sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Capítulo 22 - Fuga

Quando abri os olhos, o rosto de Ren estava diante de mim.

- Kelsey! Você está bem? Você caiu. Desmaiou? O que aconteceu?

- Não, eu não desmaiei! Pelo menos, acho que não.

Ele me segurava nos braços, me apertando junto ao peito, e eu gostava disso. Não queria gostar, mas gostava.


- Você me pegou?

- Eu falei que não ia deixar você cair - disse ele, em tom de sermão.
- Obrigada, super-herói - murmurei, sarcástica. - Agora me ponha no chão, por favor. Eu posso ficar de pé.

Ren me colocou no chão com cuidado e, para minha grande consternação, minhas pernas ainda bamboleavam. Ele estendeu a mão para me firmar e eu gritei:


- Eu disse que posso ficar de pé! Pode me dar um minuto, por favor?


Eu não sabia por que estava gritando com ele. Ren só

queria ajudar, mas eu estava assustada. Coisas estranhas
estavam acontecendo comigo, coisas sobre as quais eu não
tinha o menor controle. Também me sentia constrangida e
excessivamente sensível quando ele me tocava. Não conseguia
pensar direito. Meu cérebro ficava enevoado, como um espelho
em um banheiro cheio de vapor. Eu precisava me afastar dele o
mais rápido possível.

Sentei-me na borda de pedra do tanque de água e calcei

meus tênis, esperando que a tontura logo passasse.

Ren cruzou os braços sobre o peito e estreitou os olhos, me encarando.


- Kelsey, me conte o que aconteceu, por favor.

- Não sei bem. Eu tive uma... visão, acho.
- E o que você viu?

- Eram três pessoas: o Sr. Kadam, um homem assustador e eu. Nós três usávamos amuletos, e eles brilhavam, vermelhos.


Ele baixou os braços e seu rosto ficou sério.


- Como era esse homem assustador? - perguntou baixinho.

- Ele parecia... sei lá, um chefe da máfia ou algo no gênero. O tipo de sujeito que gosta de estar no controle e matar. Tinha cabelo escuro e olhos negros e brilhantes.
- Era indiano?
- Não sei. Talvez.

Fanindra havia se enroscado aos meus pés em sua posição de joia. Eu a apanhei, deslizei-a braço acima e então olhei ao redor, desesperada.


- Ren? Onde está o fruto dourado?

- Aqui.

Ele o apanhou onde havia caído, na base da árvore.


- Precisamos escondê-lo.


Alcancei a mochila e tirei minha colcha de dentro dela.

Estendi a mão e peguei o fruto com Ren, tomando cuidado para
que nossas mãos não se tocassem, e então o enrolei na colcha e
guardei na mochila. Acho que fui um pouco óbvia em meu
desejo de evitar tocá-lo, pois Ren me olhava de cara feia
quando me voltei para ele.

- O que foi? Agora você não pode nem me tocar? É

bom saber que eu lhe causo tanta repugnância! Que pena que você não convenceu Kishan a vir, assim podia me evitar totalmente!

Eu o ignorei e amarrei meus cadarços, fazendo laços duplos.


Ele gesticulou na direção da cidade e sorriu, zombeteiro:


- Quando se sentir recuperada o bastante, rajkumari.


Eu o olhei, feroz, e empurrei seu peito.


- Talvez Kishan tivesse sido menos idiota. E, para sua informação, Sr. Sarcástico, não estou gostando muito de você agora.


Ele me encarou com os olhos estreitados.


- Bem-vinda ao clube, Kells. Podemos ir embora?

- Ótimo.

Virei-me de costas para ele, ajustei as alças da mochila

e saí andando sozinha.

Ele ergueu as mãos, exasperado.


- Ótimo!

- ÓTIMO! - gritei de volta, e continuei andando para a cidade com ele me seguindo em silêncio, furioso.

Depois que passamos a primeira construção, o chão começou a estremecer. Paramos e nos viramos para olhar a árvore dourada. Ela estava retornando para dentro do solo e as duas metades do tanque voltavam a se unir. Havia um estranho brilho vindo de dentro das quatro estátuas de macacos.


- Hã... Kells? Acho que seria bom sairmos da cidade o mais rápido possível.


Aceleramos o ritmo e começamos a correr entre as construções. Ouvi um silvo e um grito, seguido por vários outros. As estátuas dos macacos estavam brilhando e ganhando vida. Alguma coisa se movia acima de nossas cabeças.


Pequenas figuras marrons e pretas saltavam de casa em casa nos seguindo. A cacofonia dos gritos atingiu um nível de ruído incrível.


Gritei para Ren enquanto corria:


- Perfeito! Agora estamos sendo perseguidos por hordas de macacos! Talvez você queira nomear as espécies enquanto eles nos atacam, só para eu poder apreciar as características especiais de cada macaco enquanto eles me matam!


Ele corria ao meu lado.


- Pelo menos, enquanto os macacos a atormentam, você não tem tempo de me atormentar!


Os macacos estavam chegando mais perto. Eu quase tropecei em um que atravessou em disparada na minha frente. Ren saltou sobre um chafariz com sua força de tigre. Exibido.


