quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Capítulo 17 - Um Começo

- Srta. Kelsey! - o Sr. Kadam me cumprimentou
calorosamente. - Também estou feliz em vê-la! Espero que os meninos tenham cuidado bem de você!

Ren bufou e encontrou um lugar na sombra para descansar.


- Cuidaram, sim. Estou bem.


O Sr. Kadam me levou até um tronco perto de sua fogueira.


- Sente-se aqui e descanse enquanto arrumo as coisas.


Fiquei comendo um biscoito enquanto observava o Sr.

Kadam andar de um lado para outro desarmando a barraca e
empacotando seus livros. Seu acampamento era tão bem
organizado quanto eu esperava. Ele usara a traseira do Jeep
para guardar os livros e outros materiais de estudo. Uma
fogueira crepitava e ele tinha bastante madeira empilhada ao
lado. A barraca parecia cara, pesada e muito mais complicada
de armar do que a minha. Ele contava até com uma
escrivaninha dobrável coberta por papéis mantidos no lugar
por pedras limpas e lisas.

Eu me levantei e olhei os papéis, curiosa.


- Sr. Kadam, estas são as traduções da profecia de Durga?


Ouvi um grunhido e um leve silvo quando o Sr. Kadam

puxou uma pesada estaca do chão. A barraca subitamente se
dobrou, formando uma pilha de lona verde. Ele se ergueu para
responder à minha pergunta.

- Sim. Comecei a trabalhar na tradução do monólito.

Estou achando que precisamos ir para Hampi. Também já
tenho uma ideia melhor do que estamos procurando.

Apanhei suas anotações. A maior parte delas não estava

escrita em inglês. Enquanto eu bebia água, minha mão se
dirigiu ao amuleto que Kishan tinha me dado.

- Sr. Kadam, Kishan me deu seu pedaço do amuleto,

na esperança de que ele vá me proteger. O seu o protege? O
senhor ainda pode ser ferido?

Ele terminava de guardar a barraca embalada no Jeep.

Então se recostou no pára-choque e disse:

- O amuleto ajuda a me proteger de ferimentos

graves, mas eu ainda posso me cortar ou cair e torcer o tornozelo.

O Sr. Kadam esfregava a barba aparada, pensativo:


- Eu já tive mal-estares, mas não doenças graves.

Meus cortes e contusões saram rapidamente, embora não tão
rapidamente quanto os de Ren e Kishan.

Ele pegou o amuleto que pendia do meu pescoço e o

examinou com atenção.

- Os diferentes pedaços podem ter propriedades

diferentes. Não sabemos de fato a extensão de seu poder. Trata-
se de um mistério que pretendo solucionar um dia. O
importante, porém, é não correr riscos. Se alguma coisa
parecer perigosa, evite-a. Se algo a perseguir, corra. Entendeu?
- Entendi.

Ele soltou o amuleto e voltou a guardar as coisas no Jeep.


- Fico feliz que Kishan tenha concordado em deixá-lo com você.

- Concordado? Pensei que fosse idéia dele.
- Não. A verdadeira razão de Ren querer parar aqui
era conseguir o amuleto. Não iria embora sem convencer Kishan a deixá-la ficar com ele.

Confusa, eu disse:


- Pensei que estivéssemos tentando convencer Kishan a se juntar a nós.


O Sr. Kadam sacudiu a cabeça, com tristeza.


- Sabíamos que havia pouca esperança de que isso

acontecesse. Kishan tem se mostrado indiferente a todos os
esforços que fiz para recrutá-lo para nossa causa. Ao longo dos
anos tentei convencê-lo a sair da selva e levar uma vida mais
confortável na casa, mas ele prefere ficar aqui.

Assenti.


- Ele está se punindo pela morte de Yesubai.


O Sr. Kadam me olhou, surpreso.


- Ele falou sobre isso com você?


- Sim. Ele me contou o que aconteceu quando

Yesubai morreu. Ainda se culpa. E não só pela morte dela como
também pelo que aconteceu com ele e com Ren. Eu me sinto muito triste por Kishan.
- Para uma pessoa tão jovem, a senhorita é muito
compassiva e perspicaz. Que bom que Kishan confiou em você.
Ainda há esperanças para ele.

