quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 1 - Estudos


Várias horas letárgicas mais tarde, o avião finalmente 
aterrissou no aeroporto de Portland, no Oregon. Quando meus pés 
tocaram o asfalto da pista, corri o olhar pelo terminal e pelo céu 
cinzento e nublado. Fechei os olhos e deixei a brisa fria soprar minha 
pele. Ela trazia o cheiro da mata. Um chuvisco suave molhou meus 
braços nus. Era bom estar em casa. 

Respirando fundo, senti o Oregon me trazer de volta à 
realidade. Eu fazia parte daquela terra e ela fazia parte de mim. Meu 
lugar era ali — onde eu crescera e passara toda a minha vida. Minhas 
raízes estavam ali. Meus pais e minha avó estavam enterrados ali. O 
Oregon me recebeu como a uma filha amada, acolheu-me em seus 
braços frios, acalmou minha mente e, por meio de seus pinheiros 
sussurrantes, me prometeu paz. 

Nilima desceu os degraus logo depois de mim e esperou em 
silêncio enquanto eu absorvia o ambiente familiar. Ouvi o zumbido 
de um motor veloz e um conversível azul-cobalto surgiu na esquina. 
O elegante carro esportivo era da mesma cor dos olhos dele. 


O Sr. Kadam deve ter providenciado o carro. Revirei os olhos 
lembrando seu gosto por coisas caras. Ele planejava cada mínimo 
detalhe — e sempre com estilo. Pelo menos o carro é alugado, pensei. 

Guardei minha bagagem no porta-malas e li na traseira: 
Porsche Boxster RS 60 Spyder. Balancei a cabeça e murmurei: 

— Meu Deus, Sr. Kadam, eu me contentaria em pegar o ônibus 
para Salem. 

— O quê? — perguntou Nilima, educadamente. 

— Nada. Só estou feliz por chegar em casa. 

Fechei o porta-malas e afundei no assento de couro em dois 
tons de azul e um de cinza. Partimos em silêncio. Nilima sabia 
exatamente aonde estava indo, portanto não me dei ao trabalho de 
lhe ensinar o caminho. Apenas recostei a cabeça e fiquei observando o 
céu e a paisagem verde pela janela. 

Adolescentes passavam por nós, assoviando de seus carros, 
admirando a beleza exótica de Nilima, com seus longos cabelos 
escuros voando ao vento, ou o belo automóvel em que estávamos. 
Não sabia bem qual dos dois inspirava os assovios, só imaginava que 
não eram para mim. Eu usava minhas roupas de sempre: camiseta, 
calça jeans e tênis. Fios de cabelo castanho-dourado se emaranhavam 
em minha trança e açoitavam meus olhos castanho-avermelhados e 
meu rosto riscado pelas lágrimas. Homens mais velhos também 
passavam por nós devagar. Eles não assoviavam, mas certamente 
admiravam a visão. Nilima os ignorava e eu pensava: Devo estar tão 
horrível por fora quanto me sinto por dentro. 

Quando chegamos ao centro de Salem, passamos direto pela 
ponte Marion Street, que teria nos levado ao outro lado do rio 
Willamette e à rodovia 22, na direção das fazendas de Monmouth e 
Dallas. Avisei a Nilima que ela havia perdido a saída, mas ela se 
limitou a dar de ombros e dizer que estávamos tomando um atalho. 


— Tudo bem — retruquei com sarcasmo. — O que são mais 
alguns minutos numa viagem de dias? 

Nilima jogou seu lindo cabelo para trás, sorriu para mim e 
continuou dirigindo, movendo-se em meio ao tráfego que seguia para 
South Salem. Eu nunca tinha ido para aqueles lados. Era 
definitivamente o caminho mais longo para Dallas. 

Nilima seguiu em direção a um grande morro coberto pela 
mata. Lentamente, subimos vários quilômetros pela linda estrada 
sinuosa e margeada por árvores. Por entre elas, vi ruas de terra e casas 
que pontilhavam a floresta aqui e ali, mas a área era em grande parte 
intocada. Fiquei surpresa pelo fato de a cidade ainda não a ter 
anexado e começado a construir ali. Era um lugar encantador. 

