quinta-feira, 6 de março de 2014
Capítulo 16 - O Mestre do Oceano
O velho monge sorriu para mim, enquanto eu o olhava
boquiaberta. Felizmente o Sr. Kadam veio em meu socorro e, com
delicadeza, me guiou até uma das mesas.
Kishan já estava comendo, sem se incomodar se eu tinha
passado vergonha. Era de se esperar. Os tigres só pensam em duas
coisas: comida e garotas.
Em geral nessa ordem.
O Sr. Kadam pousou minha tigela sobre a mesa e puxou uma
cadeira para mim. Sentei-me e mexi meu iogurte, enquanto observava
disfarçadamente o velho enrugado. Ele cantarolava baixinho,
continuando a encher o prato item a item. Quando terminou, sentou-
se à minha frente, sorriu e se pôs a comer ovos mexidos.
O Sr. Kadam comeu em silêncio. Kishan voltou ao bufê e
tornou a encher o prato. Mantive-me em silêncio e tomei meu suco.
Estava nervosa demais para comer e não sabia se era adequado falar
ou fazer perguntas, então apenas imitei o Sr. Kadam.
Muito tempo depois de nós três terminarmos o café da manhã,
ainda observávamos o Mestre do Oceano comer, levando à boca
lentamente uma pequena porção de cada vez e mastigando de forma
metódica. Quando por fim terminou, limpou a boca e disse:
— Sabem, minhas lembranças prediletas de minha mãe são de
vê-la enrolando os fios para tecer, de ajudá-la a cuidar das ovelhas e a
mexer o mingau do café da manhã. Sempre me lembro dela quando
faço essa refeição.
O Sr. Kadam assentiu, prudentemente. O Mestre do Oceano
olhou para mim e sorriu.
Torcendo para que não houvesse problema em falar,
perguntei:
— Então o senhor cresceu numa fazenda? Pensei que os Lamas
nascessem para ser Lamas.
Ele voltou a cabeça em minha direção e respondeu
alegremente:
— Sim é a resposta a ambas as perguntas. Meus pais eram
fazendeiros pobres que cultivavam alimentos para o próprio sustento
e vendiam o pouco que sobrava no mercado. Minha mãe era uma
tecelã que fazia lindos tecidos. Meus pais me deram o nome de Jigme
Karpo. Na época não sabiam quem eu era. Tive que ser encontrado.
— Encontrado por quem?
— O regente está sempre procurando reencarnações de Lamas.
Normalmente ele tem uma visão que lhe mostra onde encontrar a
nova encarnação de certa pessoa e manda um grupo de busca. No
meu caso, sabiam que deviam procurar um sítio localizado numa
colina com uma roseira alta crescendo ao lado do poço. Depois de
perguntar nos arredores, encontraram minha casa e souberam que
aquele era o lugar certo. Itens de Lamas anteriores foram trazidos e
apresentados a mim. Peguei um livro que pertenceu ao Mestre do
Oceano anterior, O grupo de busca sentiu-se confiante, então, de que
eu era a reencarnação daquele Lama. Eu tinha 2 anos.
— E o que aconteceu com o senhor depois?
O Sr. Kadam interrompeu e deu um tapinha na minha mão.
— Estou curioso também, Srta. Kelsey, mas talvez ele tenha
pouco tempo para nós e devamos nos concentrar em outros assuntos.
— Ah, desculpe. Eu me deixei levar pela curiosidade.
O Mestre do Oceano se inclinou para a frente e agradeceu aos
monges que limpavam a mesa.
— Tenho alguns minutos para responder à sua pergunta,
minha jovem. Resumindo, fui levado da minha família e teve início
minha formação com um velho e gentil monge. Minha mãe teceu o
material para a minha primeira veste marrom. Então comecei a
formação como um monge noviço e rasparam minha cabeça.
Mudaram meu nome e recebi uma educação maravilhosa em todas as
áreas, incluindo arte, medicina, cultura e filosofia. Todas essas
experiências me transformaram no homem sentado à sua frente. Isso
responde à sua pergunta ou minha explicação gerou várias outras
perguntas?
Eu ri.
— Gerou várias outras.