- Ren, estou atrasando você. Dê o fora daqui! Pegue a mochila e vá.


Ele riu com deboche enquanto corria à minha frente.

Então, virou-se para me olhar enquanto corria:

- Ah! Bem que você iria gostar de se livrar de mim!


Ele correu um pouco mais à minha frente e se transformou em tigre. Então voltou em disparada a minha direção e saltou sobre o meu corpo em movimento, avançando para a aglomeração de macacos a fim de retardá-los.


Gritei para ele, ainda correndo:


- Ei! Cuidado onde pula! Quase arranca a minha cabeça!


Continuei correndo, exigindo das minhas pernas o

máximo que podiam dar. Ouvia ruídos terríveis às minhas
costas. A maior parte dos macacos atacava. Ren mordia,
golpeava com as garras e rugia. Olhei para trás por sobre o
ombro. Macacos marrons, cinza e pretos cobriam seu corpo e
se agarravam ao seu pelo. Uns 10 macacos ainda me
perseguiam, inclusive o imenso babuíno do tanque de água.

Dobrei uma esquina e finalmente vi a ponte levadiça.

Um macaco saltou e se agarrou à minha perna, me atrasando.
Tentei me livrar dele enquanto corria.

Batendo nele inutilmente, gritei:


- Ma-ca-co im-be-cil... caia fora!


Em resposta, ele mordeu meu joelho.


- Aiii!


Sacudi a perna com mais força enquanto corria e batia

o pé no chão para tornar o passeio o mais desagradável
possível para o pequeno carona. Nesse momento, a metade
superior do corpo de Fanindra se animou. Ela sibilou e cuspiu
no macaco, que gritou e imediatamente soltou minha perna.

- Obrigada, Fanindra.


Afaguei-lhe a cabeça enquanto ela se acomodava outra vez em meu braço.


Alcancei o portão, cruzei a ponte e parei do outro lado.

Ren vinha saltando em minha direção, tentando se livrar dos
macacos em suas costas. Vários deles vieram enfurecidos para
cima de mim. Eu os chutei violentamente, tirei rápido a
mochila dos ombros e peguei a gada.

Comecei a brandi-la como um bastão de beisebol.

Acertei um macaco com um ruído nauseante, e ele gemeu e
fugiu em disparada de volta para a cidade. O problema era que
eu só conseguia acertar um deles em média na terceira
tentativa. Um saltou nas minhas costas e começou a puxar
meus cabelos. Outro se agarrou à minha perna. Continuei a
brandir a gada para a frente e para trás, e por fim consegui me
livrar de quase todos.

Ren atravessou a ponte levadiça com cerca de 15 macacos agarrados ao seu pelo. Ele saltava, pulava de encontro às árvores, batendo o corpo nos troncos, primeiro de um lado, depois do outro. Então, com um salto, esfregou o corpo em um galho e arrancou os macacos restantes.


As árvores de agulhas ganharam vida, disparandoramos com folhas para enredar os malignos símios pelas

pernas e caudas, e então os puxaram aos gritos para os galhos.
Eles eram leves demais para lutar e logo desapareciam nas copas.

Enquanto isso, eu brandia a gada contra o babuíno

cinza, mas ele corria à minha volta para evitar os golpes. Era
rápido demais para mim e guinchava sem parar. Agitava os
braços compridos e me acertava a cada oportunidade. Era forte
o bastante para que seus golpes doessem. Eu tinha a sensação
de que estava sendo amaciada, como um pedaço de carne. Um
macaquinho minúsculo se sentou no meu ombro e puxou
minhas tranças com tanta força que conseguiu me arrancarlágrimas.

Livre dos macacos, Ren correu ao meu encontro na

forma humana, soltou os dedos do macaquinho das minhas
tranças, arrancou-o do meu ombro e o atirou pelos portões da
cidade. O macaquinho bateu com força no chão, rolou e então
se levantou, silvou para nós e desapareceu. Ren pegou a gada
da minha mão e a ergueu contra o babuíno, que deve ter
adivinhado que a mira de Ren era melhor do que a minha, pois
soltou um berro e também correu de volta para a cidade.

Desabei sentada no chão, arfando. A cidade de repente ficou sinistramente quieta. Não se ouvia nem um único silvo ou grito de macaco.


Ren se virou para me olhar.


- Você está bem?


Agitei a mão na direção dele, dispensando sua

preocupação. Ele se abaixou, tocou o meu rosto, olhou-me de
cima a baixo e então sorriu, irônico.

- O pequenininho era um sagui-leãozinho. Só para o caso de você querer saber.

- Obrigada, Enciclopédia Ambulante dos Macacos - rebati, ofegante.

Ele riu, pegou garrafas de água para nós dois e me entregou uma barra de cereais.

- Você não vai comer uma? - perguntei.


Ele pôs a mão no peito e zombou.

- Eu? Comer uma barra de cereais quando a selva está aí cheia de macacos apetitosos? Não, obrigado. Não estou com fome.


Mordisquei minha barra em silêncio e verifiquei o

Fruto Dourado para ter certeza de que não se machucara.
Ainda estava lá, embrulhado em segurança em minha colcha.

