quinta-feira, 6 de março de 2014
Capítulo 20 - As provas das quatro casas
Os olhos esmeralda de Fanindra começaram a brilhar e
forneceram luz suficiente para que Kishan pudesse pegar nossa
lanterna. Um metro e meio à nossa frente havia outro tronco de
árvore que parecia tão sólido quanto o externo - um tronco dentro do
outro. Entre os dois, subia uma escada em espiral. Ele pegou minha
mão outra vez antes de começarmos nossa subida. Os degraus tinham
largura suficiente para que andássemos lado a lado e profundidade
bastante para que pudéssemos parar e recuperar o fôlego ou mesmo
dormir, se precisássemos.
Subimos em um ritmo lento, parando com freqüência para
descansar. Era difícil dizer quanto já havíamos subido. Depois de
várias horas, encontramos uma espécie de porta. Era amarelo-
alaranjada e tinha a superfície irregular. Um talo tosco de madeira
estava no ponto exato em que deveria haver uma maçaneta.
Encordoei meu arco e encaixei uma flecha enquanto Kishan deixava
seu chakram na posição de lançamento. Ele se postou de um lado,
pegou a maçaneta e empurrou a porta lentamente enquanto eu
deslizava um pé para dentro e esquadrinhava o lugar à procura de
atacantes. Não havia ninguém à vista.
Tratava-se de uma sala cheia de prateleiras que tinham sido
entalhadas nas paredes da árvore. Cobrindo as prateleiras e o chão,
havia centenas de cabaças, de todos os tipos e tamanhos. Algumas
eram sólidas, outras, ocas. Muitas tinham belos e elaborados
desenhos e eram iluminadas por velas que bruxuleavam em seu
interior.
Algumas abóboras apresentavam entalhes muito superiores a
qualquer coisa que eu já tivesse visto no Halloween. Passamos por
prateleira após prateleira, admirando os desenhos. Algumas eram
pintadas e envernizadas até cintilarem como pedras preciosas
entalhadas. Kishan estendeu a mão para tocar uma delas.
. Espere! Não toque em nada ainda. Esta é uma das provas.
Precisamos descobrir o que fazer. Espere um segundo enquanto
consulto as anotações do Sr. Kadam.
O Sr. Kadam nos fornecera três páginas de informações sobre
cabaças. Kishan e eu nos sentamos no chão de madeira polida e as
lemos.
. Aqui tem muita coisa sobre onde certas cabaças se
originaram e fatos sobre como marinheiros procuravam sementes de
determinadas espécies para cultivá-las. Existe uma narrativa
mitológica sobre barcos feitos de cabaças. Também não acredito que
se trate disso.
Kishan riu.
. E o que me diz desta aqui? Sobre cabaças e fertilidade?
Quer experimentar, Kells? Estou disposto a fazer o sacrifício, se você
estiver.
Li o mito e encarei Kishan de olhos estreitados enquanto ele
ria.
. Nos seus sonhos. Essa decididamente eu passo. - Virei a
página. - Aqui diz que atirar uma cabaça na água evoca monstros e
serpentes marinhos. Hum, não precisamos de nenhum desses.
. E quanto a este mito chinês aqui? Diz que um garoto se
aproximando da idade adulta devia escolher a cabaça que guiaria sua
vida. Cada uma delas continha algo diferente. Algumas eram
perigosas; outras, não. Uma inclusive guardava o elixir da juventude
eterna. Pode ser que tenhamos sorte. Talvez seja melhor escolher logo
uma.
. Acho que escolher uma provavelmente é a coisa certa a
fazer, mas como saber qual delas?
. Não sei. Precisamos tentar. Eu começo. Mantenha a mira
no que quer que saia dela.
Kishan pegou uma cabaça simples em formato de sino. Nada
aconteceu. Ele a sacudiu, jogou-a para o alto e a bateu contra a
parede... nada.
. Vou tentar quebrá-la.
Ele a atirou contra o chão e uma pera saiu rolando dela. Pegou
a fruta e deu uma mordida antes que eu pudesse avisá-lo de que
talvez houvesse algo de errado com ela. Quando Kishan finalmente
prestou atenção em mim, a fruta já estava quase no fim. Ele
desdenhou de meu aviso e disse que o sabor era bom. A cabaça
quebrada se dissolveu e desapareceu no chão.
. Ok, minha vez.
Peguei uma cabaça redonda pintada com flores, ergui-a acima
da cabeça e a atirei ao chão. Uma serpente negra e sibilante surgiu
dos pedaços quebrados e imediatamente se enroscou para dar o bote
em minha perna. Antes que eu pudesse levantar a mão, ouvi um
zumbido metálico. O chakram de Kishan cravou-se no piso de
madeira aos meus pés, decepando a cabeça da serpente. Seu corpo e a
cabaça partida se dissolveram no chão.
. Sua vez. Talvez seja uma boa idéia nos ater às cabaças não
decoradas.
Ele escolheu uma em forma de garrafa, que apresentou algo
que parecia
leite. Adverti Kishan para que não o bebesse, pois podia não
ser o que parecia. Ele concordou, mas descobrimos que, se não o
bebêssemos, a cabaça seguinte não se partiria e a quebrada com o
leite dentro não se dissolveria. Ele bebeu o leite e continuamos.
Escolhi uma cabaça branca imensa e obtive luar.
Uma pequena e verrugosa produziu areia.
Uma alta e estreita criou uma linda canção.
Uma cabaça cinza e gorda, que parecia um golfinho, jogou
água do mar na perna de Kishan.
Minha escolha seguinte foi uma com formato de colher.
Quando a quebrei, uma névoa negra subiu e veio em minha direção.
Eu corri, mas ela me seguiu, dirigindo-se para minha boca e meu
nariz. Não havia nada que Kishan pudesse fazer. Eu a inspirei e
comecei a tossir. Minha visão nublou. Senti-me tonta e cambaleei.
Kishan me segurou.
. Kelsey! Você está pálida! Como se sente?
. Nada bem. Acho que o conteúdo dessa era doença.
. Aqui. Deite-se e descanse. Talvez eu consiga encontrar
uma cura.
Ele começou a quebrar as cabaças freneticamente enquanto eu
observava. Estremeci e comecei a suar, um escorpião saiu de dentro
da próxima e Kishan o esmagou com a bota. Em seguida, encontrou
uma cabaça com vento, outra com peixe e uma que continha uma
pequena estrela que brilhava tanto que tivemos que fechar os olhos
até que a luz diminuísse e ela desaparecesse no chão.
Todas as vezes em que encontrava um líquido, Kishan corria
para mim e me fazia provar. Bebi néctar de frutas, água comum e um
tipo de chocolate quente escuro e amargo. Recusei-me a beber um
que cheirava a álcool, mas o esfreguei em minha pele para que a
cabaça desaparecesse.
As três seguintes continham nuvens, uma tarântula gigante,
que ele chutou para o canto da sala, e um rubi, que ele guardou no
bolso. Minha visão, a essa altura, estava escurecendo e Kishan ia
ficando desesperado. A próxima cabaça que ele escolheu tinha uma
espécie de pílula. Debatemos se eu devia tomá-la ou não. Eu estava
tonta e fraca, febril e coberta de suor. Era difícil respirar e meu
coração estava disparado. Entrei em pânico, certa de que, se não
encontrássemos algo logo, eu morreria. Mastiguei a pílula e a engoli.
