quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 13 - O Templo de Vatsala Durga


Mantivemos nossa programação por mais duas semanas. Eu 
estava ficando mais forte e me sentia confiante de que poderia me sair 
bem numa luta. Não por causa de minha força física, mas pelo poder 
do raio. Acabei dominando essa habilidade facilmente Eu era capaz 
de arrancar uma erva daninha do outro lado do campo sem danificar 
a grama ao seu redor. 

O Sr. Kadam passava a maior parte do tempo tentando achar 
Ren. Desde que descobrimos que a cidade que procurávamos era 
Lhasa, o restante da profecia se encaixou, O Sr. Kadam tinha certeza 
de que, se começássemos nossa jornada ali, encontraríamos o que 
buscávamos. Antes de partir, porém, tínhamos que fazer outra visita a 
um templo de Durga. 

Começaram a chegar caixas com diversos itens que usaríamos 
em nossa viagem. O Sr. Kadam comprara roupas novas para mim. 
Botas de montanhismo, 12 pares de meias de lã, suéteres de lã, casacos 
impermeáveis, luvas, camisetas de malha grossa e mangas compridas, 
botas para neve brancas e com isolamento térmico, calças 


impermeáveis e térmicas em vários modelos, diversos chapéus e 
gorros... Tudo isso logo preencheu todo um lado do meu closet. 

Depois que chegou .o último pacote, que incluía óculos de sol, 
protetor solar e outros vários artigos de toalete, segui para o andar de 
baixo. 

— Sr Kadam, parece que o senhor vai me fazer escalar o 
Everest, afinal. Quantas bolsas está querendo que eu leve? 

Ele riu. 

— Venha cá, Srta. Kelsey. Tenho algo interessante para lhe 
mostrar. 

— O que é? Um casaco que vai me manter aquecida numa 
avalanche? 

— Não, não. Aqui. 

Ele me estendeu um livro. 

— É Horizonte perdido, de James Hilton. Já leu? — perguntou. 

— Não. Nunca ouvi falar. 

— Alguma vez escutou o termo Shangri-lá? 

— Sim. Como o nome daquelas boates de filmes antigos de 
Hollywood... Acho que existe um cassino em Las Vegas com esse 
nome. 

— Bem, encontrei uma ligação entre este livro e nossa busca. 
Tem algum tempo agora para conversarmos sobre isso? 

— Claro. Só me deixe chamar Kishan. 

— Quando voltei, instalei-me confortavelmente na cadeira e 
Kishan se ajeitou no chão à minha frente. 

— Horizonte perdido é um livro escrito em 1933, que descreve 
uma sociedade utópica na qual os habitantes vivem por um tempo 


excepcionalmente longo em perfeita harmonia uns com os outros. A 
cidade se localizava na cordilheira de Kunlun, que é parte do 
Himalaia. No entanto, o fato realmente interessante é que James 
Hilton baseou sua história no antigo mito budista tibetano de 
Shambhala, cidade mística isolada do restante do mundo e que 
guarda muitos segredos. No mundo moderno, Shangri-lá passou a 
significar “um lugar de felicidade, uma utopia, um paraíso”. 

— Então vamos procurar Shangri-lá através do portão do 
espírito? 

— Acredito que sim. Esse mito é fascinante. Vocês sabem que 
este livro se baseia em diversas cidades famosas e suas histórias? Há 
ligações com o Santo Graal, a Fonte da Juventude, o Eldorado, a 
Cidade de Enoch e a Hiperbórea dos gregos. Todas essas narrativas se 
assemelham à história de Shangri-lá. E em todas elas as pessoas 
procuram algo que vai lhes conceder a imortalidade ou uma terra que 
abriga uma sociedade perfeita. Até mesmo o Jardim do Éden tem 
muitos temas equivalentes — a árvore, a serpente, o paraíso, belos 
jardins. Muitos buscaram esses lugares, mas jamais os encontraram. 

— Que maravilha. Quanto mais aprendo, mais difícil parece a 
tarefa. Talvez fosse melhor não saber tudo isso. Pode ser menos 
assustador. 

