quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 10 - Capangas


Kishan se afastou para dar uma boa olhada em mim. 

— Senti saudade. Como meu irmão idiota está tratando você? 
— Em um sussurro fingido, ele perguntou: — Você precisou usar o 
repelente de tigres? 

Eu ri. 

— Ren está me tratando muito bem, apesar de eu ter dado a 
ele um presente de dia dos namorados muito mixuruca. 

— Ah, ele não merece mesmo nenhum presente. O que foi que 
ele deu a você? Ergui a mão para tocar um dos brincos. 

— Estes. Mas são muito sofisticados para mim. 

Kishan estendeu a mão e tocou levemente o brinco. Seu olhar 
lascivo de pirata raptor de mulheres se dissolveu num terno sorriso 
que ergueu o canto de sua boca. 


— Mamãe teria aprovado — disse ele baixinho. 

— Estes brincos foram da sua mãe? — perguntei a Ren, que 
assentiu. — Ren, por que você não me disse? 

— Não queria que se sentisse pressionada a usá-los caso não 
gostasse deles — respondeu ele frivolamente. — Estão um pouco fora 
de moda. 

— Você devia ter me contado que eram da sua mãe. — 
Deslizei os braços por seu pescoço e o beijei. — Obrigada por me dar 
algo tão precioso para você. 

Ren me apertou mais e beijou meu rosto. 

Ouvi um suspiro dramático às nossas costas. 

— Argh, acho que o prefiro chorão e desesperado. Isso é tão 
meloso. 

Ren grunhiu baixinho. 

— Quem foi que o convidou? 

— Você. 

— Não para vir aqui. Como nos encontrou? 

 Desembarcamos em Salem e encontrei o convite para o baile 
na casa. Pensei que, se havia uma festa, eu devia estar nela. Mas acho 
que todas as garotas bonitas já têm par. Talvez... eu possa pegar a sua 
emprestada. 

Kishan estendeu a mão, mas Ren se interpôs à minha frente e 
ameaçou: 

— Por cima do meu cadáver. 

Kishan arregaçou as mangas do suéter. 

— Quando quiser, irmão. Vamos ver como se sai, Sr. 
Romântico. 


Hora de intervir. Em minha voz mais doce, eu disse: 

— Kishan, estamos bem no meio de um encontro e, embora eu 
esteja muito feliz em vê-lo, será que você se importaria de ir para casa 
agora? Como pode ver, é mais uma coisa para casais do que uma festa. 
Não vamos demorar e lá em casa tem ingredientes para preparar 
sanduíches e uma bandeja gigante de biscoitos. Você se importa? Por 
favor? 

— Muito bem. Eu vou. Mas só porque você está pedindo. 

— E você está pedindo outra coisa — retrucou Ren. 

Kishan deu um piparote na orelha de Ren e zombou: 

— Isso mesmo. Vamos ver se você pode levar essa coisa para 
mim mais tarde. Tchau, Kelsey. 

Tive a forte sensação de que minha mão em seu braço foi a 
única coisa que segurou Ren e o impediu de ir atrás do irmão. Ele 
ficou observando até Kishan desaparecer de seu campo de visão, mas, 
mesmo depois, pareceu não relaxat Tentei trazer sua atenção de volta 
para mim. 

— Ren. 

— Ele é muito abusado. Talvez tenha sido um erro chamá-lo 
aqui. 

— Você confia nele? 

— Depende. Confio nele na maioria das situações. A não ser... 

— A não ser? 

— A não ser com você. 

— Ah. Você não precisa confiar nele em relação a mim. Só tem 
que confiar em mim. 

— Kells... — desdenhou ele. 


— Estou falando sério. — Segurei-lhe o rosto entre as mãos de 
modo a forçá-lo a olhar para mim. — Quero que você compreenda 
uma coisa. Talvez Yesubai tenha escolhido Kishan, mas eu escolhi 
você. É você que eu quero. Não ele. — Suspirei. — Na verdade, eu 
tenho pena de Kishan. Ele perdeu a pessoa que amava. É por isso que 
devemos aproveitar ao máximo nosso tempo juntos. Nunca se sabe 
quando alguém que você ama vai ser tirado de você. 

Ele me abraçou por um instante, o rosto colado ao meu, 
enquanto dançávamos uma música lenta, sabendo que eu não falava 
mais de Kishan. 

— Isso não vai acontecer conosco. Eu não vou deixá-la. Sou 
imortal, lembra? 

Sorri sem entusiasmo. 

— Não é a isso que estou me referindo. 

— Sei a que você está se referindo. — Ele provocou. — Mas 
precisei lutar contra três homens para conquistá-la e não quero ter 
que enfrentar meu irmão também. 

Eu ri. 

— Está exagerando, Tarzan. Você não precisou lutar contra 
ninguém. Bem... exceto contra Li. E, de qualquer forma, meu coração 
já era seu, e você provavelmente sabia disso. 

— Eu saber e você saber são duas coisas bem diferentes. Fui 
um tigre solitário por tempo demais. Mereço ser feliz com a mulher 
que amo. E não vou deixar ninguém tirá-la de mim, muito menos 
Kishan. 

Lancei-lhe um olhar severo. Ele suspirou e me girou. 

— Vou tentar ser mais paciente com Kishan, mas ele sabe 
como me irritar. É difícil demais me controlar, principalmente 
quando ele flerta com você. 


— Por favor, tente, Por mim. 

— Por você, eu me submeteria a torturas excruciantes, mas 
não posso tolerar vê-lo flertando com você. 

— É você que eu amo. Vou dizer a ele que pare com isso. Mas 
tentem não se matar enquanto ele estiver aqui, está bem? Nada de 
lutas de tigres. Não se esqueça de que precisa dele aqui. 

— Certo, mas se ele continuar a se atirar aos seus pés, não 
respondo por mim. 

Depois de um momento, eu disse baixinho: 

— Você não disse... que me ama também. 

— Kelsey, “sou firme como a Estrela do Norte, cuja essência 
constante e inabalável não encontra paralelo no vasto firmamento’ 

— César morreu, você sabe. 

— Esperava que você não conhecesse essa. 

— Conheço todas, Shakespeare. 

— Então vou dizer simplesmente que te amo. Não há nada 
neste mundo mais importante para mim do que você. Só me sinto 
feliz quando você está por perto. Meu único propósito é ser o que 
você precisa que eu seja. Isso não é poesia, mas vem do meu coração. 
Serve? 

Dei um sorriso torto. 

— Acho que sim. 

Não ficamos muito mais tempo no baile, pois o humor de Ren 
havia mudado, apesar de minhas brincadeiras, meus beijos e minhas 
declarações de amor. Ele dançava comigo, no entanto sua mente 
estava em outro lugar, e quando eu lhe disse que gostaria de ir para 
casa, ele não se opôs. 


Quando subíamos o caminho que levava à entrada da 
garagem, percebi que as luzes estavam acesas na minha casa. Antes de 
entrarmos, Ren me envolveu num abraço delicado e me beijou com 
ternura. 