Depois de uma rápida refeição e um pouco de descanso,

começamos a jornada de volta pelo caminho de cascalho entre
as árvores e o riacho. Ren batia nas árvores com força extra ao
passarmos. Comecei a me sentir culpada pela maneira como o
vinha tratando. Eu observava seus ombros rígidos enquanto ele
andava, furioso, na minha frente.

Eu sentia falta de sua amizade. Sem falar das outras coisas.


Estava prestes a lhe pedir desculpas quando percebi que

os kappa estavam tirando a cabeça da água e nos observando.

- Olhe, Ren. Temos companhia.


Olhar para eles só pareceu lhes dar novo ímpeto para

agir. Ergueram ainda mais a cabeça e acompanharam nosso
progresso com olhos muito pretos. Eu não conseguia deixar de
olhar para eles. Eram horríveis! Exalavam um cheiro de
pântano fétido e, quando piscavam, as pálpebras deslizavam de
lado, como as de um crocodilo.

Sua carne era pálida, quase diáfana, e suas veias negras pulsantes podiam ser vistas sob a pele pegajosa. Apressei o passo. Ren colocou-se entre mim e o riacho, erguendo a gada como um aviso.


- Tente se curvar para eles - sugeri.


Ambos começamos a baixar a cabeça e nos curvar

enquanto andávamos, mas eles nos ignoraram e ergueram-se
ainda mais na água. Agora estavam de pé e se moviam adiante,
lenta e mecanicamente, como se tivessem acabado de acordar
de um sono profundo. A água chegava à altura de seu peito,
mas eles estavam se aproximando. Eu me virei e fiz uma
profunda reverência, mas ainda assim não funcionou.

- Continue, Kelsey. Vá mais rápido!


Começamos a correr. Eu sabia que não aguentaria manter aquele ritmo por muito tempo, mesmo com Ren carregando a mochila. Mais kappa surgiram da água, vários metros à nossa frente. Eles tinham braços compridos e mãos membranosas. Um deles sorriu para mim e eu vi dentes pontudos e afiados. Um tremor percorreu as minhas costas e eu corri um pouco mais rápido.

Agora eu podia ver as pernas das criaturas. Fiquei

surpresa que tivessem pernas como as humanas. Por suas
costas desciam cristas semelhantes a uma espinha de peixe.
Suas pernas musculosas e poderosas estavam cobertas de restos
de plantas aquáticas, e suas longas caudas se enroscavam como
a de um macaco, mas terminavam em uma nadadeira caudal
transparente. Os kappa se balançavam para a frente e para
trás, ameaçadores, puxando os pés da imundície com um ruidoso som de sucção enquanto abriam caminho para a margem do rio.

Tinham o cuidado de manter a cabeça equilibrada, o

que fazia com que seus corpos parecessem desarticulados. A
cabeça ficava em um lugar enquanto o torso se balançava e
oscilava, à semelhança de um zumbi. Eles tinham uns 30
centímetros a menos que eu e se moviam rapidamente,
ganhando velocidade enquanto avançavam, desajeitados, com
os pés membranosos. Era sinistro ver seus corpos acelerarem
enquanto as cabeças permaneciam quase imóveis.

- Mais rápido, Kelsey. Corra mais!

- Não consigo ir mais rápido, Ren!

Uma horda de vampiros kappa brancos nos perseguia,

diminuindo a distância rapidamente.

- Não pare, Kelsey - gritou Ren. - Vou tentar atrasá-los!


Continuei correndo por uma boa distância, então

voltei-me para ver como Ren estava se saindo. Ele havia parado
de tentar se curvar para eles, que se detinham para avaliar sua
atitude, mas, ao contrário da história da mãe de Ren, não se
curvavam de volta. Guelras nas laterais do pescoço se abriam e
fechavam, e eles abriram a boca, exibindo os dentes. Gotas
negras e viscosas escorriam de suas bocas quando um
gorgolejo se transformava em grito penetrante. Então
dispararam na direção de Ren, atacando sua presa.

Ren lançou a gada com força contra o mais próximo,

enterrando-a fundo no peito da criatura. O monstro lançou um
líquido escuro e imundo pela boca e caiu na margem do
riacho. Os outros nem sequer notaram o companheiro caído.
Eles apenas se lançaram sobre Ren, que, depois de acertar
vários outros, deu meia-volta e correu em minha direção, acenando.

- Continue correndo, Kelsey! Não pare!


Conseguimos nos manter à frente deles, mas eu estava esgotada. Paramos por um breve instante para recuperar o fôlego.


- Eles vão nos pegar - falei, arfando e tentando

sorver o ar. - Não posso continuar correndo. Minhas pernas
estão perdendo as forças.

Ren também arfava.


- Eu sei. Mas temos que continuar tentando. -

Tomando um grande gole de água, ele me entregou a garrafa
com o restante e agarrou a minha mão, me levando para as
árvores. - Venha. Siga-me. Tenho uma idéia.
- Ren, as árvores de agulhas são terríveis. Se voltarmos lá, vamos ter duas coisas tentando nos matar, e não apenas uma.
- Confie em mim, Kells. Venha comigo.

