sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Capítulo 21 - Kishkindha

Saímos do alcance da gigantesca árvore de agulhas e
olhamos a cidade. Na verdade, era mais do tamanho de um
castelo medieval do que de uma cidade. O rio corria até seus
muros de pedra cinza clara e se bifurcava, circundando-a
como um fosso.

- Estamos ficando sem luz, Kelsey. E foi um dia duro.

Por que não acampamos aqui, dormimos um pouco e entramos
na cidade amanhã?
- Parece bom para mim. Estou exausta.

Ren foi recolher madeira e voltou, murmurando:


- Até os galhos velhos e mortos arranham.


Ele atirou vários galhos no círculo de pedras que eu

tinha feito e acendeu o fogo. Joguei uma garrafa de água para
ele. Pegando a panelinha, ele a encheu de água e a pôs para ferver.

Ren se afastou para procurar mais lenha enquanto eu

me ocupava armando o acampamento, o que foi bastante
rápido, já que dessa vez não havia barraca. Tudo o que eu
podia fazer era limpar a área, afastando pedras e galhos.

Quando a água estava quente, despejei um pouco na

embalagem de nosso jantar e esperei que a comida desidratada
se tornasse comestível. Ren logo voltou, resmungando sobre a
madeira, e se sentou ao meu lado. Entreguei-lhe um pacote da
comida e ele a misturou em silêncio.

Entre garfadas da massa quente, perguntei:


- Ren, você acha que aqueles kappa virão atrás de

nós durante a noite?
- Não. Eles ficaram na água esse tempo todo e, se a
história for precisa, eles também têm medo do fogo. Vou
garantir que o fogo queime a noite toda.
- Talvez devêssemos ficar de guarda. Só por segurança.

O canto de sua boca se contorceu enquanto ele dava

outra garfada em sua comida.

- Está bem. Quem fica com o primeiro turno de vigília?

- Eu.

Seus olhos brilharam, divertidos.


- Ah, uma brava voluntária?


Eu o fuzilei com o olhar e dei mais uma garfada.

- Está zombando de mim?


Ele levou a mão ao coração.

- De jeito nenhum! Eu já sei que você é corajosa.

Não precisa me provar isso.

Ren terminou seu jantar, agachou-se ao lado da pilha

de lenha e atirou mais alguns dos estranhos galhos no fogo
aceso. As chamas que lambiam a madeira começaram a
queimar com um matiz esverdeado a princípio e em seguida
crepitaram como fogos de artifício. A chama mudou para um
tom laranja-avermelhado vivo com um toque de verde ao
redor da madeira.

Pus de lado a embalagem vazia de comida e olhei para

as estranhas chamas. Ren se sentou ao meu lado outra vez e
pegou minha mão.

- Kells, agradeço por se oferecer para montar guarda, mas quero que descanse. Esta jornada é mais dura para você do que para mim.

- É você quem está sendo todo arranhado. Eu me
limito a seguir seus passos.
- Sim, mas eu me curo rápido. Além disso, não
acredito que haja motivo para preocupação. Tenho uma
proposta: eu cubro o primeiro turno e, se nada acontecer, nós
dois dormimos. Que tal?

Olhei para ele, carrancuda. Ele começou a brincar com

meus dedos e virou minha mão para que pudesse traçar com o
dedo as linhas na minha palma. A luz do fogo bruxuleava.
Meus olhos seguiram até seus lábios.

- Kelsey?


Ele fez contato visual comigo e eu rapidamente desviei os olhos.

Não estava acostumada a lidar com ele assim em um

acampamento. Em geral, eu tomava todas as minhas decisões e
ele me seguia. Se bem que, na verdade, era eu quem o seguia na
maioria dos lugares. Mas, pelo menos, como tigre ele não
discutia. Nem me distraía com devaneios de ser envolvida em
seus braços e beijá-lo.

Ele me dirigiu um sorriso incrivelmente branco e

acariciou a parte interna do meu braço.

- Sua pele é tão macia.


Ele se inclinou e seu nariz brincou com a minha orelha.
Meu coração batia depressa e meu cérebro parecia perder a clareza.

- Kells, diga que concorda com o meu plano.


Eu me sacudi, livrando-me da névoa que me
enfeitiçava, e cerrei os dentes, teimosa.

- Está bem, você ganhou. Concordo - resmunguei. -

Embora você esteja me coagindo.

Ele riu e olhou para mim.

- E como exatamente eu estou coagindo você?

- Em primeiro lugar, você não pode esperar que eu
pense com coerência quando está me fazendo carinho. Em
segundo, você sempre sabe como conseguir o que quer de mim.
- Verdade?
- Claro. Você só precisa sorrir e pedir com gentileza,
tocar em mim como quem não quer nada, e então, antes que eu
me dê conta, já conseguiu o que queria.
- É mesmo? - zombou ele baixinho. - Eu não tinha a
menor idéia de que exercia esse efeito em você.

Estendendo a mão, ele virou meu rosto em sua direção.

Traçou com os dedos uma linha do maxilar até a veia que
pulsava em meu pescoço, e então ao longo de todo o meu
decote. Meu sangue latejava loucamente quando ele tocou o
cordão em meu pescoço e desceu, acompanhando-o, até o
amuleto. Em seguida, deslizou os dedos de volta ao meu
pescoço, estudando meu rosto enquanto me tocava. Engoli com
dificuldade.

Ele se inclinou, aproximando-se, e ameaçou, brincando:


- Vou ter que me aproveitar mais disso no futuro.