Ele encostou a testa na minha e disse: 

— Este não é exatamente o final que planejei para nosso 
encontro romântico. 

— Ainda lhe resta uma hora. — Sorri e passei os braços em 
torno de seu pescoço. — O que tinha em mente? 

Ele riu. 

— Na verdade eu estava planejando improvisar o restante, mas 
isso não vai acontecer com Kishan por aqui. 

Ren tornou a me beijar e ouvimos um comentário abafado, 
baixo demais para que eu pudesse entender. Ele afastou os lábios dos 
meus e grunhiu baixinho, resmungou alguma coisa em hindi e abriu a 
porta carrancudo. 

Kishan estava assistindo à TV enquanto devorava uma 
quantidade inacreditável de petiscos. Seis pacotes diferentes de 
pretzels, pipoca, biscoitos, batatas chips e outras guloseimas variadas 
estavam espalhados sobre a mesinha de centro, todos comidos pela 
metade. 

— É repugnante — queixou-se Kishan. — Vocês não podiam 
ter terminado se beijar no baile para que eu não precisasse ouvir isso? 

Ren me ajudou a tirar o casaco com um resmungo de irritação, 
antes que seguisse para o andar de cima. Ele disse que subiria assim 
que acomodasse Kishan. A parte do acomodasse me soou 
ameaçadora, mas assenti com a cabeça, na esperança de que pelo 
menos tentariam ser civilizados um com o outro. 


Estava acabando de passar a blusa do pijama pela cabeça 
quando ouvi Ren 

— Você comeu todos os meus biscoitos de manteiga de 
amendoim? 

Sacudi a cabeça. Dois tigres vivendo tão próximos vão me dar 
uma grande dor de cabeça. 

Sem ouvir a resposta de Kishan, decidi deixar que eles 
resolvessem a questão sozinhos. Aninhei cuidadosamente os brincos 
de rubi na caixa de fitas por segurança e pensei na mãe de Ren e 
Kishan. Tirei a maquiagem e os pentes com pedras do cabelo, 
deixando os cachos macios cascatearem pelas minhas costas. 

Encontrei Ren descansando em minha cama, recostado na 
cabeceira, O paletó de seu smoking estava jogado sobre uma cadeira e 
a gravata, com o nó desfeito, pendia de seu pescoço. 

Subi em seu colo e dei-lhe um beijo no rosto. Seus braços me 
envolveram, puxando-me para mais perto, mas os olhos se 
mantiveram fechados. 

— Estou tentando lidar com Kishan, Kelsey, mas vai ser muito, 
muito difícil. 

— Eu sei. Onde ele vai dormir? 

— Na minha cama, na outra casa. 

— E onde você vai dormir? 

Ele abriu os olhos. 

— Aqui. Com você. Como sempre faço. 

— Humm, Ren, você não acha que Kishan vai tirar conclusões 
sobre... você sabe, nós estarmos juntos. Juntos mesmo? 

— Não se preocupe com isso. Ele sabe que não estamos. 


— Ren. Você está corando? 

Eu ri. 

— Não. Eu só não esperava falar sobre esse assunto. 

— Você é realmente de outra época, Príncipe Encantado. Essa 
é uma conversa importante. 

— E se eu ainda não estiver pronto para essa conversa? 

— É mesmo? Depois de 350 anos você ainda não está pronto 
para essa conversa? 

Ele grunhiu suavemente. 

— Não me entenda mal, Kells. Estou mais do que pronto para 
ter essa conversa, mas nós não vamos tê-la. Pelo menos não até que a 
maldição tenha sido quebrada. 

Meu queixo caiu. 

— Você está dizendo o que acho que está dizendo? Que não 
poderemos ficar juntos até sermos perseguidos por macacos e 
demônios imortais por pelo menos mais três vezes, o que pode levar 
anos? 

— Eu espero sinceramente que não leve todo esse tempo. Mas, 
sim. É isso que estou dizendo. 

— E você não vai ceder, não é? 

— Que maravilha! Então eu vou virar uma velha solteirona que 
mora com dois gatos enormes! 

— Você não vai virar uma velha. 

— Quando você resolver ficar comigo já estarei velha, sim. 

— Kelsey, você está dizendo que está pronta para tudo agora? 


— Provavelmente não, mas e daqui a um ano? Ou dois? Vou 
acabar ficando maluca. 

— Também não vai ser fácil para mim, Kells. O Sr. Kadam 
concorda que é perigoso demais. Seus descendentes vivem por um 
tempo excepcionalmente longo e ele acha que o amuleto é o 
responsável por isso. Foi uma conversa constrangedora, mas ele disse 
que é melhor não corrermos nenhum... risco desnecessário. Não 
sabemos como o amuleto ou a maldição funcionam e, até sermos 
homens outra vez, por completo, não posso me arriscar a que alguma 
coisa aconteça com você. 

— O Sr. Kadam não matou a mulher, Ren — observei 
secamente. 

— Não. Mas ele também não era um tigre. 

— Está com medo de termos gatinhos? — provoquei. 

— Nem brinque com isso — disse Ren, com uma expressão de 
pedra. 

— Bem, então do que você tem medo? Quer fazer umas aulas? 

Não pude evitar. O humor sarcástico de mamãe tomou conta 
de mim. 

— Não! — disse ele revoltado. Eu ri. — Kelsey! Você não está 
levando isso a serio. 

— Claro que estou. Só que estou conversando sobre algo que 
me deixa nervosa e em geral reajo ao nervosismo com humor e 
sarcasmo. Poxa, Ren, você está falando de anos quando estou quase a 
ponto de atacá-lo agora. — Suspirei. — Acha mesmo que seria 
perigoso? 

— A verdade é que não sei. Não sei como a maldição irá nos 
afetar. E não vou colocá-la em risco. Portanto, podemos adiar essa 
conversa... pelo menos por enquanto? 


— Podemos — resmunguei. — Mas é bom você saber que 
tenho... dificuldade em pensar com clareza perto de você. 

— Humm — gemeu ele, pressionando os lábios em meu 
pescoço. 

— E isso não ajuda em nada, — Suspirei. — Acho que vejo um 
monte de banhos frios à minha espera no futuro. 

Ren murmurou de encontro à minha pele: 

— Para você e para mim. Você tinha dificuldade em pensar 
com clareza perto dos seus outros namorados? 

— Que namorados? 

— Jason ou Li? 

— Sinceramente, não penso em Jason senão como um amigo. 
Li era um bom amigo com potencial. Humm... isso é gostoso. Eles 
eram pessoas interessantes e que eu quis conhecer melhor. Mas 
nunca foram meus namorados. Eu não os amava como amo você e 
eles não faziam com que eu me sentisse assim. — Gemi baixinho. — 
Não chegavam nem perto. 

Ele traçou com beijos a linha do meu maxilar. 

— E antes deles? 

— Não. Não houve ninguém. Você é o meu primeiro... em 
tudo. 