— Ótimo! — Ele sorriu. — Uma mente com perguntas é uma
mente aberta ao entendimento.
— Sua infância e sua formação são muito diferentes das
minhas.
— Imagino que a sua seja igualmente interessante.
— O que o senhor faz?
— Formo os Dalai-Lamas.
Olhei-o espantada.
— Educa o mestre?
— Sim. Formei dois deles. Sou muito velho, mas não somos
tão dessemelhantes. Tive a oportunidade de conhecer pessoas do
mundo inteiro e acho que todos somos fundamentalmente iguais.
Formamos uma única famflia humana. Talvez usemos roupas
diferentes, a cor da nossa pele seja diferente ou falemos línguas
diversas, mas isso é só na superfície. Todos temos sonhos e
procuramos aquilo que nos trará a felicidade verdadeira. Para
conhecer o mundo todo, só precisei aprender sobre mim mesmo.
Assenti com a cabeça.
O Sr. Kadam interveio.
— Como o senhor sabe, viemos em busca da sabedoria do
Mestre do Oceano. Temos uma tarefa a executar e pedimos sua
orientação.
O monge arregaçou as mangas de sua túnica e se levantou.
— Então, venham. Vamos para um lugar que nos ofereça mais
privacidade.
Ele ficou de pé cautelosamente com o apoio de dois monges
que se posicionaram para caminhar ao seu lado, mas o Mestre do
Oceano, embora a passos lentos, caminhou sem ajuda.
— O senhor disse que formou dois Dalai-Lamas, então isso
significa que deve ter...
—Tenho 115.
— O quê? — indaguei, quase me engasgando.
— Tenho 115 anos e me orgulho muito disso.
— Nunca conheci alguém que tivesse vivido tanto!
Logo me dei conta de que, na verdade, conhecia três homens
que tinham vivido mais e olhei para o Sr. Kadam, que sorriu e piscou
para mim.
O Mestre do Oceano não percebeu minha expressão estranha e
prosseguiu:
— Se um homem deseja fazer algo e possui paixão suficiente
para encontrar um meio de fazê-lo, ele consegue. Desejei viver uma
vida longa.
O Sr. Kadam olhou pensativamente para o monge e disse:
— Também sou mais velho do que aparento. Sinto-me
humilde diante do senhor.
O Mestre do Oceano se virou e segurou com força a mão do Sr.
Kadam. Seus olhos brilharam com alegria.
— Estar nos mosteiros entre os monges tem esse efeito.
Mantém-me humilde também.
Os dois riram. Então o seguimos por corredores cinzentos e
sinuosos até um salão com piso de pedra lisa e uma grande mesa
polida. Quando passamos a uma confortável área de descanso, ele
indicou que deveríamos nos sentar. Afundamos em poltronas macias,
enquanto o Mestre do Oceano puxava uma cadeira de madeira
simples que estava oculta atrás de sua mesa e sentava-se nela para
conversar conosco.
Quando perguntei se ele não preferia uma cadeira mais
confortável, ele respondeu:
— Quanto mais desconfortável minha cadeira, mais provável
que eu me levante e me mantenha ocupado fazendo o que é preciso.
O Sr. Kadam acenou com a cabeça e começou:
— Obrigado por concordar em nos receber.
O monge sorriu.
— Não perderia isso por nada neste mundo. — Ele chegou
para a frente, com ar conspiratório. — Devo admitir que sempre tive
curiosidade em saber se a busca do tigre aconteceria nesta existência.
Pensando bem, nasci próximo à cidade de Taktser, que significa “tigre
que ruge”. Talvez estivesse em meu destino encontrar aqueles que
devem fazer a jornada nessa busca.
O Sr. Kadam perguntou, empolgado:
— Sabe sobre nossa busca?
— Sei. Desde antes da época do primeiro Dalai-Lama, a
história dos dois tigres vem sendo transmitida como uma tradição,
em segredo. O estranho medalhão é a chave. Quando este jovem disse
ter visto dois tigres, um negro e um branco, soubemos que
provavelmente vocês eram as pessoas certas. Outros viram gatos e
muitas vezes identificaram o tigre branco, mas ninguém identificou o
gato negro como tigre e certamente ninguém falou da linha central
como ligada à divina tecelã. Foi como soubemos que eram
— Então o senhor pode nos ajudar? arrisquei.
