quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 27 - Histórias de guerra



Acordei quando o avião aterrissou na água de um pequeno 
lago, que aparentemente era adjacente à propriedade de Ren e 
Kishan. Nilima desligou os motores e Kishan saltou para o píer e 
prendeu as cordas a fim de segurar a aeronave. O Jeep estava 
estacionado ali perto. 

Àquela altura, minhas roupas estavam quase secas, sujas e 
muito desconfortáveis. O Sr. Kadam me ofereceu a oportunidade de 
trocá-las, dizendo que poderia criar roupas novas com o Lenço 
Divino, mas recusei quando ele mencionou que estávamos a apenas 10 
minutos de casa. 

O Sr. Kadam dirigiu, enquanto os garotos se acomodaram na 
traseira e Nilima se apertou comigo no banco da frente. Ren 
permanecia como tigre e parecia contente apenas quando Kishan 
estava por perto. Em casa, o Sr. Kadam sugeriu que eu tomasse uma 
ducha quente e dormisse, mas o dia já estava amanhecendo e, embora 
eu estivesse exausta, queria conversar com Ren. 

A única coisa que me convenceu a deixá-lo foi a pressão que 
tanto o Sr. Kadam quanto Kishan fizeram sobre mim. Ren ainda 

precisava de tempo para se curar e seria melhor que ele se mantivesse 
como tigre por enquanto, argumentavam eles. Concordei em tomar 
banho logo, mas disse-lhes que desceria logo em seguida para ver 
como ele estava. Kishan me carregou até o quarto, me ajudou a tirar 
os sapatos e removeu a atadura elástica. Então me deixou no 
banheiro, fechando a porta silenciosamente ao sair. 

Minhas mãos estavam trêmulas. Manquei até o chuveiro e 
liguei a água quente. Ele está aqui! Em segurança! Conseguimos. 
Vencemos Lokesh e não perdemos ninguém. Eu me sentia nervosa. 
Quando entrei embaixo da água, perguntei-me o que deveria dizer 
primeiro para Ren. Tinha tantas coisas para lhe contar. Meu corpo 
doía. Eu sentia uma fisgada no ombro que fora atingido por uma caixa 
pesada e agora estava ficando roxo. 

Tentei tomar um banho rápido, mas cada movimento era uma 
agonia. Eu não havia sido talhada para isso. Rolar no chão e na sujeira 
não era para mim. Ocorreu-me o pensamento de que eu deveria ter 
sentido dor em Kishkindha e Shangri-lá. Eu deveria estar muito 
machucada depois da batalha com os pássaros. Eu me curara lá. 
Rapidamente. A não ser pela mordida do kappa, eu me curara nesses 
lugares mágicos. 

Ren parecia estar se recuperando, mas eu imaginava que suas 
feridas não fossem apenas físicas. Ele passara por tanta coisa... Eu não 
sabia como ele tinha conseguido sobreviver, porém me sentia 
extremamente grata por isso. Teria que agradecer a Durga por ajudá-
lo. Ela certamente cumpriu sua promessa. Manteve meu tigre em 
segurança. 

Fechei a torneira, saí do chuveiro e lentamente vesti meu velho 
pijama de flanela. Eu queria me apressar, mas até escovar o cabelo 
doía. Trancei-o, impaciente, e manquei a uma velocidade de lesma até 
a porta do quarto. Encontrei Kishan do outro lado, me esperando, 
com as costas apoiadas na parede e os olhos fechados. 

Ele também tomara um banho e trocara de roupa. Sem 
nenhuma palavra, me pegou nos braços e me carregou para o andar 
térreo, para a sala do pavão. Acomodou-me na poltrona de couro 
perto do Sr. Kadam antes de se sentar de frente para mim, ao lado de 

Nilima. Ren ainda estava na forma de tigre, deitado aos pés de Nilima, 
enquanto eles conversavam baixinho. 

O Sr. Kadam, dando tapinhas no meu braço, disse: 

. Ele ainda não mudou, Srta. Kelsey. Talvez tenha ficado 
como homem tempo demais. 
. Tudo bem. O importante é ele estar aqui agora. 


Fiquei olhando meu tigre branco. Ele havia erguido a cabeça 
brevemente quando entrei na sala e então deitou-a de novo sobre as 
patas e fechou os olhos. Eu não podia deixar de me sentir 
decepcionada por ele não estar deitado perto de mim. O simples fato 
de tocar-lhe o pelo já teria sido reconfortante, mas então eu me 
repreendi: Eu deveria estar mais preocupada com ele do que comigo. 
Eu não fui torturada meses a fio. O mínimo que posso fazer é não 
pressioná-lo. 

Nilima queria saber de tudo que acontecera e o Sr. Kadam 
achou que seria uma boa idéia se todos partilhássemos nossas 
histórias de modo que pudéssemos ouvir as diferentes partes de nossa 
aventura. Nilima concordou em preparar a comida e pediu minha 
ajuda. Kishan queria ficar com Ren, que parecia estar dormindo. Disse 
que era melhor deixar os tigres adormecidos quietos, por enquanto. 

