sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Capítulo 19 - Hampi

No trajeto de volta para a cidade, o Sr. Kadam ouviu 
com toda a atenção cada detalhe de nossa experiência no 
templo de Durga e me metralhou com dezenas de perguntas. 
Pediu detalhes que eu nem sequer tinha considerado 
importantes. Por exemplo, ele quis saber que imagens as 
outras três colunas do templo mostravam e eu nem me 
lembrava de ter olhado para elas. 

O Sr. Kadam estava tão absorto na história que seguiu 
direto para o hotel, esquecendo-se de deixar Ren na selva. 
Voltamos e acompanhei Ren até a mata. O Sr. Kadam ficou 
feliz de continuar no Jeep e examinar a gada mais de perto. 

Atravessei o mato alto com Ren até o começo das 
árvores, dei um abraço nele e sussurrei: 

- Pode ficar no meu quarto no hotel de novo, se quiser. 
Vou guardar um pouco do jantar para você. 

Beijei o alto de sua cabeça e o deixei lá, me olhando 
enquanto eu me afastava. 

No jantar, o Sr. Kadam usou a cozinha do hotel para 
nos preparar omeletes vegetarianas com pão frito e suco de 
papaia. Eu estava faminta e, olhando os outros pratos que 
vinham da cozinha, fiquei muito grata pelo fato de o Sr. 
Kadam gostar de cozinhar. Outra hóspede preparava alguma 

coisa em uma panela grande e o cheiro deixava a desejar. Para 
mim, parecia que ela estava cozinhando roupa suja. 

Devorei um prato cheio e ainda pedi Sr. Kadam uma 
segunda porção ao para comer no quarto, no caso de eu sentir 
fome à noite. Ele ficou mais do que feliz em me atender e, por 
sorte, não fez perguntas. 

Deixei a gada aos cuidados do Sr. Kadam, mas descobri 
que o bracelete de cobra não se soltava do meu braço, por 
mais que eu tentasse deslizá-lo, puxá-lo ou arrancá-lo. O Sr. 
Kadam temia que alguém tentasse roubá-lo de mim. 

- Eu adoraria tirar Fanindra do braço - afirmei. - 
Mas, se o senhor tivesse visto a forma como ela chegou até 
aqui, também ia querer que ela permanecesse inanimada. 

Reprimindo rapidamente esse pensamento, eu me 
censurei por esquecer que Fanindra era um presente e uma 
bênção divinos, e sussurrei um breve pedido de desculpas para ela. 

Quando voltei para o quarto, vesti o pijama, o que deu 
certo trabalho. Felizmente, eu tinha um de mangas curtas. 
Prendi a bainha da manga numa das voltas de Fanindra para 
que sua cabeça não ficasse coberta. Olhei para Fanindra no 
espelho enquanto escovava os dentes. 

Batendo levemente na cabeça da serpente, murmurei: 

- Bem, Fanindra, espero que goste de água, porque 
amanhã de manhã eu pretendo tomar um banho e, se ainda 
estiver no meu braço, você vai comigo. 

A serpente continuou imóvel, mas seus olhos de pedra 
brilharam no espelho do quarto mal iluminado. 

Depois de escovar os dentes, liguei o ventilador de 
teto, arrumei o jantar de Ren na cômoda e subi na cama. O 
corpo da serpente me incomodava no lado do corpo e eu tinha 
dificuldade em encontrar uma posição confortável. Pensei que 
nunca conseguiria dormir com aquela jóia enrolada no braço, 
mas, por fim, acabei adormecendo. 

Acordei no meio da noite com Ren arranhando a porta 
de leve. Ansioso para ficar perto de mim, ele comeu 
rapidamente e então me abraçou, me puxando para o seu colo. 
Pressionou a face contra minha testa e começou a falar sobre 
Durga e a gada. Parecia entusiasmado com o que a gada podia 
fazer. Assenti, sonolenta, e mudei de posição, descansando 
minha cabeça em seu peito. 

Eu me sentia segura aconchegada em seus braços e era 
um prazer ouvir o timbre da sua voz enquanto ele falava 
suavemente. Mais tarde, ele passou a assoviar baixinho e eu 
sentia o ritmo do forte batimento de seu coração de encontro ao meu rosto. 