— Preferia que eu não tivesse lhe contado? 

Suspirei. 

— Não, preciso saber. Ter uma referência é sempre útil. Então, 
ninguém chegou perto de encontrar Shangri-lá? 

— Não. Não que as pessoas não tenham tentado. Encontrei 
uma informação interessante. Parece que Adolf Hitier acreditava que 
Shangri-lá detinha a chave para a perfeita raça mestra. Ele chegou a 
enviar um grupo liderado por um homem chamado Ernst Schãfer 
numa expedição ao Tibete em busca da cidade, em 1938. 


— Ainda bem que não encontraram. 

O Sr. Kadam me deu Horizonte perdido para ler e me avisou 
que provavelmente partiríamos no fim da semana. Mantivemos nossa 
rotina normal nos dias seguintes, só que eu estava nervosa. Havia 
passado por algumas experiências assustadoras da última vez, mas 
tivera sempre Ren comigo. Metade do tempo eu lutava ao lado dele e, 
na outra metade, eu o beijava, porém, apesar de toda a confusão 
emocional, o tempo todo me senti segura. Sabia que ele me protegeria 
contra os macacos malignos e os kappa. 

Agora que uma nova aventura se apresentava diante de mim, 
desejava tão desesperadamente que Ren estivesse comigo que sentia 
um vazio doloroso. A única coisa que me fazia prosseguir era saber 
que estava fazendo aquilo por ele. Eu não me permitia pensar que 
Ren pudesse não sobreviver às próximas semanas. Ele precisava 
resistir. A vida sem ele não teria sentido. 

No entanto, eu ainda iria até o fim por Kishan. Não podia 
abandoná-lo. Não era do meu feitio. Eu sabia que ele daria o melhor 
de si para me proteger e me sentia mais confiante em minhas próprias 
habilidades. Mas não seria a mesma coisa sem Ren. 

As horas se passavam sem trazer nenhuma pista para 
encontrá-lo. Kishan já era melancólico o bastante por si só, portanto 
eu não conversava com ele sobre o assunto. Era estranho falar de Ren 
com ele desde que se declarara. E se eu falava com o Sr. Kadam sobre 
isso, ele se mostrava culpado, mergulhava na pesquisa e parava de 
dormir sempre que eu mencionava como era difícil ficar sem Ren. 

Kishan e eu não tornamos a conversar sobre seus sentimentos 
em relação a mim. De início, nosso relacionamento ficou um pouco 
estranho, mas ambos ignoramos o assunto, até que as coisas se 
tornaram mais naturais. Ele continuou a praticar artes marciais 
comigo todos os dias. 


Descobri que gostava cada vez mais dele. Havia semelhanças 
indiscutíveis entre os irmãos, no entanto, muitas diferenças também. 
Por exemplo, Kishan parecia mais cuidadoso do que Ren. Mostrava-se 
disposto a conversar sobre qualquer assunto, mas era sempre lento 
nas respostas. Suas opiniões eram sempre criteriosas. Também era 
severo consigo mesmo e sentia-se imensamente envergonhado e se 
recriminava por nossa situação. 

No entanto, havia coisas que ele dizia, palavras que escolhia, 
que me lembravam Ren. Era fácil conversar com Kishan, assim como 
com o irmão. Até as vozes eram parecidas. Às vezes eu esquecia com 
quem estava falando e o chamava de Ren. Ele dizia que era um 
engano compreensível, mas eu sabia que isso o magoava. 

A tensão pairou na casa durante toda a semana antes da 
viagem. Finalmente chegou o dia da partida. Nossas malas foram 
colocadas no Jeep. Com Kishan sentado no lugar de Ren, partimos. O 
Sr. Kadam tinha documentos de viagem para todos nós e explicou que 
atravessaríamos três países diferentes. Espiei dentro de uma bolsa e vi 
que meu passaporte e meus documentos agora estavam em nome de 
K. H. Khan e traziam uma fotografia minha mais antiga, da época do 
ensino médio. 