Ele me carregou até a cozinha e me colocou numa banqueta 
antes de voltar para a biblioteca. Nilima separou ingredientes para 
fazer omeletes e rabanadas e me atribuiu a tarefa de ralar o queijo e 
picar cebolas e pimentões. Trabalhamos em silêncio por um tempo, 
mas percebi que ela me olhava. 

. Estou bem, Nilima, de verdade. Não precisa se preocupar 
comigo. Não sou tão frágil quanto Kishan me faz parecer. 
. Ah, não é isso. Não acho que você seja nada frágil. Na 
verdade, acho que você é uma pessoa muito corajosa. 
. Então por que está me olhando tanto? 
. Você é... especial, Srta. Kelsey. 


Ri o máximo que meu maxilar dolorido me permitiu. 

. Como assim? 



. Você é mesmo o centro. E o que mantém esta família 
unida. Meu avô estava tão... desesperado antes de você aparecer. Você 
o salvou. 
. Acho que o Sr. Kadam está muito mais habituado a me 
salvar. 
. Não. Nós nos tornamos uma família quando você se 
tornou parte de nossas vidas. Embora exista perigo, ele nunca se 
sentiu tão realizado e feliz como quando você está aqui. Ele a ama. 
Todos eles a amam. 


Constrangida, eu disse: 

. E você, Nilima? Quer mesmo essa vida maluca? Em algum 
momento você desejou uma vida livre de espionagem e perigos? 


Ela sorriu enquanto colocava óleo na frigideira e punha quatro 
fatias de rabanada para fritar. 

. Meu avô precisa de mim. Como posso abandoná-lo? Eu 
não poderia deixá-lo sozinho e sem amparo. Também tenho minha 
família, é claro. Meus pais me perguntam por que ainda não me casei 
e por que sou tão dedicada à minha carreira. Eu lhes digo que fico 
feliz em servir. Na verdade, eles não compreendem, mas aceitam. 
Vivem confortavelmente graças à ajuda do meu avô. 
. Eles sabem do parentesco que têm com ele? 
. Não. Isso eu não contei a eles. Levou muito tempo para 
que meu avô me confiasse seu segredo. Eu não o partilharia sem o seu 
conhecimento. 


Ela bateu os ovos, acrescentou um pouco de creme de leite e 
começou a fazer a primeira omelete. Havia alguma coisa confortadora 
e acolhedora em estar na cozinha, preparando a comida com outra 
mulher. 

. Agora que você está aqui - disse Nilima -, vejo que ele 
talvez finalmente encontre descanso. Talvez ele possa enfim deixar de 
lado suas preocupações, sua grande responsabilidade com os 
príncipes. Tenho muito orgulho de contar com um antepassado assim 
tão abnegado e me sinto honrada por conhecê-lo. 



. Ele é uma pessoa muito nobre. Eu não conheci nenhum 
dos meus avôs. Teria tido muito orgulho de tê-lo como avô também. 


Ficamos em silêncio enquanto terminávamos de preparar a 
refeição. Pedi néctar de flor adoçado com mel como bebida e fatiei o 
melão. Nilima terminou de preparar os pratos, colocou-os numa 
grande bandeja e a carregou para a sala do pavão. Kishan voltou para 
me pegar e o Sr. Kadam juntou-se a nós um instante depois. O tigre 
branco ergueu a cabeça e farejou. 

Coloquei um prato gigante de ovos no chão diante dele. Ele 
começou a lamber o prato imediatamente, empurrando os ovos de 
um lado para outro até conseguir de alguma forma abocanhá-los. 
Aproveitei a oportunidade e lhe fiz um carinho na cabeça, coçando 
atrás de suas orelhas. Ele não rosnou dessa vez e inclinou a cabeça 
para a minha mão. Então devo ter tocado em algum ponto sensível, 
pois seu peito roncou baixinho. 

Tentei tranquilizá-lo. 

. Está tudo bem, Ren. Eu só queria dizer oi e dar seu café da 
manhã. Sinto muito se o machuquei. 


Kishan se inclinou para a frente e disse: 

. Kells, por favor. Afaste-se. 
. Eu vou ficar bem. Ele não vai me machucar. 


Meu tigre branco se levantou e se aproximou de Kishan. Isso 
me doeu. Não pude deixar de me sentir traída, como se o bichinho de 
estimação da família tivesse se voltado contra mim e tentado morder 
minha mão. Eu sabia que estava sendo irracional, mas suas atitudes 
me feriam. Ele pôs uma pata de cada lado do prato e me fitou até eu 
baixar os olhos. Então ele retomou seu café da manhã. 

O Sr. Kadam acariciou minha mão e disse: 

. Vamos saborear nossa refeição e partilhar com Nilima o 
que aconteceu. Tenho certeza de que Ren também gostará de ouvir. 


Assenti e empurrei a comida de um lado para outro no prato. 
De repente, estava sem fome. 

. Descemos de paraquedas numa clareira a alguns 
quilômetros do acampamento dos baigas e andamos até lá - começou 



Kishan. - Um ex-piloto que costumava trabalhar para o Sr. Kadam nas 
Linhas Aéreas Tigre Voador concordou em nos deixar lá. Ele nos 
levou num daqueles antigos aviões militares da Segunda Guerra 
Mundial, que mantém em boas condições. 