Ele ergueu a cabeça e me dirigiu seu sorriso devastador. 

— Eu me sinto delirantemente feliz em ouvi-la dizer isso. — 
Ele juntou meu cabelo sobre o ombro e depositou beijos ao longo da 
curva do meu pescoço. 

— Só para registrar, Kells, você também é a minha primeira 
em tudo. 


Estremeci. Suspirando, ele me beijou docemente e me 
aconchegou de encontro ao seu peito. 

Brinquei com os botões de sua camisa e falei baixinho: 

— Sabe, minha mãe conversou comigo sobre isso pouco antes 
de morrer. Ela e papai torciam para que eu esperasse até o casamento, 
como eles fizeram. 

— Para mim, isso estava subentendido. No meu tempo, em 
meu país, os relacionamentos casuais não existiam. 

— Ah— provoquei —, então você acha que nosso 
relacionamento é casual? Não. Não para mim. — Ele inclinou a 
cabeça e observou minha expressão atentamente. — E para você? 

— Para mim também não. 

— É bom saber. 

Ele estendeu a mão, agarrou meu edredom e o ajeitou à nossa 
volta. 

— Ren, o que você diria se eu quisesse esperar, você sabe, até 
lá. 

Um sorriso iluminou seu rosto bonito. 

— Até... o quê? 

Mordi o lábio, nervosa. 

— Até... você sabe. 

Seu sorriso se abriu ainda mais. 

— Isso é uma proposta de casamento? Quer o número do 
telefone do Sr. Kadam para você pedir a permissão dele? 

Bufei. 


— Vá sonhando, Romeu! Mas, falando sério, Ren, se eu 
quisesse esperar, isso... chatearia você? 

Ele segurou meu rosto entre as mãos, olhou-me nos olhos e 
disse simplesmente: 

— Eu esperaria por você pela eternidade, Kelsey. 

Suspirei. 

— Você sempre diz a coisa certa. 

Eu estava desfrutando o fato de estar ali agarradinha com ele 
quando um mento dormente acordou em minha cabeça e me fez 
sentar na cama. 

— Espere um minuto! Sua primeira em tudo, hein? Isso não é 
exatamente verdade. O Sr. Kadam uma vez me disse que ele invadiu o 
Banho da Rainha em Hampi, o que era um rito de passagem para 
rapazes. Você não o acompanhou a Hampi em várias ocasiões? 

Ren imobilizou-se. 

— Bem, tecnicamente falando... 

Eu sorri e ergui uma sobrancelha, debochada. 

— Sim, Ren? Meu amor? Você estava dizendo... 

— Eu estava dizendo que, tecnicamente falando, sim, Kadam, 
Kishan e eu invadimos o local. Mas só chegamos até a porta da frente 
e todas as mulheres estavam dormindo. Não vimos nada. 

Espetei meu dedo em seu peito. 

— Está me dizendo a verdade, Lancelote? 

— Esta é, 100 por cento, a mais absoluta verdade. 

— Então, se eu perguntar a Kishan amanhã, ele vai confirmar 
sua história? Claro que sim. — E então murmurou baixinho: — E, se 
não confirmar, dou um soco na cara dele. 


— É melhor que você esteja me falando a verdade, Ren. E não, 
você não vai dar nenhum soco na cara de Kishan. 

Só estou provocando você, Kells. Juro. Eu nunca olhei para 
outra que não fosse você desde o primeiro dia em que leu para mim 
junto à jaula do circo. No que diz respeito a Kishan, de qualquer 
maneira, ele merece ui soco por comer meus biscoitos. 

— Amanhã faço mais para você. Não brigue com ele por causa 
disso, ciumento. 

Ri até que ele me calasse com os lábios. 



No dia seguinte, durante a terceira omelete de Ren e a quarta 
de Kishan, Ren anunciou que queria voltar a praticar wushu. Kishan 
bateu palmas, deixando claro que mal podia esperar para surrar o 
irmão. 

Eles alugaram um pequeno estúdio onde teríamos total 
privacidade, de forma que ele e Ren pudessem me instruir. Não me 
ensinaram nenhum movimento ou posição elaborados, mas me 
deram um curso intensivo de Iniciação à Incapacitação de Seu 
Oponente. Nós todos achamos que era melhor eu aprender alguns 
movimentos defensivos com a possibilidade de Lokesh estar 
rondando por aí, assim como a de sabe-se lá o quê estar à nossa 
espreita na próxima missão. Então nos alongamos por alguns minutos 
e em seguida Ren começou sua aula, usando Kishan para demonstrar. 

— Lição número um. Se seu atacante estiver correndo em sua 
direção, flexione os joelhos e espere até ele se aproximar. Então 
agarre-o pelo braço, gire ao redor dele e trave os braços em seu 
pescoço. Se o sujeito for grande, atinja-o no pescoço, sob a 
mandíbula. 

Kishan correu para Ren e o atacou por trás. Então foi a minha 
vez. Ren correu em minha direção e eu agarrei seu braço e pulei em 


suas costas. Atirei os braços em torno de seu pescoço numa breve 
gravata, mas em seguida estalei um beijo em seu rosto antes de pular 
para o chão. 

— Ótimo. Lição número dois. Se o atacante tem mais 
habilidade nas artes marciais que você, não lute com ele. Tente 
apenas incapacitá-lo. Mire o estômago ou a virilha e soque ou chute o 
mais forte que puder. 

Kishan voltou a atacar e começou uma complicada investida 
empregando artes marciais. Reconheci um salto com chute no rosto, 
com o joelho flexionado e um soco circular, mas ele também fez 
muitos outros movimentos complicados que eu desconhecia. Ren 
apenas recuava, fugindo do alcance de Kishan, até que encontrou 
uma abertura e socou Kishan com força no estômago. Kishan 
levantou-se imediatamente e voltou ao ataque. Dessa vez, lutou com 
mais empenho e derrubou Ren, que então desferiu um soco para o 
alto, parando a poucos centímetros de incapacitar o irmão. 

— Se tiver que escolher um ou outro, escolha a virilha. É muito 
mais eficaz. Lição número três. Procure os pontos principais: olhos, 
pomo de adão, ouvidos, têmporas e nariz. No caso dos olhos, ataque 
com dois dedos, assim. Nas orelhas, use ambas as mãos e dê um 
telefone, isto é, acerte ambos os ouvidos ao mesmo tempo, o mais 
forte que puder. Nos outros pontos, aplique um golpe forte, com a 
mão espalmada. 

Ren demonstrou cada um dos golpes e então sugeriu que 
praticasse nele novamente. Pediu que eu o machucasse de fato, pois 
queria que a aula fosse realista. Mas eu não conseguia me forçar a 
fazer isso. 

Kishan grunhiu e se levantou, empurrando Ren e tirando-o do 
caminho. 

— Desse jeito, ela nunca vai aprender. Ela precisa de um 
ataque de verdade. 


— Não, você é bruto demais. Vai machucá-la. 