— Sim, certamente, mas, primeiro, tenho um pedido a fazer.
O Sr. Kadam sorriu, mostrando-se à disposição.
— Claro, O que podemos fazer pelo senhor?
— Podem me contar sobre os tigres? Conheço o lugar que
procuram e sei como aconselhá-los, mas... os tigres nunca foram
explicados e o papel deles na busca foi mantido sob o mais profundo
sigilo. O que sabem sobre isso?
Kishan, o Sr. Kadam e eu nos entreolhamos. Kishan levantou
uma sobrancelha quando o Sr. Kadam assentiu de leve.
O Sr. Kadam perguntou:
— Esta sala é segura?
— Sim, claro.
O Sr. Kadam e eu nos viramos para Kishan. Ele encolheu os
ombros fortes, levantou-se e se metamorfoseou em tigre. O tigre
negro piscou os olhos dourados para o monge, deu um rugido baixo e
sentou-se no chão ao meu lado. Inclinei-me para coçar-lhe as orelhas
escuras.
Surpreso, o Mestre do Oceano se recostou na cadeira. Depois
coçou a cabeça calva e riu, divertido.
— Obrigado por me confiarem esse presente impressionante!
Kishan retornou à forma humana e se sentou de novo na
cadeira.
— Eu não chamaria isso de presente.
— Não? E do que chamaria?
— De tragédia.
— Existe um ditado no Tibete que diz: “A tragédia deve ser
utilizada como fonte de força?’ — O monge levou um dedo à
têmpora. — Em vez de se perguntar por que isso aconteceu, talvez
você devesse pensar por que isso aconteceu com você. Lembre-se de
que não conseguir o que se quer às vezes é um maravilhoso golpe de
sorte.
Ele voltou sua atenção para mim.
— E onde está o tigre branco?
— O tigre branco é o irmão de Kishan, Ren, que foi capturado
por um inimigo.
Ele inclinou a cabeça, refletindo.
— Muitas vezes o inimigo é o melhor professor de tolerância. E
você, minha cara? Como você entra nessa busca?
Ergui minha mão, virei-me e deixei que a força borbulhasse
dentro de mim. Ela fluiu pela minha mão e mirei a flor dentro de um
vaso sobre a mesa. Minha mão cintilou e um minúsculo ponto de luz
disparou na direção da flor, que brilhou por um instante antes de
desaparecer numa suave lufada de cinzas, caindo levemente sobre a
mesa de madeira.
— Sou a linha central do medalhão dos tigres, a urdidura. Meu
papel é ajudar a libertar os dois. — Apontei para o homem silencioso
à minha direita.
— E o Sr. Kadam é nosso guia e mentor.
O Mestre do Oceano não pareceu surpreso com meu poder.
Contente como um garotinho na manhã de Natal, ele aplaudiu.
— Muito bem! Maravilhoso! Agora deixe-me ajudá-los no que
eu puder. Ele ficou de pé, tirou o medalhão dos tigres do pescoço,
onde havia estado oculto pelas vestes volumosas, e o inseriu numa
abertura em sua estante. Um armário estreito se abriu e dali ele
retirou um rolo de pergaminho antigo, preservado num vidro, e um
frasco com uma substância verde e oleosa.
Ele fez sinal para que nos aproximássemos. Quando rodeamos
a mesa, ele cuidadosamente virou o vidro contendo o pergaminho
para mostrar o que havia dentro.
— Este pergaminho existe há séculos e lista os sinais
associados ao medalhão dos tigres e aqueles que vêm reclamá-lo.
Digam-me, o que sabem sobre sua busca?
O Sr. Kadam mostrou-lhe a tradução da profecia.
— Ah, sim. O início deste pergaminho contém a mesma coisa,
com apenas algumas diferenças. Sua profecia diz que devo fazer três
coisas por vocês e é o que farei. Devo desenrolar os pergaminhos da
sabedoria, untar seus olhos e guiá-los ao portão do espírito. Este
documento antigo que estão vendo é o pergaminho que, segundo se
diz, contém a sabedoria do mundo.
