quinta-feira, 6 de março de 2014
Capítulo 15 - Yin-yang
O Sr. Kadam conseguira marcar uma reunião com uma
autoridade do gabinete tibetano do Dalai-Lama, pois um encontro
pessoal era impossível. O Sr. Kadam tentou manter o motivo da visita
vago para não revelar a funcionários mais detalhes do que o
necessário. Não era o ideal, mas teria que bastar. Conseguimos um
horário na segunda-feira, o que nos dava três dias de espera.
Para passar o tempo, o Sr Kadam nos levou num passeio
relâmpago pelo Tibete. Vimos o mosteiro de Rongphu, o Palácio de
Potala, o Templo Jokhang, os mosteiros de Sera e Drepung e também
fizemos compras no mercado de Barkhor.
Gostei de visitar as atrações turísticas e de estar com Kishan e
o Sr. Kadam, no entanto, por dentro, a tristeza ainda me dominava. A
dor melancólica da solidão me invadia no fim do dia. Ainda sonhava
com Ren todas as noites. Embora confiasse que Durga cumpriria sua
promessa e cuidaria dele
No sábado o Sr. Kadam nos levou para fora dos limites da
cidade a fim de treinarmos com as novas armas. Ele começou com
Kishan e o disco. O disco era pesado demais para o Sr. Kadam, assim
como fora a gada, mas parecia leve para Kishan e para mim.
Quando o Sr. Kadam voltou sua atenção para mim, eu estava
pronta. Ele me ensinou primeiro como encordoar o arco.
— A força que você usa para esticar a corda é o que determina
o poder do arco.
Ele tentou tensionar meu arco, mas descobriu que não
conseguia. Kishan o fez com facilidade, O Sr. Kadam olhou para o
arco por um minuto e pediu a Kishan que me ensinasse.
— Por que as flechas são tão pequenas? — perguntei.
— O comprimento das flechas é determinado pelo tamanho
do arqueiro — respondeu Kishan. Ë o comprimento da puxada e o seu
é bem pequeno. Portanto, estas flechas devem lhe servir
perfeitamente. O comprimento do arco também é determinado por
sua altura. Um arqueiro não pode ter um arco que seja difícil de
manejar.
Concordei com a cabeça.
Kishan continuou sua explicação das várias partes do arco,
inclusive o encaixe da corda, o descanso de flecha — onde ela fica
apoiada e é puxada para trás — e a corda. Por fim, chegou a hora de
experimentá-lo.
— Assuma a posição de tiro colocando seu pé não dominante
cerca de 13 a 25 centímetros à frente — disse Kishan. — Mantenha as
pernas afastadas na direção dos ombros.
Segui suas instruções. Embora fosse mais difícil para do que
para Kishan, consegui dar conta do recado.
— Muito bem. Encaixe sua flecha e apoie-a no seu polegar com
a pena apontando para fora. Segure a corda com seus três primeiros
dedos e passe a flecha entre os dedos indicador e médio. Agora trave
o braço do arco e olhe para o alvo. Puxe até que seu dedo polegar
toque sua orelha e a ponta do seu dedo toque o canto da boca. Solte a
flecha.
Ele demonstrou o processo inteiro algumas vezes e acertou
duas flechas numa árvore distante. Imitei seus movimentos. Quando
cheguei à parte da puxada, minha mão tremeu um pouco. Ele se
posicionou atrás de mim e guiou minha mão quando puxei a corda.
Quando eu estava na posição certa, ele disse:
— 0k, você está pronta. Agora mire e dispare.
Eu soltei e senti um estalo quando o arco disparou minha
flecha com um som vibrante. A flecha mergulhou na terra macia ao
pé da árvore.
O Sr. Kadam exclamou:
— Muito bom! Uma primeira tentativa maravilhosa, Srta.
Kelsey!
Kishan me fez repetir muitas vezes. Rapidamente desenvolvi
habilidade suficiente para atingir o tronco da árvore, como Kishan,
embora não exatamente no centro. O Sr. Kadam mostrou-se
espantado com meu progresso, que atribuiu ao meu treinamento com
o poder do raio. Ele logo notou que as flechas nunca acabavam e que
em algum momento desapareciam do alvo.
Kishan estava treinando com seu disco novamente quando fiz
um intervalo. Bebi um pouco de água enquanto o observava.
Apontando o com um gesto da cabeça, perguntei ao Sr.
Kadam:
— Como ele está se saindo com esse disco?
O Sr. Kadam riu.