Depois de um tempo, ele parou e moveu os braços 
enquanto eu emitia um protesto sonolento. Ajeitando meu 
corpo inerte, ele me pegou no colo e me aconchegou em seu 
peito. Semi-adormecida, murmurei que eu podia andar, mas 
ele me ignorou, me colocou na cama e delicadamente ajeitou 
meus braços e minhas pernas. Senti que ele depositava um 
beijo leve em minha testa e me cobria com a colcha, e então apaguei. 

Algum tempo depois, abri os olhos sobressaltada. A 
serpente dourada havia desaparecido! Corri para acender a luz 
e a vi descansando na mesinha de cabeceira. Ela ainda estava 

imóvel, mas agora se encontrava enrodilhada com a cabeça 
descansando no alto do corpo. Eu a observei, desconfiada, por 
um instante, mas Fanindra não se moveu. 

Estremeci, pensando em uma cobra viva coleando 
sobre o meu corpo enquanto eu dormia. Ren ergueu sua 
cabeça de tigre e me olhou, preocupado. Dei-lhe tapinhas 
carinhosos e disse que estava bem e que Fanindra tinha se 
deslocado durante a noite. Pensei em pedir a Ren que 
dormisse entre mim e a serpente, mas decidi que precisava ser 
corajosa. Então virei de lado e me enrolei bem na colcha para 
evitar que qualquer coisa estranha acontecesse aos meus 
membros sem o meu conhecimento. 

Também disse a Fanindra que ficaria muito grata se ela 
não deslizasse pelo meu corpo quando eu não estivesse ciente 
disso e que preferiria que isso não acontecesse em hipótese 
nenhuma, se ela pudesse evitar. 

Ela não se moveu nem piscou os olhos verdes. 

E por acaso cobras piscam? Refletindo sobre essa 
questão profunda, virei de lado e adormeci facilmente. 

Pela manhã, Ren já tinha partido e Fanindra não se 
movera, então resolvi tomar um banho. Estava de volta ao 
quarto, secando os cabelos com a toalha, quando percebi que 
Fanindra havia mudado de forma novamente. Dessa vez, 
estava retorcida em arcos como antes, pronta para ser 
colocada em meu braço. 

Apanhei-a gentilmente e deslizei seu corpo inflexível 
pela extensão do meu braço, onde ela se acomodou. Dessa vez, 
quando tentei tirá-la, ela deslizou com facilidade. 

Colocando-a de novo no braço, eu disse: 

- Obrigada, Fanindra. Vai ser muito mais fácil se eu puder tirá-la quando precisar. 

Não tinha certeza, mas pensei ter visto seus olhos de 
esmeralda brilharem por um instante. 

Eu estava acabando de trançar meus cabelos e amarrá-
los com uma fita verde que combinava com os olhos de 
Fanindra quando ouvi uma batida na porta. Era o Sr. Kadam, 
que se encontrava ali de pé, com o cabelo recém-lavado e a barba aparada. 

- Pronta para partirmos, Srta. Kelsey? - perguntou, pegando minha bolsa. 

Fizemos o check-out e deixamos o hotel, seguindo 
para a selva a fim de pegar Ren. Esperamos vários minutos e 
então ele surgiu em disparada do meio das árvores e correu 
até o carro. Dei uma risada nervosa. 

- Dormiu um pouco demais hoje, hein? 

Ele provavelmente havia corrido o caminho todo de 
volta. Dirigi-lhe um olhar sugestivo, esperando que 
entendesse nas entrelinhas o que eu queria de fato ter dito: 
"Você devia ter saído mais cedo!" 

No caminho para Hampi, paramos em uma barraca de 
frutas e comprei uma vitamina de iogurte chamada lassi e uma 
barra de cereais para cada um de nós. Bebi metade da 
vitamina e ofereci o restante a Ren. Ele enfiou a cabeça entre 
os dois bancos dianteiros e lambeu o que restava no copo. Sua 
língua comprida também fez questão de lamber minha mão 
"acidentalmente" algumas vezes. 

O Sr. Kadam indicou que estávamos nos aproximando 
de Hampi e apontou para uma grande construção a distância. 

- A estrutura alta e cónica que você vê adiante é 
chamada de Templo de Virupaksha - explicou ele. - E a 
construção mais conhecida de Hampi, que foi fundada há dois 
mil anos. Logo passaremos pela caverna Sugriva, onde dizem 
que as jóias de Sita foram escondidas. 
- As jóias ainda estão lá? 
- Nunca foram descobertas, o que também é uma 
das razões de a cidade ter sido saqueada por caçadores de 
tesouros com tanta frequência - afirmou o Sr. Kadam. Então 
ele parou no acostamento da estrada para que Ren saltasse. - 
Vai haver muitos turistas ali durante o dia, portanto Ren pode 
esperar aqui enquanto andamos pelo local à procura de pistas. 
Voltaremos para buscá-lo no começo da noite. 

