quinta-feira, 6 de março de 2014

Prólogo - De volta para casa


Agarrei-me ao assento de couro e senti o coração disparar 
enquanto o avião particular ganhava o céu, afastando-se da Índia. 
Tinha certeza de que, se soltasse o cinto de segurança, atravessaria o 
piso e mergulharia numa queda livre em direção às selvas lá embaixo. 
Somente assim eu me sentiria inteira novamente. Eu havia deixado 
meu coração na Índia e podia sentir sua ausência em meu peito. Tudo 
o que restava de mim era uma casca vazia, entorpecida e sem sentido. 

A pior parte era que... eu tinha feito isso a mim mesma. 

Como pude me apaixonar? E por alguém tão... complicado? 

Os últimos meses tinham voado. Não sei como, de um 
trabalho no circo, e partira numa viagem para a Índia com um tigre — 
que vinha a ser um príncipe indiano — e travara batalhas contra 
criaturas imortais, tentando juntar os pedaços de uma profecia 
perdida. Agora minha aventura havia chegado ao fim e eu estava 
sozinha. 


Era difícil acreditar que apenas alguns minutos antes eu tinha 
dito adeus Sr. Kadam. Ele não falara muita coisa. Havia se limitado a 
dar tapinhas em minhas costas enquanto eu o abraçava com força, 
sem querer soltá-lo. Por fim, o Sr. Kadam se libertara dos meus 
braços, murmurara algumas palavras na tentativa de me tranquilizar e 
me entregara aos cuidados de sua tatatataraneta, Nilima. 

Felizmente, no avião, Nilima me deixou sozinha. Eu não queria 
a companhia. Ela de ninguém. Ela me serviu o almoço, mas eu não 
conseguia nem pensar comer. Sabia que estaria delicioso, porém tinha 
a sensação de estar andando perto de areia movediça. A qualquer 
segundo poderia ser sugada para um abismo de desespero. A última 
coisa que eu queria era comer. Sentia-me desgastada e inútil, como o 
embrulho amassado de um presente de Natal. 

Nilima retirou a refeição e tentou me seduzir com minha 
bebida favorita — água bem gelada com limão —, mas eu a deixei na 
mesa. Fiquei olhando para o vidro sabe-se lá por quanto tempo, 
observando a água se condensar no exterior do copo, formando 
gotículas que escorriam lentamente e empoçavam em torno da base. 

Tentei dormir, esquecer tudo por pelo menos algumas horas, 
mas aquela tranquilidade estava fora do meu alcance. Pensamentos 
sobre meu tigre branco e a maldição secular que o aprisionava 
disparavam em minha mente enquanto eu examinava o espaço ao 
redor. Eu fitava o assento do Sr. Kadam vazio à minha frente, olhava 
pela janela ou observava uma luz piscando na parede. De vez em 
quando me voltava para minha mão, traçando com o dedo o lugar 
onde o desenho de hena feito por Phet já não era mais visível. 

Nilima voltou trazendo um MP3 player com milhares de 
músicas. Várias eram de artistas indianos, mas a maior parte era de 
americanos. Rolei a tela em busca das canções de amor mais tristes, 
pus os fones nos ouvidos e apertei o PLAY. 

Abri o zíper da mochila para pegar a colcha de minha avó e só 
então lembrei que havia embrulhado Fanindra com ela. Puxando as 


pontas da colcha, espiei a cobra dourada, um presente da deusa 
Durga, e a coloquei ao meu lado no braço da poltrona. A joia 
encantada estava enroscada, descansando — ou pelo menos era o que 
eu supunha. Esfregando-lhe a cabeça dourada e lisa, sussurrei: 

— Você é tudo que eu tenho agora. 

Estendendo a colcha sobre minhas pernas, recostei-me na 
poltrona reclinada, olhei para o teto do avião e fiquei ouvindo uma 
canção chamada “One Last Cry” Mantendo o volume baixo, coloquei 
Fanindra no colo e acariciei os anéis reluzentes de seu corpo. O brilho 
verde dos olhos preciosos da cobra iluminava suavemente a cabine do 
avião e me consolava, enquanto a música preenchia o vazio em minha 
alma. 

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