— Tecnicamente, Srta, Kelsey, não é um disco, O disco é usado
nas Olimpíadas. O que Kishan está segurando é chamado de
chakram. Tem a forma de um disco, mas, se olhar com cuidado, a
borda externa é afiada como uma navalha. Ë uma arma de arremesso.
Na verdade é a arma predileta do deus indiano Vishnu. É muito
valiosa quando usada por alguém com habilidade e Kishan,
felizmente, foi treinado para usá-la, embora não pratique há muito
tempo.
A arma de Kishan era feita de ouro com diamantes incrustados
no metal, semelhante à gada. Tinha uma alça de couro curvada, como
um símbolo yin-yang. A borda metálica tinha cerca de cinco
centímetros de largura e era afiada. Fiquei olhando-o praticar e ele
jamais pegava na borda da lâmina. Ele agarrava o disco pela alça ou
na parte interna do círculo.
— Eles normalmente voltam assim? Como um bumerangue?
— Não, Srta. Kelsey. — O Sr. Kadam alisou a barba, pensativo.
— Está vendo? Mesmo que ele mire uma árvore, o disco abre um
denteado no tronco e depois gira de volta para Kishan. Nunca vi
antes. Em geral, pode ser manejando como uma espada numa luta
corporal ou pode ser arremessado à distância para neutralizar um
inimigo, mas permanece cravado no alvo até ser retirado.
— Parece que reduz a velocidade quando se aproxima dele.
Observamos mais alguns arremessos.
— Sim, creio que esteja correta. Ele desacelera na chegada para
que Kishan o apanhe com mais facilidade. Uma arma e tanto.
Mais tarde naquela noite, quando voltamos ao hotel, Kishan
colocou um jogo de tabuleiro sobre a mesa após o jantar. Eu ri.
— Vamos jogar ludo?
Kishan sorriu.
— Não exatamente. Este aqui se chama Pachisi, mas se joga da
mesma forma.
Tiramos as peças e montamos o tabuleiro. Quando viu o jogo,
o Sr. Kadam bateu palmas e seus olhos piscaram com um brilho
competitivo.
— Ah, Kishan, meu jogo favorito. Lembra-se de quando
jogávamos com seus pais?
— Como poderia me esquecer? Você derrotou meu pai, que
suportou bem, mas, quando derrotou minha mãe no último lance de
dados, achei que ela iria mandar decapitá-lo.
O Sr. Kadam alisou a barba.
— Realmente. Ela ficou bastante contrariada.
— Quer dizer que vocês jogavam isso naqueles tempos?
Kishan riu.
— Não assim. Jogamos a versão ao vivo. Em vez de peões,
usávamos gente. Construímos um tabuleiro gigante e montamos uma
base a que todos tinham que chegar. Era divertido. Os jogadores
usavam nossas cores. Papai preferia azul e mamãe, verde. Acho que
você foi vermelho naquele dia, Kadam, e eu, amarelo.
— E Ren, onde estava?
Kishan pegou uma peça e a girou, pensativo.
— Estava fora, numa viagem diplomática, e Kadam o
substituiu.
O Sr. Kadam pigarreou.
— Isso mesmo. Se vocês não se importam, gostaria de ser
vermelho de novo, pois essa cor me deu sorte da última vez que
joguei.
Kishan girou o tabuleiro para que o vermelho ficasse de frente
para o Sr. Kadam. Escolhi o amarelo e Kishan, o azul. Jogamos por
uma hora. Nunca tinha visto Kishan tão animado. Parecia um
garotinho, sem as preocupações do mundo sobre seus ombros. Podia
facilmente visualizar aquele homem sério, bonito e orgulhoso como o
menino feliz e despreocupado que cresceu para ficar à sombra do
irmão mais velho, amando-o e admirando-o, mas ao mesmo tempo
sentindo que de algum modo era menos importante, que de algum
modo merecia menos. Ao fim do jogo, Kishan e eu tínhamos deixado
o Sr. Kadam na poeira. Só restava um peão para cada um de nós e o
meu estava mais perto da base.
No último lance, Kishan podia ter me eliminado para vencer o
jogo. Ele olhou para o tabuleiro por um momento, estudando-o
cuidadosamente.
Os dedos do Sr. Kadam tamborilavam no lábio superior,
curvado num sorrisinho. Os olhos dourados de Kishan encontraram
os meus rapidamente antes de ele apanhar seu peão e saltar sobre o
meu, passando para uma zona de segurança.