Estacionamos diante do portão. O Sr. Kadam me 
conduziu à primeira e maior estrutura, o Templo de 
Virupaksha. Tinha aproximadamente a altura de um prédio de 
10 andares e se assemelhava a uma casquinha de sorvete 
gigante de cabeça para baixo. Apontando para lá, o Sr. Kadam 
descreveu a arquitetura do templo. 

- Ele conta com pátios, sacrários e portões em todos 
aqueles edifícios laterais. Lá dentro, tem um santuário 
interno, onde há salões com colunas e claustros, que são 
longas galerias com arcos dando para um pátio central. Venha, 
vou lhe mostrar. 

Enquanto andávamos pelo templo, o Sr. Kadam me 
lembrou de que estávamos procurando uma passagem para 
Kishkindha, um mundo governado por macacos. 

- Talvez haja outra marca de mão. A profecia de 
Durga também menciona serpentes. 

Mais cobras, pensei, me encolhendo. Um portal para 
um mundo mítico? As coisas estão ficando cada vez mais 
estranhas à medida que mergulho fundo nesta aventura. 

No decorrer do dia, fiquei tão deslumbrada com as 
ruínas que esqueci completamente nosso propósito ali. Tudo o 
que eu via era impressionante. Paramos em outra estrutura 
chamada Carruagem de Pedra. Tratava-se de uma escultura 
em pedra de um templo em miniatura erguido sobre rodas, 
que tinham o formato de flores de lótus e até podiam girar 
como pneus comuns. 

Outra construção, o Templo de Yithala, ostentava 
lindas estátuas de mulheres dançando. Ouvimos o guia de 
turismo explicar o significado das 56 colunas do templo. 

- Quando batemos nelas, as colunas vibram e 
produzem sons semelhantes às notas musicais - disse o guia. 

Ficamos quietos por um momento para ouvir as 
colunas zumbirem e vibrarem enquanto ele batia de leve na 
pedra. Os tons musicais mágicos soavam, elevavam-se no ar e 
iam enfraquecendo aos poucos até se transformarem em 
silêncio. O som desaparecia muito antes de as vibrações cessarem. 

Paramos em outra edificação chamada Banho da 
Rainha. O Sr. Kadam destacou suas características. 

- O Banho da Rainha era um lugar onde o rei e suas 
esposas podiam relaxar. Havia apartamentos em torno do 
centro. Sacadas se projetavam de edifícios retangulares e as 
mulheres se sentavam, apreciando a vista do tanque de banho. 
Um aqueduto despejava água no reservatório de tijolos e 
também havia um pequeno jardim na lateral, bem aqui, onde 
as mulheres podiam descansar e fazer piqueniques. 

Ele fez uma breve pausa e depois retomou suas explicações: 

- O tanque tinha cerca de 15 metros de 
comprimento e 1,80 metro de profundidade. Despejava-se 
perfume na água para deixá-la mais cheirosa e espalhavam-se 
pétalas de flores na superfície. Fontes no formato de lótus 
também cercavam o tanque. Ainda se pode ver algumas delas. 
Um canal cercava toda a estrutura e a construção era 
fortemente guardada, de forma que somente o rei podia entrar 
e se divertir com as mulheres. Todos os outros homens eram proibidos de entrar. 

Franzi a testa. 

- Humm, se o rei era o único homem a entrar, 
como é que o senhor sabe tantos detalhes sobre o tanque das mulheres? 

Ele coçou a barba e sorriu. 

Chocada, sussurrei: 

- Sr. Kadam! O senhor invadiu o harém do rei? 

Ele deu de ombros. 

- Era um rito de passagem para um jovem tentar 
entrar no Banho da Rainha e vários morreram tentando. Por 
acaso sou um dos poucos bravos que sobreviveram à experiência. 

Eu ri. 

- Bom, preciso dizer que minha opinião sobre o 
senhor mudou completamente. Entrar em um harém? Quem 
diria? - Dei mais alguns passos e então me virei. - Espere aí. O 
senhor disse que era um rito de passagem, não disse? Então 
Ren e Kishan...? 

Ele parou e ergueu as mãos. 

- É melhor a senhorita perguntar diretamente a 
eles. Não quero falar o que não devo. 
- Humpf - resmunguei. - Essa pergunta acabou de 
ir para o topo da minha lista. 

