. Isso não tem graça, Ren. Como assim quem sou eu?
. Por mais que eu aprecie suas proclamações de devoção
eterna, acho que você deve ter batido a cabeça ao lutar com Lokesh.
Ou me confundido com outra pessoa.
. Confundido você com outra pessoa? Não mesmo. Você é
Ren, não é?
. Sim. Meu nome é Ren.
. Certo. Ren. O cara por quem estou loucamente
apaixonada.
. Como pode declarar seu amor por mim se eu nunca havia
posto os olhos em você?
. Você está com febre? - perguntei, tocando sua testa. -
Tem alguma coisa errada? Será que você bateu a cabeça?
Examinei seu crânio com os dedos, à procura de alguma
protuberância. Ele retirou delicadamente minhas mãos de sua cabeça.
. Eu estou bem, hã... Kelsey, não é? Não tem nada errado
com a minha cabeça e eu não estou com febre.
. Então por que não se lembra de mim?
. Provavelmente porque nunca a vi antes.
Não. Não. Não. Não. Não. Não! Isso não pode estar
acontecendo!
. Nós nos conhecemos há quase um ano. Você é meu... meu
namorado. Lokesh deve ter feito alguma coisa! Sr. Kadam! Kishan! -
gritei.
Kishan entrou correndo na sala, como se sua cauda estivesse
pegando fogo. Ele empurrou Ren, enfiando-se entre nós.
Rapidamente me pegou no colo e me colocou na cadeira mais
distante de Ren.
. O que foi, Kells? Ele machucou você?
. Não, não. Não foi nada disso. Ele não me conhece! Ele não
se lembra de mim!
Kishan desviou os olhos, com sentimento de culpa.
. Você sabia! Você sabia disso e escondeu de mim?
O Sr. Kadam entrou na sala.
. Nós dois sabíamos.
. O quê? E por que não me contaram?
. Não queríamos assustá-la. Pensamos que pudesse ser
apenas um problema temporário que se resolveria sozinho quando ele
ficasse bom- explicou o Sr. Kadam.
Apertei o braço de Kishan.
. Então, com as mulheres baigas...
. Ele queria aceitá-las como esposas - explicou Kishan.
. E claro. Agora tudo faz sentido.
O Sr. Kadam sentou-se perto de Ren.
. Você ainda não consegue se lembrar dela?
Ren deu de ombros.
. Eu nunca tinha visto esta jovem até ela, ou Kishan, eu
acho, surgir diante da minha jaula e me resgatar.
. Isso! Uma jaula. Foi numa jaula que nos vimos pela
primeira vez. Lembra? Você estava no circo. Era um tigre de circo e eu
desenhei você e li para você. Eu ajudei a libertá-lo.
. Lembro do circo, mas você nunca esteve lá. Lembro que
eu mesmo me soltei.
. Não. Você não podia. Se tivesse a capacidade de se
libertar, por que não teria feito isso séculos antes?
Ele franziu a testa.
. Não sei. Tudo de que me lembro é de sair da jaula, ligar
para Kadam e ele ir até lá para me trazer para a índia.
O Sr. Kadam o interrompeu.
. Você se lembra de ir ver Phet na selva? De discutir comigo
sobre levar a Srta. Kelsey com você?
. Eu me lembro de discutir com você, mas não sobre ela. Eu
discutia sobre ir ver Phet. Você não queria que eu perdesse meu
tempo, mas eu achava que não havia outro jeito.
Perturbada e emotiva, eu disse:
. E quanto a Kishkindha? Eu estava lá com você também.
. Eu me lembro de estar sozinho.
Confusa, perguntei:
. Como pode ser? Você se lembra do Sr. Kadam? E também
de Kishan? E de Nilima?
. Sim.
. Então só não reconhece a mim?
. Parece que sim.