Nilima assentiu, bebericando o néctar. 

Kishan esfregou o maxilar. 

. O sujeito devia ter pelo menos 90 anos. A princípio 
duvidei que o homem idoso ainda fosse capaz de pilotar, mas ele 
certamente provou sua habilidade. A queda foi suave e sem esforço, 
apesar do fato de Kelsey quase não ter saltado. 
. Não foi igual ao treinamento - objetei, em minha defesa. 
. Você saltou três vezes durante o treinamento e também 
comigo em Shangri-lá e em todas as vezes se saiu bem. 
. Aquilo era diferente. Era de dia e eu não tinha que... que 
guiar. 


Ele explicou: 

. Durante o treinamento, saltamos em dupla. - Frustrado, 
ele levantou a voz. - Você sabia que era só pedir. Eu teria saltado com 
você, mas você teimou que tinha que fazer aquilo sozinha. 
. Bem, se você não tivesse sido tão... abusado no salto em 
dupla... 
. E se você não fosse tão paranóica com medo de que fosse 
tocá-la... 
. Não teria nenhum problema! - dissemos os dois ao 
mesmo tempo. 


Minha voz soou aguda, em pânico, enquanto eu fuzilava 
Kishan com o 

olhar. 

. Podemos prosseguir, por favor? 


Kishan estreitou os olhos, lançando-me um olhar que dizia que 
continuaríamos essa discussão mais tarde. 

. Como eu disse, Kelsey quase não saltou a tempo. Kadam 
foi o primeiro e então tive que forçar Kelsey antes que perdêssemos o 
timing do salto. 
. Forçar é mesmo a palavra correta - murmurei. - O que fez 
foi me arrastar com você. 


Ele me fitou significativamente. 

. Você não me deu outra opção. 


Ele me oferecera, sim, uma opção. A opção de deixar tudo para 
lá, esquecer Ren e fugir com ele. Era isso ou saltar do avião sozinha. 

Eu não tinha muita certeza se ele estava falando sério ou 
apenas tentando me fazer saltar. Eu acabara de abrir a boca para lhe 
dar um sermão sobre a distância apropriada, quando ele grunhiu, 
zangado, agarrou minha mão e saltou. 

. Depois que chegamos à clareira - ele continuou 
assumimos nossos disfarces e seguimos caminhos separados. Eu 
assumi a aparência de Kelsey, usando uma réplica de seu amuleto. 
. Eu assumi a aparência do criado baiga - acrescentei. - Por 
falar nisso, foi muito desconfortável vê-lo sendo eu, Kishan. 
. Foi igualmente desconfortável ser você. Minha missão era 
procurar Lokesh e mantê-lo ocupado, então me escondi atrás de um 
edifício até ouvir o sinal: um rugido de tigre. 


O Sr. Kadam o interrompeu. 

. Esse era eu, disfarçado de tigre. Corri pela floresta para 
disparar algumas armadilhas e atrair os soldados. 
. Certo - disse Kishan. - Kelsey começou a explodir coisas, o 
que afugentou qualquer soldado retardatário, e assim não encontrei 
quase nenhuma resistência para entrar no acampamento. Encontrar 
Lokesh foi outra história. Tive que tirar de combate seu cerco de 
guardas altamente treinados. Eliminei vários com o chakram e 
desativei as luzes antes que eles sequer me vissem. Depois disso usei 
minha aparência em meu beneficio. 


Desconfiada, perguntei: 

. Como exatamente você usou a minha aparência em seu 
benefício? 



Kishan abriu um largo sorriso. 

. Agi como uma mulher. Eu entrei na sala tropeçando, fingi 
surpresa e medo e pedi a todos aqueles homens grandes e fortes que 
me protegessem, dizendo que havia um louco tentando me matar 
com um disco dourado. Você sabe, pisquei os olhos e flertei com eles. 
Coisas de mulher. 


Cruzei os braços e fuzilei Kishan com o olhar. 

. Sei. Por favor, continue. 


Kishan suspirou e correu a mão pelos cabelos. 

. Antes que você fique toda ofendida, que é sua reação 
padrão a mim, pode parar, porque sei o que está pensando. 


Cruzei os braços sobre o peito. 

. É mesmo? E o que é que eu estou pensando? 
. Que eu estou tentando estereotipar as mulheres, você em 
particular. - Ele ergueu as mãos, exasperado. - Você não é assim, Kells. 
Eu só estava jogando com as cartas que me foram dadas e tentando 
usar todos os meus recursos! 
. Tudo bem quando você usa os seus próprios recursos, mas 
não quando está usando os meus! 
. Ótimo! Da próxima vez irei como Nilima! 
. Ei! - disse Nilima. - Não quero ninguém usando os meus 
recursos. 
. Talvez seja melhor continuarmos a história - interveio o 
Sr. Kadam. 


Kishan fez cara feia e começou a resmungar sobre mulheres 
em operações militares e que da próxima vez iria sozinho. 

. Eu ouvi isso. Você teria sido mutilado por Lokesh sem 
mim. 