Ajudei-o a reunir seus papéis e guardar a mesa e a

cadeira dobráveis. Quando acabamos, bati levemente no ombro
de Ren para avisá-lo que estávamos prontos para partir. Ele se
levantou devagar, arqueou as costas, contraiu a cauda e então
enroscou a língua em um bocejo gigante. Depois de esfregar a
cabeça na minha mão, ele me seguiu até o Jeep. Sentei-me no
banco do carona, deixando a porta de trás aberta para que Ren
se esparramasse no banco.

De volta à estrada, o Sr. Kadam parecia até gostar de

ziguezaguear pela trilha de obstáculos de cepos de árvores,
arbustos, pedras e buracos. Os amortecedores do Jeep eram
excelentes, mas eu ainda tinha que me segurar com força na
alça da porta e me firmar no painel para não bater a cabeça no
teto. Por fim, nos vimos outra vez no asfalto liso, seguindo para sudoeste.

O Sr. Kadam me incitou:


- Fale-me sobre sua semana com dois tigres.


Espiei Ren no banco de trás. Ele parecia estar

cochilando, por isso resolvi começar a lhe contar sobre a
caçada. Depois voltei no tempo e falei sobre todo o resto. Bem,
quase todo o resto. Não mencionei o episódio do beijo. Não que
eu pensasse que o Sr. Kadam não entenderia; na verdade, acho
que teria entendido. Mas, como não dava para saber se Ren
estava mesmo dormindo no banco de trás e eu ainda não estava
pronta para partilhar meus sentimentos, deixei essa parte de fora.

O Sr. Kadam estava interessado em saber

principalmente de Kishan. Ele tinha ficado chocado quando o
príncipe mais jovem saíra da floresta pedindo mais comida
para mim. Disse que Kishan aparentemente não ligava para
nada nem ninguém desde que os pais morreram.

Eu lhe contei que Kishan ficara comigo por cinco dias

enquanto Ren caçava e que conversamos sobre como ele
conheceu Yesubai. Tentei manter a voz baixa enquanto falava
sobre ela, para não aborrecer Ren.

Dava para ver que o Sr. Kadam sabia mais coisas e

poderia ter preenchido algumas lacunas para mim, mas
percebi que não daria informações sem necessidade. Ele era o
tipo de homem que sabia guardar segredos. Esse seu traço
funcionava tanto a meu favor como contra mim. Por fim,
mudei o assunto para a infância de Ren e Kishan.

- Ah, os garotos eram o orgulho e a alegria dos pais:

príncipes reais com um dom para se meterem em encrencas e
saírem delas com a ajuda de seu charme. Eles podiam ter tudo
que o quisessem, mas precisavam se esforçar para merecer.

O Sr. Kadam sorria ao relembrar a infância dos irmãos.


- Deschen, a mãe, era pouco convencional para os

padrões da Índia. Ela os levava, disfarçados, para brincar com
crianças pobres. Queria que os filhos fossem abertos a todas as
culturas e práticas religiosas. O casamento com o pai deles, o
rei Rajaram, foi a união de duas culturas. Ele a amava e fazia
suas vontades, não se importando com o que as outras pessoas
pensavam. Os meninos foram criados com o melhor de ambos
os mundos. Eles estudaram de tudo, de política e conflitos
armados a pastoreio e colheitas. Receberam treinamento nas
armas indianas e também tiveram acesso aos melhores
professores de toda a Ásia.
- Eles faziam outras coisas? Como adolescentes comuns?
- Que tipo de coisas?

Eu me encolhi, nervosa.


- Eles... namoravam?


O Sr. Kadam arqueou uma sobrancelha, curioso.


- Não. Certamente não. Antes de a senhorita me

contar aquela história, eu nunca tinha ouvido falar que um dos
dois houvesse dado uma escapada romântica. Na verdade, eles
não tinham tempo para isso e, de qualquer forma, os dois iam
mesmo ter casamentos arranjados.

Descansei a cabeça no encosto do banco depois de

recliná-lo um pouco. Tentei imaginar como era a vida deles.
Devia ser difícil não ter escolhas, mas, por outro lado, eles eram
privilegiados quando outras pessoas tinham muito menos.
Ainda assim, a liberdade de escolha era algo que eu prezava.