. E quanto ao baile do dia dos namorados, a luta com Li, os
biscoitos de chocolate com manteiga de amendoim, os filmes a que
assistimos, a pipoca, o Oregon, as aulas na faculdade, a ida à
Tillamook? Tudo isso simplesmente... desapareceu?
. Não exatamente. Eu me lembro de lutar com Li, de comer
biscoitos, da Tillamook, de filmes e do Oregon, mas não me lembro
de você.
. Quer dizer que você foi para o Oregon sem nenhum
motivo?
. Não. Fui para cursar a faculdade.
. E o que você fazia no tempo livre? Quem estava com
você?
Ele franziu a testa, como se estivesse se concentrando.
. Ninguém a princípio e depois Kishan.
. Você se lembra de lutar com Kishan?
. Sim.
. Por que estavam lutando?
. Não consigo me lembrar. Ah, espere! Biscoitos. Brigamos
por causa de biscoitos.
As lágrimas afloraram aos meus olhos.
. Isso é uma piada cruel. Como uma coisa dessas pode ter
acontecido?
O Sr. Kadam se levantou e deu tapinhas em minhas costas.
. Não sei. Talvez seja apenas uma perda de memória
temporária.
. Acho que não - funguei, irritada. - E muito específico. É só
de mim que ele não se lembra. Foi Lokesh quem fez isso.
. Suspeito que a senhorita esteja certa, mas não vamos
perder as esperanças. Vamos lhe dar tempo suficiente para se
recuperar de seus ferimentos antes de nos preocuparmos demais. Ele
precisa descansar e podemos tentar apresentá-lo a coisas que irão lhe
reativar a memória. Enquanto isso vou entrar em contato com Phet
para ver se ele tem algum medicamento herbáceo que nos ajude neste
caso.
Ren ergueu uma das mãos.
. Antes que vocês todos me submetam a testes, ervas e
viagens pelos caminhos da memória, eu queria ter algum tempo para
mim.
Com isso, ele deixou a sala. Mais lágrimas encheram meus
olhos.
. Acho que eu também quero ficar um pouco sozinha -
gaguejei e saí mancando.
Quando cheguei à escada, após um avanço dolorosamente
lento, fiz uma pausa. Agarrei o corrimão com força, minha visão
embaçada pelas lágrimas. Senti uma mão em meu ombro e me virei
para enterrar o rosto molhado no peito de Kishan, soluçando. Eu
sabia que não era justo procurar consolo em Kishan e chorar por seu
irmão, mas não pude evitar.
Ele passou os braços sob meus joelhos e me pegou no colo.
Segurando-me junto ao peito, ele me carregou escada acima. Depois
de me deitar na cama, foi até o banheiro, voltou com uma caixa de
lenços de papel e a colocou na mesinha de cabeceira. Kishan
murmurou algumas palavras em híndi, tirou o cabelo do meu rosto,
depositou um beijo em minha testa e me deixou sozinha.
No fim da tarde, Nilima veio me ver.
Eu estava sentada numa poltrona no meu quarto, agarrada ao
meu tigre de pelúcia. Passara o dia chorando e dormindo. Ela me
abraçou e se sentou no sofá.
. Ele não me reconhece - murmurei.
. Dê um tempo a ele. Aqui, eu trouxe um lanche para você.
. Não estou com fome.
. Você também não comeu nada no café da manhã.
Fitei-a com os olhos lacrimejantes.
. Não consigo comer.
. Tudo bem.
Ela foi até o banheiro e voltou com minha escova de cabelo.
. Vai ficar tudo bem, Srta. Kelsey. Ele está de volta e vai se
lembrar de você.
Ela desfez a minha trança e começou a escovar meu cabelo em
movimentos longos e suaves. Aquilo me confortou e me fez lembrar
da minha mãe.
. Acha mesmo que ele vai?
. Acho. E mesmo que não recupere a memória, com certeza
vai se apaixonar por você outra vez. Minha mãe tem um ditado que
diz assim: "Um poço fundo nunca seca." Os sentimentos dele por você
são profundos demais para desaparecerem completamente, mesmo
numa época de estiagem como esta.