Reduzindo a velocidade, Nilima tomou uma estrada particular, 
subindo ainda mais a colina. Embora passássemos por caminhos 
secundários, eu não via construções. No fim da estrada paramos 
diante de uma casa geminada aninhada no meio da floresta de 
pinheiros. 

Cada lado do prédio era a imagem espelhada do outro, com 
dois andares, garagem e um pequeno pátio compartilhado. Ambos 
tinham uma ampla janela na sacada que dava para as árvores, O 
revestimento de madeira era pintado de castanho e um tom escuro de 
verde, e o telhado era coberto com telhas verde-acinzentadas. 
Lembrava, de certa forma, um chalé de esqui. 

Nilima entrou suavemente na garagem e desligou o carro. 

— Chegamos em casa — anunciou. 

— Em casa? Como assim? Não vamos para a casa dos meus 
pais adotivos? — perguntei, ainda mais confusa do que já estava. 

Nilima sorriu, compreensiva. 

— Não. Esta é a sua casa — disse ela delicadamente. 


— Minha casa? Do que, você está falando? Eu moro em Dallas. 
Quem mora aqui? 

— Você. Venha, vamos entrar que eu explico. 

Passamos por uma área de serviço e entramos na cozinha, que 
era pequena, com cortinas amarelas, eletrodomésticos de aço 
inoxidável novinhos em folha e paredes decoradas com motivos 
amarelo-limão. Nilima pegou duas garrafas de refrigerante diet na 
geladeira. 

Larguei minha mochila no chão e falei: 

— 0k, Nilima, agora me diga o que está acontecendo. 

Ela ignorou meu pedido. Em vez disso, me ofereceu o 
refrigerante, que recusei, e então sugeriu que eu a seguisse. 

Suspirando, tirei os tênis para não sujar o carpete felpudo da 
casa e a acompanhei até a pequena porém charmosa sala de estar. Ali 
nos sentamos num belo sofá de couro marrom. Uma estante alta, 
cheia de clássicos encadernados com capa dura que provavelmente 
custavam uma fortuna, me acenava convidativa do canto, enquanto 
uma janela ensolarada e uma grande televisão de tela plana sobre um 
rack de madeira polida também disputavam minha atenção. 

Nilima começou a folhear os papéis deixados sobre a mesa de 
centro. 

— Kelsey — começou ela —, esta casa é sua. É parte do 
pagamento pelo seu trabalho neste verão na Índia. 

— Eu não estava trabalhando, Nilima. 

— O que você fez foi o trabalho mais vital de todos. Você 
realizou muito mais do que qualquer um de nós sequer tinha 
esperança de conseguir. Temos uma grande dívida para com você e 
essa é uma pequena forma de recompensar seus esforços. Você 


superou obstáculos terríveis e quase perdeu a vida. Somos todos 
muito gratos. 

Constrangida, brinquei: 

— Bem, agora que você colocou a coisa dessa maneira... Ei, 
espere! Você disse que esta casa é parte do meu pagamento? Então 
tem mais? 

Com um gesto afirmativo da cabeça, Nilima respondeu: 

— Tem. 

— Não. Eu não posso aceitar este presente. Uma casa já é um 
exagero... E ainda tem outras coisas? É bem mais do que combinamos. 
Eu só queria algum dinheiro para pagar os livros da faculdade. Ele não 
devia fazer isso. 

— Kelsey, ele insistiu. 

— Bem, então vai ter que desinsistir. Isso é um exagero, 
Nilima. É sério. 

Ela suspirou ao olhar para o meu rosto, que exibia uma 
determinação férrea. 

— Ele quer que você fique com a casa, Kelsey. Isso vai deixá-lo 
feliz. 

— Mas não é nada prático! Estou no meio do nada. Agora que 
voltei para casa, pretendo me matricular na faculdade e não há linhas 
de ônibus que passem por aqui. 

Nilima me dirigiu um olhar perplexo. 

— Linhas de ônibus?! Se quiser mesmo ir de ônibus, poderá 
dirigir até o terminal. 

— Dirigir até o terminal? Isso não faz o menor sentido. 


— Bem, o que você está falando é que não faz o menor 
sentido. Por que você não quer ir de carro para a faculdade? 