Não demorou muito para que meus pensamentos se

tornassem nebulosos e meu corpo cansado me levasse a um
sono profundo. Quando acordei, o Sr. Kadam me entregou um
sanduíche e um copo grande de suco de fruta.

- Coma alguma coisa. Vamos pernoitar em um hotel

para que você tenha uma boa noite de sono em uma cama confortável, para variar.
- E quanto a Ren?
- Escolhi um hotel que fica perto da selva. Podemos
deixá-lo ali e apanhá-lo quando estivermos partindo.
- E as armadilhas para tigres?

O Sr. Kadam riu.


- Ele lhe contou sobre isso, não foi? Não se preocupe,

Srta. Kelsey. Ele não vai cometer o mesmo erro duas vezes. Não
existem animais grandes nesta área, portanto a gente da cidade
não vai procurar por ele. Se Ren agir com discrição, não vai ter problemas.

Uma hora depois, o Sr. Kadam parou perto de um

trecho denso da selva nos arredores de uma cidadezinha, para
que Ren saltasse. Seguimos até um vilarejo movimentado com
pessoas vestidas de tons vibrantes e casas coloridas e
estacionamos na frente do hotel.

- Não é um cinco estrelas - explicou o Sr. Kadam - mas tem lá os seus encantos.


O Sr. Kadam se aproximou do balcão da recepção do

hotel enquanto eu perambulava por ali, examinando os
interessantes produtos à venda numa loja de conveniência.
Encontrei barras de chocolate e refrigerantes americanos
misturados a doces incomuns e picolés de sabores exóticos.

Ele pegou nossas chaves e comprou dois refrigerantes e dois picolés.


O hotel cor de menta de dois andares tinha um portão

de ferro batido, um pátio de concreto e arremates rosa-
flamingo. Meu quarto tinha uma cama de casal. Uma cortina
colorida escondia um pequeno closet com alguns cabides de
madeira. Uma bacia e um jarro de água fresca, assim como um
par de canecas de cerâmica, descansavam sobre a mesa. Em vez
de um aparelho de ar condicionado, um ventilador rodava
preguiçosamente no teto, mal movimentando o ar quente. Não
havia banheiro. Todos os hóspedes tinham que compartilhar as
instalações no primeiro piso. As acomodações eram simples,
mas ainda assim ganhavam facilmente da selva.

Depois de me ver acomodada e de me entregar a chave,

o Sr. Kadam disse que iria me pegar para jantarmos dali a três
horas e então se retirou.

Ele mal havia passado pela porta quando uma mulher

indiana, vestindo uma camisa laranja esvoaçante sobre uma
saia branca, veio recolher minhas roupas sujas. Pouco depois,
ela voltava com as roupas lavadas e as pendurava no varal
diante da minha porta. As peças adejavam tranquilamente na
brisa e eu dormi ouvindo os ruídos relaxantes do lugar.

Depois de um breve cochilo e de esboçar alguns

desenhos de Ren como tigre, eu trancei o cabelo e o prendi com
uma fita vermelha para combinar com a saia também
vermelha. Tinha acabado de calçar os tênis quando o Sr.
Kadam bateu à porta.

Ele me levou para jantar no que disse ser o melhor

restaurante da cidade: A Flor de Manga. Tomamos um pequeno
barco-táxi, atravessamos o rio e caminhamos até uma
construção que parecia uma casa de fazenda, cercada por
bananeiras, palmeiras e mangueiras.

Fomos conduzidos até os fundos e passamos por um

caminho calçado de pedras que levava a uma impressionante
vista do rio. Pesadas mesas de madeira com tampos polidos e
lisos e bancos de pedra espalhavam-se por todo o pátio.
Lanternas de ferro trabalhado montadas no canto de cada mesa
constituíam a única fonte de luz disponível. Um arco de tijolos
à direita era coberto por jasmins brancos que perfumavam o ar noturno.

- Que lugar lindo, Sr. Kadam!

- Foi o recepcionista do hotel que o recomendou.
Pensei que você gostaria de uma boa refeição, já que está
comendo rações do exército há uma semana.