— O que isso significa? — perguntei.
— Lenda, mito, histórias sobre a origem da humanidade: tudo
isso se baseia em verdades eternas e algumas dessas verdades estão
contidas aqui. Ao menos foi o que me contaram.
— O senhor não leu?
— Não, absolutamente. Na minha filosofia, não é necessário
conhecer todas as verdades. Parte do processo de iluminação é
descobrir a verdade por si mesmo através da introspecção. Nenhum
dos Dalai-Lamas anteriores leu este pergaminho. Ele não se destina a
nós. Foi mantido em segurança para ser entregue a vocês quando
chegasse o momento Certo.
— Se o pergaminho foi passado e mantido em segredo pelos
Dalai-Lamas, então como chegou ao senhor? — perguntou o Sr.
Kadam.
— O pergaminho e o segredo devem ser mantidos por dois
homens. Como o Dalai-Lama não sabe quem será seu sucessor, ele os
confia ao seu professor. Quando seu professor morre, ele os confia à
reencarnação daquele professor. Quando o Dalai-Lama morre, o
professor compartilha o segredo com o Dalai-Lama seguinte, para que
o pergaminho nunca se perca. Com o atual Dalai-Lama no exílio, a
tarefa cabe a mim.
— O senhor quer dizer que esse pergaminho foi guardado
durante séculos — perguntei.
— Isso. Temos transmitido o segredo, assim como as
instruções, detalhando como encontraríamos aqueles a quem
entregá-lo.
O Sr Kadam se curvou para examinar o pergaminho no vidro.
— Espantoso! Não vejo a hora de examinar isto.
— O senhor não pode. Fui instruído de que o pergaminho não
deve ser lido até que o quinto sacrifício seja completado. Existe
inclusive a sugestão de que abri-lo antes causaria uma catástrofe
gravíssima.
— Quinto sacrifício? — Mas, Sr. Kadam, nem sabemos ainda o
que será. — Voltei-me para o Mestre do Oceano. — Tudo o que
sabemos até agora é que são quatro sacrifícios e quatro presentes. Só
conheceremos o quinto muito mais tarde. Tem certeza de que
seremos bem-sucedidos em nossa busca sem ler o pergaminho?
O monge deu de ombros.
— Não cabe a mim saber. Meu dever é colocar isto sob seus
cuidados e cumprir minhas duas outras obrigações. Venha, sente-se
aqui, jovem, e deixe-me untar seus olhos.
Ele puxou uma cadeira para mim, aproximou-se com o frasco
verde e
— Diga-me, Sr. Kadam, em seus estudos já deparou com um
povo chamado chewong?
O Sr. Kadam se sentou.
— Confesso que não.
Dei uma risadinha silenciosa, O Sr. Kadam não sabe algo?
Seria isso possível?
— Os chewong são da Malásia... um povo fascinante. Existe
uma imensa pressão sobre eles agora para que se convertam ao islã e
se incorporem à sociedade malaia. No entanto, muitos lutam por seus
direitos, a fim de manter sua língua e sua cultura. São um povo
pacífico, não violento. Na verdade, eles nem têm palavras para
designar guerra, corrupção, conflito ou punição em sua língua. Eles
possuem muitas crenças interessantes. Um princípio digno de nota
diz respeito à propriedade comum. Eles acreditam ser perigoso e
errado comer sozinho, por isso, sempre compartilham suas refeições.
Mas a crença que se aplica a vocês diz respeito aos olhos.
Ansiosa, passei a língua pelos lábios.
— O que exatamente eles fazem com os olhos? Servem no
jantar? Ele riu.
— Não, nada parecido. Dizem que seus xamãs ou líderes
religiosos têm olhos frios, ao passo que a pessoa comum tem olhos
quentes. Uma pessoa com olhos frios pode enxergar mundos
diferentes e discernir coisas que estariam ocultas da visão comum.
O Sr. Kadam ficou intrigado e começou a fazer muitas
perguntas, enquanto meus olhos buscavam o líquido verde e oleoso
que o monge pingava sobre seus dedos de pele fina e ressecada.