Quando entramos no meio das árvores de agulhas, os
galhos imediatamente começaram a reagir a nós. Ren me
puxava com ele enquanto corríamos. Para falar a verdade, não
achei que pudesse prosseguir, mas de alguma forma consegui.
Eu podia sentir os espinhos fustigando minhas costas.

Depois de vários minutos correndo, Ren parou, me pediu que ficasse imóvel e atacou as árvores à minha volta com a gada.


Então se inclinou, ofegante.


- Sente-se. Descanse um pouco. Vou tentar fazer os

kappa me seguirem para as árvores. Espero que funcione com
eles como funcionou com os macacos.

Ren se transformou em tigre, deixou-me com a gada e a mochila e depois disparou para os galhos ondulantes. Fiquei de ouvidos atentos e escutei as árvores se movendo, tentando prendê-lo ao passar. Então tudo ficou mortalmente silencioso. O único som era o da minha respiração irregular. Sentei-me no chão coberto de musgo o mais distante possível das árvores e esperei.


Mesmo aguçando os ouvidos, eu nada ouvia, nem

mesmo pássaros. Por fim, me deitei e descansei a cabeça na
mochila. Meu corpo e meus músculos doloridos latejavam, e os
arranhões nas costas ardiam. Devo ter cochilado, porque um
barulho me despertou com um susto. Ouvi um ruído estranho
de algo se arrastando perto da minha cabeça. Uma forma
branco-acinzentada saltou do meio das árvores em minha
direção e, antes que eu pudesse me levantar, agarrou meus
braços e me puxou para a posição sentada. Então se inclinou
sobre mim e babou uma saliva preta em meu rosto.

Eu me debatia, batendo em seu peito, mas a criatura era

mais poderosa do que eu. Seu torso era coberto por cortes que
vertiam gotas escuras; as árvores haviam arrancado pedaços de
sua carne. Olhos bizarros piscaram várias vezes à medida que
ela me puxava para mais perto, mostrava os dentes e
enterrava-os em meu pescoço.

Ela grunhia e sugava meu pescoço, e eu chutava com

força, tentando escapar. Eu gritava e me debatia, mas minha
energia rapidamente se esgotou. Após um momento, eu já não
podia senti-la. Era quase como se aquilo estivesse acontecendo
com outra pessoa. Ainda ouvia o monstro, mas uma estranha
letargia tomou conta de mim. Minha visão se enevoou e minha
mente vagueou até eu sentir uma paz onírica.

De repente, ouvi um estrondo, seguido por um rugido

feroz. Então vi um anjo guerreiro se erguer acima de mim. Era
magnífico! Senti um leve puxão no pescoço e em seguida um
peso foi retirado do meu corpo. Ouvi o ruído de algo batendo
na água e o homem bonito se ajoelhou ao meu lado. Embora ele
parecesse falar comigo com urgência, eu não conseguia
entender suas palavras. Tentei responder, mas minha língua
não me obedecia.

Delicadamente, ele afastou o cabelo do meu rosto e

tocou meu pescoço com dedos frios. Seus olhos maravilhosos se
encheram de lágrimas e uma gota cintilante de diamante caiu
em meus lábios. Senti a lágrima salgada e fechei os olhos.
Quando os abri, ele sorriu. O calor daquele sorriso me
envolveu e agasalhou em um manto de ternura tranquilizante.
O guerreiro me pegou com cuidado no colo e eu dormi.

Quando recuperei a consciência, estava escuro e eu me

encontrava deitada diante de uma fogueira colorida de verde e
laranja. Ren estava sentado ao lado, os olhos fixos nela,
parecendo arrasado, exausto e desamparado. Deve ter
percebido que eu me mexia, pois veio imediatamente até mim e
ergueu minha cabeça com delicadeza para me dar água.
Minha garganta de repente queimou, como se eu tivesse
engolido a fogueira. O calor foi penetrando meu corpo até
explodir em meu âmago. Eu estava pegando fogo de dentro
para fora e gemi com a dor terrível.

Ren pousou minha cabeça com delicadeza e pegou

minha mão para acariciar meus dedos.

- Eu sinto muito. Nunca deveria ter deixado você

sozinha. Isso deveria ter acontecido comigo, não com você.
Você não merece isso.

Ele fez um carinho em meu rosto.

- Não sei como consertar isso. Não sei o que fazer. Não sei nem quanto sangue você perdeu ou se a mordida é letal. - Ele beijou meus dedos e sussurrou. - Não posso perdê-la, Kelsey.


O fogo em meu sangue me dominou até a dor nublar
minha visão. Comecei a me contorcer. A dor estava além de
qualquer coisa que eu tivesse sentido antes. Ren banhou meu
rosto com uma toalha molhada fresca, mas nada conseguia
desviar minha atenção do fogo que queimava em minhas veias.
Era excruciante! Depois de um momento, percebi que o meu
corpo não era o único se contorcendo.

Fanindra se libertou do meu braço e enrodilhou-se

perto do joelho de Ren. Eu não a culpava por querer se afastar
de mim. Então ela ergueu a cabeça e dilatou o capuz. A boca
escancarou-se e ela deu o bote! Fanindra me picou no pescoço,
enterrando as presas bem fundo no tecido lacerado.