Nosso destino era o Nepal, mais precisamente uma cidade 
chamada Bhaktapur. Levamos dois dias só para atravessar a Índia e 
entramos no Nepal pela fronteira Birganj-Raxaul. O Sr. Kadam teve 
que passar por um longo processo de apresentação de papéis na 
fronteira e disse que precisávamos mostrar o comprovante do Carnet 
de Passage en Douane — documento alfandegário que nos concedia 
permissão de entrar temporariamente com nosso veículo no Nepal. 

Depois de nos instalarmos num hotel, deixamos Kishan 
tirando uma soneca enquanto o Sr. Kadam me levou num riquixá para 
ver a torre do relógio de Birganj. 

Quando voltamos ao hotel, Kishan nos acompanhou no jantar 
num restaurante ali por perto. O Sr. Kadam pediu chatamari para 


mim, um tipo de pizza nepalesa com massa feita com farinha de 
arroz. Escolhi ingredientes que eu conhecia para a cobertura. Ele 
pediu masu, que era alguma carne ao curry com arroz. Sua escolha foi 
frango, mas também havia a opção com carneiro ou búfalo, que eu 
nem sabia que existiam no Nepal. Kishan comeu pulao de legumes, 
prato de arroz frito com cominho e cúrcuma, masu de carneiro e 
thukpa, uma sopa com macarrão. 

No dia seguinte acordamos cedo para a viagem até Bhaktapur. 
Quando chegamos, o Sr. Kadam nos instalou no hotel e depois 
caminhamos até a praça principal. Passamos por um grande mercado 
que vendia dezenas de artigos de cerâmica. Muitos deles eram 
pintados com tintas coloridas sobre argila negra, o que parecia ser um 
material comum. 

Outras bancas exibiam máscaras de animais, deuses, deusas e 
demônios. Legumes, frutas e barracas de comida nos atraíram mais. 
Compramos o famoso iogurte com mel, chamado juju dhau. Feito 
com leite de búfala, levava também nozes, passas e canela. 

Deixamos a área do mercado e chegamos à praça principal, 
onde não eram permitidos riquixás nem táxis. O Sr. Kadam disse que 
isso mantinha a a silenciosa, limpa e tranquila. Enquanto andávamos, 
ele explicou: 

— Esta é a praça de Durbar. Ah, ali está o que procuramos; o 
Templo Varsala Durga. 

Dois leões de pedra guardavam a entrada do templo. A 
construção era em formato de cone, como o Templo de Virupaksha, 
em Hampi, mas tinha um tio de tijolos ao redor. Duas grandes 
pilastras sustentavam um sino gigantesco perto da construção. 

— Sr. Kadam, eu não precisava usar minha tornozeleira de 
sino, afinal. Tem um sino gigante ali em cima. 


— Sim. Chama-se Sino de Taleju. É feito de bronze e está 
apoiado sobre o pedestal do templo. Gostariam de conhecer a história 
do sino? 

— Claro! 

— Também é chamado de Sino que Late. Um dos antigos reis 
que viveram aqui teve um sonho. As histórias variam, mas, nesse 
sonho, na verdade um pesadelo, criaturas parecidas com cães 
atacavam as pessoas durante a noite. 

— Criaturas parecidas com cães? Tipo lobisomens? 

— É bem possível. Em seu sonho, o único jeito de afugentar as 
criaturas e salvar as pessoas era tocar um sino, O repicar do sino era 
tão alto e tão forte que as criaturas as deixavam em paz. Quando o rei 
acordou, imediatamente ordenou que um sino especial fosse feito. 
Esse foi o poder do seu sonho, O so foi fabricado e usado para indicar 
o toque de recolher para os habitantes da cidade. Enquanto a 
população da cidade obedecesse ao sinal do sino, acreditava-se que 
estaria a salvo. Muitas pessoas ainda dizem que cães latem e uivam 
toda vez que o sino toca. 

— É uma boa história. — Dei uma cotovelada em Kishan. — 
Imagino se funciona com tigres-homens. 