Eu sorri, irônica. 

. De fato. Cada pessoa foi vital para o nosso sucesso - disse 
o Sr. Kadam. - Vou passar para a minha parte e você conclui mais 
tarde, Kishan. 


Ele se recostou na cadeira e cruzou os braços sobre o peito. 

. Por mim, tudo bem. 


O Sr. Kadam começou contando a Nilima como era libertador 
ser tigre. 

. O poder do tigre está além de qualquer coisa que eu 
imaginara. Como não sabíamos se o Lenço Divino funcionava apenas 
com disfarces humanos, tínhamos testado antes a transformação em 
um animal. Parece que podemos mudar para a forma de Kishan ou de 
Ren, mas nenhum outro animal. Quando chegamos, assumi a forma 
do tigre negro de Kishan. E então a Srta. Kelsey enrolou o Lenço em 
meu pescoço antes de nos separarmos. 


Ele recuperou o fôlego antes de continuar. 

. Corri pela selva e encontrei várias armadilhas com isca. 
Ativei duas delas, o que acionou alarmes, e logo ouvi o passo dos 
soldados em minha perseguição. Eles disparam armas, mas fui mais 
rápido. A certa altura, um grupo achou que havia me encurralado. 
Estavam prestes a disparar quando me transformei em homem, o que 
os deixou chocados e me deu um momento para acionar a armadilha. 
Puxei uma corda presa a um naco de carne e os soldados foram 
erguidos no ar numa grande rede. Deixei-os pendurados na árvore e 
corri de volta ao acampamento para a segunda fase do plano. Quando 
cheguei ao acampamento, a Srta.Kelsey já havia destruído uma das 
duas torres de vigilância. Os aldeões corriam para todos os lados, 
temendo por suas famílias. Fiquei atrás de uma árvore e mudei de 
aparência mais uma vez. 


Nilima se inclinou para a frente. 

. Em que se transformou dessa vez? 
. Assumi a forma de um deus baiga chamado Dulha Dao, 
que, segundo eles, ajuda a evitar doenças e acidentes. Reuni as 
pessoas à minha volta e lhes disse que estava ali para ajudá-las a 
vencer aquele estranho. Elas ficaram mais do que felizes em cooperar 
para derrubar a casa do maligno. A Sra. Kelsey deixara a gada num 
local discreto para que eu a pegasse. Normalmente, ela é pesada para 
mim, mas, quando a manejei como Dulha Dao, a arma se tornou leve. 



Com a ajuda dos aldeões, derrubamos a parede e incapacitamos os 
homens de Lokesh. 
. Como era sua aparência? - perguntou Nilima. 


Ele corou, então eu intervim. 

. Ah, o Sr. Kadam estava muitíssimo bem como Dulha Dao. 
Ele parecia um dos homens da tribo, só que mais alto, mais 
corpulento e muito bonito. O cabelo era comprido e cheio e parte 
dele estava envolta num coque no alto da cabeça, com a outra parte 
descendo pelas costas. 


Nilima sorriu com a minha descrição. 

. Era musculoso e seu belo tórax, assim como o rosto, era 
coberto por tatuagens. Estava de peito nu, usando pesados colares de 
contas e descalço, vestindo uma saia envelope. Parecia amedrontador, 
mas de um jeito bom. Principalmente, imagino, quando estava 
brandindo a gada. 


Quando terminei minha descrição, todos me olhavam e Nilima 
ria abertamente. 

. O que foi? - perguntei, constrangida. - Está bem. Parece 
que eu acho atraentes os homens indianos corpulentos. O que há de 
errado nisso? 


Kishan tinha a testa franzida. O Sr. Kadam parecia... satisfeito 
e Nilima dava risadinhas. 

. Absolutamente nada, Srta. Kelsey. Sei que eu teria 
pensado a mesma coisa - disse ela. 


O Sr. Kadam pigarreou. 

. Sim... bem... agradeço a descrição lisonjeira, de qualquer 
forma. Faz muito tempo que uma mulher não me acha... corpulento. 


Então eu comecei a rir e Nilima me acompanhou. 

. Todos prontos para continuar? - perguntou o Sr. Kadam. 
. Sim - respondemos em uníssono. 
. Como eu ia dizendo, as pessoas se juntaram a mim e 
amarramos todos os guardas. Então seguimos para o centro de 
comando. As portas eram fortificadas e estavam trancadas. 
Revistamos os homens à procura da chave, mas não encontramos 