Tinha gosto de vitamina para crianças e não me fez melhorar.
Duas outras cabaças continham queijo e um anel. Ele comeu o
queijo e colocou o anel no dedo. A seguinte tinha um líquido branco.
Kishan estava nervoso. Até onde sabíamos, podia ser um veneno que
me mataria imediatamente ou podia ser minha cura ou o elixir da
eterna juventude. Acenei para que ele se aproximasse.
. Vou beber. Me ajude.
Ele ergueu minha cabeça e inclinou a cabaça, o conteúdo
derramando-se entre meus lábios secos e rachados. O líquido
escorreu pela minha garganta enquanto eu me esforçava para engolir.
Imediatamente comecei a sentir a força retornar aos meus membros.
. Mais.
Ele segurava a cabaça com firmeza enquanto eu bebia. O sabor
era delicioso e me deu força suficiente para pegar a cabaça dele.
Envolvendo a forma arredondada com ambas as mãos, engoli o
restante do líquido em dois grandes goles. Sentia-me agora mais forte
do que quando tínhamos chegado ali.
. Você parece bem melhor, Kells. Como está se sentindo?
Eu me levantei.
. Estou me sentindo ótima! Forte. Invencível até.
Ele soltou um suspiro trêmulo.
. Ótimo.
Olhei ao redor com a visão clara. Quase mais do que clara.
. Ei. O que é aquilo?
Empurrei algumas cabaças, tirando-as do caminho, e agarrei a
alça de uma cabaça grande e redonda com uma longa haste no topo.
. Tem um tigre entalhado no lado externo. Tente esta,
Kishan.
Ele a pegou de minhas mãos e a atirou contra o chão. Lá
dentro havia um papel dobrado.
. É como um biscoito da sorte! O que ele diz?
. Diz: O recipiente oculto mostra o caminho.
. O recipiente oculto? Talvez se refira a uma cabaça oculta.
. É muito fácil ocultar uma cabaça numa sala cheia de
cabaças, Kells.
. É mesmo. Vamos procurar cabaças que estejam fora do
caminho, no fundo da sala ou enfiadas nos cantos.
Recolhemos um grupo de cabaças menores. Kishan tinha cerca
de 10 e eu, 4. Ele abriu seu grupo primeiro e obtivemos arroz, uma
borboleta, uma pimenta-malagueta, neve, uma pena, um lírio, um
chumaço de algodão, um camundongo, outra serpente da qual ele se
livrou - poderia ser inofensiva, mas melhor prevenir que remediar - e
uma minhoca.
Desapontados, nos voltamos para o meu grupo. A primeira
continha linha, a segunda, sons de tambor, a terceira, aroma de
baunilha e a quarta, que tinha o formato de uma maçã pequena, não
tinha nada. Esperamos algum tempo e começamos a ficar nervosos,
pensando que um de nós ia ficar doente outra vez. A cabaça quebrada
desapareceu como as outras, o que significava que alguma coisa tinha
acontecido.
. Será só isso? Está vendo alguma coisa? - perguntei.
. Não. Espere. Estou ouvindo algo.
Depois de um minuto, eu disse:
. E então? O que é?
. Tem alguma coisa diferente nesta sala, mas não sei dizer o
que é. Espere. O ar! Ele está se movendo. Consegue sentir?
. Não.
. Espere um instante.
Kishan percorreu lentamente a sala, examinando prateleiras,
paredes e cabaças. Ele pousou a mão numa das paredes e se
aproximou dela, esbarrando em cabaças que rolaram e mudaram de
lugar.
. Tem ar entrando por aqui. Acho que é uma porta. Me
ajude a remover estas cabaças.
Limpamos toda aquela parte da parede, deixando as prateleiras
nuas.
. Não consigo mover esta aqui. Está presa.
Era uma cabaça minúscula, que parecia crescer da parede.
Puxei e empurrei, mas ela não cedeu. Kishan recuou um passo para
ter uma visão melhor e começou a rir. Eu ainda estava puxando a
cabaça pequenina.
. O que foi? Por que você está rindo?
. Afaste-se um segundo, Kells.
Saí do caminho e ele pôs a mão sobre a cabaça.
. Não sei o que você está tentando provar. Ela não se mexe.
Kishan girou e empurrou.
. É uma maçaneta, Kelsey.
Ele riu e abriu a seção da parede que agora era obviamente
uma porta. Do outro lado, encontramos mais degraus que levavam a
um nível mais alto no interior da árvore.
Ele estendeu a mão.
. Vamos?
Após algumas horas de subida, Kishan pediu que fizéssemos
uma pausa.
. Vamos parar e comer alguma coisa, Kells. Não consigo
acompanhá-la. Eu me pergunto quanto tempo o efeito de sua bebida
energética especial vai durar.
Parei uns 10 passos à frente dele e esperei que me alcançasse.
. Agora você sabe como me sinto tentando acompanhar o
ritmo de vocês, tigres, o tempo todo.
Ele grunhiu e tirou a mochila dos ombros. Então nos
acomodamos confortavelmente num degrau amplo. Ele abriu o zíper
da mochila, tirou o Fruto Dourado e o girou entre as mãos. Depois de
pensar por um momento, sorriu e falou em sua língua nativa. Uma
grande travessa tremeluziu e se materializou. O vapor que subia dos
vegetais tinha um aroma familiar. Franzi o nariz.
. Curry? Argh. Minha vez.
Pedi batata gratinada, tênder com calda de cereja, vagem com
amêndoas e pães com manteiga e mel. Quando meu jantar surgiu,
Kishan olhou meu prato.
. Que tal dividirmos?
. Não, obrigada. Não sou fã de curry.
Ele terminou rapidamente sua refeição e ficou tentando me
fazer olhar para monstros imaginários para que pudesse roubar
bocados do meu prato. Terminei dando metade de minha comida
para ele.
Mais uma hora subindo degraus e o efeito do meu energético
se esgotou. Eu me senti exausta. Kishan me deixou descansar
enquanto procurava a casa seguinte. Quando voltou, eu estava
escrevendo no diário.
. Encontrei a próxima porta, Kells. Venha. Talvez seja
melhor descansar lá. Os empoeirados degraus circulares no interior
do tronco da árvore do mundo nos levaram a um chalé coberto com
hera espessa e flores. Lá de dentro, ouvia-se o tilintar de risadas.
. Tem gente lá dentro - sussurrei. - Vamos ter cuidado.
Ele assentiu e desamarrou o chakram preso ao cinto enquanto
eu encaixava uma flecha no arco.
. Pronta?
. Pronta - sussurrei.
Ele abriu a porta cuidadosamente e fomos recebidos pelas
mulheres mais lindas que eu já tinha visto. Elas ignoraram nossas
armas e nos deram boas-vindas à sua casa.
Uma jovem belíssima, com cabelos castanhos compridos e
ondulados, olhos verdes, pele cor de marfim e lábios cor de cereja,
vestida num cintilante vestido rosa pálido, pegou o braço de Kishan.
. Pobrezinhos. Devem estar cansados depois dessa viagem.
Entrem. Vocês podem tomar um banho e descansar.