Respirei fundo, com a pele formigando, e estremeci, o

que pareceu deixá-lo ainda mais satisfeito consigo mesmo. Ele
então foi percorrer o perímetro de nosso acampamento uma
última vez enquanto eu abraçava os joelhos e deixava minha
mente vagar.

Meu pescoço formigava onde Ren havia me tocado.

Levei a mão à concavidade na base do pescoço e manuseei o
amuleto. Pensei em Kishan e em quanto ele parecia terrível na
superfície. Por dentro, era tão inofensivo quanto um gatinho. O
irmão perigoso era Ren. Por mais inocente que o tigre de olhos
azuis parecesse, era um predador irresistível. Absolutamente
atraente - como uma planta carnívora. Tão atraente, tão
tentador, tão mortal! Tudo o que ele fazia era sedutor e
possivelmente perigoso para o meu coração.

Ele me parecia muito mais intimidador que Kishan, com

seus comentários provocantes. Os dois irmãos eram lindos e
charmosos. Tinham antiquados modos cavalheirescos pelos
quais qualquer garota cairia. Mas suas palavras eram sinceras.
Não se tratava apenas de um jogo para eles. Não era um truque
para conquistar as mulheres. Eles eram sérios.

Kishan era semelhante a Ren em muitos aspectos. Nesse

sentido, eu podia compreender a escolha de Yesubai, mas o que
fazia Ren 100 por cento mais perigoso para mim era o fato de
eu nutrir sentimentos por ele - sentimentos fortes. Eu já amava
a parte tigre dele antes de sequer saber que ele era um homem.

Esse vínculo fez com que me afeiçoar ao homem fosse muito

mais fácil.

No entanto, estar com o homem era bem mais

complicado que estar com o tigre. Eu precisava sempre me
lembrar de que eles eram os dois lados da mesma moeda. Havia
muitas razões por que eu deveria abrir a guarda e me
apaixonar completamente por Ren. Existia uma clara ligação
entre nós. Eu me sentia atraída por ele, não podia negar.
Tínhamos muito em comum. Eu gostava da companhia dele.
Gostava de conversar com ele e de ouvir sua voz. E sentia que
podia lhe dizer qualquer coisa.

Mas havia também muitas razões para que eu fosse

cautelosa. Nosso relacionamento era muito complexo. Tudo
acontecera depressa demais. Eu me sentia subjugada por ele.
Vínhamos de culturas diferentes. Países diferentes. Séculos
diferentes. Até agora, éramos até mesmo de espécies diferentes
na maior parte do dia.

Acho que me apaixonar por ele seria como mergulhar

em um precipício. Seria ou a melhor coisa que me aconteceria
ou o erro mais idiota que eu cometeria. Faria com que minha
vida valesse a pena ou com que eu me chocasse contra as
pedras e me arrebentasse completamente. Talvez a coisa mais
sábia a fazer fosse desacelerar as coisas. Ser amigos parecia tão
mais simples.

Ren voltou, pegou a embalagem vazia da minha comida

e a guardou na mochila. Sentando-se diante de mim, perguntou:

- O que você está pensando?


Mantive o olhar fixo no fogo.

- Nada importante.


Ele inclinou a cabeça e me olhou por um momento. Não
me pressionou, pelo que me senti grata - outra característica
que eu podia acrescentar à coluna pró-relacionamento de
minha lista mental.

- Vou fazer a primeira vigília - continuou ele -

embora não considere necessário. Ainda tenho meus sentidos
de tigre. Poderei ouvir ou farejar os kappa se eles decidirem
sair da água.
- Ótimo.
- Você está bem?

Eu me sacudi mentalmente. Droga! Eu precisava de um

banho frio! Ele era como uma droga, e o que se faz com as
drogas? A gente se afasta o máximo possível delas.

- Estou bem - disse bruscamente, e me levantei para

vasculhar a mochila. - Avise quando seus supersentidos
começarem a formigar.
- O quê?

Pus a mão no quadril.

- Você também pode saltar de edifícios altos?

- Bom, eu ainda tenho minha força de tigre, se é a isso que você se refere.
- Maravilha - resmunguei. - Vou acrescentar super-herói à sua lista de prós.

Ele franziu a testa.


- Não sou nenhum super-herói, Kells. O mais

importante no momento é que você descanse um pouco. Vou
ficar de olho por algumas horas. Então, se nada acontecer - ele
disse com um sorriso -, eu me junto a você.

Fiquei paralisada e subitamente muito nervosa.

Examinei seu rosto em busca de uma pista, mas ele parecia não
ter nenhuma intenção oculta nem estar planejando qualquer coisa.

Peguei a colcha na mochila, mudei para o outro lado da

fogueira de propósito e tentei ficar confortável na grama. Rolei
de um lado para outro, me revirando na colcha até estar
parecendo uma múmia, a fim de manter os insetos de fora.
Enfiando o braço sob a cabeça, olhei para o dossel negro sem estrelas.

Ren não pareceu se importar com minha reação.

Encontrou um local confortável no outro lado da fogueira e
desapareceu na escuridão.

- Ren? - murmurei. - Onde você acha que estamos?

Não acredito que isso acima de nós seja o céu.
- Acho que estamos em algum lugar subterrâneo -
respondeu baixinho.
- É quase como se tivéssemos vindo parar em outro mundo.

Mudei de posição, tentando encontrar um trecho macio
do solo. Depois de uma meia hora inquieta, me remexendo,
suspirei, frustrada.

