No dia seguinte acordei determinada a tentar fazer o melhor
com o que tinha. Não era culpa de Ren. Ele não sabia o que fazia nem
por que doía tanto em mim. Ele não se lembrava do que dissera sobre
meias nem de qual era o meu cheiro nem de escolher pêssegos e
creme em lugar de chocolate com manteiga de amendoim. É só uma
porcaria de sorvete! Quem se importa?
Ninguém se lembrava dessas coisas. A não ser eu. Saí para dar
uma volta no luxuoso conversível com o Sr. Kadam e tentei me sentir
feliz enquanto ele discorria sobre as características do automóvel. Eu
fingia participar, mas por dentro me sentia entorpecida. Estava
desesperada. Tinha a sensação de estar interagindo com um dublê de
Ren. Ele parecia o meu Ren e até podia falar como ele, mas faltava a
centelha. Alguma coisa estava fora do lugar.
Eu havia planejado me exercitar com Kishan quando chegasse
em casa, portanto troquei de roupa e atravessei a lavanderia,
descendo a escada até o dojo. Parei quando ouvi vozes discutindo.
Não era minha intenção ficar escutando, mas ouvi meu nome e não
consegui sair dali.
- Você a está magoando - disse Kishan.
- Acha que não sei disso? Eu não quero magoá-la, mas não
vou ser coagido a sentir algo que não sinto.
- Você não pode pelo menos tentar?
- É o que venho fazendo.
- Já vi você dar mais atenção a uma bola de sorvete do que a
ela.
Ren soltou um suspiro exasperado.
- Olhe, tem alguma coisa... perturbadora nela.
- Como assim?
- Na verdade, não sei descrever. É só que, quando estou
perto dela... mal posso esperar para me afastar. É um alívio quando
ela não está presente.
- Como pode dizer isso? Você a amava! Era mais
apaixonado por ela do que já foi por qualquer coisa em toda a sua
vida!
Ren falou com calma.
- Não consigo me imaginar sentindo isso por ela. Ela é legal
e bonitinha, mas é um pouquinho nova demais. Pena que não era por
Nilima que eu estava apaixonado.
Kishan respondeu indignado.
- Nilima! Ela é como uma irmã para nós! Você nunca
demonstrou nenhum sentimento especial por ela!
- É mais fácil ficar na companhia dela - Ren replicou
baixinho. - Ela não me olha com aqueles olhos castanhos enormes
cheios de mágoa.
Os dois irmãos ficaram em silêncio por um minuto. Eu havia
mordido o lábio com força e senti o gosto de sangue, mas a dor não
me afetava.
- Kelsey é tudo que um homem pode desejar - Kishan falou
com intensidade. - Ela é perfeita para você. Ela ama poesia e fica feliz
ouvindo-o cantar e tocar seu violão por horas a fio. Esperou meses
para que você fosse atrás dela e arriscou a vida repetidamente para
salvar esse seu pelo branco sarnento. Ela é doce, amorosa, afetuosa e
linda, e o faria imensamente feliz.
Fez-se uma pausa. Então ouvi Ren dizer, incrédulo:
- Você está apaixonado por ela.
Kishan não respondeu de imediato, mas, quando falou, sua voz
era praticamente um sussurro e quase não pude ouvi-lo.
- Nenhum homem em seu juízo perfeito não estaria, o que
prova que você não está em seu juízo perfeito.
- Talvez eu me sentisse grato a ela e tenha permitido que
ela acreditasse que a amava - disse Ren, pensativo -, mas não sinto
isso por ela agora.
- Acredite em mim. Não era gratidão o que você sentia por
ela. Você se consumiu por ela durante meses. Andou de um lado para
outro em seu quarto até fazer um buraco no tapete. Escreveu
milhares de poemas de amor descrevendo a beleza dela e quanto você
se sentia infeliz depois que ela se foi. Se não acredita em mim, vá até
seu quarto e leia você mesmo.
- Já li.
- Então qual é o seu problema? Eu nunca o vi mais feliz em
sua porcaria de vida do que quando estava com ela. Você a amava e
era verdadeiro.
- Eu não sei! Talvez o fato de ser torturado repetidamente
tenha causado isso. Talvez Lokesh tenha plantado alguma coisa no
meu cérebro que a destruiu para sempre em minha memória. Quando
ouço seu nome ou sua voz, eu me encolho. Fico na expectativa de
sentir dor. Eu não quero isso. Não é justo com nenhum de nós. Ela
não merece que mintam para ela. Mesmo que eu pudesse aprender a
amá-la, a tortura ainda estaria lá, no fundo da minha mente. Todas as
vezes que olho para ela, vejo Lokesh me interrogando, sempre me
interrogando. Me machucando por causa de uma garota que eu não
conhecia. Não posso fazer isso, Kishan.
- Então... você não a merece.
Houve uma longa pausa.
- Não, acho que não.