nenhuma. Foi mais fácil eu abrir um buraco na parede do que 
derrubar aquelas portas. Finalmente entrei no complexo e encontrei 
Kelsey e Kishan prostrados no chão e Lokesh em nenhum lugar à 
vista. A sala estava cheia de uma espécie de doce. 
. Balas duras - acrescentei. 
. Como isso aconteceu? - perguntou Nilima. 
. Eu tinha que fazer alguma coisa e o Fruto Dourado era a 
única arma a que eu podia ter acesso, então pedi uma tempestade de 
balas duras. 
. Muito inteligente. Essa nunca praticamos. Parece que 
funcionou bem - comentou o Sr. Kadam. 
. Não teria funcionado por muito tempo. Lokesh se 
recupera rapidamente. A única coisa que o levou a fugir foi o senhor. 
O senhor e os baigas salvaram o dia. 
. Então Lokesh tinha o poder de congelar vocês? 
. Tinha. 
. Você percebeu algum outro poder dele? 
. Sim. 
. Ótimo. Vamos falar sobre isso mais tarde. 
. Está bem. Vou escrever sobre tudo o que aconteceu 
enquanto está fresco em minha memória. 
. Muito bom. Continuando, depois que Kishan e Kelsey 
encontraram Ren, os baigas quiseram deixar o acampamento quanto 
antes. Pegaram tudo o que podiam carregar e seguiram em fila selva 
adentro. Nós os acompanhamos em parte porque eu me sentia 
responsável por levá-los para o mais longe possível de Lokesh e em 
parte porque eles seguiram na direção que precisávamos ir. Pouco 
antes de partirmos, Ren apanhou uma faca e perfurou a pele de seu 
braço. 


Inclinei-me para a frente. 

. Para quê? 
. Para remover um dispositivo de rastreamento que Lokesh 
havia colocado ali. 



Olhei para o meu tigre branco com simpatia. Seus olhos 
estavam fechados, mas as orelhas se moviam para a frente e para trás. 
Ele estava ouvindo. 

. Seguimos com os baigas, fizemos um banquete com eles e 
partimos logo depois que lhe enviei o sinal, Nilima. 
. O senhor representa uma divindade muito bem - 
brinquei. 
. Bem, parece que eles acreditaram que nós quatro éramos 
divindades. Se eu tivesse visto as coisas que eles viram, também teria 
acreditado nisso. 
. Eles realmente usaram magia para manter Ren preso? 
. Quando falei com eles sobre isso, o gunia afirmou que 
tem, sim, poder sobre os tigres e que usou sua magia para manter Ren 
lá. Ele pode criar uma espécie de barreira em torno do acampamento 
a fim de proteger a aldeia contra ataques de tigres. No entanto, ele 
disse que há alguns dias o feitiço foi alterado para atrair tigres para a 
aldeia. Parece que os soldados haviam sido importunados por ataques 
de tigres durante toda a semana. 
. Ah, então foi por isso que Kishan conseguiu entrar? 
. Parece que sim. 
. Isso significa que Ren poderia ter saído? 
. Possivelmente, mas Lokesh também parece ter poderes 
próprios. Presumo que usar os baigas para conter Ren fosse apenas 
um plano B para o caso de ele estar distraído demais para incapacitar 
Ren. 
. Ele é horrível - eu disse baixinho. - Ren era seu prêmio 
máximo, seu troféu. Que ele esperou e caçou durante séculos. Não o 
teria deixado escapar. 
. Acho que ele perdeu o interesse em Ren - interveio 
Kishan. - Ele está atrás de outra pessoa agora. 


O Sr. Kadam sacudiu a cabeça discretamente. 

. De quem? - perguntei. 


Ele não respondeu. 

. De mim, não é? - perguntei, sem emoção. 


Por fim, Kishan falou, dirigindo-se ao Sr. Kadam. 

. E melhor que ela saiba para que esteja preparada. - 
Virando-se para mim, disse: - Sim. Ele está determinado a ir atrás de 
você, Kells. 
. Por quê? Isto é, por que ele está atrás de mim? 
. Porque ele sabe como você é importante para nós. E 
porque... você o derrotou. 
. Aquela não era eu. Era você. 
. Mas ele não sabe disso. 


Kishan me lançou um olhar significativo. 

Gemi baixinho e ouvi apenas parcialmente quando Kishan 
começou a descrever nossa briga com Lokesh. Eu só comentava 
quando Kishan esquecia alguma coisa. 

Ren agora nos observava e ouvia atentamente o que dizíamos. 
Coloquei meu prato com a comida intacta no chão, esperando que ele 
estivesse interessado. Ele me observou com curiosidade e então se 
levantou e se aproximou alguns passos. 

Por fim, comeu os ovos, mas empurrou as rabanadas de um 
lado para outro, sem conseguir colocá-las na boca. Com cautela, usei 
meu garfo para apanhar uma fatia grossa. Ele a puxou delicadamente 
do garfo e a engoliu de uma só vez. Fiz o mesmo com a outra. Depois 
de lamber o prato, deixando-o limpo, Ren se deitou perto de Kishan e 
começou a lamber o açúcar das patas. 

Kishan ficara quieto e, quando ergui os olhos, vi que me 
observava. Seus olhos se enrugaram nos cantos com um leve toque de 
tristeza. Desviei o olhar. Ele franziu a testa e recomeçou a falar. 
Quando chegou à parte em que Lokesh ameaçou me matar, fazendo 
parar meu coração, eu o interrompi e esclareci: 

. Lokesh não estava falando de mim. 
. Estava sim, Kells. Ele devia saber quem você era. Ele disse: 
"Vou matá- -lo, parar o coração dele." 