Ri em meio às lágrimas.
. Eu gostaria de conhecer sua mãe.
. Quem sabe um dia?
Ela me deixou sozinha então e, sentindo-me melhor, desci
lentamente ao primeiro andar.
Kishan andava de um lado para outro na cozinha. Ele parou
quando entrei e me ajudou a caminhar. Cobri com filme plástico os
pratos com a comida intocada que Nilima levara para mim,
colocando-os na geladeira.
. Seu tornozelo parece melhor - disse ele após uma breve
inspeção.
. O Sr. Kadam me fez colocar gelo e ficar com o pé para
cima o dia todo.
. Você está bem? - perguntou.
. É. Vou ficar bem. Não foi o reencontro que eu esperava,
mas é melhor do que achá-lo morto.
. Vou ajudar você. Podemos trabalhar com ele juntos.
Dizer isso deve tê-lo magoado. Mas eu sabia que ele faria isso.
Ele queria que eu fosse feliz e, se me ajudar a me reconcilar com Ren
me fizesse feliz, ele não pouparia esforços.
. Obrigada. Agradeço muito.
Dei um passo em sua direção e quase caí. Ele me segurou e me
puxou, hesitante, para os seus braços. Ele esperava que eu o
empurrasse como se tornara hábito para mim ultimamente, porém,
em vez disso, eu o abracei.
Ele acariciou minhas costas, suspirou e beijou-me a testa.
Nesse momento Ren entrou na cozinha. Fiquei rígida enquanto ele
nos olhava, esperando que reagisse ao fato de Kishan me tocar, mas
ele nos ignorou completamente, pegou uma garrafa de água e saiu
sem dizer palavra.
Kishan ergueu meu queixo com o dedo.
. Ele vai recuperar a memória, Kells.
. Certo.
. Quer assistir a um filme?
. Parece uma boa idéia.
. Ótimo. Mas um filme de ação. Nada daqueles seus
musicais.
Eu ri.
. Ação, é? Algo me diz que você iria gostar de Indiana Jones.
Ele passou o braço pela minha cintura e me ajudou a andar até
a sala de cinema da casa.
Só voltei a ver Ren tarde da noite. Ele estava sentado na
varanda olhando a lua. Eu me detive, perguntando-me se ele não
queria ficar sozinho. Então concluí que, se quisesse, era só me pedir
que o deixasse.
Quando abri a porta de correr e saí do quarto, ele inclinou a
cabeça, mas não se moveu.
. Incomodo? - perguntei.
. Não. Gostaria de se sentar?
. Sim.
Ele se levantou e educadamente me ajudou a me sentar diante
dele. Examinei o rosto de Ren. Suas contusões haviam quase
desaparecido e o cabelo fora lavado e cortado. Vestia roupas de grife
casuais, mas os pés estavam descalços. Arquejei quando os vi. Ainda
estavam roxos e inchados, o que significava que haviam sido
terrivelmente machucados.
. O que ele fez com seus pés?
Seus olhos seguiram o meu olhar e ele deu de ombros.
. Ele os quebrou repetidamente até parecerem sacos de
feijão inchados.
. Ah - eu disse, perturbada. - Posso ver suas mãos?
Ele as estendeu e eu as peguei delicadamente nas minhas,
examinando-as com cuidado. A pele dourada estava intacta e os
dedos, longos e retos. As unhas, que mais cedo estavam arrancadas e
cheias de sangue, agora se mostravam inteiras e saudáveis. Virei-lhe
as mãos e olhei a palma. Exceto por um talho na parte interna do
braço que terminava no pulso, pareciam sem danos. Uma pessoa
normal que tivesse tido as mãos quebradas em tantos lugares
provavelmente ficaria aleijada. No mínimo, os nós dos dedos repara-
dos estariam inchados e enrijecidos.
