quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 11 - Regresso a Índia


O ronco grave de um motor me acordou. Minha cabeça 
latejava e eu sentia a um gosto estranho na boca. Parecia que algo 
estava muito errado; minha mente ainda estava confusa. Eu queria 
despertar, mas sabia que, do outro lado, um novo tipo de horror me 
aguardava, então me permiti afundar um pouco mais de volta à 
escuridão e me deixei ficar ali, covardemente. Eu precisava de alguma 
coisa em que me agarrar, uma muleta em que pudesse me amparar a 
fim de reunir força suficiente para encarar o que eu tinha pela frente. 

Estava deitada numa cama. Senti os lençóis macios e estendi a 
mão, hesitante. Uma cabeça peluda se esfregou em meus dedos. Ren. 
Ele estava ali. Ele era a motivação de que eu precisava para me erguer 
da escuridão e entrar na luz. 

Abri os olhos. 

— Ren? Onde estou? 

Todo o meu corpo doía. 


Um rosto bonito me olhou de cima. 

— Kelsey? Como está se sentindo? 

— Nilima? Ah, estamos no avião. 

Ela pressionou um pano molhado e frio em minha testa e eu 
murmurei: 

— Escapamos. Estou tão feliz. 

Acariciei a cabeça do tigre. Nilima olhou brevemente para o 
tigre ao meu lado e então assentiu. 

— Vou buscar um pouco de água para você, Kelsey. 

Ela saiu e tornei a fechar os olhos, pressionando a mão sobre 
minha testa latejante. 

— Tive tanto medo de você não conseguir — Acho que agora 
isso não tem importância. A sorte nos ajudou. Nunca mais vamos nos 
separar. Prefiro ser capturada com você do que sermos separados. 

Deslizei os dedos por seu pelo. Nilima retornou trazendo água. 
Ela me ajudou a sentar e eu tomei um grande gole de água. Esfreguei 
a toalha moIhada sobre os olhos e o rosto. 

— Tome... também lhe trouxe aspirina — disse ela. 

Engoli os comprimidos, agradecida, e tentei abrir os olhos 
mais uma vez. Fitei o rosto preocupado de Nilima e sorri. 

— Obrigada. Já me sinto melhor. Pelo menos, todos 
conseguimos escapar. Isso é o que importa. Certo? 

Olhei para o tigre. Não! Não! Comecei a arquejar, em busca de 
ar. Meus pulmões se fecharam. 

— Kishan? — supliquei com a voz áspera. — Onde ele está? 
Diga-me que não o deixamos para trás! Ren? — gritei. — Ren? Você 
está aqui? Ren? Ren? 


O tigre negro apenas me observava com olhos dourados e 
tristes. Agarrei a mão de Nilima. 

— Nilima, me fale! Ele está aqui? 

Ela sacudiu a cabeça, as lágrimas enchendo seus olhos. Minha 
visão tornou-se turva e percebi que eu também estava chorando. 

Apertei sua mão, desesperada. 

— Não! Precisamos voltar! Peça que deem meia-volta. Não 
podemos simplesmente deixá-lo lá! Não podemos! 

Nilima não reagiu. Virei-me para o tigre. 

— Kishan! Isso não está certo! Ele não deixaria você. Eles vão 
torturá-lo. Vão matá-lo! Precisamos fazer alguma coisa! Não podemos 
deixar que isso aconteça! 

Kishan se transformou em homem e se sentou na beira da 
cama. Ele fez um gesto com a cabeça para Nilima e ela nos deixou a 
sós. 

Ele pegou minha mão e falou baixinho: 

— Kelsey, não havia escolha. Se tivéssemos ficado para trás, 
não conseguiríamos escapar. 

Sacudi a cabeça, negando. 

— Não! Poderíamos ter esperado por ele. 

— Não, não poderíamos. Eles me aplicaram tranquilizantes 
também fui atingido uma vez e mal consegui chegar ao avião, apesar 
da minha capacidade de recuperação. Acertaram-no pelo menos seis 
vezes. Fiquei impressionado que ele ainda conseguisse ficar de pé. 
Ren lutou bravamente e ganhou tempo para que pudéssemos escapar. 

Agarrei-lhe a mão enquanto as lágrimas pingavam do meu 
queixo. 


— Ele está...? — Solucei. — Eles o mataram? 

— Acho que não. Eles não tinham outra arma além dos 
bastões com dispositivos de eletrochoque e dardos tranquilizantes. 
Aparentemente suas instruções eram para nos capturar vivos. 

— Não podemos deixá-los fazer isso, Kishan. Precisamos 
ajudá-lo. 

— Vamos fazer isso, O Sr. Kadam já está trabalhando em sua 
localização. Mas não vai ser fácil. Há séculos ele vem procurando 
Lokesh e o homem consegue se esconder muito bem. Só tem uma 
coisa em nosso favor. Ren não está com o amuleto, portanto Lokesh 
talvez esteja disposto a sugerir uma troca: o amuleto por Ren. 

— Ótimo. Daremos a ele o amuleto se pudermos ter Ren de 
volta. Vamos nos preocupar com isso quando chegar a hora, Kelsey. 
Neste momento, você precisa descansar. Estaremos na Índia daqui a 
algumas horas. 

— Fiquei desacordada tanto tempo assim? 