. Sim, mas por que você, disfarçado como Kelsey, estaria 
preocupado comigo, em meu disfarce de criado baiga? Ele disse matá-
lo, não matá-la. Ele pensou apenas que eu fosse um traidor. 
. Mas a ameaça de Lokesh matar você foi a razão de eu ter 
parado. 
. Pode ter sido essa a razão de você soltá-lo, mas ele não 
estava me ameaçando. 
. Então quem ele estava ameçando? 


Olhei para baixo, para o tigre branco, e senti meu rosto se 
inflamar. 

. Ah - disse ele, vagamente. - Ele estava ameaçando Ren. 
Gostaria de ter entendido isso. 
. Sim, ele estava ameaçando Ren. Ele sabia que eu não faria 
nada para prejudicá-lo. 
. Claro que você não faria. 
. O que está insinuando? E o que você quis dizer ao afirmar 
que gostaria de ter entendido isso? Que não teria parado? 
. Não. Sim. Talvez. Eu não sei o que teria feito. Não posso 
prever como teria reagido. 


O tema de nossa discussão aguçou os ouvidos do tigre. Ele 
olhou para mim. 

. Bem, então fico feliz que você tenha entendido mal. Caso 
contrário, Ren talvez não estivesse aqui neste momento. 


Kishan suspirou. 

. Kelsey. 
. Não! É bom saber que você estaria disposto a sacrificá-lo! 


O Sr. Kadam se remexeu na cadeira. 

. Não teria sido uma decisão fácil para ele, Srta. Kelsey. 
Ensinei aos dois garotos que, embora cada indivíduo seja de grande 
importância, às vezes é necessário fazer sacrifícios pelo bem de todos. 
Se ele tivesse a oportunidade de livrar o mundo de Lokesh, sua 
primeira reação teria sido pôr fim à vida do tirano. O fato de ele ter se 



contido fala da profundidade da emoção que sentia no momento. Não 
faça mau juízo dele. 


Kishan se inclinou para a frente, juntando os dedos, e fitou o 
chão. 

. Eu sei quanto ele significa para você. Estou certo de que 
teria tomado a mesma decisão se soubesse que Lokesh estava falando 
de Ren e não de você. 
. Tem certeza disso? 


Ele ergueu os olhos para os meus e trocamos pensamentos 
silenciosos. Ele sabia o que eu estava perguntando. Havia mais em 
minha pergunta do que o Sr. Kadam e Nilima percebiam. Eu estava 
perguntando a Kishan se ele conscientemente deixaria o irmão 
morrer para se assegurar de que teria a vida que queria ter. Seria fácil 
para ele ocupar o lugar de Ren, caso o irmão não estivesse mais aqui. 
Eu estava lhe perguntando se ele era esse tipo de homem. 

Kishan me estudou, pensativo, por alguns segundos e então, 
com absoluta sinceridade, disse: 

. Eu prometo a você, Kelsey, que irei protegê-lo com a 
minha vida até o fim dos meus dias. 


Seus olhos dourados brilharam e perfuraram os meus. Ele 
falava sério e eu de repente percebi que ele havia mudado. Não era o 
mesmo homem que eu encontrara na selva um ano antes. Perdera a 
atitude cínica, rabugenta e triste. Era um homem lutando por sua 
família, por um propósito. Ele nunca mais cometeria o mesmo erro 
que cometera com Yesubai. Olhando em seus olhos, eu soube que, 
independentemente do que acontecesse em nosso futuro, eu poderia 
contar com ele para qualquer coisa. 

Pela primeira vez desde que o conhecera, vi o manto de um 
príncipe cair sobre seus ombros. Ali estava um homem que se 
sacrificaria pelos outros. Ali estava um homem que cumpriria seu 
dever. Ali estava um homem que reconhecia suas fraquezas e se 
esforçava para superá-las. Ali estava um homem me dizendo que eu 
poderia escolher outro e que ele cuidaria de nós e nos protegeria, 
mesmo que isso lhe partisse o coração. 

. Eu... peço desculpas por duvidar de você - gaguejei. - Por 
favor, me perdoe. 


Ele me dirigiu um sorriso triste. 

. Não há nada para perdoar, bilauta. 
. Posso continuar a história a partir daqui? - perguntei 
baixinho. 
. Por que não? - respondeu ele. 


A primeira coisa que contei a Nilima foi como usei o Fruto 
Dourado para deter os veículos, enchendo os tanques de gasolina com 
pão de ló, e as armas, obstruindo-as com cera de abelha. O problema 
era que isso só funcionara nas armas e nos carros que eu podia ver. 
Fora por isso que Lokesh conseguira escapar em seu carro e os 
homens que eu não podia ver ainda tinham armas que funcionavam. 

Descrevi a chuva de balas duras, como Lokesh escapara e como 
Fanindra nos levara até Ren. Então falei sobre o encontro comigo. 
Contei a ela que havia me disfarçado como o criado baiga que estava 
ajudando Lokesh, provável motivo por que Ren me deu um soco na 
cara. Expliquei que o criado havia sido forçado a trabalhar com 
Lokesh e que tinha tosquiado o cabelo como sinal de arrependimento, 
oferecendo-o a Ren ao implorar por seu perdão. 