- Qual é o problema?


Antes que eu pudesse me deter, resmunguei:


- O problema é que estou acostumada a descansar a

cabeça em um travesseiro quente de pelo de tigre.
- Humm - grunhiu ele - deixe-me ver o que posso fazer.

Em pânico, eu disse com a voz aguda:


- Não se preocupe. Estou bem.


Ele ignorou meus protestos, pegou minha figura de

múmia no colo e me colocou novamente no seu lado do fogo.
Então me virou de lado, deixando-me de frente para o fogo,
deitou-se atrás de mim e deslizou um braço sob o meu pescoço
para aninhar minha cabeça.

- Assim está mais confortável para você?

- É... sim e não. Minha cabeça descansa melhor
nessa posição. Mas infelizmente o restante do meu corpo não
consegue relaxar.
- Por que não?
- Porque você está perto demais para que eu possa relaxar.
- Quando eu era um tigre, isso nunca a incomodou
- disse ele, confuso.

- O tigre e o homem são duas coisas completamente diferentes.


Ele pôs o braço em minha cintura e me puxou para

mais perto, de modo que ficamos abraçados, de conchinha. Ele
parecia irritado e decepcionado quando murmurou:

- Não parece diferente para mim. É só fechar os

olhos e imaginar que ainda sou um tigre.
- Não funciona assim.

Fiquei deitada, rígida, em seus braços, nervosa, principalmente quando ele começou a acariciar minha nuca com o nariz.


- Gosto do cheiro do seu cabelo - disse ele com suavidade.


Seu peito roncava encostado às minhas costas, enviando

vibrações pelo meu corpo enquanto ele ronronava.

- Ren, pode não fazer isso agora?


Ele ergueu a cabeça.


- Gosta quando eu ronrono. Ajuda você a dormir melhor.

- Sim, mas isso só funciona com o tigre. Aliás, como
é que você consegue fazer isso como homem?

- Não sei. Eu apenas faço - respondeu, e então

enterrou o rosto novamente em meu cabelo e acariciou meu braço.
- Ren, me explique como você planeja montar guarda assim.

Seus lábios roçaram meu pescoço.

- Eu posso ouvir e farejar os kappa, lembra?


Eu me contraí e estremeci, com nervosismo, ansiedade

ou qualquer outra coisa, e ele percebeu. Parou de beijar o meu
pescoço e ergueu a cabeça para espiar meu rosto à luz
bruxuleante da fogueira. Sua voz soou solene e calma:

- Kelsey, espero que saiba que eu jamais a

machucaria. Não precisa ter medo de mim.

Virando-me para ele, estendi a mão e toquei seu rosto.
Olhando dentro dos seus olhos azuis, suspirei:

- Não tenho medo, Ren. Confiaria minha vida a você.

Só que nunca estive tão perto assim de alguém.

Ele me beijou suavemente e sorriu.


- Nem eu. - Então mudou de posição, deitando-se

novamente. - Agora vire-se e durma. Estou avisando que
pretendo dormir com você nos braços a noite toda. Quem sabe
quando vou ter essa chance de novo, se é que a terei. Portanto,
tente relaxar e, pelo amor de Deus, não fique se mexendo!

Ele me puxou de volta para o calor do seu peito e eu fechei os olhos. Acabei dormindo melhor do que havia feito em semanas.


Quando acordei, estava aninhada em cima do peito de

Ren. Seus braços me envolviam e nossas pernas estavam
entrelaçadas. Fiquei surpresa de ter conseguido respirar a noite
toda, pois meu nariz estava esmagado de encontro ao seu tórax
musculoso. À noite havia esfriado, mas minha colcha nos
cobria e o corpo dele, que mantinha uma temperatura mais
quente que o normal, havia me mantido aquecida.

Ren ainda estava dormindo, então aproveitei a rara

oportunidade para estudá-lo. Seu corpo forte estava relaxado e
seu rosto, suavizado pelo sono. Os lábios eram cheios, macios e
extremamente desejáveis, e, pela primeira vez, percebi como
seus cílios negros eram longos. O cabelo escuro e acetinado
caía suavemente sobre a testa e estava desarrumado de uma
forma que o fazia parecer ainda mais irresistível.

Então este é o verdadeiro Ren. Mas não parece real. Ele

se assemelha mais a um arcanjo caído na Terra. Eu estivera
com Ren dia e noite pelas quatro últimas semanas, mas seu
tempo como humano era uma fração tão pequena de cada dia
que ele quase parecia um sonho, um Príncipe Encantado da
vida real.

Segui o desenho de uma sobrancelha negra,

acompanhando seu arco com o dedo, e com cuidado afastei o
cabelo escuro e sedoso do rosto. Torcendo para não perturbá-
lo, suspirei, mudei de posição devagar e tentei me afastar, mas
seus braços se enrijeceram, me prendendo.

- Nem pense em sair daqui - murmurou ele, sonolento, e me puxou de volta para se aninhar comigo novamente.


Descansei o rosto em seu peito, sentindo seu coração
bater, e me contentei em ficar ouvindo aquele ritmo.

Depois de alguns minutos, ele se esticou e virou de lado,

puxando-me com ele. Então beijou minha testa, abriu os olhos
e sorriu para mim. Era como ver o sol nascer. O homem bonito
e adormecido já era bastante impressionante, mas, quando me
dirigiu aquele sorriso luminoso e deslumbrante e abriu os
olhos azul cobalto, eu fiquei muda.