— De carro? Que carro? 

— O que está na garagem, é claro. 

— O que está na... Ah, não. Você só pode estar brincando! 

— Não. Não estou brincando. O Porsche é seu. 

— Ah, não. Não é, não! Você sabe quanto custa aquele carro? 
De jeito nenhum! 

Peguei meu celular e procurei o número do Sr. Kadam. No 
instante em que ia pressionar o botão de chamada, ocorreu-me um 
pensamento que me deteve imediatamente. 

— Tem mais alguma coisa que eu deva saber? 

— Bom... — disse Nilima, hesitante. — Ele também tomou a 
liberdade de matricular você na Western Oregon University. O curso 
e o material didático já foram pagos. Seus livros estão na bancada, ao 
lado de sua lista de disciplinas, um moletom da Western Oregon e 
um mapa do campus. 

— Ele me matriculou na Western Oregon? — perguntei, 
incrédula. — Eu estava planejando ir para a faculdade comunitária 
local e trabalhar... não entrar para a Western Oregon. 

— Ele deve ter achado que você iria preferir uma universidade 
maior. Suas aulas começam na próxima semana. Quanto a trabalhar, 
você pode, se quiser, mas não será necessário. Ele também abriu uma 
conta bancária para você, O cartão está na bancada. Não se esqueça 
de assiná-lo no verso. 

Engoli em seco. 

— E... hã... exatamente quanto dinheiro tem nessa conta? 

Nilima deu de ombros. 


— Não faço a menor ideia, mas tenho certeza de que é o 
suficiente para seus gastos pessoais. Naturalmente, nenhuma das suas 
contas de consumo será enviada para cá. Tudo irá direto para um 
contador. A casa e o carro já estão quitados, assim como todas as suas 
despesas na universidade. 

Ela deslizou um maço de papéis em minha direção e então se 
recostou e bebericou seu refrigerante. 

Por um minuto fiquei sentada ali, imóvel, e então me lembrei 
de minha decisão de ligar para o Sr. Kadam. Peguei o telefone e 
procurei o número. 

Nilima me interrompeu. 

— Tem certeza de que quer devolver tudo, Kelsey? Estou certa 
de que ele faz questão de que você fique com essas coisas. 

— O Sr. Kadam deveria saber que não preciso de sua caridade. 
Vou explicar que a faculdade comunitária é mais do que adequada e 
que realmente não me importo de morar no dormitório e andar de 
ônibus. 

Nilima se inclinou para a frente. 

— Mas, Kelsey, não foi o Sr. Kadam quem providenciou tudo 
isso. 

— O quê? Se não foi o Sr. Kadam, então quem... Ah! — 
Desliguei o celular mediatamente. Não havia a menor chance de eu 
ligar para ele, qualquer que fosse o motivo. — Então ele faz questão 
disso, não é? 

As sobrancelhas arqueadas de Nilima se juntaram, 
expressando sua confusão. 

— É, eu diria que sim. 


Deixá-lo havia quase dilacerado meu coração. Ele estava a mais 
de 11 mil quilômetros de distância, na Índia, e ainda assim arranjava um 
jeito de ter algum poder sobre mim. 

— Muito bem — resmunguei. — Ele sempre consegue o que 
quer mesmo. Não em sentido eu tentar devolver. Ele vai pensar em 
algum outro presente exorbitante, que só vai servir para complicar 
ainda mais nosso relacionamento. 

Um carro buzinou lá fora, na entrada. 

— Minha carona de volta ao aeroporto chegou — disse Nilima, 
levantando-se. — Ah! Eu quase esqueci. Isto aqui também é para 
você. — Ela pôs um celular novo na minha mão, ao mesmo tempo em 
que pegava o aparelho velho, e me abraçou rapidamente antes de se 
dirigir à porta da frente. 

— Mas... espere! Nilima! 

— Não se preocupe, Kelsey. Vai dar tudo certo. Os 
documentos de que presa para a universidade estão na bancada da 
cozinha. Tem comida na geladeira e todos os seus pertences estão no 
segundo andar. Pode pegar o carro e visitar sua família adotiva ainda 
hoje, se quiser. Eles estão esperando seu telefonema. 

