quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Capítulo 11 - Uma droga mais que perfeita


  Sozinho no laboratório da grande indústria multinacional de produtos
farmacêuticos Pain Control, o bioquímico Márius Caspérides ajeitou os óculos e
conferiu mais uma vez suas notas. Tinha passado a noite inteira submetendo os
coelhos aos mais diferentes testes, e agora não tinha tempo para sentir sono.
Incrível, mas parecia que as suas piores suspeitas se confirmavam.
  Os coelhos estavam imóveis na gaiola, em frente às mais gostosas cenouras e
folhas de alface. Mesmo depois de um dia inteiro sem alimento, os coelhos não
se dirigiam à comida sem uma ordem. Assim tinha sido com os porquinhos-da-índia,
com os cães, com os gatos e com os macacos.
  "Sim, sim, sim... a droga funciona bem. Aliás, funciona completamente bem,
aliás funciona completamente...", pensava o bioquímico Caspérides, ajeitando os
óculos a toda hora. "Sim, sim, sim... Isso é mau, muito mau... Preciso avisar o
Doutor Q.I.... é urgente, muito urgente... sim, sim, sim, o Doutor Q.I. precisa
saber disso!"
  Levantou-se apressadamente da bancada de trabalho, deixando a portinhola
da gaiola dos coelhos. Mas essa distração de Márius Caspérides não traria
problemas. Sem uma ordem expressa, nenhum coelho ousaria sair da gaiola.
  Já na porta, o bioquímico Caspérides parou para mais uma olhada no
laboratório. De todas as gaiolas, lotadas com os mais diferentes animais, não saía
nenhum som, não se percebia nenhum movimento, como se todos os bichos
estivessem mortos. Mas eles estavam vivos, bem vivos, com os olhos parados,
olhando para nada...

* * *

  Quando parou em frente ao vídeo do intercomunicador mais próximo do
laboratório, o bioquímico Márius Caspérides não reparou na pequena sombra de
macacão azul que se ocultava a um canto.

* * *

  O bioquímico sabia que não era difícil falar com o Doutor Q.I. Só era difícil
ver o Doutor Q.I. Para falar com ele, bastava procurar qualquer dos
intercomunicadores que se espalhavam por toda a indústria de medicamentos
Pain Control. Se o Doutor Q.I. estivesse em sua sala, a chamada seria atendida na
hora.
  Ninguém sabia em que parte da grande indústria ficava a sala do Doutor Q.I.
e tampouco havia alguém que soubesse qual era o verdadeiro nome do poderoso
dirigente da Pain Control, que não mostrava o rosto nem no vídeo do
intercomunicador. Nem a voz dele era conhecida. Tudo o que os funcionários da
Pain Control conheciam do Doutor Q.I. era uma silhueta e uma voz modificada
por um filtro de som.
  O vídeo iluminou-se e a silhueta apareceu ao mesmo tempo em que se ouvia
a tal voz metálica.

— Meu caro Márius Caspérides! Que prazer inesperado! A que devo a
surpresa de sua chamada?

— Sim, sim, sim... — gaguejou Caspérides. — Bom dia, Doutor Q.I.... é sobre
a droga. É que eu descobri...

— A droga! A maravilhosa Droga da Obediência! — interrompeu a voz do
Doutor Q.I. — A fantástica droga que você descobriu, Márius Caspérides!

— Sim, sim, sim... mas é que eu continuei com os testes e...

— Algum problema, Caspérides? Seus testes demonstraram algum problema
com a nossa maravilhosa Droga da Obediência?

— Sim, sim, sim... não, não, não! Sim e não...

  Lá, na sala que ninguém sabia onde ficava, a imagem trêmula do bioquímico,
no vídeo do aparelho, deve ter irritado o poderoso chefe da Pain Control. A voz
agora era fria, era dura.

— Ou sim ou não, meu caro Caspérides. Ou você descobriu um problema
com a droga, ou não descobriu.