— O que você acha que eles vão fazer com ela? 

Pus meu braço no de Ren. 

— Ele tem razão. Está tudo bem. Deixe Kishan tentar. 

Ren concordou, relutante, e ficou encostado à parede. 

Fiquei parada, nervosa, com as costas voltadas para Kishan, à 
espera do ataque. Ele se aproximou de mim por trás, agarrou meu 
braço com força e me fez girar. Suas mãos envolveram meu pescoço. 
Ele estava me estrangulando. Ouvi um rugido feroz antes de Kishan 
ser lançado contra a parede mais distante. Ren ficou parado diante de 
mim tocando com carinho as marcas de dedos vermelhas em minha 
pele. 

— Eu falei! — ele gritou com Kishan, — Você é bruto demais! 
Ela vai ficar com hematomas no pescoço! 

— É necessário ser bruto para ser realista. Ela precisa estar 
pronta. 

— Ren, eu estou bem. Deixe-o tentar outra vez. Tenho que me 
preparar para que possa pensar com clareza durante um ataque. Você 
pode precisar de mim para salvá-lo um dia. 

Ele acariciou meu pescoço delicadamente e olhou para mim, 
indeciso. Por fim assentiu e saiu do caminho. 

Kishan correu para a outra extremidade do estúdio e gritou 
para mim: 

— Não pense. Apenas reaja. 

Virei-me para o outro lado a fim de esperar o ataque. Kishan 
estava silencioso. Apurei os ouvidos tentando captar o som de seus 
passos, mas não ouvi nada. De repente, seus braços me envolviam 
com força por trás e ele me arrastava. Ele era forte demais. Estava me 


estrangulando. Eu me debati, lutei e pisei com força em seu pé, tudo 
inutilmente. 

Desesperada, inspirei com força e bati a cabeça contra o seu 
queixo. Doeu. Muito. Mas ele reduziu a força dos braços o suficiente 
para que eu escapasse ide, caindo no chão. Então me levantei 
subitamente, bati meu ombro em ma virilha e soquei seu estômago 
com toda a minha força. 

Kishan caiu no chão, rolando. Ren soltou uma gargalhada alta 
e bateu nas costas do irmão antes de ir até mim. 

— Você pediu! Não pense. Apenas reaja. Pena que eu não 
tinha uma câmera! 

Eu tremia por causa do esforço. Tinha conseguido, mas 
sinceramente não acreditava que pudesse lidar com mais do que um 
adversário. Como eu poderia proteger Ren se mal conseguia cuidar de 
mim? 

— Kishan vai ficar bem? 

— Ele vai se recuperar. Só precisa de um minuto. 

Ren estava entusiasmado com minha pequena vitória. Kishan 
ficou de pé, fazendo careta. 

— Essa foi boa, Kelsey. Se eu fosse um homem normal, ficaria 
no chão por pelo menos 20 minutos. 

Eu me sentia um pouco tonta. 

— Será que podemos parar por hoje? Minha cabeça está 
rodando. Acho que preciso de uma aspirina. Lembrem-se de que eu 
não me recupero tão rápido quanto vocês dois. 

Ren ficou sério, apalpou minha cabeça e encontrou um grande 
galo se formando. Ele insistiu em me carregar até o carro, embora eu 
pudesse andar sem problemas. Quando chegamos em casa, ele me 
acomodou no sofá, socou com força a barriga de Kishan, só para 


deixar claro o que pensava, e foi para a cozinha pegar uma bolsa de 
gelo para a minha cabeça. 



Ao longo das duas semanas seguintes, enquanto praticávamos, 
acreditar que poderia manter o autocontrole durante um ataque. 
Kishan e Ren passaram a se alternarem rondas em torno da casa à 
noite, certificando-se de que ninguém chegaria sorrateiramente e nos 
surpreenderia. Coloquei uma mochila de emergência debaixo do 
banco dianteiro da picape GMC preta de Kishan, com roupas e outros 
itens de que precisaria no caso de partirmos com pressa. Guardei nela 
minha colcha, documentos de viagem, os brincos de rubi e Fanindra. 
Ren e Kishan a encheram com dinheiro de vários países e 
acrescentaram uma bolsa de roupas para eles também. Estacionaram 
a picape cerca de um quilômetro e meio adiante na estrada principal e 
a cobriram com galhos para camuflá-la. 

Eu sempre usava meu amuleto e a pulseira com o medalhão de 
Ren, i me preocupava com minha caixa de fitas. Se tivéssemos que 
deixar a cidade rapidamente, não queria que nada acontecesse com 
ela. Ren sugeriu que, por segurança, enviássemos um pacote pelo 
correio para o Sr. Kadam. Despachamos para a Índia minha caixa de 
fitas e vários outros itens pessoais insubstituíveis. 

Manter o estado de ânimo descontraído era difícil, pois todos 
sentíamos que alguma coisa ruim estava para acontecer. Kishan agora 
se juntava a nós nas noites de filmes e na maioria das vezes comia 
toda a pipoca, o que irritava Ren. Ficávamos em casa quase todas as 
noites e eu cozinhava. Kishan comia facilmente o dobro do que Ren 
comia, que já era muito, O rapaz do mercado que fazia a entrega 
devia pensar que estávamos administrando uma pensão, a julgar pela 
quantidade de comida que pedíamos toda semana. 




Num sábado de março, sugeri um passeio à Tillamook e à 
praia. A previsão era de um tempo atipicamente quente e ensolarado. 
A probabilidade de o dia estar de fato quente e assim se manter era 
mínima, mas as praias do Oregon eram lindas, mesmo com chuva. No 
minuto em que prometi sorvete de chocolate com manteiga de 
amendoim, Ren passou a apoiar a ideia. 

Separamos biscoitos, chocolate e marshmallows para o lanche 
e colocamos uma muda de roupa na traseira do Hummer. Dirigi até 
Lincoln City e dobrei a direita, na rodovia 101, que corria ao longo do 
litoral do Oregon. Era uma bela viagem e os dois tigres empinaram o 
nariz para farejar o oceano quando abri um pouco as janelas. Mais 
tarde, parei no Centro de Visitantes da Queijaria Tillamook e 
estacionei na vaga mais distante do movimento. 

— Encontro vocês lá dentro. 

Vesti um casaco leve. Apesar da previsão de tempo bom, o céu 
estava um pouco nublado, com raios de sol espiando através das 
nuvens cinzentas apenas ocasionalmente. Ventava um pouco 
também, mas não parecia que fosse chover antes do anoitecer. Entrei 
na loja e examinei a variedade de queijos em exposição. 

Ren entrelaçou os dedos nos meus. Usava um suéter azul-claro 
de capuz com uma estampa de alguma espécie de dragão asiático que 
ia de um ombro ao outro. 

Levantei a mão para traçar as linhas do dragão. 

— Onde você comprou isto? 

Ele deu de ombros. 

— Pela internet. Agora sou expert em compras on-line. 

— Humm. Gostei. 