Seguimos para um tour pela Casa da Vitória, o Lotus 
Mahal e o Mahanavami Dibba, mas não vimos nada 
particularmente interessante ou extraordinário ali. O Palácio 
dos Nobres era um lugar para encontros diplomáticos, onde 
funcionários do alto escalão jantavam e bebiam vinho. A 
Balança do Rei era um edifício usado pelos reis para pesar 
ouro, dinheiro e grãos comercializados, e também para 
distribuir doações aos pobres. 

Meu local favorito foram os Estábulos dos Elefantes. 
Uma estrutura comprida e cavernosa, que em seu auge havia 
abrigado 11 elefantes. O Sr. Kadam explicou que os elefantes 
não eram usados em batalhas, mas em rituais. Faziam parte da 
criação particular do rei - altamente treinados e empregados 
em vários tipos de cerimônia. Com frequência eram vestidos 
em tecido dourado e jóias, e sua pele era pintada. O edifício 
tinha 10 domos de diferentes formas e tamanhos que 
repousavam no topo dos aposentos de cada elefante. Ele 
explicou que outros elefantes eram mantidos também para 
fazer trabalho servil e de construção, mas que a criação 
particular era especial. 

Uma grande estátua de Ugra Narasimha foi a última 
coisa que vimos. Quando perguntei ao Sr. Kadam o que 

representava, ele não respondeu. Deu a volta na estrutura, 
examinando-a de muitos e variados ângulos enquanto 
pensava e murmurava baixinho para si mesmo. 

Protegi os olhos contra o sol e estudei o topo. 
Tentando obter a atenção do Sr. Kadam, repeti: 

- Quem é ele? É um sujeito bem feio. 

Dessa vez o Sr. Kadam respondeu: 

- Ugra Narasimha é um deus meio homem, meio 
leão, embora também possa assumir outras formas. Ele deveria 
parecer assustador e impressionante. É mais famoso por matar 
um poderoso rei demônio. O interessante é que o rei demônio 
não podia ser morto nem na terra nem no ar, durante o dia ou 
a noite, nem do lado de dentro nem do lado de fora, nem por 
homem nem por animal, nem por qualquer objeto. 
- Parece que vocês têm muitos demônios difíceis de 
matar perambulando pela índia. Então, como foi que ele 
exterminou o rei demônio? 
- Ah, Ugra Narasimha foi muito esperto. Ele pegou 
o rei demônio, colocou-o no colo e então o matou no 
crepúsculo, em uma soleira de porta, com suas garras. 
- Hum, muito esperto. 
- Se olhar com atenção, vai ver que ele está sentado 
sobre uma serpente de sete cabeças enrodilhada e que essas 
cabeças se arqueiam acima dele, com os capelos dilatados, 
fornecendo sombra para o deus.

Contraí o braço e espiei minha serpente dourada. 
Fanindra ainda era uma joia inanimada. 

O Sr. Kadam voltou a murmurar para si mesmo e ficou 
examinando a estátua de Ugra Narasimha por muito tempo. 

- O que está procurando, Sr. Kadam? 
- Parte da profecia diz: "Deixe as serpentes guiarem 
você." Antes, pensei que se referisse apenas à sua serpente 
dourada, mas talvez o plural seja importante. 

Juntei-me a ele procurando uma entrada secreta ou 
uma marca de mão como a que eu havia encontrado antes, 
mas não vi nada. Tentamos parecer tão despreocupados 
quanto os outros turistas enquanto estudávamos a estátua. 

Por fim, desistindo, o Sr. Kadam disse: 

- Acho que pode ser uma boa ideia você e Ren 
retornarem aqui esta noite. Tenho uma suspeita de que a 
entrada para Kishkindha esteja por aqui, perto desta estátua. 

Levamos o jantar para Ren. Arranquei pedaços do 
frango tandoori para ele, que comeu cuidadosamente em 
minha mão, e contei-lhe sobre as diferentes construções que 
tínhamos investigado no templo. 

O Sr. Kadam nos explicou que as ruínas eram fechadas 
aos visitantes no fim do dia, a menos que houvesse um evento especial acontecendo. 

- Durante a noite, há guardas de vigia, atentos a 
caçadores de tesouros. Na verdade - completou ele -, os 
caçadores de tesouros são responsáveis por grande parte da 
destruição que se vê nas ruínas hoje. Eles procuram ouro e 
jóias, mas essas coisas foram levadas de Hampi há muito 
tempo. Os tesouros atuais de Hampi são exatamente o que eles estão destruindo. 