Ela injetou seu veneno em mim, recuou e então me

picou novamente, e mais outra vez, e outra. Eu gemi e toquei
meu pescoço, e quando tirei a mão vi pus escorrendo. Um
líquido dourado que havia escorrido das perfurações das
presas também manchava a minha mão. Vi uma gota de ouro
escorrer do meu dedo até alcançar o pus na minha palma. As
substâncias fumegaram com um silvo. O veneno de Fanindra
atravessava o meu corpo, parecendo gelo ao correr pelos
membros e entrar no coração.

Eu estava morrendo, sabia. Não culpava Fanindra. Ela

era uma cobra, afinal, e provavelmente não queria que eu
continuasse sofrendo.

Ren levou a garrafa aos meus lábios outra vez e eu

engoli a água, grata. Fanindra havia se tornado inanimada e
permanecia enroscada ao lado dele. Ren limpou meu pescoço
ferido gentilmente, lavando todo o sangue negro que havia
escorrido da ferida.

Pelo menos, a dor passara. O que quer que Fanindra

tivesse feito, havia me anestesiado. Senti sono e sabia que
precisava dizer adeus. Eu queria contar a verdade a Ren.
Queria dizer que ele era o melhor amigo que eu já tivera. Que
eu lamentava a forma como o havia tratado. Queria confessar a
ele... que o amava. Mas não conseguia falar. Minha garganta
estava fechada, provavelmente por causa do veneno da cobra.
Tudo o que eu podia fazer era olhar para ele, ajoelhado e
debruçado sobre mim.

Está tudo bem. Olhar o seu rosto maravilhoso uma

última vez basta para mim. Vou morrer feliz.

Eu me sentia tão cansada. Minhas pálpebras estavam

pesadas demais para que eu as mantivesse abertas. Fechei os
olhos e esperei que a morte viesse. Ren abriu espaço e se sentou
ao meu lado. Sustentando minha cabeça em seus braços, ele me
puxou para seu colo. Sorri.

Melhor ainda. Não posso mais abrir os olhos para vê-lo,

mas posso sentir seu contato. Meu anjo guerreiro pode me
carregar no colo até o céu.

Ele me apertou ainda mais junto ao seu corpo e

sussurrou em meu ouvido algo que eu não consegui entender.
E a escuridão tomou conta de mim.

A luz atingiu minhas pálpebras, obrigando-me a abri-las dolorosamente. A garganta ainda queimava e minha língua

parecia grossa e felpuda.

- Isso é muito doloroso para ser o céu. Devo estar no inferno.


Uma voz irritantemente feliz me corrigiu:

- Não. Você não está no inferno, Kelsey.


Quando tentei me mover, meus músculos doloridos e contraídos protestaram.

- Eu me sinto como se tivesse perdido uma luta de boxe.

- Você fez muito mais do que isso.

Ele se agachou ao meu lado e me ajudou a sentar com

cuidado. Examinou meu rosto, meu pescoço, meus braços e
então se sentou atrás de mim para que eu apoiasse as costas
nele e levou uma garrafa de água aos meus lábios.

- Beba - ordenou.


Ren segurou a garrafa para mim e a inclinou lentamente para trás, mas eu não conseguia engolir rápido o bastante e um pouco da água escorreu de minha boca até o queixo, e dali para o peito.


- Obrigada. Agora eu tenho uma camiseta molhada.


Senti seu sorriso em minha nuca.

- Talvez tenha sido essa a minha intenção.


Bufei e levei a mão ao rosto. Apertei a bochecha e o

braço. A pele formigava e parecia dormente ao mesmo tempo.

- Parece que injetaram uma dose maciça de anestésico no meu corpo e que estou começando a recuperar as sensações. Pode me dar a garrafa? Acho que agora consigo segurá-la sozinha.


Ren soltou a garrafa de água e deslizou os braços pela

minha cintura, me puxando para trás e me apoiando
totalmente em seu peito. Seu rosto roçou o meu e ele
murmurou baixinho:

- Como está se sentindo?

- Viva, eu acho, embora algumas aspirinas pudessem me ajudar.

Ele riu e pegou minha mochila.


- Aqui - disse ele, entregando-me dois comprimidos.

- Estamos na entrada das cavernas. Ainda temos que atravessá-
las e passar pelas árvores, e então subir de volta a Hampi.

- Quanto tempo fiquei apagada? - perguntei, grogue.

- Dois dias.
- Dois dias! O que aconteceu? A última coisa de que
me lembro é de Fanindra me picando e eu morrendo.
- Você não morreu. Foi mordida por um kappa.
Estava acabando com você quando cheguei. Ele deve tê-la
seguido até lá. Ainda bem que a maior parte daquelas criaturas
detestáveis foi liquidada pelas árvores.
- O que me encontrou estava arranhado e
ensanguentado, mas não parecia se importar com isso.
- E, a maioria dos que me seguiram estava
dilacerada pelas árvores. Nada parecia detê-los em sua
perseguição.
- Nenhum deles o seguiu até aqui?
- Deixaram de me perseguir quando cheguei perto
da caverna. Devem ter medo dela.
- É compreensível. Você... me carregou o caminho todo? Como golpeou as árvores e me segurou ao mesmo tempo?