. Um banho me parece ótimo - disse Kishan, extasiado.
Ela não prestou a menor atenção em mim. Seus olhos estavam
presos aos de Kishan. Ela acariciou-lhe o braço, sussurrando algo
sobre travesseiros macios, água quente e refrescos. Outra mulher se
juntou à primeira. Era loura, tinha olhos azuis e usava um vestido
prata com brilhos.
. Isso, venha - chamou ela. - Você encontrará conforto aqui.
Por favor, siga-nos.
Elas já levavam Kishan dali quando protestei. Kishan se virou e
um homem se aproximou. Louro e de olhos azuis, com quase dois
metros de altura, exibindo o tórax nu, bronzeado e musculoso, dirigiu
toda sua atenção a mim.
. Olá. Bem-vinda ao nosso humilde lar. Minhas irmãs e eu
raramente temos visitas. Adoraríamos que vocês ficassem conosco
algum tempo.
Ele sorriu para mim e eu corei intensamente.
. É... é muita generosidade sua - gaguejei.
Kishan fechou a cara para o rapaz, mas as garotas jogaram seu
charme piscando os longos cílios e o distraíram novamente.
. Kishan, não acho que...
Outro homem surgiu de trás de uma cortina. Este era ainda
mais bonito que o primeiro. Tinha cabelos e olhos castanhos e fiquei
fascinada por sua boca. Ele fez cara de triste e disse:
. Tem certeza de que não podem ficar conosco? Nem um
pouquinho? Adoraríamos ter companhia. - Ele suspirou
dramaticamente. - A única coisa que temos para nos manter
ocupados é nossa coleção de livros.
. Vocês têm uma coleção de livros?
. Sim. - Ele sorriu e me ofereceu o braço. - Posso mostrá-la
a você?
Kishan havia saído com as mulheres e resolvi olhar a coleção
de livros.
Racionalizei que, se os rapazes tentassem alguma coisa, eu
poderia atingi-los com raios.
Eles de fato tinham uma coleção de livros, que contava com
muitos dos títulos que eu amava. Na verdade, observando mais de
perto, descobri que eu conhecia todos. Eles me ofereceram petiscos.
. Aqui, prove uma dessas tortas. São incríveis. Nossas irmãs
são excelentes cozinheiras.
. Não, obrigada. Kishan e eu acabamos de comer.
. Ah, então talvez você queira se refrescar...
. Vocês têm um banheiro?
. Temos. Fica atrás daquela cortina ali. Também tem um
chuveiro. Puxe o ramo comprido e a água cairá das folhas da árvore.
Vamos providenciar refrescos e um lugar confortável para você
descansar.
. Obrigada.
Estávamos obviamente na Casa das Sereias. O banheiro era de
verdade, felizmente, e aproveitei a oportunidade para tomar um
banho e trocar de roupa. Quando saí do banho, encontrei um longo
vestido dourado pendurado para mim. Era semelhante aos vestidos
que as duas mulheres usavam. Minhas roupas estavam rasgadas e
ensangüentadas, então vesti o traje dourado e pendurei minhas
roupas de fada para ver se elas iriam limpá-las mesmo na árvore do
mundo.
Em silêncio, li as notas do Sr. Kadam sobre sereias. Passei os
olhos pelas sereias da Odisséia e pela história de Jasão e os
Argonautas. Eu já conhecia essas narrativas, mas ele também havia
incluído informações sobre ninfas do mar e tritões, os equivalentes
masculinos das sereias.
Essas pessoas provavelmente estavam mais para ninfas das
árvores do que para ninfas da água. Elas mantinham a beleza até
morrerem. Podiam flutuar. Passar por pequenos buracos. Hum, essa é
nova. Vida extremamente longa... às vezes invisíveis... momentos
especiais são meio-dia e meia-noite. A meia-noite deve estar se
aproximando. Elas podiam ser perigosas, causar loucura, síncope,
letargia e paixão obsessiva.
Uma batida suave na porta me arrancou do meu estudo.
-Oi?
. Está pronta para sair, senhorita?
. Quase.
Olhei rapidamente o restante das anotações e guardei os
papéis na mochila. Os dois homens postavam-se diante da porta e me
fitavam como um par de cobras observando o ninho de um pássaro.
. Com licença.
Passei rapidamente entre eles, caminhei até o outro lado da
sala e me sentei no que parecia um pufe gigante coberto por uma pele
macia. Os homens me imitaram, sentando-se um de cada lado.
Um deles cutucou meu ombro.
. Você está muito tensa. Deite-se e relaxe. Esse assento se
amolda ao seu corpo.
Eles não aceitariam não como resposta. O de cabelos escuros
me empurrou para trás delicada mas insistentemente.
. Sim, é confortável. Obrigada. Onde está Kishan?
. Quem é Kishan?
. O homem com quem cheguei.
. Não percebi que havia um homem.
. Seria impossível perceber qualquer coisa depois que você
entrou - disse o outro homem.
. Isso mesmo. Concordo. Você é linda demais - afirmou o
irmão.
Um deles começou a acariciar meu braço enquanto o outro
massageava meus ombros.
Eles indicaram uma mesa à nossa frente repleta de guloseimas.
. Quer experimentar uma fruta cristalizada? É deliciosa.
. Não. Obrigada. Ainda não estou com fome.
O homem que massageava meus ombros começou a beijar
minha nuca.
. Você tem uma pele muito delicada.
Tentei me sentar, mas ele me pressionou de volta no pufe.
. Relaxe. Estamos aqui para satisfazer você.
O outro me entregou uma taça alta com um líquido vermelho
e borbulhante.
. Que tal um suco de amora espumante?
Então ele pegou minha outra mão e começou a beijar meus
dedos. Uma penumbra toldou minha visão. Fechei os olhos por um
momento e meus sentidos se concentraram nos lábios beijando meu
pescoço e nas mãos quentes que massageavam meus ombros. O
prazer enredou-se pelo meu pescoço e eu, ávida, queria mais. Um dos
homens beijou minha boca. Aquilo não parecia certo. Alguma coisa
estava errada.
. Não - murmurei fracamente e tentei afastá-los.
Mas eles não me davam trégua. Alguma coisa arranhava o
fundo da minha mente. Algo a que eu tentava me agarrar. Algo que
me ajudaria a me concentrar. A massagem nos ombros estava tão
boa... Ele passou para o pescoço, movendo o polegar em pequenos
círculos. Foi quando aquilo de que eu estava tentando me lembrar
emergiu em minha consciência.
Ren. Ele havia massageado meu pescoço daquela maneira.
Visualizei seu rosto. A princípio, ele me apareceu fora de foco, mas
comecei a listar mentalmente tudo aquilo que eu amava nele e a
imagem se tornou mais nítida. Pensei em seu cabelo, nos olhos, em
como ele segurava minha mão o tempo todo. Pensei nele com a
cabeça deitada sobre meu colo enquanto eu lia para ele, em seu
ciúme, sua paixão por panquecas de manteiga de amendoim e no fato
de ele ter escolhido sorvete de pêssego com creme porque fazia com
que se lembrasse de mim. Em minha mente, eu o ouvi dizer: "Mein
tumse mohabbat karta hoon, iadala."
. Mujhe tumse pyarhai, Ren - sussurrei.
