quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Capítulo 2 - Estranhos acontecimentos


  Chumbinho teve de esperar no escuro, mas a reunião dos quatro Karas,
improvisada para resolver o problema provocado pelo menino, foi rápida. Não
havia o que discutir, pois o pirralho descobrira o esconderijo secreto. O jeito era continuar a reunião como se Chumbinho fosse um dos Karas. Mais tarde teriam de encontrar outro esconderijo e despistar o garoto. Todo o esquema de segurança dos Karas teria de ser alterado, as rotinas revistas, os códigos secretos modificados. Diabo! Ia ser uma mão-de-obra danada. Raio de moleque!
  É claro que Chumbinho devia pensar que os Karas eram uma equipe maluca
que se reunia secretamente para brincar de espião e detetive, porque o menino quase chorou de emoção quando foi submetido a uma rápida "cerimônia de iniciação" na "Ordem dos Karas", que Miguel inventou na hora só para fazer feliz o pequeno invasor.
  Espetaram o dedo do menino com um canivete, fizeram-no escrever uma
declaração de fidelidade e carimbá-la com o próprio sangue (uma gotinha só);
ele teve de repetir um juramento (também inventado na hora) cheio de
expressões como "até à morte", "oferecerei a própria vida" e outras
bobagenzinhas que deixaram o pobre do Chumbinho com um nó na garganta e
uma lágrima equilibrada na beiradinha da pálpebra.
  Calú queria introduzir outras brincadeiras na tal cerimônia, mas Miguel não
deixou; a emergência máxima não podia mais ser adiada.

* * *

  Agora eram quatro ouvindo Miguel e as razões da emergência máxima, só
que um deles não cabia em si de orgulho e achava que todo mundo estava
ouvindo o bater emocionado do seu coraçãozinho.

— E claro que todos vocês já ouviram falar do desaparecimento de
estudantes — recomeçou o líder dos Karas. — Vejam aqui nestes jornais: este
rapaz sumiu do Equipe, esta garota, do Dante, este outro, do Rainha, este aqui, do Galileu, esta, do Objetivo, outro do Dante, um do Vera...

— Mas o Elite, até agora, está fora disso — interrompeu Magrí. — Não sei
então por que os Karas...

— O "até agora" acabou, Magrí. Neste instante, na sala do diretor, estão os
pais do Bronca com dois sujeitos com pinta de polícia.

— E daí? Isso não quer dizer que...

— Eu vi as caras de fantasma dos pais do Bronca, pessoal. Cheguei perto e
ouvi a mãe dele chorando e dizendo: "Meu filho! Onde está o meu filhinho?..."

— É mesmo! — lembrou Calú. — Desde a semana passada eu não vejo o Bronca!

  Todos se calaram. A terrível onda de desaparecimentos estava apavorando a
cidade. Em dois meses, vinte e sete estudantes haviam se evaporado sem deixar nem cheiro. A polícia rodava feito barata tonta, percorrendo a cidade com as sirenes abertas, batendo em todas as portas, dando entrevistas para todos os canais de televisão, e nem um bilhete ou uma nota de resgate tinha aparecido para jogar um pouco de luz naquele mistério. Agora, parecia ser a vez do Elite.
Chumbinho estava excitadíssimo. Durante meses tinha seguido cada passo dos Karas, tinha preparado cuidadosamente seu plano e, no momento certo, tinha conseguido o que queria: ser um dos Karas, o avesso dos coroas, o contrário dos caretas! E agora estava envolvido numa aventura da pesada. Com sequestros, polícia e tudo. Era demais!

— Logo o Bronca!  — lembrou Chumbinho.  — Ainda na sexta-feira eu
convidei o Bronca para uma escapadinha até o fliperama. Gozado! Ele estava
tão... tão esquisito...

  Até aquele momento, Crânio só tinha ouvido a discussão, com sua gaitinha
nos lábios, sem um som e também sem uma palavra.

— Esquisito, Chumbinho? — perguntou Crânio. — Esquisito, como?

— Sei lá. Esquisito... careta... diferente... sei lá!

— Fale, garoto! — comandou Miguel. — Tudo pode ajudar a gente.
Mais uma vez Chumbinho tinha conseguido tornar-se o centro de atração dos
Karas. Estava radiante!

— Bom... vocês sabem como é o Bronca...

— Claro que sabemos, Chumbinho — apressou Magrí. — É o sujeito mais
esquisito do Elite. É por isso que todo mundo chama o Bronca de Bronca.

— Pois é — continuou Chumbinho. — Na sexta-feira, ele estava diferente.
Era como se não fosse o Bronca. Diferente! Parecia um carneirinho, mas um
carneirinho com um olhar estranho, parado, nem sei explicar direito...

— Vê se dá um jeito de explicar, moleque! — ralhou Calú. — Fala logo. Vê
se não enrola!

— Não estou enrolando, Calú! Eu falei pra gente pular o muro e ir até o
flíper, mas o Bronca disse que não, ficou dizendo que era proibido, ficou
repetindo que tudo era proibido, que ele tinha de obedecer...

Aí Calú estourou:

— Ora, deixa de besteira, Chumbinho! O Bronca é o maior rebelde do Elite.
Proibição pra ele é piada!

— Mas é isso mesmo que eu estou tentando explicar! Por isso é que eu disse
que ele estava tão diferente. Estava... obediente...

— Obediente?! — riu-se Calú. — Tem graça! O Bronca, obediente!

  Miguel compreendeu que, pelo menos por enquanto, não ia ser possível
livrar-se do Chumbinho. Por enquanto ele poderia ser útil. Era uma testemunha.
Mais tarde não faltaria ocasião de inventar uma forma de afastar o garoto.

— Muito bem, Karas, vamos agir. Magrí, tente descobrir se o Bronca tinha
alguma namorada. Com cuidado. Pelo jeito, nem os pais, nem a polícia, nem o
diretor querem que o desaparecimento venha a público. Eu vou descobrir onde
ele mora e procurar os lugares que ele frequentava. Calú, papeie com os colegas de classe do Bronca. Descubra quem foi o último a falar com ele. Descubra tudo o que puder. Amanhã nos encontraremos aqui, no primeiro intervalo.

— E eu? — perguntou Chumbinho.

Raio! O que fazer com o Chumbinho? Ele era necessário para descrever os
últimos passos do Bronca, mas era só. Se ele não tivesse alguma tarefa, ia acabar perturbando. Miguel teve uma idéia: havia o Bino, um garoto novo na escola, meio apagado, que tinha sido transferido para o Elite há poucos dias. Era isso!
Bastava colocar Chumbinho em campo neutro e ele não iria atrapalhar.

— Preste atenção, Chumbinho. Agora você é um dos Karas. Não se esqueça
do seu juramento. Quero que você cole no Bino, mas com muito cuidado.
Pergunte se ele já fez amizades no colégio, pergunte se ele conhece o Bronca... não force nada e não fale do assunto com mais ninguém. Amanhã você me conta o que conseguiu, tá?

— Jóia, chefe! — O menino sorriu feliz. — Deixa comigo!

— Quanto a você, Crânio...

— Eu? — riu-se o gênio da turma. — Eu vou pra casa!

— Pra casa?! — estranhou Chumbinho. — Numa hora dessas? Fazer o quê?

— Pensar, Chumbinho, pensar...

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