Ele suspirou.


- Eu a pendurei no ombro e bati nas árvores até sairmos do meio delas. Então guardei a gada, pendurei a mochila nas costas e andei até aqui com você no colo.


Bebi um grande gole de água e ouvi Ren deixar escapar um profundo suspiro.

- Já passei por muitas situações difíceis em minha

vida - disse ele baixinho. - Já estive em batalhas sangrentas. Vi
amigos serem mortos ao meu lado. Testemunhei coisas terríveis
sendo feitas com homens e com animais, mas nunca tive medo.

Ele fez uma pausa, retomou o fôlego e prosseguiu:

- Já me senti perturbado. E também inquieto e tenso.

Já estive em perigo mortal, mas nunca experimentei esse medo
que faz suar frio, o tipo que corrói um homem vivo, que o
lança de joelhos e o faz implorar. Na verdade, sempre senti
orgulho de estar acima disso. Pensava que tinha sofrido e visto
tanto que nada mais poderia me assustar. Que nada poderia me
fazer chegar a esse ponto.

Ele roçou um breve beijo em meu pescoço.

- Eu estava errado. Quando a encontrei e vi aquela... aquela coisa tentando matá-la, fiquei enfurecido. Eu a destruí sem hesitar.


- Os kappa eram aterrorizantes.

- Eu não tive medo dos kappa. Tive medo... de perder
você. Senti um pavor corrosivo, angustiante e infinito. Era
insuportável. A parte mais torturante foi perceber que eu não
queria mais viver se você se fosse e saber que não havia nada
que eu pudesse fazer. Eu estaria preso para sempre nesta
existência miserável sem você.

Ouvi cada palavra que ele dizia. Elas me perfuravam e
eu sabia que teria me sentido da mesma forma se nossas
posições fossem trocadas. Mas eu disse a mim mesma que essa
declaração sofrida era apenas um reflexo da tensão e da
pressão por que passáramos. A pequenina planta do amor em
meu coração tentava se agarrar a cada frágil pensamento,
absorvendo suas palavras como doces gotas de orvalho matinal.
Mas castiguei meu coração e atirei as ternas expressões de
carinho para longe, determinada a não me deixar afetar por elas.

- Está tudo bem. Eu estou aqui. Não precisa ter medo. Ainda estou aqui para ajudá-lo a quebrar a maldição - declarei, tentando manter a voz calma.


Ele apertou minha cintura e sussurrou:

- Quebrar a maldição não me importava mais. Eu pensei que você estivesse morrendo.


Engoli em seco e tentei soar despreocupada:

- Bem, não morri. Está vendo? Sobrevivi para mais um dia de brigas com você. E agora? Não acharia bom que eu tivesse mesmo ido?


Seus braços se retesaram e ele me repreendeu:

- Nunca mais diga isso, Kells.


Após um segundo de hesitação, falei:

- Bem, obrigada. Obrigada por me salvar.


Ele me agarrou e eu me permiti por um minuto, apenas

um minuto, me recostar nele e aproveitar aquela sensação.

Afinal, eu quase tinha morrido. Merecia algum tipo de

recompensa por sobreviver, não merecia?

Passado o meu minuto, dei um passo à frente, me

desvencilhando. Ele me soltou, relutante, e eu me virei, ficando
de frente para ele, com um sorriso nervoso. Testei minhas
pernas, que pareceram fortes o bastante para que eu caminhasse.

Quando pensei que estava morrendo, eu quis dizer a Ren que o amava, mas, agora que sabia que sobrevivera, essa era a última coisa que eu queria fazer. A firme determinação de mantê-lo a distância voltou, mas a tentação de me permitir descansar em seus braços era tão forte, tão poderosamente forte, que me virei de costas para ele, endireitei os ombros e peguei a mochila.


- Vamos, Tigre. Sinto-me forte como um cavalo - menti.

- Acho que você devia pegar leve e descansar um pouco mais, Kells.
- Não. Estou dormindo já faz dois dias. Estou pronta para caminhar dezenas de quilômetros.
- Pelo menos coma alguma coisa primeiro.
- Pegue uma barra de cereais para mim que eu como no caminho.
- Mas, Kells...

Meus olhos cruzaram brevemente com o azul cobalto
dos seus e eu disse:

- Preciso sair daqui.


Então me virei e comecei a recolher nossas coisas. Ele

ficou ali sentado, imóvel, observando-me com atenção, seu
olhar me queimando pelas costas. Eu estava desesperada para
sair dali. Quanto mais tempo ficávamos juntos, mais vacilava
minha determinação. Eu estava quase a ponto de lhe pedir que
ficasse ali comigo para sempre, vivendo em meio às árvores de
agulhas e aos kappa. Se eu não tivesse seu lado tigre de volta
logo, me perderia para sempre para o homem.

Por fim, ele disse devagar, quase com tristeza:


- Claro. Como quiser, Kelsey.


