quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 16 - O Mestre do Oceano


O velho monge sorriu para mim, enquanto eu o olhava 
boquiaberta. Felizmente o Sr. Kadam veio em meu socorro e, com 
delicadeza, me guiou até uma das mesas. 

Kishan já estava comendo, sem se incomodar se eu tinha 
passado vergonha. Era de se esperar. Os tigres só pensam em duas 
coisas: comida e garotas. 

Em geral nessa ordem. 

O Sr. Kadam pousou minha tigela sobre a mesa e puxou uma 
cadeira para mim. Sentei-me e mexi meu iogurte, enquanto observava 
disfarçadamente o velho enrugado. Ele cantarolava baixinho, 
continuando a encher o prato item a item. Quando terminou, sentou-
se à minha frente, sorriu e se pôs a comer ovos mexidos. 

O Sr. Kadam comeu em silêncio. Kishan voltou ao bufê e 
tornou a encher o prato. Mantive-me em silêncio e tomei meu suco. 


Estava nervosa demais para comer e não sabia se era adequado falar 
ou fazer perguntas, então apenas imitei o Sr. Kadam. 

Muito tempo depois de nós três terminarmos o café da manhã, 
ainda observávamos o Mestre do Oceano comer, levando à boca 
lentamente uma pequena porção de cada vez e mastigando de forma 
metódica. Quando por fim terminou, limpou a boca e disse: 

— Sabem, minhas lembranças prediletas de minha mãe são de 
vê-la enrolando os fios para tecer, de ajudá-la a cuidar das ovelhas e a 
mexer o mingau do café da manhã. Sempre me lembro dela quando 
faço essa refeição. 

O Sr. Kadam assentiu, prudentemente. O Mestre do Oceano 
olhou para mim e sorriu. 

Torcendo para que não houvesse problema em falar, 
perguntei: 

— Então o senhor cresceu numa fazenda? Pensei que os Lamas 
nascessem para ser Lamas. 

Ele voltou a cabeça em minha direção e respondeu 
alegremente: 

— Sim é a resposta a ambas as perguntas. Meus pais eram 
fazendeiros pobres que cultivavam alimentos para o próprio sustento 
e vendiam o pouco que sobrava no mercado. Minha mãe era uma 
tecelã que fazia lindos tecidos. Meus pais me deram o nome de Jigme 
Karpo. Na época não sabiam quem eu era. Tive que ser encontrado. 

— Encontrado por quem? 

— O regente está sempre procurando reencarnações de Lamas. 
Normalmente ele tem uma visão que lhe mostra onde encontrar a 
nova encarnação de certa pessoa e manda um grupo de busca. No 
meu caso, sabiam que deviam procurar um sítio localizado numa 
colina com uma roseira alta crescendo ao lado do poço. Depois de 
perguntar nos arredores, encontraram minha casa e souberam que 


aquele era o lugar certo. Itens de Lamas anteriores foram trazidos e 
apresentados a mim. Peguei um livro que pertenceu ao Mestre do 
Oceano anterior, O grupo de busca sentiu-se confiante, então, de que 
eu era a reencarnação daquele Lama. Eu tinha 2 anos. 

— E o que aconteceu com o senhor depois? 

O Sr. Kadam interrompeu e deu um tapinha na minha mão. 

— Estou curioso também, Srta. Kelsey, mas talvez ele tenha 
pouco tempo para nós e devamos nos concentrar em outros assuntos. 

— Ah, desculpe. Eu me deixei levar pela curiosidade. 

O Mestre do Oceano se inclinou para a frente e agradeceu aos 
monges que limpavam a mesa. 

— Tenho alguns minutos para responder à sua pergunta, 
minha jovem. Resumindo, fui levado da minha família e teve início 
minha formação com um velho e gentil monge. Minha mãe teceu o 
material para a minha primeira veste marrom. Então comecei a 
formação como um monge noviço e rasparam minha cabeça. 
Mudaram meu nome e recebi uma educação maravilhosa em todas as 
áreas, incluindo arte, medicina, cultura e filosofia. Todas essas 
experiências me transformaram no homem sentado à sua frente. Isso 
responde à sua pergunta ou minha explicação gerou várias outras 
perguntas? 

Eu ri. 