Alguma coisa estalou em minha cabeça e eu me sentei
abruptamente. Os homens fizeram beicinho enquanto tentavam me
puxar de volta. Então começaram a cantar em voz suave. Minha visão
foi começando a perder o foco outra vez, então cantarolei a canção
que Ren escreveu para mim e recitei um de seus poemas. Levantei-
me. Os homens agora insistiam que eu comesse alguma coisa ou
bebesse um suco. Recusei. Eles me levaram até uma cama macia. Eu
me mantive firme enquanto eles me puxavam, imploravam e me
bajulavam. Elogiaram meus cabelos, meus olhos e meu lindo vestido e
choraram, dizendo que eu fora sua única visitante em milênios e que
só queriam passar algum tempo em minha companhia.
Recusando outra vez, insisti que precisávamos retomar nossa
jornada. Eles teimaram, pegaram minha mão e me puxaram na
direção da cama. Afastei-me deles e agarrei meu arco. Rapidamente,
ajustei a corda e encaixei uma flecha, então a apontei para o peito
masculino mais próximo, amea- çando-os. Os dois homens recuaram
e um deles ergueu a mão, num gesto de derrota. Eles se comunicaram
silenciosamente e então sacudiram a cabeça, com tristeza.
. Poderíamos fazê-la feliz. Você esqueceria todos os seus
problemas. Nós iríamos lhe dar amor.
Sacudi a cabeça.
. Eu amo outro.
. Você nos teria estimado com o tempo. Possuímos a
habilidade de tirar todos os pensamentos e substituí-los apenas por
sentimentos de paixão e prazer.
. Aposto que sim - repliquei, com sarcasmo.
. Somos solitários. Nossa última companheira morreu há
vários séculos. Nós a amávamos.
. Sim, nós a amávamos muito - confirmou o outro. - Ela
nunca soube o que era sofrimento nem por um só dia de sua vida
conosco.
. Mas somos imortais e a vida dela passou rápido demais.
. Sim. Precisamos encontrar uma substituta.
. Sinto muito, garotos, mas eu não quero isso. Não tenho o
menor interesse em ser sua - engoli em seco - escrava do amor. E,
além disso, não desejo esquecer coisa alguma.
Eles me estudaram por um longo momento.
. Que seja então. Você está livre para ir.
. E quanto a Kishan?
. Ele deve fazer sua própria escolha.
Com isso, eles se transformaram numa fina coluna de fumaça,
entraram num nó da parede da árvore e desapareceram. Voltei ao
banheiro para pegar minhas roupas de fada e fiquei encantada ao ver
que elas haviam sido limpas e consertadas.
Apanhando a mochila, voltei à sala. Em vez do quarto sedutor,
encontrei agora uma sala simples e vazia, com uma porta. Eu a abri,
saí da casa e acabei de volta na escada circular que espiralava no
interior do tronco da árvore do mundo. A porta se fechou atrás de
mim. Estava sozinha.
Tornei a vestir a calça e a camisa que as fadas haviam tecido
para nós e me perguntei quando ou se Kishan sairia dali. Seria muito
melhor dormir naquela cama macia do que nos degraus duros de
madeira. Mas, por outro lado, se eu tivesse ficado naquela cama, creio
que não conseguiria dormir muito.
Agradeci mentalmente a Ren por me salvar das ninfas das
árvores e dos homens-sereias ou o que quer que fossem.
Completamente exausta, me enrasquei no saco de dormir e adormeci.
No meio da noite, Kishan cutucou meu ombro.
-Ei.
Apoiei-me no cotovelo e bocejei.
. Kishan? Você ficou muito tempo lá.
. É. Não foi exatamente fácil me livrar daquelas mulheres.
. Sei o que quer dizer. Precisei ameaçar atirar naqueles
caras para eles me deixarem em paz. Na verdade estou surpresa que
tenha conseguido sair. Como foi que eliminou a influência delas sobre
sua mente?
. Mais tarde eu falo sobre isso. Estou cansado, Kells.
. Está bem. Aqui, pegue minha colcha. Não vou sugerir que
a gente divida o saco de dormir. Chega de homens por hoje.
. Entendo perfeitamente. Obrigado. Boa noite, Kells.
Depois de acordar, comer e arrumar nossas coisas,
continuamos subindo os degraus da árvore do mundo. Uma luz
brilhante cintilava adiante. Surgiu um buraco no tronco e passamos
para o lado de fora. Era bom ver a luz do sol, mas os degraus agora
não eram mais cercados. Agarrei-me ao tronco, recusando-me a olhar
para baixo.
Kishan, por outro lado, estava fascinado pela altura em que
nos encontrávamos. Ele não conseguia ver o chão, apesar de sua
excepcional visão de tigre. Galhos gigantescos se estendiam da árvore.
Eram tão grandes que poderíamos ter caminhado por um deles lado a
lado sem perigo de cair. Kishan corria ao longo de alguns deles, de
tempos em tempos, para explorar. Eu me mantive o mais próximo
possível do tronco.
Depois de várias horas em nosso ritmo lento, parei diante de
um buraco escuro que levava de volta ao interior do tronco. Esperei
Kishan voltar de sua última exploração para entrarmos juntos ali. Essa
parte do tronco era mais escura e úmida. A água gotejava lá dentro,
caindo de algum ponto no alto. As paredes mudaram de lisas para
lascadas e descascadas. Nossas vozes produziam eco. Parecia haver
uma grande fenda na árvore, como se ela tivesse sido escavada.
. É como se essa parte da árvore estivesse morta - eu disse -,
como se tivesse sido danificada.
. Verdade. A madeira sob nossos pés está apodrecendo.
Mantenha-se o mais perto possível da parede do tronco.
Mais alguns minutos se passaram e os degraus cessaram sob
um buraco negro grande o suficiente para que passássemos por ele
rastejando.
. Não tem mais nenhum lugar para ir. Devemos entrar?
. Vai ser bem apertado.
. Então me deixe ir primeiro, dar uma olhada - eu me
ofereci. - Se estiver bloqueado à frente, não tem necessidade de você
passar por aqui. Eu volto e tentamos encontrar outro caminho para o
topo.
Ele concordou e trocou a lanterna pela mochila. Kishan me
levantou e eu me enfiei no buraco, engatinhando até a passagem
começar a se estreitar e se tornar mais alta. Naquele ponto, a única
maneira de prosseguir era ficar de pé e andar de lado, espremida. Em
seguida, a passagem tornou-se mais baixa e mais uma vez me pus de
joelhos.
A passagem parecia de rocha. Uma grande pedra bloqueava a
metade superior da passagem. Eu me deitei de bruços, me espremi
por baixo dela e descobri que a passagem se abria numa grande
caverna. Parecia que eu havia percorrido uns 30 metros, mas
provavelmente não chegava nem a 10. Imaginei que Kishan passaria
ali por muito pouco.
. Tente vir - gritei.
Enquanto esperava por ele, percebi que o piso parecia
esponjoso. Provavelmente madeira apodrecendo. As paredes eram
cobertas por algo que parecia uma crosta de mostarda escura. Ouvi
uma ave batendo as asas lá em cima e um grito suave. Ah, deve haver
um ninho ali. Os sons ricocheteavam dentro da árvore, tornando-se
progressivamente mais altos e mais violentos.