Depois se levantou, espreguiçou-se e apagou o fogo.


Fui até onde Fanindra estava, espiralada no formato de

bracelete, e fiquei olhando para ela.

- Ela salvou sua vida, sabia? Aquelas picadas

curaram você - explicou Ren.

Ergui a mão e toquei meu pescoço onde o kappa havia mordido. A pele estava lisa, sem qualquer arranhão ou cicatriz. Agachei-me.

- Acho que você me salvou de novo, Fanindra. Obrigada.


Apanhei-a e a coloquei no braço, peguei a mochila, dei alguns passos e me virei.


- Você vem, Super-Homem?

- Bem atrás de você.

Entramos na caverna negra. Ren estendeu-me a mão.

Eu a ignorei e comecei a caminhar pelo túnel. Ele me deteve e
tornou a estender a mão, olhando para ela incisivamente.
Suspirei e segurei dois dedos dele nos meus. Sorri, envergonhada, mais uma vez óbvia demais em minha tentativa de evitar o contato físico. Ele grunhiu, contrariado, pegou meu cotovelo e puxou meu corpo para junto dele, passando o braço pelos meus ombros.

Atravessamos os túneis rapidamente. Os outros Rens e

Kelseys gemiam e acenavam ainda mais agressivamente do que
antes. Fechei os olhos e deixei que Ren me conduzisse.
Arquejava quando as figuras se aproximavam e tentavam nos
tocar com suas mãos fantasmagóricas.

- Eles só podem se corporificar se prestarmos

atenção neles - sussurrou Ren.

Andamos o mais rápido possível. Formas malignas e
outras familiares exigiam nossa atenção. O Sr. Kadam, Kishan,
meus pais, minha família adotiva, até o Sr. Maurizio, todos
gritavam, imploravam, exigiam e nos coagiam.

Chegamos ao outro lado do túnel bem mais depressa

que da primeira vez. Ren ainda manteve minha mão no calor
da sua depois que saímos, e eu tentei delicada e discretamente
libertá-la. Ele olhou para mim e depois para nossas mãos
entrelaçadas. Então sorriu com malícia. Comecei a puxar com
mais força, mas ele a apertou ainda mais. Por fim, tive quase
que arrancar a mão para que ele a soltasse.

Chega de sutileza.


Ele me dirigiu um sorriso pretensioso enquanto eu o olhava, furiosa.


Não demorou muito para que nos víssemos de novo na

floresta de árvores de agulhas e Ren seguiu corajosamente para
elas. Dando golpes com a gada, ele avançava devagar, criando
um caminho pelo qual eu podia seguir em segurança. Os
galhos o fustigavam com violência e transformaram sua camisa
em farrapos. Ele a atirou para um lado e eu me vi fitando,
fascinada, primeiro os músculos ondulantes de seus braços e
costas, depois os cortes em sua pele à medida que se curavam
diante dos meus olhos. Logo ele estava encharcado de suor e... e
eu não pude mais olhar. Mantive os olhos voltados para os
meus pés e o segui em silêncio.

Ele caminhava na direção das árvores. Usando a gada,

margeamos a floresta espinhenta sem maiores incidentes.

Logo subíamos as pedras que levavam à caverna, retornando à estátua de Ugra Narasimha, em Hampi. Quando alcançamos o longo túnel, por diversas vezes Ren começou a dizer alguma coisa, mas se deteve. Fiquei curiosa, mas não o bastante para começar uma conversa.


Peguei a lanterna e me afastei de Ren o máximo que a caverna permitia, acabando colada na parede oposta. Ele me olhou, mas me permitiu manter a distância. Por fim, o túnel se estreitou e tivemos que andar lado a lado outra vez. Todas as vezes que eu olhava de relance para Ren, via que ele estava me observando.


Quando chegamos ao fim do túnel e vimos os degraus

de pedra que levavam à superfície, Ren se deteve.

- Kelsey, tenho um último pedido a você antes de subirmos.

- E o que seria? Quer falar sobre os sentidos dos tigres ou talvez sobre tipos de macaco?
- Não. Quero que você me dê um beijo.
- O quê? - perguntei rispidamente. - Um beijo? Para quê? Você não acha que já me beijou o suficiente nesta viagem?

- Satisfaça um capricho meu, Kells. Este é o fim da linha para mim. Estamos deixando o lugar onde posso ser humano o tempo todo e tenho apenas uma vida de tigre à minha espera. Portanto, sim, eu quero beijar você mais uma vez.


Hesitei.

- Se alcançarmos o propósito desta viagem, você

poderá sair por aí beijando todas as garotas que quiser. Então,
para que se dar ao trabalho comigo agora?

Ele passou a mão pelos cabelos, frustrado.


- Porque sim! Não quero sair por aí beijando todas as garotas! Quero beijar você!

- Está bem! Se é para você se calar! - Eu me inclinei e dei um beijinho na sua bochecha. - Pronto!
- Não. Isso não basta. Na boca, minha prema.

Eu me inclinei e dei-lhe um selinho.


- Podemos ir agora?