O Sr. Kadam achava que era melhor nos deixar em um 
local do outro lado das colinas, onde não havia estradas 
levando para Hampi nem tampouco guardas. 

- Mas, se não há estradas, como vamos chegar lá? - perguntei, temendo a resposta do Sr. Kadam. 

Ele sorriu. 

- Uma das razões por que comprei o Jeep, Srta. 
Kelsey, é ele ser off-road. - Ele esfregou as mãos, animado. - 
Vai ser emocionante! 

Gemi e murmurei: 

- Ótimo. Já me sinto enjoada. 
- A senhorita vai precisar carregar a gada em sua 
mochila. Acha que consegue? 
- Claro. Não é tão pesada assim. 

Ele parou o que estava fazendo e me olhou, atônito. 

- O que quer dizer com não é tão pesada? Na verdade, é muito pesada. 

Ele a desembrulhou e a ergueu com as duas mãos, forçando os músculos. 

- Isso é estranho - murmurei, intrigada. - Eu me 
lembro de tê-la achado leve para o tamanho. 

Fui até ele e peguei a gada de suas mãos, e ficamos 
ambos chocados que eu pudesse levantá-la com uma só mão. 
Ele a pegou de volta e tentou erguê-la da mesma forma, e 
novamente cambaleou sob o peso da arma. 

- Para mim, parece pesar uns 20 quilos. 

Tornei a pegá-la. 

- Para mim, talvez uns dois ou quatro. 
- Impressionante - admirou-se ele. 
- Não tinha idéia de que pesasse tanto - acrescentei, perplexa. 

O Sr. Kadam tornou a pegar a arma da minha mão, 
envolveu-a em um cobertor macio e então a colocou em 
minha mochila. Entramos novamente no Jeep e ele nos 
conduziu por uma via secundária, que se transformou em 
estrada de terra, em seguida de cascalho e então em duas 
linhas de poeira, que por fim desapareceram completamente. 

Ele nos deixou sair e montou um miniacampamento, 
assegurando-me que Ren conseguiria encontrar o caminho de 
volta. Também me deu uma pequena lanterna, uma cópia da 
profecia e acrescentou um aviso: 

- Não use a lanterna a menos que isso seja essencial. 
Há guardas de segurança andando pelas ruínas à noite. 
Fiquem alerta. Ren pode farejar sua aproximação, então vocês 
não devem ter problemas. Além disso, sugiro que Ren 
permaneça como tigre o máximo possível para o caso de você 
precisar dele mais tarde. 

O Sr. Kadam apertou meus ombros e sorriu. 

- Boa sorte, Srta. Kelsey. Lembre-se de que podem 
não encontrar nada. Talvez seja necessário começar tudo de 
novo amanhã à noite, mas temos bastante tempo. Não se 
preocupe. Não estamos sob nenhuma pressão.
- Está bem. Lá vamos nós! 

Comecei a andar atrás de Ren. A noite sem lua 
permitia que as estrelas brilhassem ainda mais no céu negro e 
aveludado. Por mais bonito que fosse, desejei que houvesse 
lua. Felizmente, o pelo branco de Ren era fácil de seguir. 
Buracos pontilhavam o terreno e eu precisava andar com 
extremo cuidado. Seria uma péssima hora para cair e quebrar 

o tornozelo. Eu não queria nem pensar em que tipos de 
criatura haviam feito aqueles buracos. 

Depois de alguns minutos tropeçando, uma luz 
esverdeada começou a brilhar à minha frente. Olhei à volta e 
por fim percebi que a luz vinha dos olhos de Fanindra. Ela 
iluminava o campo escuro para mim, proporcionando um tipo 
especial de visão noturna. Tudo estava claramente delineado, 
mas ainda assim parecia assustador, como se eu estivesse 
atravessando um terreno alienígena em algum estranho planeta verde. 

Depois de quase uma hora de caminhada, chegamos 
aos limites das ruínas. Ren reduziu a marcha e farejou o ar. 
Uma brisa fresca soprava nos morros e abrandava o calor da 
noite. Ele devia ter concluído que não havia perigo, pois 
continuou em frente em ritmo acelerado. 