Mordi o lábio. Sinos de alarme começaram a soar em minha cabeça.


Os olhos de Ren se abriram e ele prendeu uma mecha

de cabelo solto atrás da minha orelha.

- Bom dia, rajkumari. Dormiu bem?

- Eu... você... eu... dormi muito bem, obrigada - gaguejei.

Fechei os olhos, rolei para longe dele e me levantei. Eu podia lidar muito melhor com o Ren homem se não pensasse muito nele, nem olhasse para ele, nem falasse com ele, nem o ouvisse. 

Ele me abraçou por trás e pude sentir seu sorriso quando pressionou os lábios contra a pele macia atrás da minha orelha.

- A melhor noite de sono que tive em 350 anos.


Ele roçou o nariz em meu pescoço e me veio à mente
uma imagem dele me acenando para que eu saltasse em um
precipício e então rindo enquanto meu corpo se despedaçava
nas pedras molhadas lá embaixo.

Murmurei algo como "Que bom para você" e me

desvencilhei dele. Afastei-me para me aprontar para o dia e
ignorei sua expressão confusa.

Desfizemos o acampamento e seguimos na direção da

cidade. Estávamos ambos muito quietos. Ele parecia remoer
algo em sua mente. Quanto a mim, eu estava tentando impedir
que palpitações nervosas me dominassem a cada vez que
olhava em sua direção.

O que há de errado comigo? Temos uma tarefa a

executar. Precisamos encontrar o Fruto Dourado e eu aqui só
pensando em... namorar!

Estava irritada comigo mesma. Tinha que ficar me

lembrando que aquele era apenas Ren, o tigre, e não uma
paixonite de adolescente. Ficar perto do homem esse tempo
todo estava me fazendo enfrentar a realidade e a primeira coisa
que eu precisava fazer era assumir o controle das minhas emo-
ções. Enquanto andávamos, eu ponderava sobre o problema
que era o nosso relacionamento, mordendo o lábio enquanto pensava.

Ele provavelmente se apaixonaria por qualquer garota

que estivesse destinada a salvá-lo. Além disso, um cara como
ele jamais se sentiria atraído por alguém como eu. Ren era
como o Super-Homem e eu tinha que admitir que não era
nenhuma Lois Lane. Quando a maldição estiver quebrada, ele
provavelmente vai querer namorar top models. E tem mais: eu
sou a primeira garota por perto em mais de 300 anos - e,
embora a linha do tempo seja um pouquinho diferente, ele é o
primeiro homem por quem já senti alguma coisa. Se eu
alimentar a ilusão de ficar com ele para sempre depois que isso
estiver acabado, com certeza vou quebrar a cara.

Na verdade, eu não tinha a menor ideia do que fazer em

relação a Ren. Eu nunca me apaixonara. Nunca nem mesmo
tivera um namorado, e aqueles sentimentos novos eram
excitantes e assustadores ao mesmo tempo. Pela primeira vez
na vida, eu não tinha o controle e não sabia bem se gostava disso.

O problema era que quanto mais tempo eu passava com

ele, mais eu queria ficar com ele. E eu era realista. Meus breves
momentos com ele agora, embora emocionantes, não me
garantiriam um final feliz. Eu sabia, por dolorosa experiência
própria, que finais felizes não existem. Agora que o fim da maldição assomava no futuro próximo, eu precisava encarar os fatos.

Primeiro: assim que Ren estiver livre, ele vai querer

explorar o mundo, e não sossegar. Segundo: o amor é arriscado.
Se ele chegar à conclusão de que não me ama, isso me
destruirá. Seria mais seguro para mim voltar para o Oregon
epara minha vida solitária de antes e esquecê-lo por completo.
Terceiro: talvez eu simplesmente não esteja pronta para tudo isso.

Parte de meu raciocínio era circular, mas os círculos

todos levavam a uma única coisa: não ficar com Ren. Engoli
uma onda de tristeza e cerrei os punhos com determinação. E
resolvi que, para proteger meu coração, seria melhor se eu
cortasse esse relacionamento pela raiz imediatamente e me
poupasse da dor e do constrangimento de nosso rompimento final.

Eu me concentraria na tarefa à frente: chegar a

Kishkindha. Então, quando tudo estivesse acabado, ele poderia
seguir seu caminho e eu, o meu. Eu apenas faria minha parte
para ajudar meu amigo e depois o deixaria ir embora e ser feliz.

Pelo que me pareceram vários quilômetros de

caminhada através daquele mundo estranho e mítico, formulei
um plano e comecei a enviar sinais sutis que punham um freio
no romantismo. Sempre que ele pegava minha mão, eu
encontrava um motivo para delicadamente nos separar.
Quando ele tocava meu braço ou meu ombro, eu me afastava.
Quando ele tentava me abraçar, eu me desvencilhava ou
continuava andando. Eu não disse nada nem ofereci nenhuma
explicação porque não conseguia pensar em uma forma de
abordar o assunto.

Ren tentou me perguntar o que havia de errado, mas eu

desconversei e ele desistiu. A princípio, mostrou-se confuso,
depois sombrio e então começou a se fechar e ficar com raiva.
Estava claro que eu o havia magoado. Não levou muito tempo
para que ele parasse de tentar e eu senti um muro tão
imponente quanto a Grande Muralha da China se erguer entre nós.

Chegamos a um fosso e encontramos uma ponte levadiça. Infelizmente, estava levantada. No entanto, pendia ligeiramente de um lado, como se estivesse quebrada. Ren acompanhou o leito do riacho de ambos os lados e olhou para a água.