Deixei que o Sr. Kadam fizesse o meu pedido, pois eu

não tinha a menor idéia do que dizia o cardápio. Saboreamos
um jantar de arroz basmati, legumes grelhados, saag de frango
- que vinha a ser frango cozido com creme de espinafre um
peixe branco com chutney de manga, bolinhos pakora de
legumes, camarões ao coco, pão naan e uma espécie de
limonada que levava uma pitada de cominho e de hortelã
chamada jal jeera. Beberiquei a limonada, achei que era um
pouquinho temperada demais para o meu gosto e terminei
bebendo bastante água.

Quando começamos a comer, perguntei ao Sr. Kadam o

que mais ele aprendera sobre a profecia.

Ele limpou a boca com o guardanapo, tomou um gole de água e disse:


- Creio que o que vocês estão procurando seja

chamado de o Fruto Dourado da Índia. - Ele se aproximou um
pouco mais e baixou a voz. - A história do Fruto Dourado é
uma lenda muito antiga esquecida pela maior parte dos
eruditos modernos. Trata-se supostamente de um objeto de
origem divina dado a Hanuman para que ele o guardasse e
protegesse. Quer que eu lhe conte a história?

Bebi minha água e assenti.


- A Índia já foi uma vasta terra estéril,

completamente inabitável. Era cheia de serpentes de fogo,
grandes desertos e feras selvagens. Então os deuses e deusas
vieram e o aspecto da terra mudou. Eles criaram o homem e
deram à humanidade dádivas especiais, sendo o Fruto Dourado
a primeira delas. Quando ele foi plantado, uma árvore imensa
nasceu, depois vieram os frutos e suas sementes foram
recolhidas e espalhadas por toda a índia, transformando-a em
uma terra fértil capaz de alimentar milhões de pessoas.

- Mas, se o Fruto Dourado foi plantado, ele não teria

desaparecido ou se transformado nas raízes da árvore?
- Um dos frutos daquela primeira árvore
amadureceu rapidamente e se tornou dourado. Ele foi colhido e
escondido por Hanuman, o rei de Kishkindha, metade homem,
metade macaco. Enquanto o fruto estiver protegido, o povo da Índia terá alimento.
- Então é esse o fruto que precisamos encontrar? E
se Hanuman ainda o estiver protegendo e nós não
conseguirmos chegar até ele?
- Hanuman guardou o fruto em sua fortaleza e o
cercou de servos imortais para vigiá-lo. Não sei muito sobre o
tipo de barreiras que seriam erguidas para deter vocês.
Suponho que haverá mais do que uma armadilha projetada
para tirá-los de seu caminho. Por outro lado, você é a protegida
de Durga e portanto contará com a ajuda dela.

Esfreguei minha mão distraidamente. Ela formigava. O

desenho de hena desbotara, mas eu sabia que ele ainda estava
ali. Bebi minha água.

- O senhor acha mesmo que vamos encontrar

alguma coisa? Quer dizer, acredita mesmo nessas coisas?

- Não sei. Espero que seja verdade, para que os tigres

sejam libertos. Tento manter a mente aberta. Sei que existem
poderes que não sou capaz de compreender e coisas que nos
moldam e que não podemos ver. Eu não deveria estar vivo, mas
de alguma forma estou. Ren e Kishan estão aprisionados em
uma espécie de magia e é meu dever ajudá-los.

Devo ter demonstrado minha angústia, porque ele deu

tapinhas em minha mão e disse:

- Não se preocupe. Tenho um forte pressentimento

de que tudo vai dar certo no fim. É a fé que me mantém
concentrado em nosso objetivo. Tenho grande confiança em
você e em Ren, e acredito, pela primeira vez em séculos, que há esperança.

Ele bateu as mãos e esfregou uma palma na outra.


- Então, vamos voltar nossa atenção para a sobremesa?


Ele pediu kulfi para nós dois e explicou que se tratava

de um sorvete feito com creme de leite fresco e nozes. Era
refrescante em uma noite quente, embora não tão doce nem tão
cremoso quanto o sorvete americano.

