quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Capítulo 18 - O perigoso espiãozinho


   Depois de enfiar o curativo com a mensagem no dedo do cadáver do Bronca,
Chumbinho foi arrastado aos trancos por um corredor. Vários empregados
falavam nervosamente ao seu redor, enquanto dois deles agarravam seus braços
e os mantinham torcidos às costas.
   Chumbinho não deixou escapar um só gemido. Era um Kara. Naquele
momento, ele não pensava no que poderia acontecer consigo mesmo. Só tinha
pensamentos para o colega assassinado e para a esperança de que sua
mensagem fosse encontrada por um dos Karas.
   No fim do corredor, o menino foi empurrado para dentro de uma sala.
Jogaram-no numa cadeira, e os dois empregados que o haviam trazido ficaram
ao lado, cada um segurando pesadamente Chumbinho por um ombro, como se
ele fosse capaz de escapar voando pela janela.
   Um dos homens dirigiu-se a um televisor igual àquele em que o menino tinha
visto Márius Caspérides discutir com o Doutor Q.I.
   A silhueta sinistra apareceu no vídeo do intercomunicador e o empregado
começou a relatar o que tinha acontecido.

— ... algo estranho com duas das cobaias, Doutor Q.I. Nesta manhã...

   Chumbinho tentou raciocinar depressa e prever as consequências do seu ato.
   Ele tinha sido apanhado em flagrante e agora tudo podia acontecer.

— ... são justamente os dois do Colégio Elite, Doutor Q.I....

   Os empregados tinham visto ele e Bronca conversando. Logo, estava claro
que os dois não tinham tomado a dose matinal da droga.

— ... certamente os dois não estavam sob o efeito da Droga da Obediência,
Doutor Q.I....

   Então era lógico para os bandidos que ele tinha impedido o Bronca de tomar a
droga e seria punido por isso.

— ... estavam discutindo no banheiro. Foi aí que a cobaia número 19 saiu
correndo feito um louco...

    Qual seria a punição? Chumbinho imaginava que a sua atitude de espião
deveria representar um enorme perigo para a organização. E o que eles fazem
com os espiões? O menino engoliu em seco ao lembrar-se das cenas de
fuzilamento nos filmes de guerra.

— ... tivemos de atirar, não houve outro jeito. A cobaia número 19 está
morta. Já mandei abandonar o cadáver, como planejamos. Quanto à cobaia
número 20...

  Agora era a sua vez. Ele tinha causado aquela confusão toda e... Não! Havia
um jeito. Ele tinha de representar de novo. Quem sabe conseguiria salvar a pele?
Do vídeo, veio a voz filtrada, tenebrosa, do Doutor Q.I.:

— Incompetência! Incompetência! Tudo o que eu vejo é incompetência.
Vocês não se certificaram de que todas as cobaias tomassem o reforço da droga?

— Na verdade não, Doutor Q.I. — desculpou-se o funcionário. — As cobaias
têm se comportado direitinho nesses dois meses. Executam todas as ordens sem
discussão, tomam os reforços da droga sem necessidade de vigilância. Deixamos
a bandeja com a droga no dormitório, como fazemos todas as manhãs.
Ordenamos às cobaias que tomassem a droga e...

— Mas por que as cobaias 19 e 20 não tomaram? Vocês podem explicar isso.

— Bem, Doutor Q.I., eu...

   A figura da tela do intercomunicador berrou para Chumbinho:

— Garoto! Por que você não tomou o remédio?
   Chumbinho começou com o seu teatro:

— Ahn? Onde estou? O que está acontecendo? Eu estava no colégio, falando
com o Bino. Ele me deu uma coisa para experimentar... Disse que era ótimo... aí
só me lembro de estar num banheiro, com o Bronca falando pra gente fugir...
Onde estou? Quero ir pra casa!

   Do vídeo, a voz veio mais baixa, quase paternal:

— Você já vai pra casa, menino. Vai só tomar um remedinho, e logo vai pra
casa...

   Chumbinho viu o empregado estender-lhe um comprimido e um copo d'água.
   A Droga da Obediência! E agora? Todos estavam olhando para ele e não
haveria jeito de fingir que tomava a droga. Ele era obrigado a tomar o
comprimido, de verdade!

— Um remédio? — balbuciou o menino. — Depois eu vou pra casa?

— Vai sim, garoto. Agora tome o remédio.

   Tentando disfarçar seu temor, Chumbinho pegou o comprimido. Colocou-o
na boca e tomou um gole d'água. Seus olhos se fechavam quando ele ouviu a voz
metálica falar com brutalidade:

— De agora em diante, quero vigilância total sobre as cobaias. Não admito
mais enganos! Levem esse moleque para junto dos outros!

    Chumbinho deixou-se levar, molemente, como um boi que vai para o
matadouro.


* * *

   O Doutor Q.I. estava furioso quando desligou o intercomunicador. Mas sua
zanga foi distraída pela manchete do jornal que estava à sua frente:

Mais dois estudantes do Elite desaparecem misteriosamente.

   O comandante da Pain Control franziu as sobrancelhas e leu avidamente a
matéria. Ali estava a lista completa dos seis desaparecimentos do Elite: Bronca,
Chumbinho, Miguel, Calú e agora Magrí e Crânio.
   Ele sacudiu a cabeça, tentando entender. Em seguida, apertou um botão do
intercomunicador e deu uma ordem.

— Localizem nosso agente escolar. Quero falar com ele pelo intercomunicador.


* * *

   O falso estudante estava na frente do vídeo. Mas estava totalmente
modificado. Até a cor do seu cabelo era diferente. Só pelo olhar é que dava para
ver que era mesmo o safadinho do Bino.

— Você tem agido bem até agora — cumprimentou a voz autoritária do
Doutor Q.I. — Mas eu tenho razões para acreditar que houve quebra na nossa
segurança.

— Quebra na segurança? — espantou-se Bino. — Eu posso garantir que...

— Não me interessam as suas garantias. Ouça com atenção e não discuta. Eu
tenho uma missão muito importante para você. Trata-se de quatro garotos...

   O oferecedor da Droga da Obediência ouviu as ordens. O que ele devia fazer
tinha de ser feito naquele mesmo dia.

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