— Devo avisar que não gosto de nada nos olhos. Meus pais
precisavam me segurar para pingar colírio quando eu tinha
conjuntivite.
— Não se preocupe — disse o Mestre do Oceano. — Vou untar
suas pálpebras fechadas e compartilhar algumas palavras de
sabedoria.
Relaxei consideravelmente e, obediente, fechei os olhos. Senti
seus dedos quentes tocarem minhas pálpebras. Eu esperava que o
líquido viscoso descesse pelo meu rosto, mas era espesso, mais como
um creme, e tinha um cheiro forte de remédio, O cheiro provocou
coceira em meu nariz e me lembrou da pomada que minha mãe
friccionava em meu peito para que eu respirasse mais facilmente
quando adoecia. Minhas pálpebras formigaram e ficaram geladas.
Mantive-as fechadas enquanto ele falava em tom suave.
— Meu conselho para você, minha jovem, é que o verdadeiro
propósito da vida é ser feliz. Em minha limitada experiência, descobri
que, quando nos importamos com os outros, nosso sentimento de
bem-estar é maior. Nossa mente fica em paz. Isso ajuda a eliminar
qualquer medo ou insegurança que possamos ter e nos dá força para
enfrentar os obstáculos que venhamos a encontrar.Além disso,
quando precisar de orientação, medite. Muitas vezes encontro
respostas através da meditação. Por último, lembre-se de que o antigo
ditado “o amor tudo vence” é real. Quando damos amor, ele volta
multiplicado.
Abri os olhos com cuidado. Não sentia dor nem desconforto,
mas eles estavam ligeiramente sensíveis. Agora era a vez de Kishan.
Trocamos de lugar e o monge molhou as pontas dos dedos mais uma
vez. Kishan fechou os olhos e a substância foi espalhada sobre suas
pálpebras fechadas.
— Agora você, tigre negro. Seu corpo é jovem, mas sua alma é
velha. Lembre-se: por mais dificuldades que você tenha que enfrentar
e por mais dolorosas que sejam suas experiências, jamais perca a
esperança. Perder a fé é a única coisa capaz de destruí-lo. Os lamas
dizem: “Vencer a si próprio e às suas fraquezas é um triunfo maior do
que derrotar milhares numa batalha.”
Kishan não se mexia, os olhos fechados.
— Sua responsabilidade é ajudar a guiar sua família na direção
certa. Isso inclui tanto a família imediata quanto a família global. Boas
intenções não bastam para criar um resultado positivo; é preciso agir.
Quando você participar e se envolver ativamente, as respostas às suas
perguntas surgirão. Por último, assim como um grande rochedo não
se perturba com os golpes do vento, a mente do homem ponderado é
firme. Ele existe como um pilar, um apoio inabalável. Outros podem
se agarrar a ele, pois não vacilará.
O Mestre do Oceano recolocou a tampa no frasco e Kishan
piscou, abrindo os olhos. A substância verde desaparecera de suas
pálpebras. Ele se sentou ao meu lado e esticou a mão para tocar meu
braço. O homem que era o Mestre do Oceano, um grande lama do
Tibete, estendeu a mão para apertar a do Sr. Kadam, dizendo:
— Meu amigo. Sinto que seus olhos já foram abertos e que
você já viu mais do que posso imaginar. Deixo este pergaminho em
suas mãos e peço que venha me visitar de tempos em tempos.
Gostaria de saber como essa jornada termina.
O Sr. Kadam curvou-se com respeito.
— Ficaria extremamente honrado, mestre.
— Muito bem. Agora, resta-me apenas uma tarefa, que é guiá-
los ao portão do espírito. — Ele explicou. — Os portões do espírito
marcam a fronteira entre o mundo físico e o espiritual. Quando os
transpomos, livramo-nos de matérias terrenas pesadas e nos
concentramos nos aspectos espirituais. Não toquem o portão até
estarem prontos para entrar, pois isso é proibido. Os portões
conhecidos estão na China e no Japão, mas há um no Tibete que foi
mantido em segredo. Vou mostrá-lo a vocês no mapa.
Ele chamou um monge e pediu-lhe que trouxesse um mapa do
Tibete.