— Você foi atingida duas vezes e ficou apagada por cerca de 15 
horas. 

— Eles o seguiram até o avião? 

— Tentaram, mas o avião estava pronto para decolar. Jason 
provavelmente salvou nossas vidas. 

Pensei em Ren cercado por inimigos enquanto nós fugíamos e 
engasguei com um soluço. Kishan se inclinou e me envolveu num 
abraço, dando tapinhas em minhas costas. 

— Sinto muito, Kelsey. Queria que houvesse sido eu, não Ren. 
Queria ter tido força para tirar vocês dois de lá. 

Minhas lágrimas caíram em sua camisa. 


— Não foi culpa sua. Se você não estivesse lá, nós dois 
teríamos sido capturados. 

Eu me empertiguei, fungando, e enxuguei os olhos na manga 
de minha blusa. 

Ele abaixou a cabeça para fitar meus olhos lacrimejantes. 

— Eu lhe prometo, Kelsey, que vou fazer tudo que estiver a 
meu alcance para salvá-lo. Ele ainda está vivo. Posso sentir isso. 
Vamos encontrar uma vida e derrotar Lokesh. 

Queria ter tanta certeza quanto Kishan de que poderíamos 
salvar Ren. Assentindo com a cabeça, apertei sua mão e sussurrei que 
eu ficaria bem. Ele perguntou se eu queria comer alguma coisa e, 
embora sentisse nós retorcendo meu estômago, respondi que sim. Ele 
pareceu aliviado ao se levantar para chamar Nilima. 

Perguntei-me se ele estaria certo. Será que Ren ainda está 
vivo? Desde o primeiro dia em que o vira no circo, formou-se uma 
estranha conexão entre nós. Hesitante e frágil a princípio, foi se 
tornando cada vez mais forte. Quando voltei para o Oregon, o elo se 
esticou e me puxava corno uma tira de elástico. 

Ele me arrastava e tentava me levar de volta para ele. E, nos 
últimos meses, à medida que nos tornávamos mais próximos, a 
conexão se solidificou e se estreitou, formando uma liga de aço. 
Éramos parte um do outro. Eu sentia sua ausência, mas o elo ainda 
existia. Ainda era forte. Ele estava vivo. Eu sabia. Meu coração ainda 
estava ligado ao seu. Isso me deu esperanças. Decidi que o 
encontraria a qualquer custo. 

Nilima me chamou para comer alguma coisa. Ela serviu o 
jantar com um copo de água com limão, que beberiquei lentamente 
enquanto pensava no que poderia fazer para salvar Ren. Kishan havia 
voltado à sua forma de tigre e descansava a meus pés. Seus olhos 
dourados me observavam com tristeza e eu me inclinei para acariciar-
lhe a cabeça, assegurando-lhe de que ficaria bem. 


Quando aterrissamos eu ainda não tinha a menor ideia de 
como encon traria Ren, mas sabia que nunca mais me deixaria 
apanhar tão despreparada. Da próxima vez que algo assim 
acontecesse, eu lutaria. Agora que sabia que tinha esse... esse poder 
de raio dentro de mim, eu iria praticá-lo. Também pediria a Kishan 
que continuasse a me treinar nas artes marciais, quem sabe até 
usando armas. Talvez o Sr. Kadam me ensinasse também quando 
Kishan estivesse em sua forma de tigre. Eu nunca mais deixaria que 
alguém que eu amasse fosse capturado. Não enquanto eu ainda 
estivesse viva. 



O Sr. Kadam nos recebeu no aeroporto particular. 

— Srta. Kelsey, senti saudade — disse ele, me envolvendo num 
abraço. 

— Também senti saudade do senhor. 

Meus olhos queimavam com as lágrimas não derramadas, mas 
eu me re recusava a deixá-las cair. 

— Venha. Vamos para casa. Temos muito para conversar. 

Quando chegamos em casa, Kishan levou minha bolsa para o 
andar de cima e me deixou sozinha com o Sr. Kadam na sala do 
pavão. 

Os livros se acumulavam em pilhas altas na bela mesa de 
mogno; o tar normalmente organizado e limpo estava coberto por 
papéis. Peguei alg para examinar as anotações feitas na letra elegante 
do Sr. Kadam. 

— O senhor conseguiu desvendar a segunda profecia? 

— Estou perto. Na verdade, é graças à senhorita que estou 
assim tão perto. 


Um ponto de referência que me confundiu inicialmente veio a 
ser a cordilheira do Himalaia. Todo esse tempo eu vinha procurando 
uma montanha, sem perceber que era uma cadeia de montanhas que 
eu precisava encontrar. Graças ao seu relatório sobre o Himalaia e 
seus padrões climáticos, pude abrir minha mente a essa possibilidade, 
o que me levou a novas descobertas. 

— Fico feliz por ter ajudado. — Pousei os papéis na mesa e 
perguntei baixinho: — O que vamos fazer? Como vamos encontrar 
Ren? 

— Vamos encontrá-lo, Srta. Kelsey. Não se preocupe. Existe 
até a chance de te conseguir escapar sozinho e nos telefonar. 

Um pensamento cruzou a minha mente. 

— Ele vai conseguir se transformar em homem se for 
capturado? 

— Não sei. Antes, não conseguia, mas agora a senhorita 
quebrou parte da maldição. Isso pode fazer alguma diferença. 