Descrevi em grande detalhe o banquete baiga e contei a Nilima 
sobre as duas mulheres que foram oferecidas como esposas para os 
meus filhos. Ela revirou os olhos e se solidarizou comigo enquanto 
bebia seu néctar. Acrescentei que parecia que Kishan queria uma das 
irmãs como esposa, mas Ren havia discutido com ele. 

Kishan fez cara feia. 

. Eu lhe disse que não foi isso que aconteceu. 
. Então o que foi que aconteceu? 


Pelo canto do olho, peguei o Sr. Kadam mais uma vez 
sacudindo a cabeça discretamente e voltei-me rápida para ele. 

. O que foi agora? O que vocês dois não querem me dizer? 


O Sr. Kadam mais que depressa tentou me tranqüilizar. 

. Nada, Srta. Kelsey. É só que - ele fez uma pausa, pouco à 
vontade - foi considerado muito rude de nossa parte rejeitar as 



mulheres e os garotos estavam tentando demonstrar sua relutância a 
fim de apaziguar os líderes da tribo. 


-Ah. 

O Sr. Kadam e Kishan se fitaram. Kishan desviou o olhar com 
uma expressão de desagrado, irritação e impaciência. Olhei para 
Nilima, que parecia confusa. Ela observava o Sr. Kadam com atenção. 

. Está acontecendo alguma coisa estranha aqui - eu disse - e 
me sinto muito cansada para tentar descobrir o que é, mas tudo bem. 
Na verdade, não ligo mesmo para as duas mulheres. O assunto já foi 
encerrado. Temos Ren de volta e isso é tudo que importa. 


Nilima pigarreou e se levantou. Reuniu a louça e estava 
levando a bandeja para a cozinha, para lavá-la, quando Ren decidiu 
assumir a forma humana. Todos na sala se imobilizaram. Ele nos 
olhou, um de cada vez, e então sorriu para Nilima. 

. Posso ajudá-la com isso? - perguntou educadamente. 


Ela fez uma pausa e sorriu, assentindo com a cabeça. Todos 
nós o fitamos, em expectativa, esperando que falasse conosco, mas, 
em vez disso, ele ajudou Nilima a levar tudo para a cozinha em 
silêncio. Nós o ouvimos perguntar a ela se gostaria de ajuda com a 
louça. Ela disse que cuidaria disso sozinha e indicou que os outros, 
referindo-se a nós, provavelmente gostariam de conversar com ele um 
pouco. Ele entrou na sala, hesitante, e avaliou a expressão de nós três. 

Então se sentou perto de Kishan e disse em voz baixa: 

. Por que tenho a sensação de estar diante da Inquisição 
Espanhola? 
. Só queremos nos assegurar de que você está realmente 
bem - disse o Sr. Kadam. 
. Estou relativamente bem. 


Suas palavras pairaram no ar e imaginei que o restante de sua 
frase fosse para um homem que foi torturado durante meses. 

Eu me arrisquei: 

. Ren, eu sinto... tanto. Não devíamos tê-lo deixado lá. Se 
eu soubesse naquele momento que tinha o poder do raio, poderia tê-
lo salvado. Foi minha culpa. 



Ren estreitou os olhos e me estudou. 

. Você não teve culpa de nada, Kells - Kishan me 
contradisse. - Ele a empurrou para mim. Foi tudo decisão dele. Queria 
que você ficasse em segurança. - Ele fez um gesto de cabeça para Ren. 
- Diga a ela. 


Ren olhou para o irmão como se este estivesse falando alguma 
coisa sem sentido. 

. Eu não me lembro do episódio da mesma forma que você 
- observou ele -, mas se é o que diz... 


Ren deixou que suas palavras morressem e me olhou com 
curiosidade, mas não de uma forma positiva. Era como se eu fosse 
uma criatura estranha e nova que ele encontrara na selva e ainda não 
se decidira se devia me devorar ou brincar me jogando de uma pata 
para outra. Ao me estudar abertamente, ele franziu o nariz, como se 
farejasse alguma coisa desagradável, e então falou com o Sr. Kadam: 

. Obrigado por me salvar. Eu deveria saber que traçaria um 
plano para me libertar. 
. Na verdade, foi a Srta. Kelsey quem teve a idéia de que eu 
personificasse uma divindade. Sem o Lenço Divino que ela e Kishan 
foram buscar, não teríamos conseguido resgatar você. Eu não tinha a 
menor idéia de onde encontrá-lo. Somente por meio da visão, na qual 
estava o criado baiga, conseguimos descobrir onde Lokesh estava 
mantendo você. E apenas com as armas que nos foram dadas por 
Durga fomos capazes de dominar os guardas. 


Ren assentiu e sorriu para mim. 

. Parece que tenho com você uma dívida de gratidão. 
Obrigado por seus esforços. 


Alguma coisa estava errada. Ele não parecia o Ren que eu 
conhecia. Sua atitude em relação a mim era fria, distante. Kishan nem 
olhava para Ren. 