Kishan segurou meu cotovelo, puxou-me mais para perto e 
provocou: 

— Não aposte nisso. Se um tigre for atrás de você, um sino não 
conseguiria assustá-lo com facilidade. Os tigres são criaturas muito 
focadas. 

Algo me dizia que ele não estava falando da mesma coisa que 
eu. Procurei desesperadamente mudar de assunto. 

A maioria dos homens andando por ali usava chapéus altos. 
Perguntei sobre aquilo ao Sr. Kadam e ele se lançou numa longa e 


detalhada narrativa acerca da história da moda e das vestimentas 
religiosas. 

— Sr. Kadam, o senhor é uma enciclopédia ambulante em 
qualquer assunto imaginável. É muito útil tê-lo por perto e gosto 
muito mais de ouvir o senhor do que ouvir qualquer outro professor 
que já tive. 

Ele sorriu. 

— Obrigada. Mas, por favor, fique à vontade para me 
repreender se eu me empolgar num tema específico. É uma de minhas 
fraquezas. 

— Se algum dia me entediar — eu disse, com uma risada — 
Kishan sorriu e usou meu comentário como desculpa para passar o 
braço pelos meus ombros e acariciar minha pele. 

— Posso garantir que eu também jamais vou entediá-la — 
provocou ele. 

A sensação era gostosa, gostosa demais. Reagi com culpa, 
contorcendo-me sob seu braço pesado, para me livrar dele. 

— Shh! Seu abusado! Nunca lhe ocorreu consultar a garota 
primeiro? 

Kishan se inclinou e disse em voz baixa: 

— Pode ir se acostumando. 

Fechei a cara e tratei de me concentrar em nosso passeio. 

Passamos a tarde toda nos familiarizando com a área e fizemos 
planos de voltar ao templo ao entardecer, no dia seguinte. O Sr. 
Kadam usara sua influência — ou sua carteira recheada para 
conseguir que entrássemos sozinhos depois que o local fechasse. 




Veios de cor riscavam o céu, que escurecia ao chegarmos ao 
templo. O Sr. Kadam nos acompanhou até os degraus na entrada e 
me deu uma mochila com vários itens para serem usados como 
oferenda. Ela estava repleta de diferentes objetos relacionados ao ar: 
diversos tipos de penas de pássaros, um leque, a cauda de uma pipa, 
um balão com gás hélio, uma flauta de madeira, um avião de plástico 
movido a elástico, um minúsculo barômetro, um barquinho a vela e 
um pequeno prisma que transformava a luz em arco-íris. Também 
incluímos alguns pedaços de frutas para dar sorte. 

O Sr. Kadam me entregou Fanindra, que fiz deslizar no meu 
braço. Ela havia se torcido numa posição de braçadeira, para que eu 
pudesse usá-la, o que interpretei como um sinal de que queria ir 
comigo. Kishan e eu subimos os degraus de pedra que levavam ao 
centro do templo. Passamos entre os elefantes guardiões de pedra e 
depois pelos leões. A estátua de Durga podia ser vista da rua, numa 
alcova muito acima de nós. Eu temia que, se ela ganhasse vida como 
da última vez, alguém passando pelas ruas de pedras pudesse vê-la. 

Silenciosamente, Kishan e eu andamos por trás do prédio, 
contornando o terraço de pedra cercado de pilares, e encontramos a 
escada circular que levava ao topo do templo. Ele procurou minha 
mão. Estava escuro e fresco do lado de dentro. As lâmpadas nos 
postes da praça iluminavam de maneira fantasmagórica o corredor 
que levava à estátua. Kishan andava a meu lado. Eu gostava muito 
dele, mas sentia falta da luz e do calor que sempre pareciam emanar 
de Ren. 

Entramos numa sala pequena e nos vimos diante de uma 
parede de pedra. Eu sabia que a estátua de Durga se encontrava do 
outro lado, iluminada pelas luzes da rua mais abaixo. Ela estava a 
cerca de 60 centímetros da parede externa do templo e podíamos 
ficar de qualquer lado dela e continuar ocultos pelas sombras. 