Mordi minha mão para reprimir um soluço e arquejei. Eles me
ouviram.
- Kells? - chamou Kishan.
Subi os degraus correndo.
- Kells! Espere!
Ouvi Kishan me seguindo e subi a escada o mais rápido que
pude. Eu sabia que, se não corresse, um deles me alcançaria. Batendo
a porta da lavanderia ao passar, disparei pelo outro lance de escada,
entrei no meu banheiro e fechei a porta. Rastejei para dentro da
banheira vazia e puxei os joelhos até o queixo. Uma variedade de
batidas soou na porta - algumas gentis, algumas insistentes e ásperas,
outras que mal se ouviam. Todos pareceram se revezar. Até mesmo
Ren. Por fim, eles me deixaram em paz.
Levei a mão ao peito. O elo entre nós havia se quebrado. O
lindo buquê de lírios-tigres que eu havia cultivado com todo o
cuidado desde a ausência de Ren secou. Meu coração estava
devastado por uma seca impiedosa. Uma a uma, as pétalas macias e
perfumadas murcharam e caíram.
Por mais que eu as adulasse, podasse, regasse ou cortasse, nada
conseguiria salvá-las. Era inverno. Os caules enfraqueceram. As flores
se consumiram. Pétalas velhas, ressecadas, foram esmagadas até se
tornarem pó e então foram levadas por um vento forte. Tudo que
restou foram alguns tocos marrons - uma triste lembrança de um
arranjo que já fora precioso e inestimável.
Mais tarde naquela noite, saí do meu quarto, calcei meus tênis
e peguei as chaves do meu carro novo. Sem que me vissem, deixei a
casa em silêncio e escorreguei para o assento de couro macio.
Disparando pela estrada com a capota baixada, segui até chegar a um
mirante no topo de uma colina que dava para o vale amplo e
arborizado lá embaixo. Reclinando o assento, me recostei, olhei as
estrelas e pensei nas constelações.
Meu pai uma vez me falara sobre a Estrela do Norte. Ele tinha
dito que os marinheiros podiam sempre contar com ela, que ela
nunca falhava. Estava sempre lá, sempre digna de confiança. Qual era
mesmo o outro nome por que era conhecida? Ah, Polaris. Procurei a
Ursa Maior, mas não consegui encontrá-la. Lembrei-me de papai
explicando que ela só era visível no hemisfério norte. Ele dizia que
não havia nenhuma constelação como ela no hemisfério sul. Tratava-
se de um fenômeno celestial único.
Ren certa vez dissera que era tão constante quanto a Estrela do
Norte. Ele havia sido minha Polaris. Agora eu não tinha um centro.
Nenhum guia. Senti o desespero, sorrateiro, ir tomando conta de mim
novamente. Então uma voz minúscula dentro de mim, com um
humor sarcástico semelhante ao da minha mãe, me lembrou: Só
porque você não pode ver a estrela, não significa que ela não esteja lá.
Talvez esteja oculta da visão por um tempo, mas pode ter certeza de
que ela ainda brilha em algum lugar.
Talvez algum dia eu encontrasse aquela centelha novamente.
Talvez eu desperdiçasse minha vida à sua procura. Eu estava à deriva
num oceano de solidão. Um marinheiro sem uma estrela para seguir.
Será que eu poderia ser feliz sem ele? Eu não queria nem considerar
essa possibilidade.
Eu já tinha vivido a perda. Meus pais haviam partido. Ren... se
fora. Mas eu ainda estava ali. Ainda tinha coisas a realizar. Tinha um
trabalho a fazer. Eu já havia conseguido uma vez e podia conseguir de
novo. Atravessaria a dor e seguiria com a vida. Se eu pudesse
encontrar o amor ao lado de alguém no caminho, que fosse. Se não
pudesse, então faria o melhor possível para ser feliz sozinha. Eu tinha
sofrido sem Ren antes e sofreria outra vez agora, mas sobreviveria.
Não tenho como negar que o amei e ainda o amo, refleti, mas
existem muitas razões para ser feliz. O Mestre do Oceano afirmou que
o propósito da vida é ser feliz. A Divina Tecelã me disse que não me
deixasse abater quando o padrão não parecesse adequado. Ela disse que
eu deveria esperar, observar e ser paciente e dedicada.
Os fios da trama da minha vida estão todos misturados e
embolados. Não sei se um dia vou conseguir desembaraçá-los. Neste
momento o tecido da minha existência está muito mal-ajambrado. A
única coisa que posso fazer é me agarrar à fé, acreditando que um dia
verei a luz daquela estrela brilhante novamente.
Uma vez eu disse a Ren que nossa história não tinha acabado.
E não acabou.
Ainda não.
Agora estou triste...mas esse final me deu muitas esperanças 😆Ameii o blog!!por favor continue postando!
ResponderExcluirBem, agora estou chorando,mais não vejo a hora de ir para o próximo!
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