Atravessamos as ruínas, abrindo caminho em direção à 
estátua de Ugra Narasimha. As ruínas que haviam me 
parecido magníficas durante o dia agora pairavam acima de 
mim, lançando sombras escuras. Os belos arcos e colunas que 
admirara agora eram bocas negras escancaradas esperando 
para me devorar. A brisa suave que eu apreciara mais cedo 
assoviava e gemia ao serpentear pelas passagens e portas, 
como se antigos fantasmas anunciassem a nossa presença. 

Os pelinhos na minha nuca se eriçavam enquanto eu 
imaginava olhos nos vigiando e demônios espreitando em 
corredores escuros. Quando finalmente nos aproximamos da 
estátua, Ren começou a investigar, farejando e procurando fissuras ocultas. 

Passada uma hora de procura improdutiva, eu estava 
pronta para desistir, voltar para junto do Sr. Kadam e dormir um pouco. 

- Estou exausta, Ren. Pena que não temos 
oferendas e um sino. Talvez a estátua ganhasse vida. 

Ele se sentou ao meu lado e eu acariciei sua cabeça. 
Então ergui os olhos para a estátua e uma idéia surgiu em minha cabeça. 

- Um sino - murmurei. - Será que... 

Eu me levantei e corri para o Templo de Vithala, com 
suas colunas musicais. Adivinhando o que fazer, bati de leve 
em uma delas três vezes, torcendo para que nenhum guarda 
ouvisse, e corri de volta para a estátua. Os olhos da serpente 
de sete cabeças agora refletiam uma luz vermelha e uma 
pequena escultura de Durga havia surgido na lateral da estátua. 

- É isso! O sinal de Durga! Muito bem, acertamos 
uma coisa. O que fazer agora? Uma oferenda? - gemi de 
frustração. - Não temos nada para ofertar! 

A boca da estátua metade homem, metade leão se 
abriu e uma névoa fina e cinzenta começou a jorrar dela. 
Baforadas do vapor frio e fumarento desceram pelo corpo da 
estátua, derramaram-se até o chão e começaram a se expandir 
em todas as direções. Os olhos vermelhos da cobra logo eram 
a única coisa que eu conseguia distinguir. Mantive a mão na 
cabeça de Ren para me tranquilizar. 

Resolvi escalar a escultura de pedra e procurar algum 
sinal na cabeça da estátua. Ren grunhiu, contrariado, mas eu o 
ignorei e comecei a subir. De nada adiantou, pois não 

encontrei nada que nos fizesse avançar. Ao pular da estátua, 
calculei mal a distância até o chão e tropecei. Ren 
imediatamente se pôs ao meu lado. Nada me aconteceu, a não 
ser ter uma unha quebrada, mas me ver envolta naquela 
neblina era apavorante. 

Nesse exato momento, enquanto olhava minha unha, 
lembrei-me da história que o Sr. Kadam contara sobre Ugra Narasimha. 

- Ren, talvez, se repetirmos as ações de Ugra 
Narasimha, a estátua nos conduza ao próximo passo. Vamos 
tentar reencenar a famosa tarefa de Ugra Narasimha. 

Ele roçou em minha mão na escuridão. 

- Muito bem, são cinco partes. A primeira coisa de 
que precisamos é de um ser metade homem e metade animal, 
portanto este é você. Fique aqui perto de mim. Você pode ser 
Ugra Narasimha e eu serei o rei demônio. Em seguida, 
precisamos ficar em um lugar que não é nem dentro nem fora, 
então vamos procurar algum degrau ou portal. 

Tateei em torno da estátua. 

- Acho que havia um pequeno portal aqui, perto da estátua. 

Estendi a mão e senti o umbral de pedra. Ambos nos 
colocamos sob ele. 

- A terceira parte era nem dia nem noite. O 
crepúsculo já passou. Acho que posso tentar usar a lanterna. - 
Acionei a lanterninha, acendendo-a e apagando-a, torcendo 
para que aquilo fosse suficiente. - Então havia a parte sobre as 
garras. Que você de fato tem. Humm, acho que você precisa 

me arranhar. A história diz matar, mas me arranhar pode ser suficiente. 

Então me encolhi. 

- Talvez você precise tirar um pouco de sangue de mim. 

Ouvi seu peito roncar, protestando. 

- Está tudo bem. Só um arranhãozinho. Nada de mais. 

Ele grunhiu baixinho novamente, ergueu a pata e a 
colocou com delicadeza em meu braço. Eu o vira caçar a certa 
distância e também vira suas garras durante a luta com 
Kishan. Quando a lanterna iluminou suas garras estendidas, 
não pude deixar de sentir medo. Fechei os olhos e ouvi um 
grunhido suave quando ele se moveu, mas não senti nada. 