Traçando o talho levemente com o dedo, perguntei:
. E isto aqui?
. Isto foi de um experimento em que ele tentou drenar todo
o sangue do meu corpo para ver se eu sobreviveria. A boa notícia é
que sobrevivi. Mas ele ficou bastante aborrecido por ter sujado a
roupa toda de sangue.
Ele tirou as mãos das minhas bruscamente e estendeu os dois
braços ao longo do encosto do banco.
. Ren, eu...
Ele ergueu uma das mãos.
. Não precisa se desculpar, Kelsey. Não foi culpa sua.
Kadam me explicou tudo.
. O que ele disse?
. Disse que Lokesh estava na verdade atrás de você, que
queria o amuleto de Kishan que você usa agora e que, se eu não
tivesse ficado para trás para lutar, ele teria apanhado nós três.
-Ah.
Ele se inclinou para a frente.
. Fico feliz que ele tenha me levado e não a você. Você teria
morrido de uma forma horrível. Ninguém merece morrer assim.
. Você foi muito nobre.
Ele deu de ombros e olhou para as luminárias da piscina.
. Ren, o que ele... fez com você?
Ele se voltou para mim e baixou o olhar até meu tornozelo
inchado.
. Posso? Assenti.
Ele ergueu minha perna delicadamente e a colocou em seu
colo. Tocou a contusão arroxeada de leve e enfiou uma almofada
debaixo do pé.
. Sinto muito que você tenha se machucado. E uma pena
que não se cure tão rápido quanto nós.
. Você está se esquivando da minha pergunta.
. Algumas coisas neste mundo não devem ser ditas. Já é
ruim o bastante que uma pessoa tenha conhecimento delas.
. Mas falar ajuda.
. Quando eu me sentir pronto para falar, contarei a Kishan
ou a Kadam. Eles estão calejados por batalhas. Já viram muitas coisas
terríveis.
. Eu também estou calejada por batalhas. Ele riu.
. Você? Não, você é frágil demais para ouvir as coisas por
que passei. Cruzei os braços.
. Não sou assim tão frágil.
. Me desculpe. Eu a ofendi. Frágil não é a palavra certa.
Você é... pura demais, inocente demais, para ouvir essas coisas. Não
vou contaminar sua mente com pensamentos sobre o que Lokesh fez.
. Mas isso pode ajudá-lo.
. Você já sacrificou o bastante por mim.
. Tudo o que você passou foi para me proteger.
. Eu não me lembro disso, mas, se pudesse lembrar, tenho
certeza de que ainda me recusaria a lhe contar tudo.
. Provavelmente. Você pode ser muito teimoso.
. É. Certas coisas nunca mudam.
. Você está se sentindo bem para rever algumas
lembranças?
. Podemos tentar. Por onde você quer começar?
. Por que não começamos do início?
Ele assentiu e eu lhe falei sobre a primeira vez que o vi no circo
e sobre o trabalho que eu fazia com ele. Disse como ele escapou da
jaula e dormiu no feno e eu me culpei por não ter trancado a porta.
Contei-lhe sobre o poema do gato e sobre o desenho dele que fiz em
meu diário. O estranho era que ele se lembrava do poema. Até o
declamou para mim.
Quando terminei, uma hora havia se passado. Ele ouvira com
atenção e, no fim, assentiu com a cabeça. Parecia muito interessado
em meu diário.
. Posso lê-lo? - perguntou.
Mudei de posição, desconfortável.
. Acho que talvez ajude. Tem uns poemas seus nele e é um
bom registro de quase tudo que fizemos. Talvez reavive alguma coisa
na sua memória. Mas é melhor se preparar para muito
sentimentalismo feminino.
Ele ergueu uma sobrancelha e eu me apressei a explicar:
. Nós não tivemos um início romântico e tranqüilo. No
começo eu o rejeitei, então mudei de idéia, depois o rejeitei
novamente. Não foi a melhor das decisões, mas pensei que soubesse o
que estava fazendo na ocasião.