— Kishan, o que está fazendo? Você poderia ter me eliminado
e vencido o jogo. Não viu isso?
Ele se recostou na cadeira e deu de ombros.
— Acho que me passou despercebido. Sua vez, Kelsey.
— Impossível ter deixado passar isso — murmurei. — Então,
azar o seu. — Tirei 12 nos dados e segui direto até a base. — Ah!
Derrotei os dois grandes jogadores da versão viva!
O Sr. Kadam riu.
— Muito bem, Srta. Kelsey. Boa noite.
— Boa noite, Sr. Kadam.
Kishan me ajudou a guardar o jogo.
— Vamos lá, confesse — eu disse. — Por que entregou o jogo?
Você não é bom de blefe, sabia? Pude ler sua expressão. Você viu que
podia acabar comigo e deliberadamente me deixou passar. O que
aconteceu com aquela história de fazer o que fosse preciso para
ganhar?
— Ainda faço o que for preciso para ganhar. Talvez, ao perder
o jogo, eu tenha ganhado algo melhor.
Eu ri.
— Ah, é? O que acha que ganhou?
Ele afastou o jogo para o lado da mesa e estendeu a mão para
segurar a minha.
— O que ganhei foi ver você feliz, como costumava ser. Quero
ver seu sorriso voltar. Você sorri e dá risada, mas isso não chega aos
seus olhos. Não a vi feliz de verdade nesses últimos meses.
Apertei a mão dele.
— É difícil. Mas, se Kishan, o amante das competições, está
disposto a entregar o jogo, então, por você, vou tentar.
— Ótimo.
Relutante, ele soltou minha mão e se levantou para se alongar.
Guardei o jogo na prateleira e disse:
— Kishan, continuo a ter pesadelos com Ren. Acho que Lokesh
o está torturando.
— Também tenho sonhado com ele. Sonhei que me implorava
para protegê-la. — Ele sorriu. — Também me avisou para me
comportar.
— É a cara dele dizer isso. Acha que é um sonho ou uma visão?
Ele balançou a cabeça.
— Não sei.
Pressionei as mãos sobre o jogo.
— Todas as vezes que tento salvá-lo ou ajudá-lo a fugir, ele me
afasta como se fosse eu quem estivesse em perigo. Parece real, mas
como podemos saber?
Kishan passou os braços ao meu redor e me abraçou por trás.
— Não tenho certeza, mas sinto que ele ainda está vivo.
— Sinto o mesmo. — Ele se virou para sair. — Kishan?
— Sim?
Sorri.
— Obrigada por me deixar vencer. E por se comportar... quase
sempre.
— Ah, mas não se esqueça: esta é só uma batalha. A guerra
está longe de terminar e você vai descobrir que sou um adversário
impiedoso. Em qualquer arena.
— Tudo bem — propus. — Então teremos uma revanche.
Amanhã.
Ele se curvou ligeiramente.
— Mal posso esperar pelo desafio, bilauta. Boa noite.
— Boa noite, Kishan.
No dia seguinte, no café da manhã, pedi que o Sr. Kadam me
falasse sobre Dalai-Lama, budismo, carma e reencarnação. Kishan
escutou em silêncio, enroscando-se a meus pés na forma de tigre
negro.
— Olhe, Srta. Kelsey, carma é a crença de que tudo o que você
faz, tudo o que você diz, toda escolha sua, afeta seu presente ou seu
futuro. Aqueles que acreditam em reencarnação vivem com a
esperança de que, se fizerem boas escolhas e sacrifícios na vida hoje,
terão um futuro mais feliz ou uma posição melhor na próxima vida. Já
o darma diz respeito a manter a ordem no Universo e seguir as regras
que governam toda a humanidade nos hábitos civis e religiosos.
— Então, se seguir seu darma, você terá um bom carma?
O Sr. Kadam riu.
— Suponho que essa seja uma afirmativa correta. Moksha é o
estado do nirvana. Depois que se passa pelas provas que o mundo
mortal oferece e se ascende a um estado de consciência mais elevada,
atinge-se a iluminação ou moksha. Para essa pessoa, não há
renascimento. Ela se torna um ser espiritual e as coisas mundanas e
transitórias não têm mais importância. As paixões da carne perdem o
sentido. A pessoa se funde ao eterno.
— O senhor é uma espécie de ser eterno agora. Já
experimentou moksha? Acha que é possível atingi-lo enquanto se está
vivo?