Ele arqueou uma sobrancelha. 

— Gostou? 


— Sim. — Suspirei. — É melhor manter você longe do sorvete. 

Ele pareceu ofendido. 

— Posso saber por quê? 

— Porque você é quente o bastante para derretê-lo. As 
atendentes já estão de olho em você. 

— Bem, talvez você não tenha percebido o rapaz atrás do 
balcão. Ele ficou muito desapontado quando entrei aqui. 

— Você está mentindo. 

— Não... não estou. 

Espiei o rapaz atrás da caixa registradora. Ele estava nos 
observando. 

— Provavelmente ele só quer ter certeza de que não estamos 
provando amostras demais. 

— Duvido. 

Fomos até o balcão de sorvete onde senti o aroma de 
casquinhas de waffle recém-saídas do forno. Kishan pediu uma 
casquinha e três bolas com os sabores cheesecake de mirtilo, laranja 
com chocolate e root beer. 

— Uma combinação interessante, Kishan. 

Ele sorriu para mim acima de sua casquinha gigante e deu uma 
mordida imensa na bola de sorvete de cima. Ren era o próximo, mas 
parecia estar com problemas. 

— Estou dividido. 

— Entre o quê? 

— Chocolate com manteiga de amendoim e pêssego com 
creme. 


— Você adora chocolate com manteiga de amendoim. Deveria 
ser uma escolha fácil. 

— Ah, é verdade. — Ele se inclinou para sussurrar: — Mas 
gosto mais de pêssego com creme. 

Ele me deu um beijo no rosto e pediu uma casquinha com 
duas bolas de pêssego com creme. 

Eu pedi uma casquinha com uma bola de chocolate com 
manteiga de amendoim por baixo e uma do meu favorito, o especial 
da casa, por cima, e prometi a Ren que ele poderia comer metade da 
minha casquinha. Acrescentei uma barra grande de chocolate com 
manteiga de amendoim ao pedido e paguei a conta. 

Dali era uma viagem curta até a praia. Como estava nublado e 
ainda bastante frio, a praia encontrava-se deserta. Éramos apenas nós 
três, as gaivotas e o rugido do oceano gelado. 

A água azul fria e cortante encapelava-se, derramando-se pela 
areia cinzenta e borrifando as grandes pedras negras. Era assim o 
oceano do noroeste: lindo, frio e escuro. Muito diferente das praias da 
Califórnia e da Flórida. À distância um barco de pesca passava 
lentamente. 

Ren estendeu uma manta grande na areia e começou a fazer 
uma fogueira. Logo, logo uma labareda crepitava e ele se sentou ao 
meu lado no cobertor. Comemos, rimos e conversamos sobre vários 
estilos de artes marciais: caratê, wushu, ninjútsu, kendo, aikido, 
shaolin, muay thai, tae kwon do e kempo. 

Ren e Kishan discutiram sobre que estilo usar em cada 
situação. Por fim, se aquietaram e Ren me convidou para caminhar 
pela praia. Tiramos os sapatos, demos as mãos e deixamos a água fria 
lamber nossos pés descalços enquanto andávamos até as pedras 
negras, a cerca de um quilômetro dali. 

— Você gosta do mar? — perguntou ele. 


— Gosto de observá-lo ou navegá-lo, mas nadar nele me dá 
medo. 

— Por quê? Pensei que você adorasse as histórias sobre o 
oceano. 

— E adoro. Existem alguns livros excelentes sobre o mar: 
Robinson Crusoé, Vinte mil léguas submarinas, A ilha do tesouro e 
Moby Dick. 

— Então por que você tem medo? 

— Uma palavra: tubarões. 

— Tubarões? 

— É. Parece que tenho que apresentá-lo ao filme Tubarão. — 
Suspirei. — Eu sei, estatisticamente falando, que a maioria das 
pessoas que nadam em praias não é comida por um tubarão, mas o 
simples fato de eu não poder ver nada na água já me enche de pavor. 

— Então não tem problema com as piscinas? 

— Não. Adoro nadar, mas vi programas de mais sobre tubarões 
na TV e não me sinto tranquila no mar. 

— Talvez você pudesse gostar de mergulhar. 

— Talvez, mas duvido. 

— Gostaria de experimentar um dia. 

— Fique à vontade. 

— Sabe, estatisticamente falando, você tem muito mais 
probabilidade de ser devorada por um tigre. 

Ele tentou agarrar meus braços, mas corri, saindo de seu 
alcance. 

— Não se o tigre não puder me pegar. 


Saí correndo o mais rápido que pude e Ren riu e me perseguiu 
pela areia, tentando agarrar meus calcanhares. 

Ele me deixou escapar por algum tempo, apesar de eu saber 
que poderia ter me dominado quando quisesse. Por fim, ele me pegou 
no colo e me jogou sobre o ombro. 

Eu não parava de rir. 

— Vamos voltar, Tigre. A maré está subindo e deixamos 
Kishan sozinho por muito tempo. 

Ele me carregou de volta e me colocou sobre a manta. 

Peguei os marshmallows para assá-los. Ren desafiou Kishan 
para uma corrida, indo da manta até as pedras e voltando. 

— Vamos lá, Kishan. O primeiro a voltar ganha. 

— Ganha o quê? 

— Que tal um sanduíche de biscoito com marshmallow e 
chocolate? — Kishan sacudiu a cabeça. 

— Que tal um beijo de Kelsey? 

O rosto de Ren tornou-se sombrio. 

Eu me aventurei: 

— Ah, Kishan. Acho que essa não é uma ideia muito boa. 

— Ë sim, Kelsey — insistiu Kishan. Vai servir como motivação 
para ele se esforçar. A menos que ele ache que vai perder. 

— Eu não vou perder — grunhiu Ren. 

Kishan espetou o dedo no peito de Ren. 

— No seu melhor dia você nem sequer veria minha cauda. 

— Muito bem. Vamos lá. 


— Rapazes, eu não acho... 

Ambos saíram correndo tão rápido que se transformaram 
quase num borrão sobre a areia. Deixando os marshmallows de lado, 
levantei-me para vê-los correr. Kishan parecia um relâmpago, mas 
Ren também era rápido, indo logo atrás. Quando alcançaram a pedra, 
Ren fez uma virada melhor e ganhou alguns centímetros de 
vantagem, que conseguiu manter na volta. Mais ou menos na metade, 
Kishan estendeu o braço, agarrou o capuz azul do suéter de Ren, 
puxou com força e o empurrou na areia. 

Ren girou e caiu, porém se levantou rapidamente e avançou, 
correndo com fúria. Suas pernas se movimentavam mais rápido do 
que parecia possível. A areia voava vários metros atrás dele, à medida 
que diminuía a distância e emparelhava com Kishan. A corrida 
terminou com Kishan ganhando por meio metro. 

Ren estava furioso. Kishan riu e cutucou Ren para que saísse 
da frente e o deixasse reivindicar seu prêmio. 