Ele sorriu.
. "Em tempo algum teve um tranqüilo curso o verdadeiro
amor."
. Quando você leu Sonho de uma noite de verão?
. Não li. Estudei um livro de frases famosas de Shakespeare
na escola.
. Nunca me contou isso.
. Ah, finalmente alguma coisa que eu sei e você não. - Ele
suspirou. - Essa situação é muito confusa para mim. Peço desculpas se
a magoo. Não é a minha intenção. O Sr. Kadam me contou que você
perdeu seus pais. É verdade?
Assenti com a cabeça.
. Imagine se não conseguisse se lembrar de seus pais. Se
tivesse ouvido histórias de um homem e uma mulher que se
dissessem seus pais, mas que fossem estranhos para você. Eles teriam
lembranças de você fazendo coisas de que você não se lembrava e
teriam expectativas em relação a você. Acalentariam sonhos para o
seu futuro, sonhos diferentes do que você talvez imagine para si
mesma.
. Seria muito difícil. Eu provavelmente duvidaria do que
estavam me dizendo.
. Exato. Principalmente se tivesse sido torturada física e
mentalmente por meses a fio.
. Entendi.
Eu me levantei, meu coração se partia mais uma vez. Ren
tocou minha mão quando passei.
. Não é minha intenção ferir seus sentimentos. Posso
imaginar muitas coisas piores do que me dizerem que tenho uma
namorada doce e gentil da qual não consigo me lembrar. Só preciso
de tempo para me acostumar à idéia.
. Ren? Você acha... quer dizer, existe alguma
possibilidade... será que você pode aprender... a me amar novamente?
Ele me olhou pensativo por um instante e disse:
. Eu vou tentar.
Assenti, em silêncio. Ele soltou minha mão e eu me fechei em
meu quarto.
Ele vai tentar.
Uma semana se passou com pouca ou nenhuma melhora. Ele
não conseguia se lembrar de nada a meu respeito, apesar dos esforços
de Kishan, do Sr. Kadam e de Nilima. Começou a perder a paciência
com todos, exceto com Nilima, com quem ele gostava de ficar.
Imaginei que ela o importunasse menos com aquela história. Ela não
me conhecia tão bem quanto os outros e falava de coisas de que
ambos se lembravam.
Fiz todos os pratos de que ele gostava no Oregon, inclusive
meus biscoitos de chocolate com manteiga de amendoim. Na
primeira vez que os comeu ele pareceu gostar, mas depois expliquei o
significado daqueles biscoitos e, na segunda vez, ele demonstrou
menos entusiasmo. Não queria que eu ficasse decepcionada pelo fato
de ele comer e isso não estimular sua memória. Kishan aproveitou sua
relutância e acabava sozinho com cada fornada que eu assava. Parei
de cozinhar logo depois disso.
Uma noite desci para jantar e deparei com todos me olhando,
ansiosos, na sala de jantar, que estava enfeitada com bandeirolas cor
de pêssego e marfim. Um grande bolo de várias camadas descansava
no centro de uma mesa lindamente decorada.
. Feliz aniversário, Srta. Kelsey! - exclamou o Sr. Kadam.
. É meu aniversário? Esqueci completamente!
. Quantos anos está fazendo, Kells? - perguntou Kishan.
. Hã... 19.
. Ah, ela ainda é um bebê, hein, Ren?
Ren assentiu e sorriu educadamente.
Kishan me deu um abraço.
. Fique sentada aqui enquanto vou pegar os presentes.
Kishan me ajudou a me sentar e então saiu para buscar os
presentes. O Sr. Kadam havia usado o Fruto Dourado para me
oferecer meu prato favorito: cheeseburger, batatas fritas e um
milkshake de chocolate. Cada um pôde escolher seus pratos favoritos
também e todos rimos e comentamos a escolha dos outros. Era a
primeira vez que eu ria em muito tempo.