— É uma pergunta interessante. — Ele se recostou na cadeira e
refletiu por um instante. — Apesar de meus muitos anos neste
planeta, não, eu não experimentei a iluminação espiritual total. No
entanto, tampouco a busquei. Meu relacionamento com o divino
talvez seja uma busca que ainda preciso empreender. Não é, porém, a
que eu desejo abraçar neste momento. Em vez disso, que tal um
passeio até o mercado?
Concordei com a cabeça, ansiosa para ver algo novo e me
concentrar na busca mais imediata a meu alcance. O mercado estava
cheio de produtos interessantes. Passamos por bancas vendendo
estátuas de Buda, incensos, joias, roupas, livros, cartões-postais e
malas — semelhantes em propósito aos rosários católicos. Outros
itens interessantes que vimos à venda foram tigelas e sinos cantantes,
utilizados para produzir sons que ajudavam a concentrar as energias e
empregados também em certas cerimônias religiosas e durante a
meditação. Vi bandeiras de oração e thangkas tecidas ou pintadas. O
Sr. Kadam disse que os estandartes ensinavam mitos, mostravam
importantes eventos históricos ou descreviam a vida de Buda.
Na hora marcada, Kishan, o Sr. Kadam e eu fomos
encaminhados ao gabinete do Dalai-Lama. O fato de termos chegado
tão longe era uma prova dos recursos do Sr. Kadam, pois, em geral,
apenas dignitários eram recebidos em seu gabinete. Encontramos um
homem austero, usando terno, que indicou que faria uma triagem
inicial e que, se nosso caso demonstrasse urgência suficiente, ele nos
recomendaria a um gabinete superior.
Ele nos convidou a sentar e fiquei contente por deixar o Sr.
Kadam enfrentar a entrevista. O homem fez diversas perguntas sobre
nosso propósito. O Sr. Kadam novamente respondeu de modo vago,
dando a entender que as respostas às perguntas dele não se
destinavam aos ouvidos de qualquer um. O homem ficou intrigado e
o pressionou, querendo respostas. Mas o Sr. Kadam disse que as
informações que precisávamos compartilhar deveriam ser ouvidas
somente pelo Mestre do Oceano.
Diante dessas palavras, notei uma ligeira mudança no olhar do
homem. A entrevista terminou e fomos conduzidos a outra sala, onde
fomos recebidos por uma mulher, que prosseguiu na mesma linha de
interrogatório, O Sr. Kadam repetiu as respostas anteriores,
educadamente, sem dar muitas informações.
— Somos peregrinos que solicitam uma audiência sobre um
assunto de grande importância para o povo indiano.
Ela deslizou a mão pelo ar.
— Explique, por favor. O que exatamente é de grande
importância?
Ele sorriu e se inclinou para a frente.
— Estamos numa busca que nos trouxe ao grande país do
Tibete. Somente dentro destas fronteiras podemos encontrar o que
procuramos.
— Vocês estão atrás de riquezas? Não vão encontrar nenhuma
aqui. Somos um povo humilde e nada temos de valor.
— Dinheiro? Tesouros? Nosso objetivo não é esse. Viemos em
busca do conhecimento que apenas o Mestre do Oceano detém.
Novamente, quando o Sr. Kadam mencionou o Mestre do
Oceano, nossa interlocutora fez uma pausa abrupta. Levantou-se e
nos pediu que aguardássemos. Meia hora depois fomos guiados até
um santuário. As acomodações eram mais humildes do que nas duas
salas anteriores. Sentamo-nos em cadeiras de madeira antigas e
bambas. Um monge de ar reservado e nariz pontudo, vestido com
uma túnica vermelha, entrou. Olhou-nos com superioridade por um
longo momento e depois se sentou.
— Pelo que entendi, vocês desejam falar com o Mestre do
Oceano.
O Sr. Kadam inclinou a cabeça numa confirmação silenciosa.
— Vocês não informaram seus motivos aos outros. Revelariam
a mim?
— As palavras que eu lhe diria seriam as mesmas que disse aos
Outros — respondeu o Sr. Kadam.
O monge assentiu bruscamente.
— Entendo. Então, lamento, mas o Mestre do Oceano não tem
tempo para recebe-los, especialmente por terem sido tão reticentes
em relação ao seu objetivo. Se o assunto que desejam discutir for
considerado importante o suficiente, sua mensagem será transmitida.
— Mas é muito importante que falemos com ele — eu me
manifestei. Revelaríamos nossas intenções, mas é uma questão de
confiar nas pessoas certas.