- Tem muitos kappa aqui - observou. - Eu não

recomendaria atravessar a nado.
- E se arrastássemos um tronco até aqui e o
usássemos como ponte?
- É uma boa idéia - grunhiu ele.

Então veio até mim e me fez virar de costas.


- O que você está fazendo? - murmurei, nervosa.

- Só estou pegando a gada. - Então acrescentou,
sarcástico: - Não se preocupe. Isso é tudo que vou fazer.

Ele a pegou, fechou o zíper da mochila e se dirigiu para as árvores.

Estava com raiva. Eu nunca o vira com raiva antes, exceto de Kishan. Eu não gostava disso, mas era um efeito colateral natural do plano "arrancando a semente do amor e me poupando das pedras pontiagudas lá embaixo". Não podia ser evitado.


Lancei a Fanindra um breve olhar para ver se ela aprovava o que eu estava fazendo, mas seus olhos cintilantes nada revelaram.


Um minuto depois, soou um estrondo e uma árvore

rapidamente recolheu os galhos. Outro estrondo e a árvore
atravessou o dossel e tombou no chão com um ruído alto. Ele
começou a golpear os galhos, arrancando-os do tronco, e fui
até ele para ajudar.

- Alguma coisa que eu possa fazer?


Ele se manteve de costas para mim.

- Não. Só temos uma gada.


Embora eu já soubesse a resposta, perguntei:


- Ren, por que está com raiva? Tem algo aborrecendo você?


Fiz uma careta, sabendo que era eu que o aborrecia.


Ele parou e se voltou para mim. Seus olhos azuis

examinaram meu rosto. Rapidamente desviei o olhar e o fixei
em um galho trêmulo contraindo suas agulhas. Quando voltei
a encará-lo, seu rosto era uma máscara indecifrável.

- Não tem nada me aborrecendo, Kelsey. Estou bem.


Ele se virou e continuou a arrancar os galhos da árvore.

Quando terminou, me entregou a gada, pegou uma extremidade da pesada árvore e começou a arrastá-la na direção do riacho.

Corri atrás dele e me abaixei para pegar a outra extremidade.


Ele gritou sem nem mesmo olhar para mim:


- Não!


Quando voltamos ao riacho, ele largou o tronco e

começou a procurar um bom lugar para assentá-lo. Eu estava
prestes a me acomodar no tronco da árvore quando notei as
agulhas. Até o tronco tinha agulhas grossas e afiadas que se
erguiam para penetrar carnes desprevenidas. Fui até a
extremidade dianteira e vi o sangue de Ren em grandes gotas
cobrindo as agulhas negras e reluzentes.

Quando ele voltou, exigi:


- Ren, deixe-me ver suas mãos e seu peito.

- Esqueça, Kelsey. Eu vou sarar.
- Mas, Ren...
- Não. Agora se afaste.

Ele foi até a outra extremidade do tronco e o ergueu,

apoiando-o no peito. Fiquei boquiaberta. É, ele ainda tem a
força do tigre. Estremeci ao imaginar aquelas centenas de agulhas se enterrando no seu peito e em seus braços. Os bíceps haviam se avolumado enquanto ele levava o tronco até a beira do riacho.

Uma garota tem o direito de admirar, não tem? Mesmo

quem não pode comprar pode olhar a vitrine, certo?

Era como ver Hércules em ação. Respirei fundo e fiquei

repetindo as palavras: "Ele não é para mim, ele não é para mim,
ele não é para mim", a fim de fortalecer minha decisão.

A extremidade do tronco bateu no muro de pedra. Ele

andou ao longo da margem do riacho até encontrar o ponto
que queria e então o deixou cair com um baque suave.

As agulhas haviam aberto riscos irregulares e

profundos em seu peito e feito em tiras a frente de sua camisa
branca. Fui até ele e estendi a mão para tocar-lhe o braço.

Ele se voltou para mim e disse:


- Agora fique aqui.


Transformando-se em tigre, pulou para o tronco,

atravessou-o e então saltou para a fenda de onde a ponte
levadiça pendia ligeiramente aberta. Ali, abriu caminho com as
garras e desapareceu.

Ouvi um som metálico e em seguida um silvo quando a

pesada ponte de pedra baixou. Ela cruzou o riacho, bateu na
água com uma grande pancada e então se acomodou em seu
leito de cascalho. Atravessei rapidamente, com medo dos kappa
que vira na água abaixo. Ren ainda estava como tigre e parecia
disposto a permanecer assim.

Entrei na cidade de pedra de Kishkindha. A maior parte

dos edifícios tinha dois ou três andares. A pedra acinzentada
dos muros externos também era a usada nas construções. Era
polida como granito e continha pedaços cintilantes de mica
que refletiam a luz. Produzia um efeito lindo.

Uma estátua gigante de Hanuman erguia-se no centro,

e cada canto e cada fresta da cidade encontrava-se coberto
com macacos de pedra em tamanho natural. Sobre os prédios,
os telhados e as sacadas viam-se estátuas de macacos. Entalhes
de símios cobriam as paredes dos prédios. As estátuas
representavam várias espécies diferentes de macaco e com
frequência se agrupavam em número de dois ou três. Na
verdade, os únicos tipos de macaco não presentes ali eram os
fictícios macacos voadores de O Mágico deOz e o King Kong.