Depois que terminamos o jantar, Kishan anunciou que era
hora da entrega dos presentes. Abri o pacote de Nilima primeiro. Era
um frasco de perfume francês muito caro, que fiz passar de mão em
mão.
Kishan cheirou e resmungou:
. O perfume natural dela é muito melhor.
Quando o frasco chegou a Ren, ele sorriu para Nilima e disse:
. Eu gosto.
O sorriso fácil desapareceu do meu rosto.
Em seguida, foi a vez do presente do Sr. Kadam. Ele deslizou
um envelope sobre a mesa e piscou para mim quando enfiei o dedo
sob a aba para abri-lo. Dentro havia a foto de um carro.
Eu a ergui.
. O que é isto?
. É um carro novo.
. Não preciso de um carro novo. Tenho o Porsche em casa.
Ele sacudiu a cabeça com tristeza.
. Não tem mais. Eu o vendi, assim como a casa, através de
outra organização. Lokesh sabia dela e poderia rastreá-la até nós,
então achei melhor não deixar vestígios.
Agitei a foto no ar e sorri.
. E que tipo de carro o senhor decidiu que eu preciso desta
vez?
. Nada de mais, de verdade. Só um veículo para levá-la
daqui para ali.
. Qual é o carro?
. Um McLaren SLR 722 Roadster.
. E muito grande?
. É um conversível.
. Cabe um tigre nele?
. Não. Só tem lugar para dois, mas os garotos agora são
humanos pela metade do dia.
. Custa mais de 30 mil dólares?
Ele se remexeu e tentou se esquivar:
. Sim, mas...
. Quanto mais?
. Muito mais.
. Muito quanto?
. Uns 400 mil a mais.
Meu queixo caiu.
. Sr. Kadam!
. Srta. Kelsey, eu sei que é uma extravagância, mas quando
o dirigir verá que vale cada centavo.
Cruzei as mãos diante do peito.
. Não vou dirigi-lo. Ele pareceu ofendido.
. Aquele carro foi feito para ser dirigido.
. Então que o senhor o dirija. Eu fico com o Jeep. Ele
pareceu tentado.
. Se isso a deixa feliz, podemos partilhá-lo. Kishan bateu
palmas.
. Mal posso esperar.
O Sr. Kadam sacudiu o dedo em sua direção.
. Ah, não! Você não. Vamos comprar para você um belo
sedã. Usado.
. Eu sou um bom motorista! - protestou Kishan.
. Precisa praticar mais. Eu os interrompi, rindo.
. Está bem. Quando o carro chegar, falaremos mais sobre
ele.
. O carro já está aqui, Srta. Kelsey. Está lá na garagem.
Talvez possamos dar uma volta mais tarde.
Seus olhos brilhavam de entusiasmo.
. Está bem, somente o senhor e eu. Obrigada pelo meu
presente extraordinário e maravilhosamente extravagante.
Ele assentiu, feliz.
. Muito bem. - Eu sorria. - Estou pronta para o próximo
presente.
. Abra o meu - disse Kishan.
Ele me entregou uma grande caixa branca amarrada com uma
fita azul de veludo. Eu a abri, tirei o delicado papel e toquei um tecido
azul sedoso. Eu me levantei e tirei o macio presente da caixa.
. Ah, Kishan! É lindo!
. Mandei fazer igual ao vestido que você usou no Bosque
dos Sonhos. Obviamente o Lenço não pôde copiar as flores de
verdade entremeadas no tecido e em vez disso incluiu flores
bordadas.
Delicadas flores azuis com caules e folhas de um verde suave
corriam ao longo da bainha e pela lateral até a cintura, e então
continuavam do outro lado até o ombro. Fadas aladas púrpura e
laranja empoleiravam-se nas folhas.
. Obrigada! Eu adorei!
Eu o abracei e lhe dei um beijo no rosto. Seus olhos dourados
cintilaram de prazer.
