o dele.



Ren me conduziu habilmente durante a música lenta.

Ele não falava nada, pelo menos não com palavras, mas enviava
muitos sinais. Encostou a testa na minha e se inclinou para
fazer carinho com o nariz em minha orelha. Enterrou o rosto
em meu cabelo e brincou com os dedos em meu braço nu e em
minha cintura.



Quando a música terminou, nós dois levamos um minuto para recuperar nossos sentidos e nos lembrar de onde estávamos. Ele traçou a curva do meu lábio inferior com o dedo e então tirou meus braços de seu pescoço e me levou até a varanda.



Pensei que iria parar ali, mas ele continuou, descendo

os degraus e me levando a uma área arborizada, com bancos de
pedra. A lua fazia sua pele brilhar. Ele vestia camisa branca e
calça escura. O branco me fez pensar nele como tigre.



Ele me puxou para a sombra de uma árvore. Fiquei

imóvel e calada, temendo dizer algo de que me arrependeria.



Ren segurou meu queixo e ergueu meu rosto para que

pudesse me olhar nos olhos.



- Kelsey, tem algo que eu preciso lhe dizer. Quero que você fique calada e ouça.



Fiz que sim com a cabeça, hesitante.



- Primeiro, quero que saiba que ouvi tudo o que você me disse na outra noite e que venho pensando muito seriamente em suas palavras. É importante que você compreenda isso.



Ele mudou de posição, pegou uma mecha de meu

cabelo e a prendeu atrás da orelha e depois roçou os dedos pelo
meu rosto até os lábios. Sorriu docemente e eu senti que minha
plantinha do amor se aquecia nesse sorriso e se voltava para ele
como se ali estivessem contidos os raios nutritivos do sol.



- Kelsey - ele correu a mão pelos cabelos e seu

sorriso doce se transformou em um sorriso torto -, o fato é
que... estou apaixonado por você... já faz algum tempo.



Respirei fundo.



Ele pegou minha mão e brincou com os dedos.



- Não quero que você vá embora. - Começou a beijar meus dedos enquanto me olhava nos olhos. Era hipnótico. Ele tirou alguma coisa do bolso. - Quero lhe dar uma coisa. - Estendeu uma corrente de ouro com talismãs de sininhos tilintantes. - É uma tornozeleira. São muito populares aqui e escolhi esta para que nunca mais tenhamos que procurar um sino.



Ele se abaixou, segurou minha panturrilha por trás,

deslizou a palma até meu tornozelo e prendeu o fecho. Eu
oscilei e mal consegui me manter de pé. Ele deslizou levemente
os dedos quentes pelos sinos antes de se levantar. Pondo as
mãos em meus ombros, ele os apertou e me puxou para ele.



- Kells... por favor. - Ele me beijou na têmpora, na

testa, na bochecha. Entre um beijo e outro, implorava
docemente: - Por favor. Por favor. Por favor. Diga que vai ficar
comigo. - Quando sua boca roçou a minha, ele disse: - Preciso
de você. - E então esmagou os lábios contra os meus.



Senti minha determinação desmoronar. Eu o queria,

queria muito. Também precisava dele. E quase cedi. Quase lhe
disse que não havia nada no mundo que eu quisesse mais do
que estar com ele. Que não pensava que seria capaz de deixá-
lo. Que, para mim, ele era mais importante do que tudo. Que
eu abriria mão de qualquer coisa para ficar com ele.



Então ele me apertou mais e falou suavemente em meu ouvido:



- Por favor, não me abandone, priya. Não poderei viver sem você.



Meus olhos se encheram de lágrimas e as gotas brilhantes desceram pelas minhas faces. Toquei o seu rosto.



- Você não vê, Ren? É exatamente por isso que tenho que ir. Você precisa saber que pode viver sem mim. Que existe mais na vida do que eu. Precisa conhecer este mundo que se abriu para você e saber que tem escolhas. Eu me recuso a ser a sua jaula.



Era doloroso, mas eu precisava continuar. Respirei fundo.



- Eu poderia capturá-lo e mantê-lo preso, por puro

egoísmo, a fim de satisfazer meus próprios desejos.
Independentemente de você querer isso ou não, seria errado.
Eu o ajudei para que você pudesse ser livre. Livre para ver e
fazer todas as coisas que perdeu durante todos esses anos. -
Minha mão deslizou de seu rosto para o pescoço. - Devo
colocar uma coleira em você? Acorrentá-lo para que passe a
vida ligado a mim por obrigação? - Sacudi a cabeça. Agora eu
chorava copiosamente. - Sinto muito, Ren, mas não vou fazer
isso com você. Não posso. Porque... eu também amo você.



Beijei-o rapidamente uma última vez. Então segurei a

saia e voltei correndo para o restaurante. O Sr. Kadam e Kishan
me viram entrar, olharam meu rosto e na mesma hora se
levantaram para sair. Para minha sorte, os dois se mantiveram
calados no caminho para casa, enquanto eu chorava baixinho e
enxugava com as costas da mão as lágrimas que não paravam
de fluir. Quando chegamos, um Kishan sério apertou meu
ombro, saiu e entrou em casa. Respirei fundo e disse ao Sr.
Kadam que gostaria de ir para casa pela manhã.



Ele assentiu em silêncio e eu corri para o quarto, fechei

a porta e me joguei na cama. Então me desmanchei em uma
poça abatida de choro desesperado. Por fim, o sono me venceu.



Na manhã seguinte, me levantei cedo, lavei o rosto e

trancei os cabelos, amarrando a ponta com uma fita vermelha.
Vesti jeans, camiseta e meus tênis, e guardei minhas coisas em
uma bolsa grande. Estendendo a mão para tocar a sharara,
concluí que ela guardava lembranças demais para que eu a
levasse comigo, então a deixei no closet. Escrevi um bilhete
para o Sr. Kadam, dizendo-lhe onde estavam a gada e o Fruto
Dourado e pedindo-lhe que os guardasse no cofre da família e
que desse a sharara para Nilima.



Decidi levar Fanindra comigo. Agora eu a considerava

uma amiga. Coloquei-a com cuidado em cima da minha colcha
e apanhei a delicada tornozeleira que Ren me dera. Os sininhos
tilintaram quando passei o dedo por eles. Eu pretendera deixá-
la na cômoda, mas mudei de ideia no último minuto.
Provavelmente era uma atitude egoísta, mas eu a queria.
Queria ter alguma coisa dele, uma lembrança. Deixei-a cair
em minha bolsa e fechei o zíper.



A casa estava quieta. Em silêncio, desci a escada e passei

pela sala do pavão, onde encontrei o Sr. Kadam sentado à
minha espera. Ele pegou minha bolsa e me acompanhou até o
carro. Após dar a partida, circundou o caminho de pedra
lentamente. Virei-me para dar uma última olhada naquele
lindo lugar que eu via como lar. Enquanto seguíamos pela
estrada margeada por árvores, fiquei olhando a casa até as
árvores bloquearem minha visão.



Nesse momento, um rugido ensurdecedor e de partir o

coração sacudiu as árvores. Virei-me no assento e fitei a
estrada deserta à minha frente.

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