Endireitei os ombros. 

— Sr. Kadam, quero que me treine. Quero que me instrua no 
uso das armas e nas artes marciais. O senhor ensinou aos dois e quero 
que seja meu instrutor também. 

Ele me olhou pensativo por um minuto. 

— Está certo, Srta. Kelsey. Será preciso disciplina e muitas, 
muitas horas de prática para que se torne capacitada. Não espere 
conseguir fazer o mesmo que Ren e Kishan. Eles foram treinados a 
vida toda e o tigre que há neles os torna mais fortes. 

— Tudo bem. Estou preparada para isso. Pretendo pedir a 
Kishan que continue trabalhando comigo. Posso aprender mais 
depressa se praticar com vocês dois. 

Ele assentiu. 


— Talvez seja o melhor. A senhorita irá aprender novas 
habilidades e isso também vai ajudá-la a se manter ocupada. Eu ainda 
preciso dedicar grande parte da minha atenção às pesquisas, mas vou 
reservar algum tempo para reiná-la todos os dias. Também posso 
preparar séries para que pratique sozinha e sugerir algumas coisas 
que pode aprender com Kishan. 

— Obrigada. Gostaria de ajudar com suas pesquisas também. 
Posso fazer anotações. E ter um novo par de olhos ao seu dispor 
sempre é bom. 

— Podemos começar hoje. 

Assenti. Ele fez um gesto na direção das poltronas de couro e 
nos sentamos. 

— Agora me fale sobre esse novo poder que parece ter. Kishan 
me explicou, quero ouvir o que aconteceu a partir do seu ponto de 
vista. 

Bem, eu precisava proteger Ren e estava tão furiosa que acho 
que até vi uma névoa vermelha à minha volta. Ele fora atingido com 
os dardos e cambaleava, enfraquecido. Eu sabia que ele não resistiria 
muito mais. Coloquei-me na frente dele para enfrentar os agressores. 
Estava desesperada, pois eram muitos vindo para cima de nós. Uma 
espécie de fogo começou a queimar em mim. 

— Qual era a sensação? 

— Parecia... um jorro de força no centro do meu corpo, 
semelhante à chama piloto de um aquecedor de água que se acende 
de repente. Meu estômago se contraiu, como se para empurrar o calor 
para o meu peito. Meu coração ardia e parecia que o sangue estava 
fervendo em minhas veias. Tive a sensação de algo borbulhante 
percorrendo meu braço. Quando chegou à mão, os símbolos que Phet 
pintou em hena reapareceram e começaram a brilhar, vermelhos. 
Ouvi um ruído de coisas se quebrando, estalos e estouros e então essa 


força se avolumou e transbordou de mim. Um raio disparou de minha 
mão, ergueu um homem no ar e o arremessou contra uma árvore. 

— E esse poder funcionou várias vezes? 

— Funcionou. Consegui abater diversos homens de ser 
atingida com o tranquilizante. Então o poder foi diminuindo. 

— Os raios mataram os homens ou apenas os atordoaram? 

— Espero que os tenham apenas atordoado. Não ficamos por 
lá tempo suficiente para descobrir. Meu primeiro alvo, o homem que 
se chocou contra a árvore, ficou bastante machucado, imagino. Eu 
estava desesperada. 

— Estou curioso para saber se é capaz de reproduzir o 
fenômeno quando não está em perigo. Talvez possamos praticar. 
Também seria interessante ver se a senhorita pode ampliar o alcance 
para incluir mais de uma pessoa de uma vez e ver por quanto tempo 
consegue manter a descarga. 

— Também quero aprender a controlar a intensidade. Prefiro 
não matar as pessoas — acrescentei. 

— É claro. 

— De onde o senhor acha que isso veio? 

— Tenho uma... teoria. Uma das antigas histórias da Índia 
conta que, quando os deuses Brahma, Vishnu e Shiva enfrentaram o 
rei demônio. Mahishasur, não conseguiram derrotá-lo. Então 
juntaram suas energias, que assumiram a forma de luz, e a deusa 
Durga emergiu dessa luz. Ela nasceu para lutar contra ele. 

— Então Durga é feita de luz. O senhor acha que é por isso que 
tenho esse poder? 

— Sim. Existem também várias referências a um colar que ela 
usa e que 


Faísca como relâmpagos. Talvez essa corrente de poder resida 
na senhorita. 

— Isso é... Eu nem sei como me sinto em relação a isso. 

— Imagino que deva ser desconcertante. 

Fiz uma breve pausa e então confessei: 

— Sr. Kadam, eu... estou preocupada com Ren. Não acho que 
eu seja capaz de partir numa nova busca sem ele. 

— Vocês dois se tornaram mais próximos então? — especulou 
o Sr. Kadam. 

— Sim. Ele... eu... nós... Bem, acho que posso resumir dizendo 
que o amo. 

Ele sorriu. 

— Sabe que ele a ama também, não sabe? Ele não pensava em 
outra coisa durante os meses em que ficaram separados. 

— Ele sofreu? 

— Desesperadamente. Kishan e eu não tivemos um só 
momento de paz até ele viajar. 

— Sr. Kadam, posso lhe fazer uma pergunta? 

— É claro. 