Após o jantar, caminhamos até o barco, conversando

sobre Hampi. O Sr. Kadam sugeriu que visitássemos um templo
local dedicado a Durga antes de nos aventurarmos nas ruínas à
procura do portão para Kishkindha.

Passeávamos lentamente, atravessando a cidade na

direção do mercado, quando o Sr. Kadam e eu avistamos nosso
hotel verde menta. Ele se voltou para mim com uma expressão acanhada e disse:

- Espero que me perdoe por escolher esse hotel um

tanto humilde. Eu queria ficar na cidadezinha mais próxima à
selva para o caso de Ren precisar de mim. Ele pode nos
alcançar aqui rapidamente se for preciso e eu me sinto mais
seguro com ele por perto.
- Imagine, Sr. Kadam. Depois de ficar uma semana
na selva, esse hotel parece mais do que luxuoso.

Ele riu e assentiu com a cabeça. Passamos por diferentes

quiosques e o Sr. Kadam comprou frutas para o café da manhã
e um tipo de bolo de arroz envolto em folhas de bananeira.
Parecia aquele do almoço que Phet preparara para mim, mas o
Sr. Kadam me garantiu que era doce e não condimentado.

Depois de me aprontar para dormir, afofei o travesseiro,

puxei minha colcha recém-lavada e seca sobre o colo e pensei
em Ren lá na selva sozinho. Senti culpa por estar no hotel e ele
lá fora. Além disso, eu tinha saudade dele e me sentia solitária.
Gostava de tê-lo por perto. Suspirando profundamente, desfiz
minha trança, me deitei e mergulhei em um sono leve.

Por volta da meia-noite, uma batida suave na porta me

acordou. Hesitei em abri-la. Era tarde e certamente não poderia
ser o Sr. Kadam. Fui até a porta, pousei a mão silenciosamente nela e fiquei escutando.

Houve uma batida abafada novamente e ouvi uma voz familiar sussurrar:


- Kelsey, sou eu.


Destranquei a porta e espiei lá fora. Ren estava parado

ali, vestido com suas roupas brancas, descalço, com um sorriso
triunfante no rosto. Puxei-o para dentro e murmurei:

- O que está fazendo aqui? É perigoso vir à cidade!

Você podia ter sido visto e eles mandariam caçadores atrás de você!

Ele deu de ombros e sorriu.


- Senti saudade de você.


Minha boca se contraiu em um meio sorriso.


- Eu também.


Ele apoiou o ombro, indiferente, na moldura da porta.


- Isso significa que você vai me deixar ficar aqui? Eu

durmo no chão e vou embora antes de amanhecer. Ninguém vai me ver.

Soltei um suspiro profundo.


- Certo, mas prometa que vai embora cedo. Não

gosto que você se arrisque assim.
- Prometo. - Ele se sentou na cama, pegou minha
mão e me puxou para me sentar ao lado dele. - Não gosto de dormir na selva escura sozinho.
- Eu também não gostaria.

Ele olhou para nossas mãos entrelaçadas.


- Quando estou com você, me sinto humano

novamente. Quando estou lá fora sozinho, eu me sinto uma fera, um animal.

Seus olhos encontraram os meus e eu apertei sua mão.


- Eu entendo. Está tudo bem. De verdade.


Ele sorriu.


- Foi difícil rastrear vocês, sabia? Para minha sorte,

resolveram sair para jantar, assim pude seguir o cheiro de vocês até aqui.

Algo na mesinha de cabeceira chamou sua atenção.

Inclinando-se por trás de mim, ele estendeu a mão e pegou
meu diário aberto. Eu havia feito um novo desenho de um tigre
- o meu tigre. Meus desenhos no circo eram satisfatórios, mas
este último era mais pessoal e cheio de vida. Ren ficou
olhando-o por um momento enquanto minhas bochechas mudavam de cor.

Ele traçou o desenho do tigre com o dedo e então sussurrou:


- Um dia eu vou lhe dar um retrato do meu eu verdadeiro.


Deixando o diário de lado com cuidado, ele tomou

minhas mãos nas dele, virou-se para mim com uma expressão intensa e disse:

- Não quero que você veja apenas um tigre quando

olha para mim. Quero que veja a mim: o homem.