— Da última vez fizemos uma oferenda, tocamos o sino, 
pedimos sabedoria e orientação e então Ren se transformou em tigre. 
Foi o que pareceu funcionar. 


— Ë só me dizer o que fazer. 

Apresentamos nossas oferendas ligadas ao ar e as depositamos 
aos pés da estátua antes de voltarmos para as sombras. Ergui o 
tornozelo, passei os dedos da mão pelos sinos, fazendo-os tilintar, e 
sorri ao pensar em Ren. 

Afastamo-nos da parede e Kishan pegou de novo minha mão. 
Senti-me grata por sua segurança. Apesar de já ter visto uma estátua 
de pedra ganhar vida uma vez, eu ainda me sentia nervosa. 

— Vou falar primeiro e depois será sua vez. 

Ele concordou com a cabeça e apertou minha mão. 

— Grande deusa Durga, viemos pedir sua ajuda novamente. 
Peço sua bênção para irmos em busca do próximo prêmio que vai 
ajudar os dois príncipes. Receberemos seu auxilio e sua sabedoria? 

Voltei-me para Kishan e lhe fiz um sinal com a cabeça. 

Ele permaneceu em silêncio por um instante e depois disse: 

— Eu... não mereço sua bênção. — Olhou para mim e 
suspirou, infeliz, antes de continuar. — O que aconteceu foi minha 
culpa, mas peço-lhe que ajude meu irmão. Zele por sua segurança... 
por ela. Ajude-me a protegê-la nessa viagem e a mantê-la longe dos 
perigos. 

Ele olhou para mim em busca de aprovação. Fiquei na ponta 
dos pés, beijei-lhe o rosto e sussurrei: 

— Obrigada. 

— Por nada. 

— Agora, transforme-se em tigre. 

Ele assumiu sua forma de tigre, seu pelo escuro quase 
desaparecendo nas sombras. Um vento forte e gelado varreu o prédio 
e avançou pelas escadas. Minha camiseta de manga comprida inflou. 


Mergulhei a mão no pelo da nuca de Kishan e gritei acima do barulho 
do vento: 

— Esta é a parte assustadora! 

O vento levantou um turbilhão de pó e areia em torno de nós, 
enquanto anos de poeira eram levantados de rachaduras e do chão. 
Apertei os olhos e cobri a boca e o nariz com minha manga. Kishan 
me empurrou até um canto da sala, abrigando-me das poderosas 
rajadas de vento perto das janelas abertas do templo. 

Eu estava encurralada entre ele e a parede, o que era bom, pois 
ele tinha que enfiar as garras no chão para se manter de pé. Kishan 
pressionou seu corpo contra o meu. Eu me ajoelhei e passei os braços 
ao redor do pescoço de Kishan, escondendo o rosto em seu pelo. 

Entalhes antes ocultos por urna cobertura de pó começaram a 
aparecer. O vento e a areia poliram o chão até parecer mármore. 
Passei um braço em torno de uma pilastra para me ancorar e o outro 
ao redor de Kishan. 

Algum tempo depois o vento cedeu e eu abri os olhos. A sala 
adquirira uma aparência drasticamente diferente. Despido de sujeira 
e anos de pó, o templo resplandecia. A lua nascente derramava sua 
luz dentro da sala, iluminando-a de tal modo que ela parecia etérea e 
onírica. Na parede dos fundos, atrás da estátua de Durga, surgira uma 
familiar marca de mão. Kishan se transformou em homem e ficou de 
pé atrás de mim. 

— E agora, o que acontece? — ele perguntou. 

— Venha ver. 

Puxei-o, coloquei a mão sobre a marca e deixei que a energia 
descesse crepitando do meu braço para a parede. Um estrondo 
sacudiu a parede, fazendo com que recuássemos. A parede girou 180 
graus. Estávamos agora de frente para a estátua de Durga. 


Essa versão de Durga era semelhante à outra estátua que eu 
vira. Seus muitos braços estavam abertos em leque e o tigre jazia a 
seus pés. Não havia javali dessa vez. Ouvi o doce tilintar de sinos e 
então uma bela voz disse: 

— Saudações, jovem. Suas oferendas foram aceitas. 