Ela se virou, caminhou graciosamente para a porta e entrou no 
carro que a aguardava. Do banco do carona, acenou. Acenei de volta, 
tristonha, e fiquei olhando até o elegante sedã preto desaparecer de 
vista. De repente, eu estava só numa casa estranha, cercada pela mata 
silenciosa. 

Após a partida de Nilima, resolvi explorar o lugar que eu agora 
chamaria de lar. Ao abrir a geladeira, vi que as prateleiras estavam 
bem abastecidas. Peguei um refrigerante e fui espiar o interior dos 
armários. Encontrei copos e pratos, assim como talheres, utensílios de 
cozinha e panelas. Voltei para conferir a gaveta de baixo da geladeira, 
seguindo um palpite, e lá estavam eles — vários limões. 


Evidentemente, isso tinha sido coisa do Sr. Kadam. Atencioso, ele 
sabia que beber água com limão me confortaria. 

O toque do Sr. Kadam não terminava na cozinha. O lavabo no 
primeiro andar era decorado em tons de verde-acinzentado e 
amarelo-limão. Até o sabonete líquido tinha aroma de limão. 

Coloquei meus tênis numa cesta de vime sobre o piso de 
cerâmica da área de serviço, ao lado de um conjunto novo de 
máquina de lavar e secadora, e segui para o pequeno escritório. 

Meu velho computador encontrava-se no meio da mesa, mas 
ao seu lado havia um notebook novinho em folha. Uma cadeira de 
couro, um arquivo e uma prateleira com papel e outros suprimentos 
completavam o escritório. 

Peguei a mochila e subi a escada para ver meu novo quarto. 
Uma linda cama queen size com um grosso edredom cor de marfim e 
almofadas com estampa de pêssegos ficava junto à parede, tendo aos 
pés um antigo baú de madeira. Poltronas aconchegantes cor de 
pêssego estavam arrumadas no canto, de frente para uma janela que 
dava para a floresta. 

Sobre a cama, havia um bilhete que me deixou mais animada: 



Oi, Kelsey! 

Seja bem-vinda! Ligue para nós assim que possível — queremos 
saber tudo da viagem. 

Todas as suas coisas estão guardadas nos devidos lugares. 
Adoramos sua casa nova! 

Com amor, 

Mike e Sarah 






 Ler o bilhete de Mike e Sarah — além do fato de estar no 
Oregon — me reequilibrou. A vida deles era normal. Minha vida com 
eles era normal e seria bom estar com uma família normal e agir 
como um ser humano normal, para variar. Dormir no chão da selva, 
falar com deusas indianas, me apaixonar por um... tigre — nada disso 
era normal. Nem de longe. 

Abri o closet e vi que de fato minhas roupas e a coleção de fitas 
de cabelo tinham sido trazidas da casa de Mike e Sarah. Corri os 
dedos por alguns daqueles itens que eu não via fazia meses. Quando 
abri o outro lado do closet encontrei todas as roupas que haviam sido 
compradas para mim na Índia, assim como várias peças novas ainda 
em suas capas de proteção. 

Como o Sr. Kadam conseguiu fazer essas coisas chegarem aqui 
antes de mim? Eu deixei tudo isso na Índia! 

Fechei a porta, encerrando as roupas e as lembranças, 
determinada a não ro abri-la outra vez. 

Seguindo para a cômoda, puxei a gaveta do alto. Sarah havia 
arrumado minhas meias do jeito que eu gostava. Os pares de meias 
pretas, brancas e de cores variadas estavam enrolados em bolas 
perfeitas, organizadas em fileiras. Ao abrir a gaveta seguinte, o 
sorriso desapareceu do meu rosto. Ali estava o pijama de seda que eu, 
de propósito, deixara na Índia. 

Meu peito ardeu quando passei a mão pelo tecido macio. 
Então, resoluta, e fechei a gaveta. Virando-me para deixar o quarto 
claro e arejado, me toquei de uma coisa e na mesma hora o sangue 
afluiu rapidamente para o meu ia rosto. As cores do quarto eram 
pêssego e creme. 