— Uma garota indiana se interessou por Ren e queria que seus 
pais arranjassem um compromisso entre eles. Ren me disse que 
namorar alguém que não seja da mesma cultura é considerado 
impróprio. 

— Ah. O que ele lhe disse está correto. Mesmo nos tempos 
modernos, esse costume ainda é seguido. Isso a incomoda? 

— Um pouco. Não quero que o povo de Ren o renegue. 


— Ele demonstrou preocupação quanto a isso? 

— Não. Não pareceu dar importância. Disse que já tinha feito 
sua escolha. 

O Sr. Kadam passou a mão pela barba curta. 

— Srta. Kelsey, Ren dificilmente precisa da aprovação de 
alguém. Se ele escolher ficar com a senhorita, ninguém irá fazer 
objeção. 

— Talvez não na frente dele, mas pode haver... implicações 
culturais que ainda não lhe ocorreram. 

— Ren está bastante ciente de todas as implicações culturais. 
Lembre-se de que ele foi um príncipe muitíssimo bem treinado nos 
protocolos políticos. 

— Mas e se o fato de ficar comigo tornar sua vida mais difícil? 

Ele me repreendeu levemente. 

— Srta. Kelsey, posso lhe garantir que ficar com a senhorita é a 
única coisa na longa vida de Ren a lhe trazer alento. A vida dele era 
cheia de dificuldades e eu me arriscaria a dizer que obter a aprovação 
de outras pessoas caiu muito em sua lista de prioridades. 

— Ele me falou que os pais vinham de culturas diferentes. Por 
que eles tiveram permissão para se casar e ficar juntos? 

— Humm, esta é uma história interessante. Para contá-la 
direito, eu teria que lhe falar sobre o avô de Ren e Kishan. 

— Eu adoraria saber mais sobre a família dele. 

Ele se recostou na poltrona de couro e juntou as mãos sob o 
queixo, formando um triângulo. 

— O nome do avô de Ren era Tarak. Ele era um grande chefe 
militar que, nos seus últimos anos, quis viver em paz. Cansara-se das 
rivalidades entre os remos. Embora seu império fosse o maior e seus 


exércitos, os mais notáveis, ele enviou uma mensagem para vários 
outros chefes militares que governavam territórios menores, 
convidando-os para uma reunião de cúpula. Ofereceu a cada um deles 
uma parte de suas terras se assinassem um pacto de não agressão e 
reduzissem seus exércitos. Eles concordaram, pois o contrato traria a 
cada um deles grande riqueza e muitas propriedades, O país exultou 
quando o rei chamou seus exércitos de volta para casa e preparou 
uma grande festa de celebração. Aquele dia foi feriado em todo o país. 

— O que aconteceu depois? 

— Cerca de um mês depois, um dos governantes que assinou o 
pacto incitou os outros, dizendo-lhes que aquela era a hora de atacar 
e que, juntos, eles poderiam governar toda a Índia. Seu plano era 
primeiro tomar as terras ancestrais de Tarak e, a partir dali, 
conquistar facilmente os outros remos menores 

— Nossa! Que traição — comentei. 

— De fato. Eles quebraram o juramento a Tarak e travaram 
uma batalha feroz, sitiando a cidade dele. Muitos soldados do rei 
haviam se aposentado e tinham recebido um pedaço de terra em 
troca de seus anos de serviço. Com o exército reduzido pela metade, 
não podiam derrotar as tropas unidas dos outros chefes militares. 
Felizmente Tarak conseguiu enviar mensageiros para buscar ajuda. 

— Aonde eles foram buscar ajuda? 

— Na China. 

— Na China? 

— Mais especificamente no Tibete. As fronteiras da Índia com 
a China naquela época não eram tão definidas como hoje e as trocas 
entre os dois países eram comuns. Tarak tinha um bom 
relacionamento com o Dalai-Lama da época. 

— Espere aí. Ele pediu ajuda ao Dalai-Lama? Pensei que o 
Dalai-Lama fosse um líder religioso. 


— Sim, o Dalai-Lama era e é um líder religioso, mas a religião 
e as forças militares tinham laços estreitos no Tibete, principalmente 
depois de ganhar atenção da família Khan. Séculos atrás, Gêngis Khan 
invadiu a região, mas ficou satisfeito com o tributo que o Tibete lhe 
pagou, então o deixou em paz. Após a morte de Khan, porém, seu 
neto, Ogedei Khan, cobiçou aquelas riquezas e voltou para tomar 
posse do país. 

Naquele momento Nilima entrou na biblioteca, trazendo-nos 
água com limão. Ele agradeceu e Continuou: 

— Trezentos anos depois da invasão, Altan Khan Construiu 
um mosteiro e convidou monges budistas para ensinar o povo. A 
ideologia budista se disseminou e, no início do século XVII, 
praticamente todos os mongóis haviam se tornado budistas. Um 
homem chamado Batu Khan, outro descendente de Gêngis Khan, que 
estava no comando dos exércitos mongóis, foi enviado lo Dalai-Lama 
para ajudar o avô de Ren quando ele pediu ajuda. 

Beberiquei minha água com limão. 

— E o que aconteceu? Eles venceram? 