Pensativo, o monge olhou para cada um de nós.
— Talvez respondam a uma última pergunta.
O Sr. Kadam assentiu.
O monge tirou um medalhão que usava ao redor do pescoço,
entregou-o ao Sr. Kadam e disse:
— O que vê?
O Sr. Kadam respondeu:
— Vejo um desenho semelhante em natureza ao símbolo yin-
yang. O yin, ou lado escuro, representa a mulher e o yang, o lado
claro, representa o homem. Os dois lados estão em perfeito equilíbrio
e harmonia um com o outro.
O monge assentiu como se esperasse essa resposta e estendeu
a mão. Sua expressão nada revelava. Eu sabia que ele ia nos mandar
embora.
Apressei-me em intervir.
— Podemos ver o medalhão?
Sua mão deteve-se no ar antes de entregar o medalhão a
Kishan.
Kishan virou o medalhão, frente e verso, por um momento e
sussurrou:
— Vejo dois tigres, um negro e outro branco, um perseguindo
a cauda do outro.
O monge apertou as mãos contra a mesa quando peguei o
medalhão e balancei a cabeça com interesse. Olhei rapidamente para
o Sr. Kadam e depois para o monge, que agora se inclinava para a
frente, esperando que eu falasse.
O medalhão era semelhante ao símbolo yin-yang, mas uma
linha dividia o objeto ao meio. O contorno do branco e do preto podia
ser identificado como gatos, então entendi facilmente por que Kishan
dissera que eram tigres, cada um com um ponto estrategicamente
posicionado, como se fosse um olho. As caudas se enroscavam no
centro e se retorciam, juntas, em torno da linha divisória.
Olhei para o monge.
— Vejo parte de uma thangka. Um fio longo e central, que é
uma fêmea, serve como urdidura, e os tigres branco e negro são
machos e se enrolam nela. Eles são a trama que completa o tecido.
O monge se inclinou um pouco mais.
— E como essa thangka é tecida?
— Com uma lançadeira divina.
— O que a thangka representa?
— A thangka é o mundo inteiro. O tecido é a história do
mundo.
Ele se recostou na cadeira e passou a mão por sua calva.
Devolvi-lhe o medalhão. Ele o apanhou, olhou-o atentamente por um
momento e o pendurou no pescoço. Em seguida, se levantou.
— Vocês me dão licença por um instante?
O Sr. Kadam assentiu.
— Claro.
Não esperamos muito. A jovem que nos entrevistara mais cedo
pediu que a acompanhássemos. Assim fizemos e fomos acomodados
em quartos confortáveis. Nossas malas foram arrumadas no hotel e
trazidas para nós.
Jantamos juntos, cedo, e depois o Sr. Kadam e Kishan se
retiraram para seus quartos. Não tendo nada melhor para fazer, fui
para o meu também.
Os monges me trouxeram chá de flor de laranjeira. Foi um
sonífero eficaz, porque logo peguei no sono, mas novamente tive
sonhos agitados com Ren. Neles, Ren começava a se desesperar.
Dessa vez ele se mostrou ainda mais protetor em relação a
mim, exigindo que eu o deixasse imediatamente. Dizia que Lokesh
estava se aproximando e que precisava que eu estivesse o mais
distante dele possível. O sonho parecia tão real que acordei chorando.
Não havia nada que eu pudesse fazer... Tentei me consolar com a
promessa de Durga de cuidar dele.
Na manhã seguinte, Kishan se juntou a mim no bufê do café da
manhã. Eu já estava no fim da fila, servindo-me de iogurte, quando o
Sr. Kadam entrou, parou atrás de mim e perguntou se eu havia
dormido bem.
Menti, dizendo que sim, mas ele estudou minhas olheiras e
bateu de leve na minha mão, compreensivo. Sentindo-me culpada,
afastei-me do escrutínio do Sr. Kadam e esperei que o monge à minha
frente terminasse de colocar frutas em seu prato.
A mão do monge tremeu quando ele levantou uma fatia
pequena e escorregadia de manga da tigela. Deixou-a cair no prato e
começou o lento processo de pegar outra. Sem olhar para nós, o velho
monge disse:
— Fui informado de que vocês desejam conversar comigo.
Imediatamente, o Sr. Kadam uniu as mãos, curvou-se e disse:
— Namastê, mestre.
Minha mão parou no ar, ainda segurando a colher de iogurte, e
vagarosamente me virei para fitar o rosto sorridente do Mestre do
Oceano.
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