Estendendo a mão, ele quase tocou o meu rosto, mas, a

meio caminho, se deteve e recolheu a mão.

- Venho usando a face do tigre há tempo demais. Ele

roubou a minha humanidade.

Assenti enquanto ele apertava minhas mãos e dizia bem baixinho:


- Kells, eu não quero mais ser ele. Quero ser eu

mesmo. Quero ter uma vida.
- Eu sei - falei com delicadeza. Ergui a mão e acariciei seu rosto. - Ren, eu...

Fiquei paralisada quando ele levou minha mão

lentamente aos lábios e beijou sua palma. Minha mão
formigava. Seus olhos azuis esquadrinhavam meu rosto
desesperadamente, querendo, precisando que eu lhe desse algo.

Eu queria dizer algo que o tranquilizasse. Queria lhe

oferecer conforto. Mas não conseguia reunir as palavras. Sua
súplica me comoveu. Senti uma ligação profunda com ele, uma
forte conexão. Queria ajudá-lo, queria ser sua amiga e queria...
talvez algo mais. Tentei identificar minhas reações. O que eu
sentia por ele parecia complicado demais para definir, mas
logo se tornou óbvio para mim que a emoção mais forte que eu
sentia, a que estava agitando meu coração, era... amor.

Eu havia construído uma represa em torno do meu

coração depois que minha família morreu. Não me permitira
amar ninguém porque temia que essa pessoa fosse tirada de
mim outra vez. Intencionalmente, evitava laços estreitos. Eu
gostava das pessoas e tinha muitas amizades, mas não me arriscava a amar.

A vulnerabilidade dele me permitiu baixar a guarda e,

de maneira delicada e metódica, ele derrubou minha bem
construída barragem. Ondas de ternura batiam nas bordas do
muro e se introduziam furtivamente nas rachaduras. Os
sentimentos transbordaram e caíram sobre mim. Era assustador
me abrir para amar alguém novamente. Meu coração batia
com força. Eu tinha certeza de que ele podia ouvi-lo.

A expressão de Ren mudou enquanto ele observava meu

rosto. Sua expressão de tristeza foi substituída por uma de preocupação comigo.

Qual era o próximo passo? O que eu devia fazer? O que

dizer? Como partilho o que estou sentindo?

Eu me lembrei dos filmes românticos que via com

minha mãe e de nossa frase favorita: "Cale a boca e beije-a
logo!" Ficávamos frustradas quando o herói ou a heroína não
fazia o que era tão óbvio para nós e, toda vez que ocorria um
momento de tensão romântica, repetíamos o nosso mantra. Eu
podia ouvir em minha mente a voz bem-humorada da minha
mãe me dando o mesmo conselho: "Kells, cale a boca e beije-o logo!"

Assim, reuni coragem e, antes que mudasse de ideia, inclinei-me para a frente e o beijei.


Ele ficou paralisado. Não correspondeu ao meu beijo.

Não me repeliu. Ele simplesmente parou... de se mover. Eu me
afastei, vi o choque em seu rosto e imediatamente me arrependi
de minha ousadia. Então me levantei e me afastei, constrangida.
Eu queria pôr alguma distância entre nós enquanto tentava
freneticamente reconstruir os muros em torno do meu coração.

Então ouvi que Ren se movia. Ele pôs a mão sob meu

cotovelo e me fez virar. Eu não conseguia olhar para ele. Fiquei
olhando seus pés descalços. Ele colocou um dedo sob o meu
queixo e tentou me fazer erguer a cabeça, mas ainda assim eu
me recusava a olhá-lo nos olhos.

- Kelsey, olhe para mim. - Levantando os olhos, eles

seguiram dos seus pés para um botão branco no meio de sua camisa. - Olhe para mim.

Meus olhos continuaram sua jornada. Deslizaram pelo

bronze dourado de seu peito, seu pescoço e então pousaram em
seu lindo rosto. Os olhos azul cobalto perscrutaram os meus,
questionadores. Ele deu um passo à frente, aproximando-se
mais. Minha respiração ficou presa na garganta. Estendendo a
mão, ele lentamente a deslizou em torno da minha cintura. Sua
outra mão segurou meu queixo. Ainda examinando meu rosto,
ele colocou a palma em minha bochecha e traçou o arco da
maçã do meu rosto com o polegar.