. Kishan? Depressa!
Ergui a lanterna, apavorada. Não conseguia ver nada, mas o ar
certamente estava se movendo. Parecia que bandos de aves estavam
batendo uns contra os outros na escuridão. Alguma coisa roçou em
meu braço e voou de repente. Se era uma ave, era das grandes.
. Kishan!
. Estou quase aí.
Eu podia ouvi-lo deslizando de barriga. Estava quase me
alcançando.
Alguma coisa bateu as asas, vindo em minha direção. Talvez
sejam mariposas gigantes. Desliguei a lanterna para deter as criaturas
voadoras e ouvi Kishan se aproximar.
Primeiro a mochila e depois sua cabeça emergiram. Acima de
mim, algo grande me assustou, batendo as asas freneticamente.
Garras pontudas, semelhantes a ganchos, envolveram meus ombros e
os seguraram. Eu gritei. Elas apertaram e, com um violento bater de
asas e um grito alto e agudo, fui erguida no ar.
Kishan rastejou rapidamente para fora do buraco e agarrou
minha perna, mas a criatura era forte e me arrancou de suas mãos. Eu
o ouvi gritar:
. Kelsey!
Gritei de volta e minha voz ecoou nas paredes. Eu estava bem
no alto, mas ainda podia distingui-lo vagamente lá embaixo. A
criatura logo foi cercada por outras de sua espécie e eu me vi
envolvida numa massa tremulante e ruidosa de corpos quentes. Às
vezes, sentia pelo roçar minha pele, outras vezes uma membrana
coriácea e, de quando em quando, garras afiadas.
A criatura desacelerou, pairou e então me soltou. Antes que eu
pudesse gritar, aterrissei de costas com um ruído surdo. Apontei a
lanterna, que de alguma forma eu conseguira manter na mão durante
o súbito vôo. Temendo ver onde estava, mas determinada a descobrir,
apertei o botão e olhei.
A princípio, não consegui saber para onde estava olhando.
Tudo que eu podia ver eram massas de corpos marrons e pretos. Em
seguida, percebi que eram morcegos. Morcegos gigantes. Eu estava de
pé numa saliência com uma queda de dezenas de metros.
Rapidamente recuei e me colei à parede.
Kishan gritou meu nome e tentou ir na minha direção.
. Eu estou bem! - gritei. - Eles não me machucaram! Estou
aqui em cima, numa saliência!
. Segure-se, Kells! Eu estou indo!
Os morcegos pendiam de cabeça para baixo, observando o
progresso de Kishan com olhos negros piscantes. A massa de corpos
estava em constante movimento. Alguns andavam por cima dos
companheiros até encontrar uma posição melhor para se pendurar.
Outros batiam as asas antes de fechá-las coladas ao corpo. Alguns se
balançavam para a frente e para trás. Outros dormiam.
Eram ruidosos. Tagarelavam com cliques e estalidos enquanto
se penduravam e nos olhavam.
Kishan avançou por algum tempo, mas se viu sem saída e teve
que recuar. Ele tentou várias vezes escalar até onde eu estava, mas era
sempre frustrado. Depois da sexta tentativa, ele parou perto do
buraco e gritou para mim:
. É impossível, Kells. Não consigo subir aí!
Eu tinha acabado de abrir a boca para responder, quando um
morcego gigante falou.
. Iiiiiimpossíííível eleeee peeeensa - disse o animal, com
estalidos, e bateu as asas. - Eééé possíííível, Tiiigreee.
. Você sabe que ele é um tigre? - perguntei ao morcego.
. Nóóóós o veeeeemos. Ouviiiimos. O espíííírito deleeeee
está partiiiiido.
. O espírito dele está partido? O que quer dizer com isso?
. Queeeer diiiiizer que eleeee supoooorta o sofrimeeeento.
Eleeee cuuuuura o própriiiiiiio remoooorso... eleeee resgaaata
vocêêêê.
. Se ele curar o próprio remorso, ele vai me resgatar? Como
ele pode fazer isso?
. Eleeeee éééé como nóóóós. Metaaaade hooooomem e
metaaaade tiiiiiigre. Nóóóós sooooomos metaaaaade ave e metaaaade
mamíííífero. As metaaaaaaades deeeevem se uniiiiir. Eleeeee
preciiiiisa abraaaaaçar o tiiiiiiiigre.
. Como suas duas metades podem se unir?
. Eleeeee preciiiiisa aprendeeeeeeer.
Eu estava prestes a fazer outra pergunta quando vários
morcegos saltaram no ar e voaram para diferentes lugares na caverna,
que se assemelhava a um útero. Estalos rítmicos, que percebi serem
seu sonar, atravessaram o ar e bateram nas paredes. Eu podia até
sentir as vibrações em minha pele. Logo pequenas pedras embutidas
nas paredes começaram a brilhar. Quanto mais tempo os morcegos
mantinham o barulho, mais fortes se tornavam as luzes. Quando os
morcegos pararam, a caverna estava bem iluminada.
. Aaaas luuuuzes vão seeee apaaaaagar quaaaando o
teeeempo deeeele acaaaaabar. Eleeeee preciiiiisa ajuuuuudar vocêêêê
antes diiiiiisso. Deeeeeve uuuusar suuuuua metaaaade hooooomem e
suuuuuua metaaaade tiiiiiiigre. Diiiiiga iiiiisso a eleeeee.
. Certo. - Então berrei para Kishan lá embaixo: - Os
morcegos dizem que você tem que usar suas duas metades para me
alcançar antes que as luzes se apaguem novamente. Deve abraçar sua
metade tigre.
Agora que as luzes estavam acesas, os perigos do caminho
tornaram-se óbvios. Uma série de formações semelhantes a
estalagmites, mas com a extremidade plana, erguia-se na caverna.
Eram muito distantes entre si para que um humano saltasse, mas um
tigre talvez conseguisse.
Kishan olhou para cima e atirou o chakram no ar. Enquanto a
arma subia, Kishan se transformou no tigre negro e saltou. Ele era
rápido. Prendi a respiração à medida que ele saltava velozmente de
uma formação para a outra, sem nem mesmo parar para se equilibrar.
Arquejei de pavor, sabendo que cada salto poderia significar sua
morte. Quando chegou à última, exagerou ligeiramente e agarrou a
madeira esponjosa com as garras, girando a cauda em busca de
equilíbrio.
Ele mudou para a forma humana, pegou o chakram e o lançou
novamente para o alto. O local em que se encontrava era minúsculo,
mal dava para seus pés. Não havia nenhuma saliência para onde saltar
dali. Nada era próximo o bastante, nem mesmo para um tigre. Ele
olhou ao redor por um momento, calculando o próximo passo. De
ponta-cabeça, os morcegos piscavam e o olhavam com olhos
arregalados de seus poleiros. A iluminação começou a diminuir.
Quanto mais escuro ficasse, mais perigosa seria sua subida.
Eu sabia que Kishan podia ver no escuro melhor que eu, mas
ainda assim o caminho era muito traiçoeiro. Ele tomou uma decisão:
agachou-se, transformou-se no tigre negro e saltou no ar. Mas não
havia nenhum lugar onde pudesse aterrissar.
. Kishan! Não! - gritei.