— Venceram. Os exércitos mongóis unidos aos do rei Tarak 
puderam derrotar os aproveitadores. Tarak e Batu Khan tinham a 
mesma idade. Ficaram amigos. Tarak, em gratidão, ofereceu-lhe joias 
e ouro para levar para o Tibete e Batu Khan ofereceu sua jovem filha 
para casar-se com o filho de Tarak quando chegasse a hora. O pai de 
Ren, Rajaram, devia ter uns 10 anos na época e a mãe tinha acabado 
de nascer. 

— Então a mãe de Ren era descendente de Gêngis Khan? 

— Não pesquisei a genealogia, mas supõe-se que haja algum 
parentesco. 

Recostei-me na cadeira, admirada. 

— Qual era o nome da mãe dele? 


— Deschen. 

— Como ela era fisicamente? 

— Era muito parecida com Ren. Tinha os mesmos olhos azuis, 
cabelos cumpridos e pretos. Era muito bonita. Quando chegou a hora 
de celebrar o casamento, o próprio Batu Kahn levou a filha ao 
encontro de Tarak e ficou para supervisionar a cerimônia. Rajaram 
não teve permissão de ver a noiva antes do casamento. 

— Eles tiveram um casamento indiano ou budista? 

— Creio que foi uma combinação dos dois. Em um casamento 
indiano típico há uma cerimônia de compromisso, uma festa com 
presentes de joias ou roupas e então uma cerimônia em que o noivo 
dá à noiva uma mangalsultra, ou colar de casamento, que ela usa pelo 
resto da vida, O processo todo dura cerca de uma semana. Em 
comparação, um casamento budista é uma celebração pessoal, não 
religiosa. Poucas pessoas são convidadas. Velas e incensos são 
queimados e oferecem-se flores em um templo. Não há monges, 
sacerdotes ou votos de casamento. Imagino que Rajaram e Deschen 
provavelmente tenham seguido os costumes de um casamento 
indiano e talvez também tenham feito oferendas a Buda. 

— Quanto tempo levou para que percebessem que se 
amavam? 

— Essa é uma pergunta que não sou capaz de responder, 
embora possa lhe dizer que seu amor e seu respeito mútuos eram 
verdadeiramente únicos. Quando os conheci, estavam muito 
apaixonados e o rei Rajaram com frequência consultava a mulher 
sobre questões importantes do Estado, o que era muitíssimo 
incomum na época. Eles criaram os filhos para terem a mente aberta e 
serem receptivos a outras culturas e ideias. Eram pessoas boas e 
governantes muito sábios. Sinto saudade dos dois. Ren lhe falou sobre 
eles? 

— Ele me contou que o senhor cuidou deles até a morte. 


— É verdade. — Os olhos do Sr. Kadam ficaram úmidos e ele 
fixou o olhar em algo que eu não podia ver. — Amparei Deschen 
quando o rei Rajaram deixou este mundo e, mais tarde, segurei sua 
mão quando ela fechou os olhos para sempre. — Ele pigarreou. — Foi 
quando ela me confiou o cuidado de seus bens mais preciosos, os 
filhos. 

— E o senhor vem fazendo mais por eles do que qualquer mãe 
poderia pedir. O senhor é um homem verdadeiramente maravilhoso. 
Um pai para eles. Ren me disse que nunca poderia retribuir tudo que 
o senhor fez por ele. 

O Sr. Kadam mudou de posição, constrangido. 

— Isso não vem ao caso. Ele não precisa retribuir o que lhe dei 
de boa vontade. 

— E é exatamente isso que torna o senhor tão especial. 

O Sr. Kadam sorriu e se pôs de pé para tornar a encher meu 
copo, provavelmente a fim de desviar a atenção de si mesmo. Mudei 
de assunto. 

— Os pais de Ren e Kishan chegaram a saber que eles foram 
transformados em tigres? 

— Como a senhorita sabe, eu era o conselheiro militar do rei. 
Como tal, era encarregado dos exércitos. Quando Ren e Kishan foram 
amaldiçoados, eles tentaram entrar furtivamente no palácio à noite 
como tigres. Mas não havia como eles entrarem para ver os pais 
porque Rajaram e Deschen eram muito tigres raros guardados, e Ren 
e Kishan teriam sido mortos no ato. Nem mesmo tigres raros como 
eles poderiam entrar no terreno do palácio. Em vez disso, eram até 
mim. Minha casa ficava perto do palácio, de modo que eu pudesse ser 
convocado a qualquer hora. 

— O que o senhor fez quando os viu? 


— Eles arranharam minha porta. Pode imaginar minha 
surpresa quando abri a porta e deparei com um tigre negro e um 
branco sentados, me fitando. A princípio, saquei a espada. O instinto 
militar é forte, porém eles não reagiram. Ergui a espada acima da 
cabeça para golpear, porém os dois ficaram lá calmamente sentados, 
observando, esperando. Por alguns momentos pensei a estivesse 
sonhando. Vários minutos se passaram. Abri mais a porta e recuei, 
mantendo a espada em punho. Eles entraram em minha casa e 
sentaram-se no tapete. 

A história era fascinante e eu prestava atenção a todos os 
detalhes. Ele continuei: 

— Ficamos nos olhando por horas. Quando fui chamado para 
comparecer a treinamento, dei uma desculpa, dizendo ao criado que 
não estava me sentindo bem. Permaneci sentado na cadeira o dia 
todo, observando os tigres. Eles pareciam estar à espera de alguma 
coisa. Quando a noite chegou, preparei uma refeição e ofereci carne 
aos animais. Ambos comeram e se deitaram para dormir. Fiquei 
acordado a noite toda, vigiando-os. Eu havia condicionado meu corpo 
a suportar vários dias sem dormir, assim me mantive vigilante, 
embora eles dormissem inofensivos como gatinhos. 