Fiquei na ponta dos pés e dei um beijo no rosto de Kishan. Ren 
pareceu se acalmar e começou a relaxar. Ele pegou uma pedra e a 
atirou no oceano. 

— Você só ganhou porque roubou — resmungou. 

— Ganhei porque sei como ganhar — retrucou Kishan. — 
Roubar é irrelevante. Você precisa aprender a fazer o que for 
necessário para ganhar. Por falar nisso, esse não era o prêmio que eu 
tinha em mente. 

Ele agarrou meu cotovelo, fazendo-me dar meia-volta, e me 
segurou pelas costas, inclinando-nos num beijo teatral. Era muito 
mais drama que substância, mas Ren ficou enlouquecido. 

— Solte-a. Agora. 

Depois de Kishan me colocar de pé, recuei um passo e Ren se 
lançou de encontro à barriga de Kishan, interrompendo sua 


gargalhada ao atirá-lo na areia. Eles rolaram pelo chão lutando e 
rosnando pelos 10 minutos seguintes. Achei melhor não intervir. 
Parecia que lutar contra o outro era um dos passatempos preferidos 
de ambos. 

Quando finalmente encerraram a briga, nós comemos os 
biscoitos com marshmallow e chocolate. Tirando o cabelo de Ren de 
sua testa e alisando-o, eu disse: 

— Você sabe que a única intenção dele era tentar irritá-lo. 

— Ah, mas não era mesmo. Eu já disse: se ele continuar 
bancando o engraçadinho com você, a trégua estará cancelada. Ei, 
isso é muito bom. Humm, ficaria ainda melhor com... 

— Manteiga de amendoim? — falamos os dois ao mesmo 
tempo. 

Ele começou a plantar beijos melados por todo o meu rosto. 
Eu ri, empurrei-o do meu colo e corri. Ele se pôs de pé num salto para 
me pegar quando teu celular tocou. Era Jason. 

— Oi, Jason. Tudo bom? 

— Achei que você ia gostar de saber que uns caras estranhos 
apareceram o campus ontem perguntando por você. Disseram que 
representam um escritório de advocacia e que têm novidades sobre o 
testamento dos seus pais. 

— Ah. E como eram eles? 

— Eram altos e vestiam uns ternos caros. Pareciam falar a 
verdade, mas eu não disse nada a eles. Achei melhor consultar você 
primeiro. 

— Muito obrigada por me avisar, Jason. Você fez bem em não 
dizer nada a eles. 

— Você está com algum problema, Kelsey? Está tudo bem? 


— Tudo bem. Não se preocupe. 

— Beleza. Até mais. 

— Até. 

Encerrei a ligação e olhei para Ren. Ele me encarou. Ambos 
sabíamos: Lokesh havia me encontrado. Ouvi Kishan falando baixinho, 
me virei e o vi em seu celular, provavelmente com o Sr. Kadam. 

Começamos a arrumar tudo para voltar imediatamente. De 
repente a atmosfera na praia havia mudado. Agora era sombria, 
escura e sinistra, quando antes era amistosa e segura. O céu parecia 
agourento e ameaçador e estremeci com a brisa repentinamente fria. 

Ren e Kishan concordaram que, se Jason não tinha dito nada 
aos homens, era improvável que eles já houvessem encontrado nossa 
casa. Resolvemos ir até lá, acertar umas últimas coisas e deixar o 
Oregon. 

No caminho, liguei para Sarah e Mike e disse a eles que estava 
voltando para a Índia. 

— O Sr. Kadam fez uma descoberta importante e precisa da 
minha ajuda. Ren irá comigo. Ligo assim que o avião pousar. 

Telefonei para Jennifer e disse a mesma coisa. Ela ficou 
insinuando que, se eu estava fugindo com Ren, devia lhe confessar. 
Por fim acreditou na história e disse que passaria a informação a Li. 
Tomei o cuidado de não mencionar a cidade nem quanto tempo 
ficaria fora. Tentei ser o mais vaga possível. 

Quando desliguei, Ren me assegurou que minha família estaria 
a salvo. Disse que o Sr. Kadam havia providenciado férias surpresa 
para Sarah, Mike e as crianças. Eles ganhariam uma viagem de três 
semanas com tudo pago para o Havaí, mas somente se partissem 
imediatamente. Seriam informados de que a viagem era um prêmio 
de sua marca favorita de tênis de corrida. 


Fiquei olhando os retrovisores durante todo o trajeto até em 
casa, esperando que sedãs negros surgissem, vindo em disparada em 
nossa direção, com homens inescrupulosos atirando contra nós. Dizer 
que eu estava assustada era eufemismo. Eu havia enfrentado 
demônios e macacos imortais, mas, por alguma razão, era 
completamente diferente enfrentar bandidos do mundo moderno. Eu 
podia racionalizar que demônios não eram reais; portanto, ainda que 
estivessem me perseguindo, não chegavam a ser de fato uma ameaça. 
Mas homens de verdade, que queriam sequestrar, torturar e matar, 
pareciam muito mais apavorantes. 

Quando chegamos em casa, estacionei na garagem e esperei no 
carro até os irmãos inspecionarem a casa. Voltando uns 10 minutos 
depois, Ren pôs os dedos nos lábios e, em silêncio, abriu minha porta. 
Ele havia vestido roupas escuras, botas pesadas e um casaco preto. 

— O que está acontecendo? — meus lábios formaram as 
palavras sem pronunciá-las. 

— Alguém entrou na casa. Na verdade, nas duas casas — 
sussurrou Ren em resposta. — O cheiro deles está por toda parte, mas 
nada foi levado. Não tem ninguém aqui agora, então suba e vista 
rapidamente uma roupa escura e tênis de corrida. Depois nos 
encontre aqui embaixo. Kishan está vigiando as portas. Vamos sair 
pelos fundos, pegar a picape de Kishan e seguir para o aeroporto. 

Assenti, entrei depressa na casa e subi a escada correndo. Lavei 
o rosto, vesti uma calça jeans escura, um suéter preto de mangas 
compridas e tênis. Peguei o casaco e encontrei-os lá embaixo. Kishan 
ia na frente, enquanto atravessávamos furtivamente minha casa e 
entrávamos na de Ren. 

Tanto Kishan quanto Ren haviam se munido de armas da 
minha caixa de wushu. O bastão tripartido tinha sido dobrado e 
estava preso no cinto de Kishan, nas costas, e Ren havia enfiado um 
par de facas no passador do cinto. Ren e eu continuamos a seguir 


Kishan, que nos conduziu para fora da casa, seguindo para o meio das 
árvores. 

Ele parava com frequência para farejar o ar e examinar o solo. 
Precisávamos caminhar cerca de um quilômetro e meio até a picape. 
Cada ruído, cada estalo na floresta me assustava e eu girava o corpo 
com frequência, esperando um ataque. Sentia um formigamento nas 
costas, como se estivéssemos sendo observados. 