Todos os itens que depositáramos a seus pés tremeluziram e 
depois desapareceram. A pedra cor de areia começou a se mover 
quando os braços de Durga balançaram no ar. Os lábios de pedra 
ficaram cor de rubi e sorriram para nós. O tigre rosnou e se sacudiu, 
livrando-se da pedra como pó. A criatura espirrou e sentou-se aos pés 
da deusa. 

Kishan foi cativado pela deusa. Ela tremeu delicadamente e 
uma brisa suave percorreu o templo e soprou toda a poeira que havia 
sobre ela, revelando-a como uma joia luminosa enterrada na areia. A 
pele de Durga era macia, de um cor-de-rosa pálido, não de ouro como 
na primeira vez que a vi. Ela relaxou os braços e ergueu uma das mãos 
para tirar sua tiara dourada. 

Magníficos cabelos negros caíram sobre seus ombros e suas 
costas. 

Com voz metálica, ela disse: 

— Kelsey, minha filha, estou tão contente que você tenha tido 
sucesso na busca do Fruto Dourado. 

Ela se virou e olhou para Kishan. Inclinou a cabeça e ergueu 
uma sobrancelha, parecendo confusa. 

Levantando um braço delicado e rosado, fez um gesto na 
direção de ;k Kishan. 

— Mas quem é este? Onde está seu tigre, Kelsey? 

Corajosamente, Kishan deu um passo à frente e se curvou 
sobre a mão estendida da deusa. 


— Senhora, também sou um tigre. 

Ele se transformou em tigre negro e voltou ao normal. Durga 
riu, um som alegre que ecoou pelas paredes. Kishan sorriu para ela. 
Ela olhou de volta para mim e notou a cobra enrolada em meu braço. 

— Ah, Fanindra, meu bichinho. 

Ela gesticulou, convidando-me a me aproximar, então dei 
alguns passos à frente. A metade superior de Fanindra ganhou vida e 
ela estendeu o corpo até a mão da deusa. Durga acariciou 
afetuosamente a cabeça da cobra. 

— Ainda há trabalho para você, minha querida. Preciso que 
fique com 

Kelsey um pouco mais. 

A cobra sibilou de leve e depois relaxou em meu braço, 
voltando à sua forma inanimada, mas seus olhos verdes brilhavam 
suavemente como joias enquanto falávamos. 

Durga voltou sua atenção para mim. 

— Sinto você triste e perturbada, filha. Conte-me a causa de 
sua dor. 

— Ren, o tigre branco, foi feito prisioneiro e não conseguimos 
encontrá-lo.Esperávamos que a senhora nos ajudasse a localizá-lo. 

Ela me dirigiu um sorriso triste. 

— Meu poder é... limitado. Posso aconselhá-la sobre como 
encontrar o próximo objeto, mas tenho pouco tempo para qualquer 
outra coisa. 

Uma lágrima desceu pelo meu rosto. 

— Mas, sem ele, encontrar os objetos não teria significado para 
mim. 


Ela estendeu a mão macia até meu rosto e enxugou uma 
lágrima brilhante. Vi quando esta endureceu e se transformou num 
diamante cintilante na ponta de seu dedo. Ela o deu a Kishan, que 
ficou encantado com o presente. 

— Você deve ter em mente, Kelsey, que a busca na qual eu a 
envio não ajuda apenas seus tigres. Também ajuda toda a Índia. É 
vital que você recupere os objetos sagrados. 

Funguei e enxuguei os olhos na manga 

Ela sorriu para mim com doçura. 

— Não se aflija, querida. Prometo que zelarei por seu tigre 
branco e o protegerei do perigo e... oh... eu vejo. — Ela piscou e olhou 
para a frente, como se visse algo que não víamos. — Sim... o caminho 
que você tomar agora vai ajudá-la a salvar seu tigre. Guarde bem o 
objeto e não deixe que ele ou o Fruto Dourado caiam em mãos 
erradas. 

