quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Capítulo 23 - O delírio do Doutor Q.I.


— Quem é o senhor? Como sabe meu nome?

   A voz metálica que saía do vídeo parecia divertir-se:

— Ora, ora, ora, Miguel. Eu sei muito mais do que o seu nome!

— Quero sair daqui! O senhor não tem o direito de...

— Calma, meu caro. Você não está em situação de dizer quais são os meus
direitos. Eu só quero conversar com você. Pode me chamar de Doutor Q.l.

— Eu fui trazido à força para este lugar. Fui narcotizado! Que espécie de
lugar é este onde se trazem pessoas à força?

— Você está na Pain Control, Miguel. A mais poderosa indústria farmacêutica do mundo. 
Você nunca ouviu falar de nós porque atuamos sob os nomes de diferentes empresas. 
Mas, por trás de todas, comandando todas elas, está a Pain Control.

   Miguel percebeu que estava no covil dos lobos e que falava com o próprio
líder da alcateia.

— Não pense que pode fazer comigo o que quiser, Doutor Q.l. Eu tenho
amigos que...

— Amigos? — cortou a voz metálica. — Quais? Crânio? Magrí? Calú? Ah, ah,
ah!

— O senhor é um demônio! Como sabe esses nomes?

— Ora, mas se foi você mesmo que me contou...

— Eu?! Como?

— Você se acha muito esperto, não é, Miguel? Pensou que era uma ideia
brilhante desaparecer junto com Crânio, Magrí e Calú, não é? Assim ficaria com
maior liberdade de movimentos para atrapalhar os nossos planos, não é? Mas
será que não lhe ocorreu que você podia enganar a todos, menos a nós? É claro
que todo mundo pensou que vocês quatro tinham sido sequestrados. Menos nós!
Somente nós sabíamos quem estava ou não em nosso poder. Quando vocês se
esconderam, foi como se tivessem mandado uma cartinha para a Pain Control
dizendo quem eram os garotinhos que andavam fazendo perguntas nos últimos
dois dias...

   Miguel corou. Tinha cometido um erro. Um erro grave, que tinha exposto
todos os Karas ao inimigo!

— Quer dizer que são vocês os sequestradores de estudantes? Uma indústria
de medicamentos! E estão usando os meninos como cobaias, certo?

— Ora, ora! Que esperteza! Como descobriu isso?

— Não interessa como descobri. Eu quero saber é que remédio monstruoso é
esse que precisa de jovens sadios como cobaias. Um remédio deve servir aos
doentes, e não aos sadios!

   O Doutor Q.I. ficou em silêncio. Parecia pensar. Quando falou novamente,
sua voz já não tinha mais o tom de cinismo do início da conversa. Agora ele
falava com o entusiasmo de um louco:

— Você é muito inteligente, Miguel. Inteligente o bastante para perceber a
grandeza do nosso projeto. Você já pensou no significado do nome da nossa
empresa? Já pensou no que significa Pain Control? O nome da nossa corporação
quer dizer Controle da Dor! Você imagina o que significa uma organização capaz
de controlar a dor da humanidade? Uma organização capaz de determinar quanta
dor os habitantes do planeta podem sentir? Nós somos capazes de controlar a
duração da vida humana, a qualidade da vida humana. Mexendo com uma
simples fórmula química, podemos determinar quantas crianças vão sobreviver
em Biafra e quantas devem morrer no Maranhão!

— Não! — protestou Miguel. — A missão de uma indústria farmacêutica não
é essa!

— Você tem razão. A nossa missão é maior. Para a sociedade perfeita que
planejamos, não é suficiente controlar a quantidade de doença ou de saúde que
regula a humanidade. Não! Nós queremos uma sociedade perfeita como a das
formigas, onde cada um conheça o seu lugar e nele permaneça, produzindo
aquilo que deve produzir, cumprindo as ordens que deve cumprir!

— Isso é uma loucura! Isso...

— Foi aí que nós descobrimos a Droga da Obediência. E essa droga maravilhosa vai 
abrir caminho para o nosso sonho de perfeição: a Pain Control vai transformar-se na Will Control!