Ficamos todos ali, sentados em silêncio. A tensão, densa, 
propagava-se entre nós. De repente me vi invejando Nilima, que 
estava na cozinha. Havia certamente um problema no ar e em nada 
ajudava ver os três homens ali me olhando com perguntas e 

preocupação nos olhos. Primeiro eu precisava falar com Ren. Depois 
que tivéssemos nos entendido, eu passaria para Kishan. 

Ergui as sobrancelhas significativamente para o Sr. Kadam e 
ele enfim compreendeu minha mensagem não dita. Ele pigarreou e 
anunciou: 

. Kishan, você se importa de me ajudar a mudar um móvel 
de posição no meu quarto? E pesado demais para que eu o levante 
sozinho. 


Ren se levantou e disse: 

. Eu não me importo de ajudar. Kishan pode ficar. 


O Sr. Kadam sorriu. 

. Por favor, sente-se e descanse um pouco mais. Kishan e eu 
damos conta e acredito que a Srta. Kelsey gostaria de falar com você 
sozinho. 
. Eu acho que ainda não é seguro... - começou Kishan. 


Meus olhos estavam fixos em Ren. 

. Está tudo bem, Kishan. Ele não vai me machucar. 


Kishan se levantou e encarou Ren, que assentiu e disse: 

. Não vou machucá-la. 


Kishan suspirou, me pegou com cuidado e me acomodou no 
sofá, perto de Ren. Antes de sair, ele avisou: 

. Estarei por perto. Se precisar de mim, é só gritar. - Então 
voltou-se para Ren e ameaçou: - Não a machuque. Estarei de ouvidos 
atentos. 
. Você não vai ficar ouvindo nossa conversa - eu disse. 
. Vou, sim. 


Fechei a cara. Kishan me olhou enquanto saíam, mas eu o 
ignorei. Finalmente eu estava sozinha com Ren. Tinha tantas coisas 
para dizer a ele... só que não sabia como agir. Seus olhos azul-cobalto 
me avaliavam como se eu fosse um pássaro estranho que de repente 
pousasse em seu braço. Esquadrinhei seu rosto bonito e então falei: 

. Se não estiver muito cansado, gostaria de conversar com 
você um minuto. 



Ele deu de ombros. 

. Como quiser. 


Acomodei minha perna com cuidado na almofada de modo a 
ficar de frente para ele. 

. Eu... eu senti tanto a sua falta. - Ele ergueu uma 
sobrancelha. - Tenho tanta coisa para lhe dizer que não imagino nem 
por onde começar. Sei que está cansado e provavelmente ainda sente 
dor, portanto serei breve. Queria dizer que sei que você precisa de 
tempo para se recuperar e que entendo se preferir ficar sozinho agora. 
Mas estou aqui se precisar de mim. 


Respirei fundo e continuei: 

. Posso ser uma boa enfermeira, mesmo que você seja 
rabugento. Vou lhe trazer canja e biscoitos de chocolate com 
manteiga de amendoim. Vou ler Shakes- peare ou poemas ou o que 
você quiser. Podemos começar com O conde de Monte Cristo. - Tomei 
sua mão entre as minhas. - Por favor, é só você me dizer do que 
precisa e terei prazer em providenciar. 


Ele retirou a mão delicadamente e disse: 

. É muita gentileza sua. 
. Isso não tem nada a ver com gentileza. - Aproximei-me 
dele e segurei seu rosto entre as mãos. Ele respirou fundo quando eu 
disse: - Você é meu porto seguro. Eu te amo. 


Eu não queria pressioná-lo, mas precisava dele. Tínhamos 
ficado separados por muito tempo e finalmente ele estava aqui e eu 
podia tocá-lo. Inclinei-me para a frente e o beijei. Ele ficou rígido, 
surpreso. Meus lábios se uniram aos seus e senti a umidade das 
lágrimas em meu rosto. Envolvi seu pescoço com os braços e deslizei 
para mais perto até estar quase sentada em seu colo. 

Um de seus braços estava esticado, apoiado no sofá, atrás de 
nós, e sua outra mão descansava em sua coxa. Ele parecia distante. 
Não me abraçou nem correspondeu ao meu beijo. Beijei-lhe o rosto e 
enterrei o rosto em seu pescoço, inalando seu cheiro morno de 
sândalo. 

Depois de um momento, eu me afastei e deixei os braços 
caírem, desajeitados, no meu colo. Sua expressão de surpresa 
permaneceu. Ele tocou os próprios lábios e sorriu. 

. Esse, sim, é o tipo de boas-vindas que um homem gosta 
de receber. 


Eu ri, delirante de felicidade por ele estar de volta. Livrei-me 
das dúvidas e preocupações, percebendo que ele provavelmente só 
precisava de algum tempo para voltar a se sentir uma pessoa normal 
antes de poder fazer parte de um relacionamento outra vez. Ele 
gemeu de dor e eu me afastei para lhe dar mais espaço. Ele pareceu 
bem mais à vontade depois disso. 

- Posso lhe fazer uma pergunta? - disse ele. 

Tomei sua mão nas minhas e beijei sua palma. Ele observou 
minha atitude, intrigado, e retirou a mão. 

- Claro que pode - respondi. 

Ele estendeu a mão, puxando de leve minha trança, e girou a 
fita entre os dedos. 

- Quem é você? 

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