Deve ter sido escolha dele, deduzi. Uma vez ele disse que eu 
cheirava a pêssego com creme. Era de se imaginar que acharia uma 


forma de me fazer lembrar dele, mesmo a um oceano de distância. 
Como se eu pudesse esquecer... 

Joguei a mochila na cama e imediatamente me arrependi, 
lembrando que Fanindra ainda estava dentro dela. Depois de tirá-la 
com cuidado e me desculpar, acariciei-lhe a cabeça dourada e a 
coloquei sobre uma almofada. peguei o celular novo no bolso da 
calça. Como tudo mais, o aparelho era caro e totalmente 
desnecessário, com design da grife Prada. Liguei o telefone e esperei 
que o número dele aparecesse primeiro, mas isso não aconteceu. 
Tampouco havia mensagens. Na verdade, os únicos números na 
memória eram o do Sr. Kadam e o dos meus pais adotivos. 

Vários sentimentos tomaram conta de mim. A princípio fiquei 
aliviada. Depois, confusa. E em seguida, desapontada. Uma parte de 
mim ponderou: Um telefonema teria sido gentil. Só para ver se 
cheguei bem. 

Irritada comigo mesma, liguei para meus pais adotivos. Disse a 
eles que estava em casa, cansada da viagem, e que iria jantar com eles 
na noite seguinte. Ao desligar, fiz uma careta, me perguntando que 
tipo de surpresa à base de tofu estaria à minha espera. Mas qualquer 
que fosse o cardápio natural e saudável, valeria a pena suportá-lo pela 
oportunidade de revê-los. 

Então desci a escada, liguei o som, preparei um lanche com 
fatias de maçã e manteiga de amendoim, e comecei a folhear os 
papéis da universidade que estavam na bancada. O Sr. Kadam 
escolhera estudos internacionais como minha principal área de 
interesse, incluindo também história da arte. 

Examinei o quadro de horários. Eu não sabia como, mas o Sr. 
Kadam conseguira colocar a mim, uma caloura, em turmas de nível 
mais avançado. Não só isso, como também já me inscrevera tanto no 
primeiro quanto no segundo trimestre, embora a matrícula do 
segundo ainda não estivesse aberta. 


A Western Oregon provavelmente recebeu uma polpuda doação 
vinda da Índia, pensei, com um sorriso irônico. Não me surpreenderia 
se visse um novo prédio ser erguido no campus este ano. 



KELSEY HAYES, MATRÍCULA: 69428LT 

WESTERN OREGON UNIVERSITY 



PRIMEIRO TRIMESTRE 



Redação acadêmica 115 (4 créditos). Introdução à redação 
de trabalhos acadêmicos. 

Latim 101 (4 créditos). Introdução ao latim. 

Antropologia 476 D — Religião e ritual (4 creditos). Um 
estudo das praticas religiosas no mundo. Apoia-se na antropologia 
para analisar a religiosidade enquanto enfoca tópicos particulares, 
entre os quais: possessão espiritual, misticismo, bruxaria, animismo, 
feitiçaria, veneração ancestral e magia. Examina a mistura das 
principais religiões do mundo com crenças e tradições locais. 

Geografia 315 — O subcontinente indiano (4 créditos). 
Uma análise do Sudeste Asiático e sua geografia, com ênfase na Índia. 
Avalia a relação econômica entre a Índia e outras nações; examina 
padrões, problemas e desafios especificamente relacionados à 
geografia; e explora, do ponto de vista histórico e moderno, a 
diversidade étnica, religiosa e linguística de seu povo. 



SEGUNDO TRIMESTRE 




História da arte 204— Da Pré-história ao período 
românico (4 créditos). Um estudo de todas as formas de arte desse 
período com ênfase específica na relevância histórica e cultural. 

História 470— A mulher na sociedade indiana (4 
créditos). Uma análise da mulher na Índia, seus sistemas de crenças, 
seu papel cultural na sociedade e a mitologia — passada e presente — 
associada. 

Redação acadêmica lI 135 (4 créditos). Redação avançada de 
documentos acadêmicos baseados em pesquisas. 

Ciência política 203 D — Relações internacionais (3 
créditos). Uma comparação e questões globais e políticas de grupos 
mundiais com interesses semelhantes e/ ou contrários. 