Corri o feixe da lanterna por toda a extensão das 
minhas pernas e não vi sangue nenhum. Eu sabia que ele 
havia feito alguma coisa, pois ouvira suas garras rasgando a 
carne. Imediatamente desconfiei de uma coisa e virei a 
lanterna para o seu corpo branco, procurando ver onde ele se machucara. 

- Ren! Deixe-me ver. Foi sério? 

Ele ergueu a perna e vi rasgões onde as garras haviam 
atravessado o pelo até a carne. O sangue gotejava no chão. 

Eu estava zangada. 

- Sei que você pode sarar rápido, mas tinha que se 
cortar tão fundo, Ren? Sabe que de qualquer modo pode não 
funcionar se eu não sangrar. Reconheço o seu sacrifício, mas 
ainda quero que você me arranhe. Sou eu que estou represen-

tando o rei demônio, então me arranhe... de preferência não 
tão fundo assim. 

Mas ele não erguia a pata. Precisei me curvar e 
praticamente erguer eu mesma a pesada pata. Quando 
finalmente a posicionei em meu braço, ele retraiu as garras. 

- Ren, por favor, coopere - implorei. - Isso já é difícil demais. 

Ele expôs as garras até a metade e arranhou de leve o 
meu braço, mal deixando uma marca. 

- Ren! Faça logo, por favor. Agora. 

Ele emitiu um grunhido baixo de desaprovação e me 
arranhou com mais força. As garras dessa vez deixaram 
vergões vermelhos na extensão do meu antebraço. Dois dos 
arranhões sangravam ligeiramente. 

- Obrigada. 

Eu me encolhi e ajustei o foco da lanterna para ver 
novamente seus arranhões, que a essa altura estavam quase 
cicatrizados. Satisfeita, passei para o último item. 

- Agora, o último requisito é que o rei demônio não 
pode estar nem no céu nem na terra. Ugra colocou o demônio 
em seu colo, o que significa, eu acho, que vou ter que... me sentar nas suas costas. 

Que constrangedor. Embora Ren fosse um tigre 
grande, eu tinha consciência de que ele era um homem e não 
achava certo fazer dele um animal de carga. Tirei a mochila e 
a pousei no chão, pensando no que poderia fazer para deixar a 
situação menos embaraçosa. Reunindo coragem para me 
sentar em suas costas, tinha acabado de concluir que não seria 

assim tão ruim se eu me sentasse de lado, quando meus pés escorregaram. 

Ren havia assumido a forma humana e me tomara nos 
braços. Eu me debati por um momento, protestando, mas ele 
se limitou a me lançar um olhar - do tipo que queria dizer que 
nem adiantava eu tentar discutir. Calei a boca. Ele se inclinou 
para pegar a mochila, pendurou-a nos dedos e perguntou: 

- O que vem em seguida? 
- Não sei. Isso foi tudo que o Sr. Kadam me contou. 

Ele me ajeitou nos braços, foi se posicionar no portal 
novamente e examinou dali a estátua. 

- Não vejo nenhuma mudança - murmurou. 

Ele me segurava, protetor, enquanto olhava a estátua e, 
tenho que admitir, parei completamente de me importar com 
o que estávamos fazendo. Os arranhões em meu braço, que 
latejavam um instante atrás, não me incomodavam mais. Eu 
me deixei desfrutar da sensação de me aninhar junto ao seu 
peito musculoso. Que garota não ia querer ser tomada nos 
braços por um homem lindo de morrer? Permiti que meu 
olhar subisse até seu rosto maravilhoso. Ocorreu-me então 
que, se eu fosse esculpir um deus de pedra, escolheria Ren 
como modelo. Esse tal Ugra metade leão, metade homem não 
chegava nem aos pés dele. 

Por fim, ele percebeu que eu o observava e disse: 

- Kells? Estamos aqui quebrando uma maldição, lembra? 

Limitei-me a sorrir de volta, me sentindo uma boba. 
Ele arqueou uma sobrancelha para mim. 

- Em que você estava pensando agora? 

- Nada importante. 

Ele sorriu.

- Então saiba que você está numa posição perfeita 
para que eu lhe faça cócegas e que não tem como fugir. Vamos, fale. 


Caramba. O sorriso dele é luminoso mesmo no meio 
da névoa. Eu ri, nervosa. 

- Se me fizer cócegas, vou me debater com 
violência, o que fará você me deixar cair e estragar o que 
estamos tentando fazer.