Em pleno ar ele mudou para a forma humana e caiu. Inclinei-
me de braços para olhar por sobre a borda de minha pequena
plataforma e voltei a respirar quando o vi pendurado num longo
ramo. Ele vinha subindo lentamente por ele, colocando uma mão
acima da outra, mas ainda estava muito distante. Então pegou o
chakram, segurou a perigosa arma nos dentes e oscilou para a frente e
para trás até conseguir agarrar um pedaço protuberante de madeira
na lateral da árvore. Subiu mais um pouco e descansou por um
minuto num minúsculo afloramento. Depois de avaliar a situação,
agarrou um novo ramo, saltou e se balançou para a frente novamente.
Kishan fez uma série de manobras acrobáticas. Vi o homem se
metamorfosear em tigre e vice-versa pelo menos três vezes. A certa
altura, ele atirou o chakram, que girou na caverna, partiu um ramo e
voltou voando para uma pata de tigre que de repente se transformou
em mão humana e o pegou. Com o chakram na boca novamente, ele
se balançou abaixo de mim, cruzando a caverna, e tomou impulso
para o outro lado a fim de me alcançar. Agarrou o galho que cortara
para completar a distância. Quando vinha em minha direção, vi que o
galho não era comprido o bastante e percebi que ele aterrissaria a
pelo menos três metros de mim.
Eu queria fechar os olhos, mas sentia que tinha que olhar
enquanto Kishan arriscava a vida para me alcançar. Kishan se
balançou para trás e tomou impulso novamente. Dessa vez, quando
seus pés tocaram a parede, ele atirou o chakram mais uma vez. Então
agarrou o ramo com os dentes, metamorfoseou-se rapidamente no
tigre negro e tomou impulso com suas poderosas patas traseiras. Em
seguida, transformou-se em homem, foi até onde o ramo podia levá-
lo e então o soltou. Girando no ar, mudou para a forma de tigre. Seu
corpo negro se esticou em direção à minha plataforma. Enquanto suas
garras afundavam na madeira perto dos meus pés e ele pendia
suspenso no ar, o chakram cravou-se na madeira a alguns centímetros
da minha mão. As garras de tigre se transformaram em mãos.
. Kishan!
Agarrei as costas de sua camisa e puxei o mais forte que pude.
Ele rolou para a saliência de madeira e ficou ali deitado, arquejando,
durante vários minutos. A luz havia diminuído ainda mais.
. Estáááá veeeendo? Eleeeee conseguiiiiiiiiu.
Seus braços tremiam e eu sequei as lágrimas de meu rosto.
. Sim. Conseguiu - eu disse baixinho.
Quando Kishan se sentou, agarrei-o num forte abraço e beijei
seu rosto. Ele me apertou por um momento antes de me soltar,
relutante. Então tirou o cabelo que me cobria os olhos.
. Lamento não ter trazido a mochila - desculpou-se.
. Está tudo bem. Não havia como trazê-la com tudo o que
tinha para fazer.
. Nóóóós vaaaaamos pegáááá-la.
. Que pena que eles não puderam trazer você também -
murmurei, com sarcasmo.
. Tíííínhamos que tessssstáááá-lo. Eleeee se saiiiiiu
muuuuuuito beeeeeeem.
Um dos morcegos desceu para buscar a mochila. Depois a
largou em minhas mãos estendidas.
. Obrigada. - Toquei o braço de Kishan. - Você está bem?
. Estou. - Ele abriu um sorriso malicioso, apesar da
exaustão. - Na verdade, posso ser convencido a fazer tudo de novo em
troca de um beijo de verdade.
Soquei-lhe o braço de leve.
. Acho que um beijo no rosto foi suficiente, não concorda?
Ele grunhiu, sem expressar sua opinião.
. E agora? Como saímos daqui?
. Nóóós vaaaamos leváááá-los - disse um dos morcegos.
Dois deles se soltaram do teto e despencaram vários metros
antes de abrir bruscamente as asas. Então as bateram com força,
ganhando altitude, e pairaram acima de nós. Em seguida, desceram
devagar. Pés com garras prenderam meus ombros e apertaram.
. Manteeeeenhaaaaam-se imóóóóveis.
Ouvi a advertência e decidi que era um bom conselho a seguir.
Batendo as asas freneticamente, os morcegos levantaram voo,
levando- -nos cada vez mais alto na árvore. Não era um passeio
divertido, mas eu também reconhecia que isso nos pouparia várias
horas de subida. Pensei que fôssemos subir direto, verticalmente,
mas, em vez disso, os morcegos circulavam, ascendendo de forma
lenta e constante.
Por fim, percebi que o ambiente estava ficando cada vez mais
claro. Distingui uma abertura, uma fenda que permitia que manchas
alaranjadas de luz do sol se movessem pelas paredes. Uma brisa fresca
roçou minha pele e senti o cheiro de árvore viva e nova, em vez do
odor podre e bolorento de fungos, amônia e plantas cítricas
queimadas. Nossos companheiros alados saíram pela abertura e,
batendo as asas ruidosamente, colocaram-nos com cuidado num
galho. Os galhos ali eram mais finos, mas ainda assim fortes o
bastante para que nós dois caminhássemos neles.
Com um aviso final de "Fiiiiiquem aleeeertas", eles voaram de
volta para a árvore e nos deixaram por nossa própria conta.
. Kells, jogue a mochila para mim. Quero tirar essas roupas
pretas e calçar alguma coisa.
Atirei a mochila para ele e me virei para que ele pudesse trocar
de roupa.
. É. Que pena que suas roupas de fada se foram.
Desapareceram no éter do tigre. Era bom tê-las à mão. Felizmente o
Sr. Kadam insistiu que trouxéssemos uns dois calçados para você, por
precaução.
. Kells? As roupas de fada estão na bolsa.
. O quê? - Virei-me e deparei com Kishan despido da
cintura para cima e desviei os olhos. - Como isso aconteceu?
. Não sei. Magia de fadas, eu acho. Agora vire para lá, a
menos que queira me ver trocar de roupa.
Com o rosto vermelho, virei-me rapidamente. O sol estava se
pondo e decidimos comer e descansar. Eu estava exausta, mas tinha
medo de dormir num galho, ainda que ele tivesse o dobro da largura
de um colchão kingsize.
Eu estava sentada, imóvel, no meio do galho.
. Tenho medo de cair.
. Você está cansada. Precisa dormir.
. Não vou conseguir.
. Vou segurá-la. Você não vai cair.
. E se você cair?
. Gatos não caem de árvores, a menos que queiram. Venha
cá.
Kishan me envolveu com um braço e apoiou minha cabeça
com o outro. Não pensei que fosse conseguir, mas dormi.
Na manhã seguinte, bocejei, esfreguei os olhos sonolentos e
dei de cara com Kishan me observando. Ele tinha um braço em torno
da minha cintura e minha cabeça descansava em seu outro braço.
. Você não dormiu?
. Cochilei.
. Há quanto tempo você está acordado?
. Uma hora mais ou menos.
. Por que não me acordou?
. Você precisava descansar.
. Ah. Bem, obrigada por não me deixar cair.
. Kells, quero dizer uma coisa.
. O quê? - Apoiei o rosto em meu punho. - O que é?