— O que devemos fazer com o Fruto Dourado? 

— Por enquanto, ele deverá ajudá-la em sua jornada. Leve-o 
com você e use-o com sabedoria. 

— O que é o prêmio aéreo que procuramos? 

— Para responder a essa pergunta, aqui está alguém que eu 
quero que conheça. 

Ela ergueu um dedo e apontou para o fundo da sala às nossas 
costas. Estalidos ritmados chamaram a nossa atenção. 

No canto iluminado pelo luar, uma mulher velha e enrugada 
estava sentada num banco de madeira. Tufos de seu cabelo grisalho 
escapavam de um lenço vermelho desbotado. Ela usava um vestido 
simples marrom, de tecido rústico, com um avental branco. À sua 
frente havia um pequeno tear. Observei em silêncio enquanto ela 


tirava bonitos fios de um grande cesto trançado e os torcia ao redor 
da lançadeira. Esta puxava os fios para a frente e para trás no tear. 

Após um momento, perguntei: 

— Vovó, o que a senhora está tecendo? 

Ela respondeu numa voz gentil, mas cansada: 

— O mundo, minha jovem. Eu teço o mundo. 

— Seus fios são lindos. Nunca vi cores como essas. 

Ela deu uma risada estridente. 

— Uso fios de teia de aranha para deixá-lo leve, asas de fada 
para fazê-lo cintilar, arco-íris para torná-lo iridescente e nuvens para 
torná-lo macio. Venha, sinta o tecido. 

Segurei a mão de Kishan, puxando-o mais para perto, e então 
estiquei meus dedos para tocar o material. Ele vibrou e estalou. 

— É poderoso! 

— Sim, há um grande poder aqui, mas preciso ensiná-la duas 
coisas sobre arte da tecelagem. 

— E o que é, vovó? 

— Estes fios longos e verticais são chamados de urdidura e os 
coloridos e horizontais são chamados de trama. Os fios da urdidura 
são grossos, fortes e normalmente simples, mas, sem eles, a trama não 
tem onde se agarrar. Seus tigres se agarram em você; precisam de 
você. Sem você, eles seriam levados pelos ventos do mundo. 

Assenti com a cabeça, mostrando que entendera. 

— O que mais a senhora precisa me ensinar? 

Ela se inclinou para mais perto de mim e sussurrou com ar 
conspiratório: 


— Tecer com maestria produz tecidos excepcionais e eu teci 
fios poderosos nesta peça. Um bom tecido deve ser versátil. Atender a 
muitos propósitos. Este aqui pode recolher, criar e proteger. Guarde-o 
bem. 

— Muito obrigada, vovó. 

— Mais uma coisa. Você deve aprender a dar um passo para 
trás e visualizar a peça como um todo. Se focaliza apenas o fio que lhe 
é dado, perde de vista o que ele pode vir a ser. Durga tem a 
capacidade de ver a peça do início ao fim. Confie nela. 

Assenti com a cabeça e ela continuou: 

— Não se deixe abater quando o fio não servir ou parecer feio. 
Espere e observe. Seja paciente e dedicada. À medida que os fios 
forem se torcendo e virando, vai começar a entender e verá o padrão 
por fim se materializar em todo o seu esplendor. 

Soltei a mão de Kishan para poder me aproximar da velha 
mulher. Beijei-lhe a face suave e enrugada e lhe agradeci mais uma 
vez. Seus olhos brilharam e a lançadeira voltou a se movimentar. Os 
estalidos ritmados continuaram quando ela lentamente foi 
desaparecendo de vista. Logo ouvíamos apenas os sons do tear e 
depois mais nada. 

Viramo-nos para Durga, que afagava a cabeça de seu tigre e 
sorria para nós. 

— Vai confiar que cuidarei de seu tigre, Kelsey? 

— Sim, vou. 

Durga deu um sorriso radiante. 

— Fabuloso! Agora, antes de me despedir de você, vou lhe 
conceder outro presente. 