Quando passei pelo chafariz central, senti uma pressão no braço. Fanindra despertara. Abaixei-me para deixá-la deslizar do meu braço para o chão. Ela ergueu a cabeça e provou o ar com a língua várias vezes. Então começou a colear pela cidade antiga. Ren e eu a seguimos enquanto ela tecia seu lento caminho.


- Você não precisa se manter como tigre só por minha causa - falei.


Ele manteve os olhos voltados para a frente, seguindo a cobra.


- Ren, é um milagre que você possa ficar na forma

humana. Não faça isso consigo mesmo, por favor. Só porque
está com rai...

Ele voltou à forma humana e girou, ficando de frente para mim.


- Eu estou com raiva! Por que não deveria permanecer como tigre? Você parece muito mais à vontade com ele do que comigo!


Seus olhos azuis se turvaram com incerteza e mágoa.


- Eu me sinto mais à vontade com ele, mas não porque eu goste mais dele - argumentei. - E complicado demais discutir isso com você agora.


Eu me virei para o outro lado, escondendo meu rosto vermelho.


Frustrado, ele correu a mão pelos cabelos e perguntou, ansioso:

- Kelsey, por que está me evitando? É porque estou indo rápido demais? Você não está pronta para pensar em mim dessa maneira, é isso?

- Não. Não é isso. É só que - eu torcia as mãos - eu
não quero cometer um erro ou me envolver em algo que vá
levar um de nós ou os dois a se machucar. Também não acho
que este seja o melhor lugar para falar sobre isso.

Eu olhava para seus pés enquanto dizia essas palavras.

Ele ficou em silêncio por um bom tempo. Espiei seu rosto por
baixo dos meus cílios e vi que me avaliava. Ele continuou a me
observar pacientemente. Eu olhava para as pedras do
pavimento, para Fanindra, para minhas mãos, para tudo -
menos ele. Por fim, Ren desistiu.

- Ótimo.

- Ótimo?
- É, ótimo. Agora me dê a mochila. É minha vez de carregá-la um pouco.

Ele me ajudou a tirá-la das costas e então ajustou as alças para seus ombros largos. Fanindra parecia pronta para se pôr novamente em movimento e seguiu sua jornada, atravessando furtivamente a cidade de macacos.


Passamos para as sombras escuras entre os edifícios,

onde o corpo dourado de Fanindra brilhava. Ela escorregou
entre frestas sob portas emperradas contra as quais Ren teve
que se jogar para abrir. E nos levou por uma interessante pista
de obstáculos do ponto de vista de uma cobra, enfiando-se
debaixo e através de coisas pelas quais era impossível Ren e eu
passarmos. Ela desaparecia sob rachaduras no chão e Ren
precisava farejar para encontrá-la. Muitas vezes tivemos que
voltar para achá-la do outro lado de paredes e salas. Sempre a
encontrávamos enrodilhada e descansando, esperando
pacientemente que a alcançássemos.

Por fim, ela nos levou até um tanque retangular cheio

até a borda com água verde repleta de algas. O tanque ia até a
minha cintura e em cada canto erguia-se um alto pedestal de
pedra. No topo de cada pedestal havia um macaco esculpido,
todos olhando a distância, um para cada ponto cardeal.

As estátuas encontravam-se agachadas, com as mãos

tocando o chão. Os dentes estavam à mostra e eu podia
visualizá-los sibilando, como se prestes a atacar. Suas caudas se
curvavam sobre o corpo, alavancas robustas para aumentar o
alcance da investida. Sob os pedestais, grupos de macacos de
pedra de olhar maligno espiavam das sombras com suas caretas e olhos negros e ocos. Os braços compridos se estendiam à frente, como se prontos para agarrar e dilacerar quem passasse por ali.

Degraus de pedra levavam ao tanque de água. Subimos

e olhamos lá dentro. Com alívio, vi que não havia nenhum
kappa à espreita nas águas escuras. Na extremidade do tanque,
na borda de pedra, havia uma inscrição.

- Você consegue ler? - perguntei.

- Diz Niyuj Kapi. "Escolha o macaco".
- Hum.

Demos uma volta pelos quatro cantos examinando cada estátua. Uma tinha orelhas espetadas para a frente e outra tinha as orelhas grudadas à cabeça. As quatro eram de espécies diferentes de macacos.


- Ren, Hanuman era metade homem, metade

macaco, certo? Que tipo de macaco era a metade macaco?
- Não sei. O Sr. Kadam saberia. Só sei dizer que estas duas estátuas não são de espécies nativas da Índia. Este aqui é um macaco-aranha, nativo da América do Sul. Este outro é um chimpanzé.

Olhei para ele, boquiaberta.


- Como você sabe tanto assim sobre macacos?


Ele cruzou os braços no peito.


- Ah, então macacos são um tema de conversa aceitável? Talvez, se eu fosse um macaco e não um tigre, você me desse uma pista do motivo por que está me evitando.

- Não estou evitando você. Só preciso de um pouco de espaço. Não tem nada a ver com sua espécie. Tem a ver com outras coisas.
- Que outras coisas?
- Nada.
- É alguma coisa.
- Podemos voltar para o tema macacos? - gritei.
- Ótimo! - ele gritou de volta.

Ficamos ali fuzilando um ao outro com o olhar por um minuto, ambos frustrados e com raiva. Ele então voltou a examinar os vários primatas e a ticar mentalmente suas características numa lista.


Antes que pudesse me conter, disparei, com sarcasmo:


- Eu não tinha a menor ideia de que estava acompanhado de um especialista em macacos, mas, é claro, você os come, certo? Então acho que essa seria a diferença entre, digamos, porco e frango, para alguém como eu.