. Obrigada a todos!
. Hã... ainda tem o meu presente. Mas certamente não é tão
interessante quanto esses outros.
Ren empurrou um presente embrulhado às pressas em minha
direção e não viu meu sorriso tímido, pois olhou para as próprias
mãos.
O pacote continha algo mole e macio.
. O que será? Deixe-me adivinhar. Um gorro e luvas? Não,
eu não precisaria disso aqui na Índia. Ah, já sei, um lenço de seda!
. Abra para que possamos ver - disse Nilima.
Rasguei o papel de presente e pisquei algumas vezes.
O Sr. Kadam se inclinou para a frente.
. O que foi, Srta. Kelsey?
Uma lágrima rolou pelo meu rosto e rapidamente a enxuguei
com o dorso da mão e sorri.
. É um par de meias muito lindo.
Voltei-me pare Ren.
. Obrigada. Você devia saber que eu estava precisando.
Ren assentiu e empurrou o resto de comida de um lado para
outro no prato. Nilima pressentiu que havia alguma coisa errada,
apertou meu braço e disse:
. Quem quer bolo?
Abri um sorriso luminoso, tentando aliviar a atmosfera.
Nilima cortou o bolo enquanto o Sr. Kadam adicionava bolas
gigantes de sorvete a cada prato. Agradeci aos dois e comi um pedaço
de bolo.
. É de pêssego! Nunca tinha comido bolo de pêssego. Quem
o fez? O Fruto Dourado?
O Sr. Kadam estava ocupado servindo mais uma bola perfeita
de sorvete.
. Na verdade, Nilima e eu que fizemos - disse ele.
. O sorvete - eu sorri - é de pêssego e creme também?
O Sr. Kadam riu.
. É. Na verdade, é da fábrica que você adora. Tillamook, se
não estou enganado.
Comi outro pedaço do bolo.
. Bem que reconheci o sabor. E minha marca de sorvete
favorita. Obrigada por pensar em mim.
O Sr. Kadam sentou-se para saborear seu pedaço e disse:
. Ah, bem, não foi idéia minha. Isso está planejado há
muito... - Suas palavras morreram quando ele percebeu seu erro.
Então tossiu, constrangido, e gaguejou: - Bem, basta dizer que não foi
idéia minha.
- Ah.
Ele prosseguiu, pouco à vontade, tentando me distrair de
chegar à conclusão de que meu antigo Ren havia planejado uma festa
de aniversário de pêssegos e creme para mim com meses de
antecedência. O Sr. Kadam começou a me falar sobre o pêssego como
símbolo de vida longa na China e representação de boa sorte.
Eu me desliguei do que ele dizia. O bolo de repente ficou preso
na minha garganta. Bebi um pouco de água para fazê-lo descer.
Ren empurrava o sorvete de pêssego pelo prato.
. Ainda temos aquele sorvete de chocolate com manteiga
de amendoim? Não sou muito fã de pêssego com creme.
Levantei a cabeça e o olhei com choque e decepção. Ouvi o Sr.
Kadam lhe dizer que estava no freezer. Ren empurrou a sobremesa de
pêssego para o lado e saiu da sala. Eu fiquei ali sentada, imóvel, o
garfo a meio caminho da boca.
Esperei. Logo senti a onda avassaladora de dor me arrastar. No
meio do que deveria ser o céu, cercada pelas pessoas que eu amava,
celebrando o dia do meu nascimento, eu vivia meu próprio inferno.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Pedi licença, me levantei e saí
rapidamente. Kishan também ficou de pé, confuso.
Tentando inutilmente infundir entusiasmo na voz, perguntei
ao Sr. Kadam se podíamos dar a volta de carro no dia seguinte.
. É claro - disse ele baixinho.
Subindo a escada, ouvi Kishan ameaçar Ren. Desconfiado, ele
perguntou:
- O que foi que você fez?
- Eu não sei - foi a resposta sussurrada de Ren.
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