— Sim, sim, sim, eu descobri. A droga funciona bem. Bem até demais. Muito
demais, exageradamente demais. As cobaias se acalmaram e obedecem como
esperávamos, mas...

— Mas o quê?

  O nervosismo do bioquímico Márius Caspérides crescia cada vez mais ao
falar para uma tela de vídeo que não mostrava o rosto do interlocutor. Era como
falar para as paredes de uma sala vazia. Uma sala que tinha voz, que tinha o
poder absoluto.

— Com a droga, as cobaias obedecem totalmente, Doutor Q.I. Mas parece
que perdem a vontade própria, a capacidade de iniciativa. Sim, sim, sim! Ficam
incapazes de fazer qualquer coisa voluntariamente. Ficam inertes, à espera de
alguma ordem, como se fossem máquinas que só funcionam quando são ligadas
e só param de funcionar quando alguém as desliga!

Depois de um breve silêncio, a voz do Doutor Q.I. pareceu aliviada:

— Ufa, ainda bem! Por um momento tive medo de que houvesse algum
problema com a Droga da Obediência!

— Sim, sim, sim, Doutor Q.I., parece que o senhor não entendeu direito.
Existe um problema, um problema muito grande. Como o senhor sabe, há anos
eu venho pesquisando uma droga capaz de combater os casos de loucura mais
rebeldes, mais furiosos...

— E com o financiamento, com o patrocínio da Pain Control para suas
pesquisas, seu sucesso foi absoluto, Caspérides! — cortou a voz do Doutor Q.I. —
Com a Droga da Obediência, haverá grandes progressos no tratamento dos loucos
rebeldes, mais furiosos.

— Sim, sim, sim, desculpe, Doutor Q.I., mas parece que eu não estou sendo
claro. O que eu quero dizer é que a droga tem um efeito devastador sobre a
personalidade das cobaias. Parece que a vontade se anula! É claro que eu
pretendo agora fazer alguns testes com outros animais maiores. No entanto...

— Outros animais maiores, Caspérides? Que tipo de animais?

— Estou pensando nos grandes orangotangos, em cavalos, touros e até feras,
como ursos, leões...

— E seres humanos? — perguntou o Doutor Q.I. 

O bioquímico Márius Caspérides assustou-se:

— Como? Seres humanos? Gente? Não, não, não, Doutor Q.I. É muito cedo
para testar a Droga da Obediência em seres humanos. Ainda mais agora que
eu...

— Pois você está atrasado, meu caro Caspérides. Já dei a ordem, e a Droga
da Obediência está sendo aplicada em quem deve ser. Nada de ratos,
camundongos ou papagaios. Gente, Caspérides, gente!

— Gente?! O senhor já mandou testar a droga nos loucos?

— Loucos? Loucos coisa nenhuma! Essa droga maravilhosa está sendo
testada nos jovens mais saudáveis que pudemos encontrar!

  Caspérides empalideceu:

— Gente? E gente sã? Mas esta é uma droga perigosa. Só poderia ser aplicada
com ordem médica. E a ética proíbe ao médico aplicar medicamentos em um
corpo são!

— Ética médica, Caspérides? — riu-se o Doutor Q.I. — A única ética que me
importa é a da Pain Control!

— Não, não, não! Isso é um absurdo! Eu não vou permitir...

— Permitir? Ora, Caspérides, quem é você para permitir ou proibir qualquer
coisa aqui na Pain Control?

   O bioquímico Márius Caspérides agarrou-se ao intercomunicador, gritando
desesperado:

— Não, não, não! Por favor! Não pode fazer isso! Com gente, não! Não
desligue! Não!!

   Suavemente o vídeo do intercomunicador apagou-se.

9 comentários:

  1. UHULL! Gente, esse capítulo "pegou fogo"!

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    1. né adorei cara amo isso e vc menina ou menino

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Quem escreveu este livro está de parabéns.

    🎉🎉🎉🎉🎊🎊🎊🎊😄😄😄😄😆😆😆😆😊😊😊😊🙆🙆🙆🙆 .

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  3. Doutor QI nem despista que é o Cardoso

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