Seu toque era doce, hesitante e cuidadoso. A expressão

dele era de espanto e compreensão. Eu estremeci. Ele ficou
parado por mais um momento, então sorriu com ternura,
baixou a cabeça e roçou os lábios nos meus.

Ren me beijou delicadamente, um beijo que era quase

um suspiro. Sua outra mão também deslizou para minha
cintura. Toquei seus braços com a ponta dos meus dedos. Ele
estava quente e sua pele era macia. Ele me puxou devagar para
mais perto e eu apertei seus braços.

Ele suspirou de prazer e aprofundou o beijo. Eu me dissolvi em seus braços.


Como eu estava conseguindo respirar? Seu aroma de

sândalo me envolvia. Cada ponto em que ele me tocava, eu
sentia formigar e ganhar vida.

Agarrei seus braços com ardor. Sem que seus lábios

deixassem os meus, Ren pegou meus braços e os enroscou, um
de cada vez, em seu pescoço. Então deslizou uma das mãos pelo
meu braço nu, indo até a cintura, enquanto a outra
escorregava até meu cabelo. Antes que eu me desse conta do
que ele planejava fazer, ele me levantou com um braço e me
abraçou de encontro a seu peito.

Não tenho a menor ideia de quanto tempo ficamos nos

beijando. Parecia um mero segundo, ao mesmo tempo que
parecia uma eternidade. Meus pés descalços pendiam vários
centímetros acima do chão. Ele sustentava todo o peso do meu
corpo facilmente com um só braço. Enterrei meus dedos em seu
cabelo e senti um ronco em seu peito, semelhante ao ronronar
que ele fazia como tigre. Depois disso, todo pensamento
coerente desapareceu e o tempo parou.

Todos os neurônios disparavam em meu cérebro

simultaneamente. Eu não tinha a menor ideia de que beijar
fosse assim - uma sobrecarga sensorial.

Em algum momento, Ren me pôs no chão, com

relutância. Ele ainda sustentava meu peso, o que era bom, pois
eu me sentia prestes a desmoronar. Com a mão em minha face,
ele correu um polegar pelo meu lábio inferior, mantendo um
braço em torno de minha cintura. Então a outra mão se dirigiu
ao meu cabelo e seus dedos começaram a retorcer os fios soltos.

Precisei piscar várias vezes para clarear minha visão.


Ele riu baixinho.


- Respire, Kelsey.


Ele exibia um sorriso convencido, o que, por alguma razão, acendeu minha ira.


- Você parece muito satisfeito consigo mesmo.

- E estou.

Sorrindo afetadamente de volta para ele, eu disse:


- Bem, você não pediu minha permissão.

- Humm, talvez devamos consertar isso. - Ele correu
os dedos pelo meu braço, desenhando pequenos círculos. - Kelsey?

Eu observava o progresso de seus dedos e murmurei, distraída:


- Oi?


Ele chegou ainda mais perto.


- Eu...

- Humm?
- Tenho a sua... - Ele começou afagar com o nariz
meu pescoço até chegar à orelha. Seus lábios me faziam
cócegas enquanto ele sussurrava e eu senti que ele sorria. - ...permissão...

Um arrepio percorreu meus braços e eu estremeci.


- ...para beijá-la?


Assenti com a cabeça, debilmente. Na ponta dos pés,

deslizei os braços em torno de seu pescoço, demonstrando que
eu lhe dava permissão. Ele traçou um rastro de beijos da minha
orelha até a bochecha em um movimento dolorosamente lento.
Então se deteve, pairando a milímetros dos meus lábios, e esperou.

Eu sabia o que ele estava esperando. Hesitei apenas por

um breve segundo antes de sussurrar:

- Sim.


Sorrindo, vitorioso, ele me apertou de encontro ao seu

peito e tornou a me beijar. Dessa vez, o beijo foi mais ousado e
brincalhão. Percorri com as mãos seus ombros fortes e o
pescoço, e o apertei contra mim.