Bebi um gole da água com limão. 

— O que aconteceu então? 

— Pouco antes do amanhecer, algo mudou. O tigre branco se 
mexeu e se transformou no príncipe Dhiren; o negro seguiu-lhe o 
exemplo e tornou- Kishan. Ren explicou rapidamente o que havia 
acontecido com eles e na hora solicitei uma audiência com os pais 
deles. Expliquei que era imperativo que Rajaram e Deschen me 
acompanhassem até minha casa, sem os guardas. Foi preciso muito 
esforço para convencer sua guarda privada e somente a absoluta 
confiança do rei em mim o levou a atender meu pedido. 


O Sr. Kadam fez uma pausa para retomar o fôlego. Mas logo 
prosseguiu. 

— Eu os levei até minha casa. Abri a porta e Deschen soltou 
um grito quando viu os tigres. Rajaram postou-se diante da mulher 
para protege-la. Estava muito aborrecido comigo. Implorei para que 
entrassem e lhes disse que os tigres não fariam nenhum mal a eles. 

— Posso imaginar o susto. 

— Depois de finalmente convencê-los a fechar a porta, os dois 
irmãos ergueram-se na forma humana diante dos pais. Restava-lhes 
muito pouco tempo, então eles se transformaram em tigres e me 
permitiram contar sua história. Nós cinco permanecemos o dia todo 
em deliberação em minha casa. Mensageiros vieram dizer que um 
vasto exército liderado por Lokesh estava se aproximando, já havia 
destruído vários vilarejos e se encontrava a caminho do palácio. 

— O que vocês decidiram fazer? 

— Rajaram queria destruir Lokesh, mas Deschen o conteve, 
lembrando que Lokesh talvez fosse o único meio de salvar os garotos. 
Deram-me uma incumbência especial: partir dali com os tigres. 
Deschen não suportava a ideia de se separar dos filhos, então foram 
tomadas providências para que ela seguisse comigo sob o pretexto de 
que iria visitar sua terra natal. Na realidade, fugimos para uma 
pequena casa de veraneio perto da cachoeira onde você conheceu 
Kishan. Apesar dos esforços de Rajaram, ele não conseguiu capturar 
Lokesh. Os exércitos foram rechaçados por algum tempo, porém 
Lokesh parecia ganhar força enquanto Rajaram a perdia. Alguns anos 
se passaram. Sem a mulher e os filhos, Rajaram já não tinha vontade 
de ser rei. Deschen também havia perdido o ânimo. Parecia não haver 
esperanças para seus filhos, e seu amado marido estava distante, 
cuidando do império. 

Que história triste, eu pensava, sem querer interrompê-lo. 


— Mandei uma carta para Rajaram, relatando que Deschen 
estava sofrendo. Com relutância, ele deixou o trono e entregou os 
negócios do reino a um grupo de consultores militares. Ele tinha 
contado ao povo a falsa história da morte de Ren e Kishan e explicara 
que a mulher fora para a China em busca de consolo. Disse que 
precisava se ausentar por um tempo para trazê-la de volta. Mas nunca 
retornou. Foi ao nosso encontro na selva, levando um pouco de sua 
riqueza e os objetos mais preciosos, para que os garotos pudessem 
conservar sua herança. 

— Foi quando Deschen morreu — perguntei. 

— Não. Na verdade, Deschen e Rajaram viveram vários anos 
mais. Reunidos, viviam felizes, aproveitando cada minuto que tinham 
com os garotos. Logo tornou-se óbvio que Ren e Kishan não estavam 
envelhecendo. Eu passei a cuidar da família. Era o intermediário entre 
eles e o mundo lá fora. Os garotos caçavam e nos levavam comida e 
Deschen cultivava verduras e legumes. Com frequência eu me 
aventurava até a cidade para comprar mercadorias e ficar a par das 
notícias. 

— É bom saber que eles tiveram esse período de felicidade. 

— E sim. Mas, depois de vários anos, o pai de Ren adoeceu 
com o que hoje suspeito ter sido uma doença renal. Sabíamos que 
Lokesh ainda estava do contra o exército, mas que o povo Mujulaain 
continuava resistindo. Grandes lendas estavam sendo contadas sobre 
a família real. Eles se transformaram em mito. A história que lhe 
contei quando a conheci no circo é a história como é contada hoje. 

Ele bebeu um gole da água e limpou a garganta. 

— Ren, por fim, me pediu que usasse seu amuleto. Na época, 
não imaginávamos que efeitos teria sobre mim. Sabíamos apenas que 
era poderoso e importante. Ele temia que, se um caçador o apanhasse, 
o amuleto estaria ido para sempre. Talvez fosse uma premonição, pois 
logo depois ele foi capturado — Ele parou para ver minha reação. 


Meus olhos estavam arregalados — Kishan o rastreou e descobri que 
ele havia sido vendido para um colecionador em outra parte do país. 
Retornei abatido. A captura de Ren foi um golpe final para seu pai e 
ele morreu naquela mesma semana. Deschen entrou em profundo 
desespero e parou de comer. Apesar dos esforços de Kishan e dos 
meus, ela também morreu, menos de um mês após o marido. 