Ele se inclinou, aproximando a boca de meu ouvido, e então sussurrou: 

- Parece um desafio interessante, rajkumari. 
Poderemos experimentá-lo mais tarde. E, só para registrar, 
Kelsey, eu não a deixaria cair. 

A maneira como ele disse meu nome provocou um 
arrepio nos meus braços. Quando baixei os olhos para esfregá-
los, percebi que a lanterna estava apagada. Tornei a acendê-la, 
mas a estátua continuava a mesma. Desistindo, sugeri: 

- Nada está acontecendo. Talvez devêssemos esperar até o amanhecer. 

Ele deu uma risada rouca enquanto seu nariz brincava 
com minha orelha e afirmou baixinho: 

- Eu diria que alguma coisa está acontecendo, mas 
não do tipo que vá abrir o portal. 

Ele seguiu uma trilha de beijos suaves e vagarosos da 
minha orelha ao pescoço. Suspirei e inclinei o pescoço para 
lhe dar melhor acesso. Com um último beijo, ele gemeu e 
ergueu a cabeça com relutância. 

Desapontada com a interrupção, perguntei: 

- O que significa rajkumari? 

Ele riu baixinho, me colocou no chão com cuidado e disse: 

- Significa princesa. Vamos procurar um lugar para 
dormir algumas horas. Vou correr e avisar ao Sr. Kadam que 
estamos planejando esperar até o amanhecer para tentar de novo. 

Ele pegou minha mão e me levou a um local gramado 
e escondido. Assim que me acomodei, ele partiu. Dobrei a 
colcha sob a cabeça e tentei dormir. Insone até a sua volta, por 
fim me aconcheguei ao seu corpo de tigre e adormeci. 

Acordei ao sentir que era deslocada, aninhada nos 
braços de Ren. Ele estava me carregando de volta ao portal. 

- Você não precisa me carregar. Eu posso andar - murmurei, sonolenta. 

Ele sorriu. 

- Você estava cansada e eu não tive coragem de acordá-la. Além do mais, já estamos aqui. 

Ainda estava escuro lá fora, mas, a leste, o horizonte 
começava a clarear. A estátua estava como a tínhamos deixado 
- os olhos vermelhos da serpente brilhando e a névoa 
vertendo de sua boca. Paramos no portal por um instante e 
senti algo se retorcer e se mover. Era Fanindra, que 
subitamente ganhou vida, cresceu até seu tamanho normal e 
se desenroscou do meu braço. 

Ren me aproximou do chão para que ela baixasse 
delicadamente para a terra. Ela serpenteou na direção da 

estátua e encontrou uma forma de subir até o topo, onde as 
cabeças da cobra descansavam. 

Dos degraus, nós a vimos avançar sinuosamente em 
torno das sete cabeças. À medida que passava, elas também 
ganhavam vida e se contorciam de um lado para outro. 
Podíamos ver as voltas do corpo sobre as quais a estátua 
repousava se transformarem aos poucos em carne coberta por escamas. 

Fanindra refez seu caminho, deslizando na minha 
direção. Enrodilhando o corpo em uma espiral, ela enrijeceu e 
encolheu de volta ao formato do bracelete de ouro. Ren me 
colocou no chão e a pegou. Então a deslizou cuidadosamente 
pelo meu braço, sorriu para mim, traçou com os dedos os 
arranhões no meu braço e franziu a testa. Ele roçou um beijo 
de leve em minha pele e virou tigre outra vez. 

Em seguida, nos aproximamos da estátua, onde o torso 
coleante da cobra agora se agitava e se deslocava. O corpo em 
espiral da cobra se levantou e lentamente ergueu a estátua 
cada vez mais alto no ar, até que um buraco escuro surgiu 
debaixo dela. A imagem do deus macaco se elevou de modo a 
haver espaço suficiente para que Ren e eu descêssemos pela abertura. 

Espiando o buraco, vi uma série de degraus de pedra 
que desapareciam na escuridão do solo. A boca da estátua de 
repente parou de lançar a névoa e, em vez disso, começou a 
sugá-la de volta. A névoa se precipitou em nossa direção, 
subindo à boca da estátua e depois mergulhando no fosso 
abaixo. Engoli em seco e voltei a lanterna na direção dos 

degraus. Passamos entre as espessas dobras da cobra, e Ren e 
eu descemos para o nevoeiro de sombras turvas. 

Tínhamos encontrado a entrada para Kishkindha. 

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