Subi os dois primeiros degraus, mas ele segurou o meu

cotovelo e me fez girar, virando-me de tal modo que tombei
para a frente, caindo em seus braços. Ele me segurou com
firmeza pela cintura. Seu sorriso pretensioso de repente se
transformou em uma expressão sóbria.

- Um beijo. De verdade. Um do qual eu possa me lembrar.


Eu estava prestes a dizer algo sarcástico, provavelmente

sobre ele não ter permissão, quando ele imobilizou minha boca
com a sua. Estava determinada a permanecer rígida e
indiferente, mas ele se mostrou muito paciente. Foi
mordiscando os cantos da minha boca, depositando beijos
vagarosos e suaves em meus lábios impassíveis. Era tão difícil
não corresponder a ele.

Lutei com bravura, mas às vezes o corpo trai a mente.

De forma lenta e metódica, ele venceu minha resistência. E,
sentindo que estava ganhando, começou a me seduzir com
mais habilidade ainda. Apertou-me de encontro ao seu corpo e
deslizou a mão até o meu pescoço, passando a massageá-lo,
instigando minha pele com a ponta dos dedos.

Senti a pequenina planta do amor se esticar, crescer e desdobrar suas folhas dentro de mim. Nesse momento, me rendi e me decidi. Depois eu poderia podá-la. E racionalizei que, quando ele partisse o meu coração, pelo menos teria sido beijada à perfeição.


Pelo menos vou ter algo de bom para recordar em minha vida de solteirona rodeada de gatos. Ou de cães. Acho que já atingi minha cota de gatos. Gemi baixinho. É. Cães com certeza.


Então me abri para o beijo e correspondi com

entusiasmo. Reunindo todas as minhas emoções secretas e os
meus sentimentos de ternura, enrosquei meus braços em seu
pescoço e deslizei as mãos para seus cabelos. Puxei o corpo dele
ainda mais para perto do meu e o abracei com todo o ardor e o
afeto que eu não me permitia expressar verbalmente.

Ele fez uma pausa, desconcertado por um breve instante, e então ajustou sua abordagem, chegando a um frenesi apaixonado. Eu surpreendi a mim mesma respondendo à altura de seu vigor. Corri as mãos por seus braços e ombros poderosos e em seguida pelo peito. Meus sentidos estavam tumultuados. Eu me sentia arrebatada. Ávida. Agarrei-me à sua camisa. Nada era perto o bastante para mim. Seu cheiro era delicioso.


O esperado era que, depois de vários dias sendo

perseguido por criaturas estranhas e atravessando a pé um
reino misterioso, ele cheirasse mal. Na verdade, eu queria que
ele cheirasse mal. Afinal, como esperar que uma garota esteja
fresca como uma flor após perambular pela selva e ser caçada
por macacos? É impossível.

Eu queria desesperadamente que ele tivesse algum

defeito. Alguma fraqueza. Alguma... imperfeição. Mas o cheiro
de Ren era incrível - cachoeiras, um dia suave de verão e
sândalo, tudo embrulhado em um homem lindo e sensual.

Como uma garota poderia se defender de uma investida

perfeita executada por alguém perfeito? Eu desisti e deixei que
ele assumisse o controle dos meus sentidos. Meu sangue
queimava, meu coração retumbava, a necessidade que eu tinha
dele se intensificou e eu perdi a noção do tempo em seus
braços. A única coisa de que tinha consciência era Ren. Seus
lábios. Seu corpo. Sua alma. Eu queria tudo dele.

Por fim, ele pôs as mãos nos meus ombros e delicadamente nos separou. Fiquei surpresa que Ren tivesse a força de vontade de parar, porque eu não estava nem perto de ser capaz disso. Abri os olhos, atordoada. Estávamos ambos ofegantes.


- Isso foi... esclarecedor - arquejou ele. - Obrigado, Kelsey.


Eu pisquei. A paixão que havia embotado minha mente
se dissipou em um instante e me concentrei em um único
sentimento: irritação.

- Obrigado? Obrigado? - Subi os degraus, furiosa, batendo os pés, e então me voltei para olhá-lo, de cima. - Não! Obrigada a você, Ren! - Minhas mãos cortavam o ar. - Agora que você conseguiu o que queria, me deixe em paz!


Subi correndo para pôr alguma distância entre nós.

Esclarecedor? Do que ele estava falando? Estava me testando? Dando uma nota para minha habilidade de beijar? Que audácia!


Eu estava feliz por sentir raiva. Assim, podia empurrar

todas as outras emoções para o fundo da mente e me
concentrar na fúria, na indignação.

Ele subiu os degraus de dois em dois.


- Isso não é tudo o que eu quero, Kelsey.

- Eu não ligo mais para o que você quer!

Ele me lançou um olhar sagaz e convencido. Então
emergiu da abertura e, quando pousou o pé na terra,
transformou-se instantaneamente em tigre.

Eu ri, debochada.


- Rá! - Tropecei em uma pedra, mas logo recuperei o equilíbrio. - Muito apropriado! - gritei, zangada, e cambaleei cegamente pela passagem sombria.


Depois de calcular para onde ir, saí andando, ainda irada.

- Venha, Fanindra. Vamos procurar o Sr. Kadam.


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