— O portão que vocês procuram é simples e humilde. Vocês
devem chegar até lá a pé e levar apenas provisões básicas, pois, para
encontrar o portão, precisam provar que caminham por fé. Ele é
marcado com as humildes bandeiras de oração dos nômades. A
viagem não será fácil e apenas vocês dois poderão ter acesso a ele. Seu
mentor deverá ficar.
Ele nos mostrou um caminho por onde poderíamos iniciar a
subida. Engoli em seco ao reconhecer o local, apesar da minha
incapacidade de decifrar a língua. Monte Everest. Felizmente, parecia
que o portão do espírito não levava no cume, mas a uma curta
distância acima do limite das neves eternas. O Sr. Kadam e o Mestre
do Oceano conversaram animadamente sobre o melhor percurso a
fazer, enquanto Kishan escutava, atento.
Como vou fazer isso? Tenho que conseguir. Ren precisa de
mim. Encontrar esse novo lugar e o objetivo era o que me ajudaria a
encontrar Ren, e nada iria me impedir, nem mesmo o enjoo da
altitude ou uma montanha congelante.
O pergaminho foi entregue ao Sr. Kadam, assim como os
mapas e uma explicação detalhada de como chegarmos ao portão do
espírito. A mão quente de Kishan segurou a minha.
— Kelsey, você está bem?
— Estou. Só um pouco assustada com a viagem.
— Eu também. Mas lembre-se de que ele disse que é preciso
ter fé.
— Você tem fé?
Kishan refletiu.
— Sim, acho que tenho. Pelo menos, mais do que tinha antes.
E você? Tenho esperança. Isso é bom o bastante?
— Deve ser.
O Mestre do Oceano apertou nossas mãos calorosamente e se
despediu, jadeado por seus acompanhantes. Um monge nos guiou até
os quartos para que reuníssemos nossos pertences.
O Sr. Kadam passou o resto do dia envolvido nos preparativos
da viagem. Kishan e eu arrumamos uma bagagem leve, recordando o
aviso de levarmos poucas coisas. O Sr. Kadam determinou que não
levássemos comida ou água, sabendo que o Fruto Dourado nos
sustentaria. Ele me disse que testara as limitações do Fruto e que
parecia funcionar a uma distância de até 30 metros e que, embora não
produzisse água, podia nos prover com uma variedade de outras
bebidas. Ele recomendou chás quentes de ervas e bebidas sem açúcar
para permanecermos hidratados. Agradeci-lhe e embrulhei
cuidadosamente o Fruto em minha colcha antes de colocá-lo na
mochila.
Discutimos durante um bom tempo os prós e contras de uma
barraca e decidimos levar, em seu lugar, um grande saco de dormir.
Eles acharam que eu não conseguiria subir a montanha carregando
uma barraca e que eu precisava de espaço na mochila para as roupas
de Kishan, para Fanindra e todas as armas. Kishan teria que se
transformar de tigre em homem várias vezes, então precisaria de
roupas quentes.
No dia seguinte fomos de carro até o sopé da montanha. Lá, o
Sr. Kadam caminhou conosco por algum tempo e depois nos abraçou
brevemente.
Disse que montaria acampamento ali e aguardaria ansioso
nosso regresso.
— Tenha muito cuidado, Srta. Kelsey. A viagem sem dúvida
será difícil. Guardei todas as minhas anotações em sua mochila.
Espero ter me lembrado de tudo.
Tenho certeza de que se lembrou. Ficaremos bem. Não se
preocupe. Com sorte, estaremos de volta antes que o senhor perceba.
Talvez o tempo pare, como em Kishkindha. Cuide-se. E se, por algum
motivo, não retornarmos, por favor, diga a Ren...
— Vocês vão voltar, Srta. Kelsey. Disso estou certo. É hora de
partirem. Até breve.
Kishan se transformou no tigre negro e começamos a subir a
montanha. Meia hora depois, voltei-me para olhar quanto já
havíamos avançado, O terreno plano se estendia até onde os olhos
alcançavam. Acenei para a pequena silhueta do Sr. Kadam, lá
embaixo, e depois me virei, passei entre duas pedras e dei o primeiro
passo na trilha à frente.
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