— Quanta desgraça. 

— Kishan ficou inconsolável com a morte da mãe e passou a 
permanecer mais tempo na floresta. Alguns meses mais tarde, eu lhe 
disse que já era hora de começar a procurar Ren. Ele me pediu que 
ficasse com o dinheiro e joias. Que levasse o que fosse preciso para 
encontrá-lo. Levei uma parte, deixando os bens mais preciosos da 
família para que Kishan tomasse conta. E iniciei minha busca. 

— Pobre Kishan, sozinho no mundo. 

— Como sabe, não consegui resgatar Ren. Estudei tudo o que 
havia ao meu alcance a respeito de mitos e histórias sobre tigres e 
amuletos. Ao longo dos anos, investi o dinheiro deles, que se 
multiplicou. Comecei com o comércio de condimentos e então 
prossegui, comprando e vendendo empresas até os garotos ficarem 
ricos. Durante aqueles anos, casei-me e constituí família. Depois que 
deixei meus entes queridos, segui Ren de localidade em localidade e 
passei muitas horas fazendo pesquisas. Durante décadas procurei 
Lokesh e uma forma de quebrar a maldição. Lokesh, após o fracasso 
de sua conquista do Império Mujulaain, desapareceu misteriosamente 
e nunca reapareceu, embora eu suspeitasse de que, como eu, ele ainda 
estivesse vivo. Isso nos leva à senhorita e ao restante da história, que 
já conhece. 

— Então, se Ren e Kishan viveram na floresta com os pais, 
como podem não ter feito as pazes? 

— Eles se toleravam por causa dos pais, mas evitavam assumir 
a forma humana ao mesmo tempo. Na verdade, eu nunca mais os 


tinha visto como homens juntos até você surgir. Foi um tremendo 
avanço conseguir que Kishan voltasse e fizesse parte da família outra 
vez. 

— Bem, Ren não torna as coisas muito fáceis para ele. É 
estranho. Tenho a impressão de que eles se respeitam e até se amam, 
mas não conseguem deixar as velhas feridas sararem. 

— Graças à senhorita, já percorremos um longo caminho na 
direção da cura de todos nós. Rajaram teria ficado encantado ao 
conhecê-la e Deschen teria chorado aos seus pés por devolver a vida a 
seus filhos. Não duvide nem por um só instante que esteja à altura 
desta família ou de Ren. 

Meu coração destroçado bateu com um som oco no peito. 
Doía pensar nele, mas meus punhos cerraram em determinação. 

— Então, por onde começamos? Pesquisa ou esgrima? 

— Está pronta para iniciar o treinamento físico? 

— Estou. 

— Muito bem. Guarde suas coisas e me encontre na academia 
de ginástica, lá embaixo, daqui a meia hora. 

— Farei isso. Ah, Sr. Kadam? É bom estar em casa. 

Ele sorriu para mim, piscou e então seguiu para o seu quarto. 

Subi a escada e descobri que todas as coisas preciosas que eu 
havia enviado pelo correio encontravam-se ali, sãs e salvas. Minha 
caixa de fitas estava no banheiro. Meus livros e diários tinham sido 
colocados numa prateleira, lado de fotos recém-emolduradas de 
minha família e um vaso de lírios-tigre. A colcha de minha avó 
descansava ao pé da cama e meu tigre branco de pelúcia aninhava-se 
entre um monte de almofadas cor de ameixa. 

Abri o zíper da bolsa e retirei Fanindra, desculpando-me por 
deixá-la fora da batalha na floresta. Estaríamos mais bem preparados 


da próxima vez. Coloquei-a na prateleira nova, sobre uma almofada 
redonda forrada de seda. 

Vesti rapidamente minhas roupas do wushu e desci os degraus, 
indo ao encontro do Sr. Kadam. Kishan ouviu meus passos apressados 
e desceu atrás de mim. Ele se acomodou num canto da sala, sobre o 
tatame, pousou a canas patas e ficou observando, sonolento. 

O Sr. Kadam já estava lá. Uma seção da parede estava aberta, 
exibindo sua coleção de espadas. Ele se aproximou com dois bastões 
de madeira. 

— Estes são chamados shinais e são utilizados na prática do 
kendo, que ma forma japonesa de esgrima. Use-os para praticar antes 
de passar às armas de aço. Segure-o com ambas as mãos. Estenda o 
braço como se fosse apertar a mão de alguém, então envolva a arma 
com os três dedos de baixo e deixe o polegar e o indicador livres. 

Tentei seguir suas instruções e, antes que eu me desse conta, o 
Sr. Kadam a passava para o passo seguinte. 

— Para avançar, pise com o calcanhar. Para recuar, pise com a 
ponta do pé. Dessa forma estará sempre pronta e não distribuirá o 
peso de forma errada. 

— Assim? 

— Isso. Muito bom, Srta. Kelsey. Agora, o ataque. Quando 
alguém atacá-la, jogue esta perna para trás, tire o corpo do caminho e 
erga a espada para se defender, assim. Se alguém vier pelo outro lado, 
recue desta forma. 

Era complicado. Meus braços já estavam doendo e era difícil 
lembrar os movimentos dos pés. 