Era oficial. Agora eu era uma universitária. Bem, universitária e 
encarregada de quebrar antigas maldições indianas em meio 
expediente, pensei, lembrando-me de que o Sr. Kadam continuava 
com suas pesquisas. Ia ser difícil me concentrar nas aulas, nos 
professores e nos trabalhos depois de tudo o que havia acontecido na 
Índia. Era estranho saber que eu deveria voltar à minha antiga vida no 
Oregon. De certa forma, eu parecia não mais me ajustar a ela. 

Para minha sorte, as aulas na Western Oregon seriam 
interessantes, em especial as de religião e magia. O Sr. Kadam tinha 
escolhido disciplinas que provavelmente eu mesma iria escolher — 
exceto latim. Franzi o nariz. Nunca fui muito boa em línguas. Pena 
que a universidade não oferecia nenhum curso de algum idioma 
indiano. Seria bom aprender híndi, principalmente s eu voltar à Índia 
algum dia e me dedicar às outras três tarefas indicadas na profecia de 
Durga para quebrar a maldição do tigre. Talvez... 

Nesse instante, o rádio começou a tocar “I Told You So” de 
Carrie Underwood. Ouvir aquela letra me fez chorar. Enxugando uma 
lágrima, pensei que ele provavelmente encontraria outra pessoa 


muito em breve. Eu não me aceitaria de volta se estivesse em seu 
lugar. Pensar nele, mesmo por um minuto, era doloroso demais. Calei 
minhas lembranças, guardando-as numa minúscula fenda no meu 
coração. Então as cobri com um monte de pensamentos novos. Pensei 
na universidade, em minha família adotiva e no fato de estar de volta 
ao Oregon. 

Vou ter que me manter ocupada, decidi. Esta será a minha 
salvação. Vou estudar feito louca, visitar os conhecidos e... e ficar com 
outros caras. Isso! É o que vou fazer. Vou sair com outras pessoas e me 
manter ativa, assim estarei a cansada demais para pensar nele. A vida 
vai seguir em frente. Tem que seguir. 

Quando fui para a cama já era tarde e eu estava exausta. Fiz 
um carinho em Fanindra, deslizei para debaixo dos lençóis e dormi. 



No dia seguinte meu celular novo tocou. Era o Sr. Kadam, que 
parecia ao mesmo tempo animado e decepcionado. 

— Olá, Srta. Kelsey — disse ele, alegremente. — Fico muito 
feliz em saber que chegou em casa em segurança. Está tudo em 
ordem e a seu contento? 

— Eu não esperava nada disso — repliquei. — Acho que não 
mereço tanto. a Me sinto mal... 

— Nem pense nisso. Foi um prazer providenciar tudo para 
você. 

Vencida pela curiosidade, perguntei: 

— Como está indo com a profecia? O senhor já a desvendou? 

— Estou tentando traduzir o restante do monólito que vocês 
encontraram. a Mandei alguém até o templo de Durga para fotografar 
as outras colunas. Parece que cada uma delas representa um dos 
quatro elementos: terra, ar, água e fogo. 


— Faz sentido — comentei, lembrando-me da profecia de 
Durga. — A coluna original que encontramos devia estar relacionada 
à terra, pois mostrava lavradores fazendo oferendas de frutas e grãos. 
Além disso, Kishkindha era subterrânea e o primeiro objeto que 
Durga nos pediu que encontrássemos foi o Fruto Dourado. 

— Exato, mas acabamos descobrindo que existiu uma quinta 
coluna que foi destruída há muito tempo. Ela representava o 
elemento espaço, o que é comum na fé hindu. 

— Bem, se existe alguém capaz de decifrar o que virá em 
seguida, esse alguém é o senhor. Obrigada por ligar para saber de 
mim — acrescentei. 

Antes de desligar, prometemos voltar a nos falar em breve. 

Peguei meus livros novos, estudei por cinco horas e depois fui 
até uma loja de brinquedos comprar tigres de pelúcia laranja com 
listras pretas para Rebecca e Sammy, já que eu tinha me esquecido 
completamente de trazer alguma coisa da Índia para eles. Agindo 
contra o bom senso, também acabei comprando um tigre de pelúcia 
branco, grande e caro. 