. Você... você é muito importante para mim.
. Você também é muito importante para mim.
. Não. Não é isso que quero dizer. Quero dizer... eu sinto...
e tenho motivos para acreditar... que podemos vir a significar algo um
para o outro.
. Você já significa algo para mim.
. Certo, mas não estou falando de amizade.
. Kishan...
. Não existe a menor possibilidade, nem uma chance
remota, de que você possa um dia se permitir me amar? Você não
sente absolutamente nada por mim?
. É claro que sinto. Mas...
. Mas nada. Se Ren não estivesse na jogada, você
consideraria ficar comigo? Eu seria alguém de quem você poderia vir
a gostar?
Coloquei a mão em seu rosto.
. Kishan, eu já gosto de você. Eu já o amo.
Ele sorriu e se aproximou um pouco mais. Em minha cabeça,
os alarmes começaram a disparar, dei uma guinada para trás e tive a
sensação de que estava caindo. Agarrei seu braço como se a minha
vida dependesse disso.
Ele me segurou com firmeza e observou o meu rosto.
Certamente percebeu meu olhar de pânico e reconheceu que não se
devia ao fato de ter perdido o equilíbrio. Kishan reprimiu suas
emoções, recostou-se e disse baixinho:
. Eu nunca a deixaria cair, Kells.
Eu não estava lidando muito bem com aquilo e o melhor que
pude lhe dizer foi:
. Sei que não.
Ele me soltou e se levantou para providenciar nosso café da
manhã.
Os degraus agora eram mais estreitos e contornavam a parte
externa da árvore. O tronco também era muito menor. Levávamos
apenas 30 minutos para circundá-lo. Após algumas horas apavorantes
nos degraus que se estreitavam cada vez mais, deparamos com uma
corda trançada que pendia do que parecia ser uma casa na árvore.
Eu queria continuar subindo a escada, mas Kishan quis escalar
a corda. Ele concordou em subir pelos degraus por mais meia hora e,
se não encontrássemos nada, voltaríamos para a corda. Foi uma
discussão inútil no fim das contas porque, não mais do que cinco
minutos depois, os degraus tornaram-se apenas protuberâncias
nodosas na lateral do tronco da árvore, desaparecendo por completo
em seguida.
Quando começávamos a descer até a corda, eu disse:
. Não creio que tenha força suficiente nos braços para subir
toda essa altura.
. Não se preocupe com isso. Eu tenho força suficiente para
nós dois.
. O que exatamente você tem em mente?
. Vai ver.
Quando chegamos à corda, Kishan pegou a mochila de mim e
a pendurou em suas costas. Então fez sinal para que eu me
aproximasse.
. O quê?
Ele apontou para o chão diante dele.
. O que você vai me obrigar a fazer?
. Você vai envolver meu pescoço com os braços e depois
passá-los pelas alças superiores da mochila.
. Está bem, mas não tente nada engraçado. Eu sinto muitas
cócegas.
Kishan levantou meus braços, que envolveram seu pescoço, e
me içou do chão, deixando seu rosto muito perto do meu. Ele ergueu
uma sobrancelha.
. Se eu tentasse alguma coisa, juro a você que não seria para
arrancar uma risada.
Ri de nervosa, no entanto seu rosto estava compenetrado,
sério.
. Beleza. Vamos nessa - murmurei.
Senti seus músculos tensos quando Kishan se preparou para
saltar, mas ele olhou para baixo, para mim, e seu olhar parou em
meus lábios. Ele baixou a cabeça e depositou um beijo quente e suave
na lateral da minha boca.
. Kishan.
. Desculpe. Não pude resistir. Você está presa e pelo menos
dessa vez não pode fugir de mim. Além disso, sua boca é tentadora.
Você devia ficar feliz por eu ter me segurado tanto assim.
. Sei.
Com isso, ele saltou no ar. Deixei escapar um gritinho com seu
movimento súbito. Devagar, ele começou a subir pela corda. Foi nos
içando aos poucos, pisando em galhos quando podia, às vezes
mantendo uma das mãos na corda e a outra num galho, para se
equilibrar. O tempo todo Kishan tomava cuidado para não me
machucar. Sem contar os solavancos, o fato de oscilar a centenas de
metros de altura e de darmos saltos capazes de revirar o estômago, eu
me sentia bastante confortável. Na verdade, estava um pouquinho
confortável demais ficar apertada junto ao corpo dele.
Parece que homens do tipo Tarzan são o meu fraco.
Quando alcançamos a porta da casa na árvore, Kishan subiu
um pouco mais na corda e ficou parado, imóvel, enquanto eu
cuidadosamente me soltava dele e pulava para o piso de madeira.
Então ele tomou impulso, balançou-se e aterrissou com um floreio.
Dava para ver que estava se divertindo.
. Pare de se exibir, pelo amor de Deus. Você percebe a
altura em que estamos e que você poderia despencar para uma morte
horrível a qualquer momento? Está agindo como se esta fosse uma
aventura superdivertida.
. Não faço a menor idéia da altura em que estamos -
replicou. - E não dou a mínima. Mas, sim, estou me divertindo. Gosto
de ser homem o tempo todo. E gosto de estar com você.
Ele envolveu minha cintura com as mãos e me puxou para
perto de si.
. Ei - resmunguei, desembaraçando-me dele o mais rápido
possível.
Eu não podia censurá-lo pela parte de ser humano e não sabia
o que dizer pela parte de estar comigo, então não falei nada.
Sentamo-nos no chão de madeira da casa da árvore e vasculhamos
todas as anotações do Sr. Kadam. Lemos todas elas duas vezes e
esperamos, mas ainda assim nada aconteceu na casa. Essa era
supostamente a casa dos pássaros, mas eu não via nenhum. Talvez
estivéssemos no lugar errado. Comecei a me sentir ansiosa.
. Olá? Tem alguém aqui? - minha voz ecoou.
O som de asas batendo e uma grasnada foram a minha
resposta. No alto, no canto da casa da árvore, vimos um ninho
encoberto. Dois corvos espiavam pela borda, vigiando-nos. Eles se
comunicavam com um som seco, um ruído que vinha do fundo de
suas gargantas.
Os pássaros deixaram seu poleiro e circularam a casa, fazendo
acrobacias no ar. Deram saltos mortais e até voaram de cabeça para
baixo. Cada volta deixava-os mais perto de nós. Kishan soltou seu
chakram e o ergueu como uma faca.
Pus minha mão sobre a dele e sacudi a cabeça levemente.
. Vamos esperar e ver o que eles fazem. - Voltei-me para
eles. - O que vocês querem de nós?
Os pássaros pousaram a alguns metros de onde nos
encontrávamos. Um girou a cabeça e me olhou com um olho negro.
Uma língua também negra surgiu do bico e provou o ar quando o
pássaro se aproximou.
Ouvi uma voz áspera dizer:
. Querendinós?
. Você entende o que falo?
Os dois pássaros moveram a cabeça para cima e para baixo,
parando de vez em quando para alisar as penas.
. O que estamos fazendo aqui? Quem são vocês?
Os pássaros, saltitando, aproximaram-se um pouco mais. Um
deles disse "Hughhn", e eu podia jurar que o outro disse "Muunann".
. Vocês são Hugin e Munin? - perguntei, incrédula e
maravilhada.