Quando Ren se afastou, seu rosto estava iluminado por

um sorriso extasiado. Ele me levantou e rodopiou comigo pelo
quarto, rindo. Quando eu já estava totalmente tonta, ele se
acalmou e tocou a minha testa com a dele. Com timidez, levei a
mão ao seu rosto, explorando os ângulos de seus ossos e os
lábios com as pontas dos dedos. Ele se inclinou ao meu toque, à
semelhança do tigre. Eu ri e corri as mãos pelos seus cabelos,
afastando-os de seu rosto, adorando o toque sedoso.

Eu me sentia arrebatada. Não esperava que um

primeiro beijo fosse tão... transformador. Em poucos e breves
momentos, o manual do meu universo fora reescrito. De
repente, eu era uma nova pessoa. Tão frágil quanto um recém-
nascido, temendo que quanto mais fundo eu permitisse que o
relacionamento progredisse, pior seria se Ren me deixasse. O
que seria de nós? Não havia como saber e eu percebi que coisa
delicada era um coração. Não era de admirar que eu tivesse
mantido o meu trancado a sete chaves.

Ren parecia alheio aos meus pensamentos negativos e

eu tentei empurrá-los para o fundo da mente e desfrutar
aquele momento com ele. Colocando-me no chão, ele tornou a
me beijar, dessa vez brevemente, e depositou beijos delicados
na minha nuca e no pescoço. Então me abraçou com ternura e
apenas me manteve ali, junto dele. Acariciando meus cabelos,
ele sussurrou palavras suaves em sua língua nativa. Depois de
um longo momento, ele suspirou, beijou meu rosto e me levou
na direção da cama.

- Durma um pouco, Kelsey. Nós dois precisamos descansar.


Depois de uma última carícia em meu rosto com as

costas dos dedos, ele se transformou em tigre e deitou-se no
tapete ao lado da cama. Eu me acomodei debaixo da colcha e
me inclinei para acariciar sua cabeça. Apoiando o rosto no
outro braço, falei baixinho:

- Boa noite, Ren.


Ele inclinou a cabeça, esfregando-a na minha mão, e

ronronou. Em seguida, pôs a cabeça sobre as patas e fechou os olhos.

Na manhã seguinte, Ren já havia saído quando acordei.

Eu me vesti e bati na porta do Sr. Kadam.

A porta se abriu e ele sorriu para mim.


- Srta. Kelsey! Dormiu bem?


Não percebi nenhum sarcasmo em seu tom e concluí

que Ren tinha preferido não revelar a escapada noturna ao Sr. Kadam.

- Sim, dormi muito bem. Um pouco demais, eu acho. Desculpe.


Ele fez um gesto dispensando as desculpas e me

entregou um bolo de arroz embrulhado em folha de bananeira,
algumas frutas e uma garrafa de água.

- Não se preocupe. Vamos buscar Ren e seguir para

o templo de Durga. Não há razão para pressa.

Voltei ao meu quarto e tomei o café da manhã. Depois

comecei a reunir alguns itens pessoais e colocá-los em minha
pequena bolsa de viagem. Por várias vezes me peguei sonhando
acordada. Eu olhava no espelho e tocava meu braço, meus
cabelos e lábios, lembrando dos beijos de Ren. Tive que me
sacudir constantemente e fazer força para me concentrar. O
que eu deveria ter levado 10 minutos para fazer me tomou uma hora e meia.

Por cima de tudo na bolsa, coloquei meu diário e a

colcha. Fechei o zíper e saí em busca do Sr. Kadam. Ele estava à
minha espera no Jeep, examinando alguns mapas. Sorriu para
mim, parecendo de bom humor, embora eu o tivesse feito esperar tanto tempo.

Apanhamos Ren, que surgiu saltitando do meio das

árvores como um filhote brincalhão. Quando alcançou o Jeep,
eu me inclinei para acariciá-lo e ele se ergueu nas patas
traseiras, focinhando minha mão e lambendo meu braço pela
janela aberta. Então saltou para o banco de trás e o Sr. Kadam deu a partida.

Seguindo cuidadosamente as rotas indicadas no mapa,

pegamos uma estrada de terra que nos conduziu através da
selva, até pararmos por fim no templo de pedra de Durga.

Um comentário:

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