O Doutor Q.I. deixou sua declaração fazer efeito e continuou:

— Ah, ah, ah! É claro que você percebeu logo o que vem a ser Will Control,
não é mesmo? Quer dizer Controle da Vontade! É isso. Já imaginou? Já pensou no
que será controlar a vontade e a iniciativa da humanidade? Já imaginou o que
será uma sociedade em que nenhuma ordem, nenhuma instrução venha a ser
contestada? Não haverá mais prisões, porque os criminosos serão readaptados
pela Droga da Obediência. Não haverá mais sofrimento, nem ansiedade, nem
loucura, nem dor. Não haverá mais greves, nem passeatas de protesto. Nenhum
soldado jamais desertará nem se perguntará por que está sendo mandado para a
guerra. Obedecerá e pronto! Não será mais necessário suspender uma remessa
de vacinas ou de adubos para algum país onde esteja havendo uma revolução.
Com a Droga da Obediência, não haverá mais o desejo de fazer revoluções.
Porque não haverá mais desejos de espécie alguma. Só o nosso desejo, só a
nossa vontade comandando a espécie humana!

   Miguel estava estarrecido. Tinha imaginado uma série de possibilidades para
explicar o desaparecimento dos estudantes. Nunca lhe ocorrera, porém, que os
propósitos da quadrilha fossem tão diabólicos!

— O senhor é um louco! Um louco perigoso! Vocês pretendem destruir a
vontade, acabar com os desejos, anular a criatividade dos homens. Será que
vocês não percebem que, com isso, estarão destruindo os próprios homens?

— Ora, Miguel, lá está você novamente olhando as coisas por um lado só.
Não, meu caro, as coisas são relativas. A verdade tem várias facetas. Procure
olhar do nosso lado e verá a maravilha de um mundo de paz, sem conflitos, sem
turbulências. Eu sei que você dirá que só existe uma verdade. Nesse caso,
procure entender que essa verdade está nas minhas mãos!

— Não! A obediência somente leva à repetição de velhos erros. Só o respeito
pela liberdade de cada um pode garantir a sobrevivência da humanidade. Só o
respeito pelas opiniões divergentes pode garantir o progresso. Só a desobediência
modifica o mundo!

— O que é isso, Miguel? Que discurso é esse? Será que você se esquece de
quem você é? Como líder lá no seu colégio, você não é também um autoritário?
Não é você quem não admite que suas decisões sejam contestadas?

— Eu...

— Não se envergonhe, meu caro. Você está certo quando não permite que
opiniões idiotas prejudiquem a vitória das suas idéias superiores. É por isso que eu
quero convidá-lo a unir-se a nós.

— Unir-me a vocês?

— Como você já deve ter imaginado, está em nossos planos selecionar uma
elite que, é claro, não tomará a Droga da Obediência. Será a elite dos que devem
ser obedecidos. A elite dirigente, que dará as ordens, que comandará a
humanidade. Você é uma pessoa especial, Miguel. Uma inteligência privilegiada
e um líder como poucos. Por isso eu o convido a auto-controlar-se e a assumir o
lugar que é seu por direito. Você foi escolhido entre milhões! Venha comigo
comandar o mundo!

   O coração de Miguel disparou dentro do peito. Sua prudência, porém, o
aconselhou a controlar-se. Não eram só algumas dezenas de garotos sequestrados
que dependiam dele. Agora era o futuro da espécie humana que estava em suas
mãos. Ele tinha de ganhar tempo, tinha de representar.

— Eu... não sei... é tudo tão surpreendente!

— Posso imaginar sua surpresa, meu caro rapaz. Nós precisamos de
lideranças jovens como a sua. Venha ajudar-nos a construir um novo mundo!

— Um novo mundo...

— Você precisa, naturalmente, ver a nossa Droga da Obediência em
funcionamento, não é? Muito bem. Você vai ver tudo que precisa. Alguém virá
buscá-lo e lhe mostrará os testes que estamos realizando. Por agora, eu me
despeço. Voltaremos a falar.

   A silhueta apagou-se no vídeo. O garoto estava só. Com todo o peso do mundo
sobre os ombros.

7 comentários:

  1. Respostas
    1. Resumindo: Miguel foi sequestrado pelo doutor q.i e parece que com a liderança de Miguel e sua inteligência doutor q.i quer que Miguel ajude ele a controlar o mundo

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