Ren me olhou com a testa franzida.


- Eu vivi em zoológicos e circos por séculos, lembra?

E eu não... como... macacos!

Cruzei os braços sobre o peito e olhei ferozmente para

ele. Ele devolveu o olhar e então, batendo o pé, foi se agachar
diante de outra estátua.

Irritado, ele disse:


- Aquele ali é do gênero Macaca, nativo da Índia, e

esse peludo é um babuíno, também encontrado aqui.
- Então, qual eu escolho? Tem que ser um destes
dois últimos, já que os outros dois não são daqui.

Ele me ignorou, provavelmente ainda ofendido, e estava

olhando o grupo de macacos sob o pedestal quando declarei:

- Babuíno.


Ele se levantou.


- Por que ele?

- A cara dele me lembra a da estátua de Hanuman.
- Então faça uma tentativa.
- Como é?

Ele perdeu a paciência.


- Sei lá! Faça aquela coisa que você faz, com a mão.

- Não sei se funciona.

Ele gesticulou na direção do macaco.


- Ah, então esfregue a cabeça dele como uma estátua

de Buda. Precisamos descobrir qual é o próximo passo.

Fechei a cara para Ren, que decididamente estava

frustrado comigo, e então fui até a estátua do babuíno e,
hesitante, toquei-lhe a cabeça. Nada aconteceu. Dei tapinhas
em suas bochechas, esfreguei-lhe a barriga e puxei os braços, a
cauda... Nada! Estava apertando os ombros dele quando senti a
estátua se mover um pouquinho. Empurrei um dos ombros e o
topo do pedestal deslocou-se para o lado, revelando uma caixa
de pedra com uma alavanca. Estendi a mão e puxei a alavanca.
A princípio, nada se moveu. Então senti que minha mão
esquentava. Os símbolos desenhados nela ressurgiram nítidos e
a alavanca se moveu, erguendo-se, retorcendo-se e saltando.

Um tremor sacudiu o chão e a água no tanque começou

a escoar. Ren agarrou meus braços e rapidamente me puxou
contra o seu peito, afastando-nos do tanque. Ele descansou as
mãos na parte superior dos meus braços enquanto
observávamos a pedra se deslocar.

O tanque retangular rachou e se dividiu em dois. As duas metades começaram a deslizar em direções opostas. A água se derramou, batendo na pedra e rolando para o buraco que se abriu.


Alguma coisa começou a emergir. A princípio, pensei

que fosse apenas o reflexo da luz na pedra molhada e
reluzente, mas a luz foi ficando cada vez mais clara até que vi
um galho se projetar do buraco, coberto por folhas douradas.
Mais galhos surgiram e então um tronco. Ele continuou a subir
até que a árvore toda estava diante de nós. As folhas tremeluziam, irradiando uma luz amarela suave, como se milhares de luzinhas de Natal douradas estivessem enroscadas nos galhos. As folhas douradas tremiam, como se uma leve brisa as sacudisse.

A árvore tinha cerca de três metros de altura e era

coberta por pequenas flores brancas que exalavam uma
fragrância doce. As folhas eram longas e finas, presas a galhos
delicados que levavam a outros mais grossos e mais fortes e
dali ao tronco compacto e robusto. O tronco se assentava em
uma grande caixa de pedra, sobreposta a uma sólida base
também de pedra. Era a árvore mais bonita que eu já vira.

Ren pegou minha mão e me conduziu cautelosamente na direção da árvore. Ele estendeu a mão para tocar uma folha dourada.


- É linda! - exclamei.


Ele colheu uma flor e a cheirou.


- É uma mangueira.


Ficamos os dois admirando a árvore. Eu tinha certeza de

que meu rosto mostrava tanto assombro quanto o dele.

A expressão de Ren se suavizou. Ele deu um passo em minha direção e ergueu a mão para prender a flor no meu cabelo. Eu me afastei dele, fingindo não ver, e toquei uma folha dourada.


Quando tornei a olhá-lo um momento depois, sua

expressão era de pedra e a flor branca jazia esmagada no chão.
Meu coração palpitou dolorosamente quando vi as lindas
pétalas caídas despedaçadas e esquecidas na sujeira.

Contornamos a base da árvore, examinando-a de todos os ângulos.


- Ali! - gritou Ren. - Está vendo lá no alto? É um fruto dourado!

- Onde?

Ele apontou para o alto da árvore e, de fato, uma esfera

dourada oscilava suavemente em um galho.

- Uma manga - murmurou ele. - É claro. Faz sentido.

- Por quê?
- A manga é um dos principais produtos de
exportação da índia. É essencial para o nosso país. É possível
que seja o recurso natural mais importante que temos.
Portanto, o Fruto Dourado da índia é uma manga. Eu devia ter
imaginado.

Ergui os olhos para os galhos altos.


- Como vamos alcançá-lo?

- Suba nos meus ombros. Precisamos fazer isso juntos.

Eu ri.


- Ren, acho melhor você inventar outro plano. Tipo saltar como vocês supertigres fazem e pegá-lo com a boca ou algo assim.


Ele sorriu para mim, malicioso.


- Não. Você - ele tocou meu nariz com o dedo - vai se sentar nos meus ombros.

- Por favor, pare de dizer isso - gemi.
- Ande logo. Eu vou dizendo a você o que fazer. É como uma brincadeira de criança.

Ele me levantou e me colocou na borda de pedra do tanque de água. Então deu meia-volta, ficando de costas para mim.