Ela começou a girar as armas em seus braços e deteve-se no 
arco e flecha. 


Levantou o arco e Kishan deu um passo à frente. 

— Paciência, meu tigre de ébano. Tenho um presente para 
você também, mas este... é para minha filha. 

Ela me entregou um arco dourado de tamanho médio com 
uma aljava de flechas de ponta dourada. 

Fiz uma mesura. 

— Muito obrigada, Deusa. 

Ela voltou-se para Kishan e sorriu. 

— Agora vou escolher algo para você. 

Ele fez uma profunda reverência e sorriu sedutoramente para 
ela. 

— Aceitarei com alegria qualquer coisa que me oferecer, 
minha linda deusa. Revirei os olhos. 

Ela balançou a cabeça ligeiramente em reconhecimento e não 
pude ter certeza, mas pensei ver unia covinha onde ela contraiu a 
boca num breve 

Olhei para Kishan, que estava sorrindo como um bobo, 
enfeitiçado por Durga. Ele era lindo. Zeus não tinha romances com 
mortais? Hum, tenho que perguntar ao Sr. Kadam sobre isso quando 
voltarmos. 

Durga entregou a Kishan um disco dourado e ele pareceu 
encantado. Teve até mesmo a ousadia de dar um beijo afetuoso nas 
costas de sua mão. Tem alguém aí mestre em passar dos limites? Não 
fiquei com ciúme, mas chocada por ele agir daquela maneira com 
uma deusa. 

Os dois se olhavam, então pigarreei. 


— Arrã. Então, existe algo mais de que precisamos saber antes 
de partir? Estávamos pensando em Lhasa e no Himalaia. Procurar a 
Arca de Noé e Shangri-lá. 

Durga piscou e voltou ao assunto. Sua voz metálica ecoou. 

— Sim... — Sua voz começou a sumir e seus braços retornaram 
à posição anterior — Cuidado com as quatro casas. Elas irão testá-la. 
Use o que aprendeu. Quando conseguir o objeto, ele vai ajudá-la a 
fugir e a encontrar quem você ama. Use-o para.. 

A deusa congelou. Sua pele macia enrijeceu-se, 
transformando-se em pedra 

— Droga! Tenho que fazer as perguntas a ela primeiro da 
próxima vez! 

O vento varreu a sala, a estátua começou a se mover e logo 
estava novamente voltada para a rua. 

— Alô? Terra chamando Kishan. 

Ele ficou parado olhando até Durga desaparecer de vista. 

— Ela é... excepcional! 

Dei risada. 

— É. Qual é o seu problema com mulheres inalcançáveis? 

A luz se apagou dos seus olhos e ele visivelmente murchou. 
Fez uma careta. Tem razão, Kelsey. — Ele riu de si mesmo, —Talvez 
eu encontre um grupo de apoio. 

Ri, mas em seguida fiquei triste. 

— Desculpe, Kishan. Dizer isso não foi muito legal da minha 
parte. Com um sorriso triste, ele estendeu a mão. 

— Não se preocupe, Kells. Ainda tenho você. Lembre-se, você 
é minha urdidura e eu sou sua trama. 


— Claro, claro. Vamos lá, tigre de ébano — provoquei. — 
Vamos encontrar o Sr. Kadam. 

Ele sorriu. 

— Você primeiro, meu encanto. 

Revirei os olhos de novo e comecei a descer os degraus. 

— Não flertou o bastante com a deusa? Pode ir parando. Isso 
não funciona comigo. 

Ele riu e me seguiu escada abaixo. 

— Então vou continuar tentando até encontrar algo que 
funcione. 

— Não conte com isso, Casanova. 

— Quem é Casanova? 

— Deixe para lá. 

A lua havia desaparecido por trás das nuvens e as paredes e o 
chio do templo estavam cobertos com a mesma fuligem e o mesmo pó 
de quando entramos. Kishan pegou de novo minha mão e saímos 
juntos para a noite escura. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens

Não dê spoiller!
Deixem comentários e incentive a dona do blog a continuar postando! Façam pedidos!