Depois de cinco minutos, Kishan estancou. Indicou com gestos 
que nos abaixássemos e afundamos atrás de algumas samambaias. 
Havia alguém em meio às árvores, movendo-se em silêncio, seguindo 
nosso rastro. Até eu podia ouvi-lo, o que significava que estava perto. 

— Precisamos sair daqui — murmurou Kishan. — Quando eu 
disser — Alguns segundos de tensão transcorreram. — Agora — 
sussurrou. 

Ele nos guiou floresta adentro num ritmo mais veloz. Eu 
tentava me mover o mais silenciosamente possível, mas temia que 
quem quer que estivesse nos seguindo pudesse me ouvir. Meus pés 
pareciam não encontrar os pontos certos para pisar e várias vezes 
quebrei galhos e escorreguei em lugares molhados enquanto corria. 
Chegamos a uma clareira, onde Kishan se deteve e sibilou: 

— Emboscada! 

Demos meia-volta, O homem que nos seguia nos alcançou e 
bloqueou nossa passagem. Kishan correu em sua direção, diminuindo 
rapidamente a distância. Quando estava a poucos metros, Kishan 
puxou o bastão e o brandiu acima da cabeça, para ganhar impulso. Eu 
achava a arma pesada, s mãos de Kishan ela girava como as hélices de 
um helicóptero. Com um estalo, ele acertou as pernas do homem e o 
derrubou, e então, dando um salto gigante, girou a arma e a acertou 
nas costas e na cabeça do homem caído. Com um movimento rápido 
do pulso, a arma dobrou-se, acomodando-se em sua palma, e ele 
tornou a enfiá-la no cinto, O homem não se levantou. 


Ren agarrou minha mão e me puxou enquanto corria. Parando 
pequeno bosque, ele me forçou a me esconder atrás de um tronco 
caído e ordenou que eu não me mexesse, então voltou correndo para 
juntar-se a Kishan, tomando posição não muito longe do irmão. Eu vi 
o lampejo das facas quando Ren as sacou e as rodopiou habilmente 
enquanto Kishan mais uma vez brandia o bastão. Os dois irmãos 
perscrutavam a floresta, à espera 

Os outros homens haviam nos alcançado. O que aconteceu em 
seguida não foi nada parecido com o que se vê nas aulas de artes 
marciais. Aquilo era batalha. Guerra. Ren e Kishan pareciam dois 
supersoldados. Seu rosto não demonstrava nenhuma emoção. Eles se 
moviam com agilidade e eficiência Não desperdiçavam energia. 
Movimentavam-se em harmonia, como um par de dançarmos letais, 
Ren com as facas e Kishan com o bastão. Entre eles, derrubaram pelo 
menos uma dúzia de homens, no entanto outras dezenas surgiam em 
disparada do meio das árvores. 

Ren golpeou um deles no pescoço com o cotovelo, 
provavelmente esmagando-lhe a traqueia. Quando o homem se 
dobrou, Ren saltou sobre suas costas, girou o corpo e chutou a cara 
do que vinha atrás dele. Kishan era brutal. Quebrou o braço de um 
homem enquanto simultaneamente chutava o joelho de outro. Pude 
ouvir o estalo repugnante e o grito quando os dois desabaram no 
chão. Era como estar no meio de um dos filmes de artes marciais de 
Li, só que ali o sangue e o perigo eram reais. 

Quando nenhum dos homens conseguia ficar de pé, os irmãos 
voltaram correndo até mim. 

— Há outros vindo para cá — disse Kishan, sem emoção. 

Corremos. Ren me pegou e me jogou sobre o ombro. Mesmo 
com meu peso retardando-o, ele ainda avançava mais rápido do que 
eu conseguiria. Os irmãos corriam o mais rápido que podiam. 
Velozes, porém silenciosos. De algum modo, eles sabiam onde pisar 
para evitar fazer barulho. Kishan desacelerou e começou a correr 


atrás de nós, assumindo uma posição no flanco. Continuamos assim 
por pelo menos 10 minutos. Calculei que estivéssemos distantes dos 
homens, mas, de repente, ouvi silvos e estalos, à medida que alguma 
coisa atingia os troncos das árvores à nossa volta. 

Imediatamente, Ren e Kishan duplicaram sua velocidade e 
saltaram atrás de um tronco caído, em busca de proteção. 

— Eles estão atirando na gente? 

— Não — Kishan sussurrou de volta. — Pelo menos não com 
armas de fogo. O ruído é diferente. 

Ficamos ali em silêncio. Eu respirava com mais intensidade do 
que eles, embora eles que tivessem corrido. Esperamos. Os dois 
irmãos tinham os ouvidos atentos. Eu estava prestes a fazer uma 
pergunta, mas Ren levou um dedo aos lábios, indicando que eu devia 
ficar calada. Eles usavam sinais com as mãos para se comunicar. Eu 
observava com atenção, mas não conseguia entender o que queriam 
dizer. Ren girou o dedo em círculo e Kishan lhe passou o bastão, 
metamorfoseou-se no tigre negro e se enfiou furtivamente 

Apontei na direção em que Kishan havia desaparecido. Ren 
pressionou a boca em meu ouvido e sussurrou numa voz que mal se 
podia ouvir: 

— Ele está atraindo os homens. 

Ren então me acomodou no oco da árvore e mudou de 
posição, de forma que seu corpo agora cobria o meu. 

Fiquei ali, tensa, meu rosto pressionado contra o peito de Ren 
por um longo tempo. De repente ouvi um rugido terrível. Ren me 
envolveu com os braços e sussurrou: 

— Eles o seguiram. Estão a quase um quilômetro daqui agora. 
Vamos. Ele pegou minha mão e começou a me levar novamente na 
direção da picape escondida. Tentei ser o mais silenciosa possível. 


Vários minutos depois, uma forma escura saltou diante de nós. Era 
Kishan. Ele voltou à forma humana. 

— Eles estão por toda parte. Levei-os o mais longe que pude, 
mas parece que todo um regimento foi mandado em nosso encalço. 

Dez minutos depois, Kishan parou e farejou o ar. Ren fez o 
mesmo. Nesse momento, homens saltaram das árvores sobre nós; 
vários deles desceram de arneses e cordas. Dois sujeitos me 
agarraram, afastando-me de Ren, e me seguraram com força, 
enquanto cinco o atacavam. Ele rugiu de fúria e se transformou em 
tigre. Os homens não pareceram surpresos com isso. Kishan já havia 
assumido sua forma de tigre e abatera vários de seus agressores. 

Ren ergueu-se nas patas traseiras, lançou as dianteiras nos 
ombros de um homem e rugiu em seu rosto. Então mordeu o pescoço 
e o ombro do homem, empurrou-o para o chão e usou seu corpo 
como ponto de apoio para impulsionar e saltar no ar, as garras 
estendidas, e atacar dois homens, atingindo-os no peito. Suas orelhas 
estavam coladas à cabeça, o pelo eriçado, e de suas mandíbulas 
pingava sangue. A cauda subia e descia como uma alavanca 
imediatamente antes de ele se arremessar no ar outra vez, indo 
aterrissar nas costas de um sujeito que lutava com Kishan. O simples 
peso de seu corpo tirou o agressor de ação. 