De volta à casa, abracei o tigre e enterrei meu rosto em seu 
pelo. Era macio, mas o cheiro não combinava. O cheiro dele era 
maravilhoso, um misto de sândalo e cachoeira. O bicho de pelúcia era 
apenas uma réplica. Suas listras eram diferentes e os olhos eram 
vítreos — de um azul fosco, sem vida. Os olhos dele eram de um 
azul-cobalto vivo. 

O que há de errado comigo? Eu não devia ter comprado isso. 
Assim vai ficar ainda mais difícil esquecê-lo. 

Deixando de lado as emoções, separei umas roupas e me 
arrumei para ao visitar minha família adotiva. 

Ao atravessar a cidade, peguei o caminho mais longo a fim de 
evitar o local em que o circo fora montado e trazer à tona mais 


lembranças dolorosas. Quando parei na frente da casa de Mike e 
Sarah, a porta se escancarou. Mike veio em minha direção... mas não 
pôde resistir a dar uma olhada mais de perto no Porsche e passou 
correndo por mim em direção ao carro. 

— Kelsey! Posso? — perguntou ele, timidamente. 

— Divirta-se — respondi, rindo. 

O mesmo Mike de sempre, pensei e joguei-lhe as chaves para 
que ele desse n. umas voltas. 

Sarah passou o braço por minha cintura e me conduziu para 
dentro de casa. 

— Estamos tão felizes em ver você! Nós dois estamos! — 
gritou ela, franzindo a testa para Mike, que acenou alegremente antes 
de sair de ré da garagem — Ficamos preocupados depois da sua 
partida para a Índia porque você não telefonava muito, mas o Sr. 
Kadam ligava regularmente explicando o o que você estava fazendo e 
como andava ocupada. 

— Ah, é? E o que ele dizia exatamente? — perguntei, curiosa 
para saber a história que ele tinha inventado. 

— Ele falou sobre seu novo emprego e que a partir de agora 
você vai para lá é nas férias de verão ajudá-lo em vários projetos. Eu 
não tinha a menor ideia de que você se interessava por estudos 
internacionais. Essa é uma área maravilhosa. Muito fascinante. Ele 
também disse que, quando você se formar, poderá trabalhar na 
empresa dele. É uma oportunidade fantástica! 

Sorri para ela. 

— É, o Sr. Kadam é ótimo. Eu não poderia querer um chefe 
melhor. Ele me trata mais como neta do que como funcionária, e me 
mima demais. Você viu a casa e o carro, e ainda tem a universidade... 


— Ele falava de você com muito carinho ao telefone. Até 
admitiu que acabou se tornando dependente de você. É um homem 
muito simpático. Também declarou que você é... como foi mesmo que 
ele disse... “um investimento que trará uma grande recompensa no 
futuro” 

Lancei um olhar inseguro a Sarah. 

— Espero que ele esteja certo quanto a isso. 

Ela riu e em seguida ficou séria. 

— Nós sabemos que você é especial, Kelsey, e que merece 
coisas maravilhosas. Talvez esta seja a forma de o Universo 
compensar a perda dos seus pais. Embora eu saiba que nada irá 
substituí-los. 

Fiz um gesto afirmativo com a cabeça. Ela estava feliz por 
mim. E saber que eu estaria respaldada financeiramente para viver 
com conforto por conta própria devia ser um grande alívio para 
minha família. 

Sarah me abraçou e tirou do forno um prato que exalava um 
cheiro estranho. Ela o colocou em cima da mesa e disse: 

— Agora vamos comer! 

Fingindo entusiasmo, perguntei: 

— Então... o que temos para o jantar? 

— Lasanha integral orgânica de espinafre com tofu e semente 
de linhaça. 

— Hum, mal posso esperar — falei, forçando um meio sorriso. 

Pensei com carinho no mágico Fruto Dourado que eu tinha 
deixado na Índia — o objeto divino que podia fazer a comida mais 
deliciosa aparecer instantaneamente. Com ele nas mãos de Sarah, 


talvez até uma refeição saudável ficasse gostosa. Provei a lasanha com 
o dedo. Pensando bem... 