- Muito bem, suba.


Ele estendeu as mãos. Eu as segurei, hesitante, e passei

uma perna sobre seu ombro, queixando-me o tempo todo.
Quase recuei a perna, mas ele antecipou que eu iria amarelar e
levou o braço às costas para agarrar minha outra perna e me
içar antes que eu pudesse desistir.

Depois de eu gritar com ele em vão, Ren segurou

minhas mãos e, equilibrando meu peso com facilidade, voltou
até a árvore. Levou algum tempo procurando o lugar certo e
então começou a me dar instruções.

- Está vendo aquele galho grosso bem acima da sua cabeça?


- Sim.

- Solte uma das mãos e agarre-o.

Foi o que fiz, advertindo-o:


- Não me deixe cair!

- Fique tranquila.

Segurei o galho e me agarrei a ele.


- Ótimo. Agora levante a outra mão e pegue o mesmo galho. Vou ficar segurando suas pernas, não se preocupe.


Erguendo o braço, segurei firme o galho, mas as palmas

das minhas mãos estavam suadas, e, se ele não estivesse me
segurando, eu certamente teria caído.

- Ei, Ren, essa foi uma ótima ideia, mas ainda estou a

mais ou menos meio metro do fruto. O que faço agora?

Em resposta, ele riu e disse:


- Espere um segundo.

- Como é?

Ele arrancou os tênis dos meus pés.


- Segure-se no galho e fique de pé - instruiu.


Apavorada, gritei e apertei o galho, como se disso

dependesse a minha vida. Ren me elevou ainda mais. Olhei
para baixo e vi que ele apoiava meus pés nas mãos, suportando
todo o peso do meu corpo apenas com os braços.

- Ren, você está maluco? - sibilei. - Sou muito pesada para você.

- É claro que não é, Kelsey - zombou ele. - Agora preste atenção. Continue segurando o galho. Quero que você passe das minhas mãos para os meus ombros, primeiro um pé, depois o outro.

Ele ergueu minha perna direita primeiro e eu senti meu

calcanhar bater em seu braço. Com cuidado, movi o pé,
pousando-o em seu ombro largo, e então fiz o mesmo com o
outro pé. Olhei para o fruto, que agora pendia bem à minha
frente, oscilando levemente.

- Pronto. Vou tentar pegá-lo agora. Fique firme.


Suas mãos haviam deslizado para as minhas

panturrilhas e ele as apertava com firmeza. Eu me apoiei no
galho, que agora estava na altura da minha cintura, e estiquei o
braço para alcançar o fruto, preso a um caule longo e lenhoso
que se projetava do topo da árvore.

Meus dedos roçaram o fruto e por um momento ele se deslocou. Quando voltou, eu o envolvi com a mão e puxei delicadamente.


Ele não se moveu. Puxei com um pouco mais de força,

tomando cuidado para não danificar o fruto dourado.
Supreendentemente, a textura era a de uma manga de verdade,
com sua pele lisa e semelhante a couro, embora reluzisse com
uma luz dourada deslumbrante. Firmei meu corpo outra vez no
galho, puxei com força e consegui arrancá-lo do caule.

Imediatamente, meu corpo se congelou e tornou-se

rígido, e minha mente mergulhou na escuridão. Um calor
escaldante queimava meu peito e uma figura fantasmagórica
vinha em minha direção. As feições enevoadas giraram e se
solidificaram, tomando forma. Era o Sr. Kadam! Ele tinha a mão
no peito e parecia em agonia. Quando retirou a mão, vi que o
amuleto que usava brilhava, incandescente. Olhei para baixo e
vi que o meu brilhava da mesma maneira. Tentei estender a
mão para ele e falei, mas ele não parecia me ouvir, nem eu a ele.

Outra figura espectral girou diante de nós e foi lentamente ganhando forma. Ele também segurava um grande amuleto. De repente, alerta, olhou para o Sr. Kadam. E logo voltou sua atenção para o amuleto que o Sr. Kadam usava.


O homem vestia roupas modernas e caras. Seus olhos

vivos demonstravam inteligência, confiança, determinação e
algo mais, algo sombrio, algo... maligno. Ele tentou dar um
passo à frente, mas uma espécie de barreira impedia que
qualquer um de nós se movesse.

Sua expressão se contraiu e se contorceu em fúria, que,

embora rapidamente reprimida, continuou ali, como uma fera
à espreita por trás de seus olhos. Fiquei desesperada quando o
homem voltou sua atenção para mim. Estava claro que ele
queria alguma coisa.

Seus olhos me examinaram com atenção da cabeça aos

pés e então pousaram no amuleto incandescente em meu
pescoço. Uma malícia reluzente e uma satisfação repugnante
perpassaram pelo seu rosto. Olhei para o Sr. Kadam, buscando
ajuda, mas ele também estudava o homem meticulosamente.

Eu sentia muito medo. Gritei, chamando Ren, mas nem

eu mesma podia ouvir a minha voz.

O homem tirou algo do bolso e começou a murmurar

palavras para si mesmo. Tentei ler seus lábios, mas ele parecia
falar em outra língua. As feições do Sr. Kadam estavam ficando
transparentes. Ele se tornava espectral outra vez. Olhei para o
meu braço e arquejei quando percebi que o mesmo começava a
acontecer comigo. Minha mente rodopiava, tonta. Tive a sen-
sação de que ia desmaiar. Não pude mais resistir. E fui caindo...
caindo... caindo...

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