Eu lutava, mas não conseguia nem me mover, pois os homens 
me seguravam com força. Kishan rugiu. Um dos homens havia usado 
uma arma que tinha uma espécie de dispositivo de choque elétrico 
preso à extremidade: O tigre negro girou, derrubou a arma no chão 
com a pata e a partiu ao meio com o peso do corpo. 

Rapidamente Kishan saltou sobre o homem que havia caído no 
chão e mordeu-lhe o ombro. Depois, erguendo-o do chão com as 
mandíbulas poderosas, sacudiu a cabeça com violência até o homem 
parar de se mexer. Kishan então arrastou o corpo inerte por vários 
metros e, com um movimento repentino da cabeça, arremessou-o nos 
arbustos. Em seguida, ergueu-se nas patas traseiras, como um urso, e 


atacou os outros homens que se aproximavam. O sangue gotejava de 
suas mandíbulas quando ele rosnou feroz. 

Ren tentava o tempo todo chegar até mim, mas os homens 
sempre se interpunham entre nós. Aproveitei a distração temporária 
deles quando Ren largou um homem aos nossos pés para chutar um 
de meus agressores na virilha o mais forte que pude e dar uma 
cotovelada no estômago do outro. Este se dobrou, mas manteve o 
aperto em meu braço. Em seguida, ele me golpeou na têmpora e 
minha visão ficou embaçada. 

Ouvi o rugido terrível de Ren. Continuei lutando, mas me 
sentia tonta. O homem me segurava à frente de seu corpo, como se eu 
fosse uma isca. Ele provocava os tigres tratando-me com brutalidade. 
Eu sabia que era para distrair os irmãos, o que infelizmente 
funcionou. Ren e Kishan continuaram tentando abrir caminho até 
onde eu estava e olhavam o tempo todo para mim, o que permitiu 
que uma quantidade maior de homens se reunisse atrás deles. 

Outros homens chegaram. Aparentemente tinham chamado 
reforços e os recém-chegados portavam mais armas. Um deles sacou 
uma delas e disparou contra Ren. Um dardo atingiu-o no pescoço e 
ele cambaleou. Fui tomada de fúria e de repente minha visão clareou. 
Senti uma força queimando meus membros. Bati a parte posterior da 
cabeça no nariz do meu captor e tive a alegria de sentir a cartilagem 
quebrar. O homem gritou e afrouxou o aperto o suficiente para que 
eu escapasse. Corri para Ren. Ele assumiu a forma humana. Outro 
dardo o atingiu. Ele ainda estava de pé, mas seus movimentos eram 
muito mais lentos. Arranquei os dardos de seu corpo. 

Ele tentou me empurrar para trás dele. 

— Kelsey! Para trás! Agora! 

Um terceiro dardo o acertou na coxa. Ele cambaleou um pouco 
mais e caiu apoiado num joelho. Vários homens o cercaram e, 
sabendo que eu estava perto, ele recomeçou a lutar para mantê-los 


afastados de mim. Kishan estava enfurecido, surrando um homem 
atrás do outro enquanto tentava chegar até nós, mas outros 
continuavam a surgir. Ele estava ocupado demais para me ajudar com 
Ren. Mal conseguia dar conta de se defender. Tentei puxar os 
homens, para afastá-los de Ren, mas eles eram grandes demais. 
Também eram lutadores profissionais talvez militares, então 
praticamente me ignoravam e se concentravam nos dois alvos mais 
perigosos. Eu era apenas uma mosca irritante que eles afugentavam 
com a mão. Se pelo menos eu tivesse uma arma. 

Eu estava desesperada. Tinha que haver alguma coisa que eu 
pudesse fazer para proteger Ren. Ele liquidou o último homem perto 
de nós e caiu de joelhos, arfando penosa.mente. Havia pilhas de 
corpos ao nosso redor. Alguns mortos, outros feridos. Mais homens, 
porém, estavam chegando. E eram muitos! Eu podia vê-los se 
aproximando sorrateiros, os olhos fixos no homem esgotado ao meu 
lado. 

O temor pela vida de Ren reforçou minha determinação. Como 
uma mãe ursa protegendo o filhote, postei-me diante de Ren, 
decidida a impedi-los de continuar avançando ou pelo menos a lhes 
dar um alvo diferente contra o qual disparar. Havia mais de uma 
dúzia de homens vindo em nossa direção, maior parte empunhando 
armas. Um fogo queimou em mim, ansiedade de proteger o homem 
que eu amava. 

Meu corpo tremeu com energia, com poder. Virei-me para o 
sujeito mais próximo e o encarei, ameaçadora. Ele ergueu a arma e eu 
levantei a mão como defesa. Meu corpo queimava e senti uma lava 
derretida subir pelo meu braço e alcançar a mão. As chamas se 
inflamaram e os símbolos que Phet desenhara em minha mão 
reapareceram, reluzindo em tom carmim. Um raio explodiu dessa 
mão até o corpo do meu agressor, elevando-o no ar e lançando-o 
contra uma árvore com força suficiente para sacudi-la. O homem caiu 
curvado em sua base. 


Sem tempo para questionar ou entender o que havia 
acontecido, virei-me para enfrentar o agressor seguinte e o outro. Eu 
estava dominada pelo ódio. Uma fúria fervia em mim. Minha mente 
gritava que ninguém iria ferir aqueles eu amava. Eufórica com meu 
poder, fui derrubando-os um após o outro. 

De repente senti uma fisgada no braço e outra no ombro. 
Parecia a picada de uma abelha, mas, em lugar do fogo, era uma 
dormência que se espalhava. O fogo em minha mão crepitou e se 
apagou e eu desabei no chão diante de Ren. Ele repeliu um agressor, 
ainda lutando, embora tivesse sido atingido por dardos várias vezes. 
Minha visão estava escurecendo, meus olhos se fechando. 

Ren me ergueu e eu o ouvi gritar: 

— Kishan! Pegue-a! 

— Não — murmurei incoerentemente. 

O sussurro de seus lábios roçou meu rosto e então senti braços 
de ferro prenderem meu corpo. 

— Vá! Agora! — gritou Ren. 

Eu estava sendo carregada rapidamente por entre as árvores, 
mas Ren não nos seguia. Ele ainda lutava, enquanto os agressores 
fechavam o cerco em torno dele. Tornou a se transformar em tigre. Eu 
o ouvi rugir de fúria e dor e soube, em meio à névoa que tomava 
conta da minha mente, que não era o sofrimento físico que o fazia 
gritar. Não poderia ser, pois eu também o sentia. A dor horrível e 
dilacerante era porque eu tinha sido tirada dele. Sem conseguir 
manter os olhos abertos, estendi a mão e agarrei debilmente o ar. 

— Ren! Não! — implorei, antes de despencar na escuridão.

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