Samuel, de 4 anos, e Rebecca, de 6, entraram correndo na 
cozinha, saltitando e querendo chamar minha atenção. Abracei os 
dois e os levei para a mesa. Então fui até a janela para ver se Mike já 
tinha voltado. Ele havia acabado de estacionar o Porsche e vinha 
andando de costas na direção da porta, olhando para o carro. 

— Mike, hora do jantar — gritei da janela. 

Ele respondeu por sobre o ombro, sem tirar os olhos do carro: 

— Claro, claro. Já vou. 

Sentei-me entre as crianças, servi um pouco de lasanha para 
cada uma e peguei uma fatia minúscula para mim. Sarah ergueu a 
sobrancelha e justifiquei minha pequena porção dizendo que comera 
muito no almoço. Mike enfim entrou e começou a tagarelar 
animadamente sobre o Porsche. Então perguntou se poderia pegar o 
carro emprestado para sair com Sarah numa sexta à noite. 

— Claro. Eu posso vir e tomar conta das crianças. 

Ele sorriu, radiante, enquanto Sarah revirava os olhos. 

— Com quem você está planejando sair? Comigo ou com o 
carro? — perguntou. 

— Com você, é claro, minha querida. O carro é só uma vitrine 
para a linda mulher sentada ao meu lado. 

Sarah e eu nos entreolhamos, reprimindo o riso. 

— Boa, Mike — zombei. 

Depois do jantar fomos para a sala e dei os tigres de pelúcia 
laranja às crianças. Elas soltaram gritinhos de alegria e se puseram a 
correr ao nosso redor, rugindo uma para a outra. Sarah e Mike me 
fizeram todo tipo de pergunta sobre a Índia e eu falei sobre as ruínas 


de Hampi e a casa do Sr. Kadam. Tecnicamente, a casa não era dele, 
mas eles não precisavam saber disso. Então me perguntaram sobre 
como estava indo a adaptação do tigre do circo à, Sr. Maurizio ao 
novo lar. 

Fiquei paralisada por um instante, mas em seguida disse que 
ele estava indo bem e que parecia muito feliz lá. Por sorte, o Sr. 
Kadam havia explicado que ficávamos fora com frequência, 
explorando ruínas indianas e catalogando artefatos. Ele dissera que eu 
trabalhava como sua assistente, mantendo o registro de suas 
descobertas e fazendo anotações, o que não estava muito longe da 
verdade. Isso também explicava por que eu escolhera incluir historia 
da arte em meus estudos. 

Estar com eles era divertido, mas também me esgotava, pois eu 
precisava tomar cuidado para não me distrair e deixar escapar algo 
estranho demais. Eles nunca acreditariam em todas as coisas que 
haviam me acontecido. Às zes eu mesma tinha dificuldade em 
acreditar. 

Sabendo que dormiam cedo, peguei minhas coisas e me 
despedi. Dei um abraço em cada um e prometi que voltaria na 
semana seguinte. 

Quando cheguei em casa passei algumas horas estudando e 
então tomei um banho quente. Enfiando-me na cama no quarto 
escuro, arquejei quando minha mão esbarrou em pelo. Então me 
lembrei da minha compra, empurrei o tigre de pelúcia para os pés da 
cama e enfiei a mão entre o rosto e o travesseiro. 

Eu não conseguia parar de pensar nele. Perguntava-me o que 
estaria fazendo naquele momento e se pensava em mim ou sentia 
minha falta. Estaria andando pela selva úmida e abafada? Lutando 
com Kishan? Eu voltaria à India algum dia? Aliás, será que era isso 
mesmo que eu queria? 


Todas as vezes que eu empurrava um pensamento para o 
fundo da mente, outro surgia no lugar. Eu não conseguia vencê-los; 
eles continuavam pipocando, vindos do meu subconsciente. 
Suspirando, estendi o braço, agarrei a perna do tigre de pelúcia e 
puxei-o de volta. Abraçando-o, enterrei o nariz em seu pelo e 
adormeci com a cabeça em suas patas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens

Não dê spoiller!
Deixem comentários e incentive a dona do blog a continuar postando! Façam pedidos!