— Mais tarde passaremos a espadas mais pesadas para 
fortalecer seus braços e ombros — continuou ele —, mas por ora são 
nos seus pés que quero me concentrar 


O Sr. Kadam me fez treinar o movimento dos pés por uma 
hora, o tempo me orientando. Eu começava a me mover seguindo um 
ritmo e cruzava a academia para frente e para trás, simulando 
ataques, avanços, recuos e movimentos de desvio. Enquanto eu 
praticava, o Sr. Kadam observava, corrigindo e- movimentos de vez 
em quando e citando instruções de esgrima, como: 

“Saque a espada antes de travar combate com o oponente. 
Leva muito tempo para fazer isso no meio da luta. E certifique-se de 
que seus pés estejam sempre firmes e equilibrados” 

“Não se estique demais! Mantenha os cotovelos dobrados e 
próximos ao corpo.” 

“Lute para vencer. Procure as fraquezas do adversário e explore 
cada uma Não tenha medo de usar Outras técnicas, se elas ajudarem, 
como o poder de raio, por exemplo” 

“É melhor sair do caminho que bloquear alguém. O bloqueio 
mina sua sair do caminho consome menos energia” 

“Saiba o comprimento de sua espada e calcule o da arma do 
oponente Então, mantenha uma distância na qual ele não possa 
facilmente alcançá-la.” 

“Embora seja bom praticar com espadas grandes e pesadas, as 
mais leves podem causar o mesmo dano. As grandes cansam você 
mais rápido numa luta “ 

Quando chegamos ao fim, eu estava suada e dolorida. Eu 
mantivera o shinai erguido todo o tempo em que praticara o 
movimento dos pés. E, embora ele fosse leve, meus ombros estavam 
queimando. 

O Sr. Kadam me encorajou a repetir o trabalho com os pés por 
uma hora diariamente e disse que no dia seguinte me ensinaria mais. 

Kishan se transformou em homem depois que eu havia 
descansado o suficiente. Então praticou chutes e golpes de wushu 


comigo por mais duas hora Quando subi a escada até meu quarto, 
estava exausta. O jantar tinha sido deixado ali sob uma redoma, mas 
resolvi tomar uma chuveirada primeiro. 

De banho tomado e pronta para ir para cama, ergui a tampa e 
encontrei frango e legumes grelhados. Havia também um bilhete do 
Sr. Kadam me convidando para ajudar com a pesquisa na biblioteca 
na manhã seguinte. Terminei o jantar e andei até o quarto de Ren. 

Estava tão diferente da primeira vez em que eu entrara ali... 
Um tapete espesso cobria o chão. Sobre a cômoda havia livros, 
inclusive alguns dos exemplares de primeira edição do Dr. Seuss que 
ele mencionara. Uma edição de Romeu e Julieta em híndi estava gasta 
e com orelhas nas pontas. Em um canto via-se um sofisticado CD 
player com vários CDs e, na escrivaninha. um notebook e material de 
escrita. 

Encontrei seu presente de dia dos namorados, o exemplar de O 
conde de Monte Cristo, e o enfiei debaixo do braço. Ele devia tê-lo 
mandado no pacote com meus objetos especiais. Saber que ele o 
considerava importante me fez sorrir. Uma de minhas fitas de cabelo 
estava amarrada num pergaminho enrolado. Desfiz o laço e encontrei 
vários poemas escritos por Ren numa língua que eu não sabia ler. 
Tornando a enrolar as páginas e refazendo o laça decidi tentar 
traduzi-los. 

Abri o armário. Na última vez que eu estivera ali ele se 
encontrava vazio, mas agora estava cheio de roupas de grife. A 
maioria nunca fora usada. Encontrei um agasalho azul semelhante ao 
que ele usara na praia. Tinha o seu cheiro — cachoeiras e sândalo. 
Joguei-o sobre o braço. 

Quando voltei ao meu quarto, coloquei o pergaminho em 
minha mesa e subi na cama. Eu tinha acabado de me acomodar 
debaixo do cobertor com o tigre branco de pelúcia e o agasalho 
quando ouvi uma batida na porta. 


— Posso entrar, Kelsey? Sou eu, Kishan. 

— Claro. 

Kishan enfiou a cabeça pela porta. 

— Eu só queria dizer boa-noite. 

— Tudo bem. Boa noite. 

Vendo meu tigre branco, ele se aproximou para inspecioná-lo. 
Dirigiu-me um sorriso torto e deu um piparote no nariz do tigre. 

— Ei! Deixe o bicho em paz. 

— Eu me pergunto o que ele achou disso. 

— Se quer mesmo saber, ficou lisonjeado. 

Ele sorriu por um momento e então ficou sério. 

— Vamos encontrá-lo, Kells. Eu prometo. 

Assenti. 

— Bem, boa noite, bilauta. 

Apoiei-me no cotovelo. 

— O que significa isso, Kishan? Você nunca me disse. 

— Significa “gatinha” Achei que, se somos os gatos, você tem 
que ser a gatinha. 

— Ah. Mas não diga mais isso perto de Ren. Ele fica com raiva. 

Ele sorriu. 

— Por que você acha que eu digo? Até amanhã. 

Ele apagou a luz e fechou a porta. 

Naquela noite, sonhei com Ren. 

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