As cabeças se moveram para cima e para baixo novamente.
Eles saltaram, chegando ainda mais perto.
. Vocês roubaram minha pulseira?
. E o amuleto? - acrescentou Kishan.
As cabeças fizeram que sim.
. Bem, queremos tudo de volta. Vocês podem ficar com os
pães de mel. Já devem tê-los comido mesmo.
Os pássaros grasnaram, estalaram os bicos sonoramente e
bateram as asas em nossa direção. Penas arrepiadas se inflaram,
fazendo os pássaros parecerem bem maiores do que eram.
Cruzei os braços na frente do peito.
. Não vão devolvê-los, hein? Isso é o que veremos.
Os pássaros, hesitantes, dançaram, aproximando-se ainda
mais, e um pulou para o meu joelho. Kishan ficou imediatamente
preocupado.
Pus a mão em seu braço.
. Se eles são Hugin e Munin, sussurram pensamentos e
lembranças nos ouvidos de Odin. Podem querer se empoleirar em
nossos ombros e nos falar.
Aparentemente eu estava certa, pois no minuto em que
inclinei a cabeça para um lado, um dos pássaros bateu as asas e se
acomodou em meu ombro. Aproximou o bico de meu ouvido e
esperei ouvi-lo falar. Em vez disso, senti uma curiosa sensação, de
algo sendo puxado em mim. O pássaro bicou delicadamente alguma
coisa em meu ouvido, mas eu não senti nenhuma dor.
. O que você está fazendo? - perguntei.
. Pensamentosemperrados.
. O quê?
. Pensamentosemperrados.
Senti outro puxão, um estalido e então Hugin se afastou,
saltitando, com um fio diáfano, semelhante a uma teia, pendendo do
bico.
Cobri a orelha com uma das mãos.
. O que você fez? Roubou parte do meu cérebro? Fiquei
com alguma lesão cerebral?
. Pensamentos emperrados!
. O que isso significa?
O fio que pendia de seu bico se dissipou lentamente quando o
pássaro estalou o bico. Fiquei ali sentada, observando, boquiaberta de
pavor, e me perguntei o que havia sido feito comigo. Será que ele
roubou uma lembrança? Vasculhei o cérebro tentando lembrar de
todas as coisas importantes. Procurei algum buraco, algum vazio. Se o
pássaro tinha mesmo roubado uma lembrança, eu não fazia a menor
idéia de qual poderia ser.
Kishan tocou minha mão.
- Você está bem? Como está se sentindo?
- Estou bem. É só...
Minhas palavras morreram quando notei uma mudança em
minha cabeça. Alguma coisa estava acontecendo. Algo se arrastava
pela superfície da mente, como um rodo sobre vidro ensaboado. Eu
podia sentir uma camada de confusão, desordem mental e sujeira, na
falta de uma palavra melhor, descascando como pele morta depois de
uma queimadura de sol. Era como se preocupações e medos
aleatórios e pensamentos melancólicos estivessem antes entupindo os
poros da minha consciência.
Por um momento pude ver tudo o que precisava fazer com
perfeita clareza. Eu soube que estávamos quase alcançando nossa
meta. Soube que haveria protetores ferrenhos guardando o Lenço.
Soube o que era o Lenço e o que ele era capaz de fazer. Naquele
momento, soube como iríamos usá-lo para salvar Ren.
Munin saltitava de um lado para outro diante de Kishan,
esperando a sua vez.
- Está tudo bem, Kishan! Vá em frente. Deixe-o pousar em
seu ombro. Não vai machucá-lo. Acredite em mim.
Ele me olhou, duvidando, mas assim mesmo inclinou a cabeça
para um lado. Observei, fascinada, Munin bater as asas e pousar no
ombro de Kishan. O pássaro manteve as asas abertas, batendo-as
preguiçosamente enquanto cumpria sua tarefa no ouvido de Kishan.
- Munin está fazendo a mesma coisa com Kishan? -
perguntei a Hugin.
O pássaro sacudiu a cabeça e mudou de um pé para o outro.
Então começou a alisar as penas.
- Então qual é a diferença? O que ele vai fazer?
- Espere para ver.
- Espere para ver?
O pássaro assentiu.
Munin saltou para o chão e segurou um fio negro e fino do
tamanho aproximado de uma minhoca. Então abriu o bico e o
engoliu.
- Hum... isso parece diferente. Kishan? O que aconteceu?
Você está bem?
- Estou bem. Ele... ele me mostrou - respondeu Kishan
baixinho.
- Mostrou o quê?
- Ele me mostrou minhas lembranças. Em todos os
detalhes. Eu vi tudo o que aconteceu. Vi tudo o que se passou comigo
e com Yesubai novamente. Vi meus pais, Kadam, Ren... tudo. Mas
com uma grande diferença.
Tomei sua mão na minha.
- Que diferença?
- Aquele fio negro que você viu... é difícil explicar, mas é
como se o pássaro tivesse tirado um par de óculos de sol muito
escuros dos meus olhos. Vi tudo como se passou de fato, como
aconteceu de verdade. Não mais apenas na minha percepção. Era
como se eu fosse um observador externo.
- A lembrança agora é diferente?
- Não é diferente... é mais clara. Pude ver que Yesubai era
uma garota doce que gostava de mim, mas que foi, sim, encorajada a
me procurar. Ela não me amava da mesma maneira que eu a amava.
Tinha medo do pai. Ela o obedecia em tudo, no entanto também
estava desesperada para sair de casa. No fim, foi o pai quem a matou.
Ele a empurrou violentamente... com força suficiente para quebrar-
lhe o pescoço.
Eu ouvia atenta, chocada também.
. Como pude não perceber seu medo, sua ansiedade? - Ele
esfregou o maxilar. - Ela os escondeu bem. Lokesh tirou vantagem de
meus sentimentos por Yesubai. Eu devia ter visto quem ele era desde
o início, mas estava cego, apaixonado. Como pude não enxergar isso
antes?
- O amor às vezes leva a gente a fazer coisas malucas.
- E você? O que viu?
- Eu acho que tive o cérebro aspirado. Meus pensamentos
estão mais claros, assim como as suas lembranças. Na verdade, agora
sei como pegar o Lenço e o que vem em seguida. Mas vamos por
partes.
Levantei-me de um salto e ergui o ninho enfiado no canto da
casa da árvore. Os dois pássaros pularam, grasnando com irritação.
Eles voaram até onde eu estava e bateram as asas no meu rosto.
- Sinto muito, mas a culpa é sua mesmo. Foram vocês que
clarearam a minha mente. Além disso, estas coisas são nossas.
Precisamos delas.
Peguei a câmera, a pulseira e o amuleto no ninho. Kishan me
ajudou a colocar a pulseira e a corrente com o amuleto e enfiou a
câmera na mochila. Os pássaros me olhavam, zangados.
- Talvez possamos lhes dar outras coisas para compensar
sua perda - sugeri.
Kishan vasculhou a mochila e pegou um anzol, um bastão
fosforescente e uma bússola e os colocou no ninho. Depois de eu
devolver o ninho ao seu lugar, os pássaros voaram até lá para
inspecionar seus novos tesouros.
- Obrigada aos dois! Vamos, Kishan. Venha comigo.
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