— Gerou várias outras. 

— Ótimo! — Ele sorriu. — Uma mente com perguntas é uma 
mente aberta ao entendimento. 

— Sua infância e sua formação são muito diferentes das 
minhas. 

— Imagino que a sua seja igualmente interessante. 


— O que o senhor faz? 

— Formo os Dalai-Lamas. 

Olhei-o espantada. 

— Educa o mestre? 

— Sim. Formei dois deles. Sou muito velho, mas não somos 
tão dessemelhantes. Tive a oportunidade de conhecer pessoas do 
mundo inteiro e acho que todos somos fundamentalmente iguais. 
Formamos uma única famflia humana. Talvez usemos roupas 
diferentes, a cor da nossa pele seja diferente ou falemos línguas 
diversas, mas isso é só na superfície. Todos temos sonhos e 
procuramos aquilo que nos trará a felicidade verdadeira. Para 
conhecer o mundo todo, só precisei aprender sobre mim mesmo. 

Assenti com a cabeça. 

O Sr. Kadam interveio. 

— Como o senhor sabe, viemos em busca da sabedoria do 
Mestre do Oceano. Temos uma tarefa a executar e pedimos sua 
orientação. 

O monge arregaçou as mangas de sua túnica e se levantou. 

— Então, venham. Vamos para um lugar que nos ofereça mais 
privacidade. 

Ele ficou de pé cautelosamente com o apoio de dois monges 
que se posicionaram para caminhar ao seu lado, mas o Mestre do 
Oceano, embora a passos lentos, caminhou sem ajuda. 

— O senhor disse que formou dois Dalai-Lamas, então isso 
significa que deve ter... 

—Tenho 115. 

— O quê? — indaguei, quase me engasgando. 


— Tenho 115 anos e me orgulho muito disso. 

— Nunca conheci alguém que tivesse vivido tanto! 

Logo me dei conta de que, na verdade, conhecia três homens 
que tinham vivido mais e olhei para o Sr. Kadam, que sorriu e piscou 
para mim. 

O Mestre do Oceano não percebeu minha expressão estranha e 
prosseguiu: 

— Se um homem deseja fazer algo e possui paixão suficiente 
para encontrar um meio de fazê-lo, ele consegue. Desejei viver uma 
vida longa. 

O Sr. Kadam olhou pensativamente para o monge e disse: 

— Também sou mais velho do que aparento. Sinto-me 
humilde diante do senhor. 

O Mestre do Oceano se virou e segurou com força a mão do Sr. 
Kadam. Seus olhos brilharam com alegria. 

— Estar nos mosteiros entre os monges tem esse efeito. 
Mantém-me humilde também. 

Os dois riram. Então o seguimos por corredores cinzentos e 
sinuosos até um salão com piso de pedra lisa e uma grande mesa 
polida. Quando passamos a uma confortável área de descanso, ele 
indicou que deveríamos nos sentar. Afundamos em poltronas macias, 
enquanto o Mestre do Oceano puxava uma cadeira de madeira 
simples que estava oculta atrás de sua mesa e sentava-se nela para 
conversar conosco. 

Quando perguntei se ele não preferia uma cadeira mais 
confortável, ele respondeu: 

— Quanto mais desconfortável minha cadeira, mais provável 
que eu me levante e me mantenha ocupado fazendo o que é preciso. 


O Sr. Kadam acenou com a cabeça e começou: 

— Obrigado por concordar em nos receber. 

O monge sorriu. 

— Não perderia isso por nada neste mundo. — Ele chegou 
para a frente, com ar conspiratório. — Devo admitir que sempre tive 
curiosidade em saber se a busca do tigre aconteceria nesta existência. 
Pensando bem, nasci próximo à cidade de Taktser, que significa “tigre 
que ruge”. Talvez estivesse em meu destino encontrar aqueles que 
devem fazer a jornada nessa busca. 

O Sr. Kadam perguntou, empolgado: 

— Sabe sobre nossa busca? 

— Sei. Desde antes da época do primeiro Dalai-Lama, a 
história dos dois tigres vem sendo transmitida como uma tradição, 
em segredo. O estranho medalhão é a chave. Quando este jovem disse 
ter visto dois tigres, um negro e um branco, soubemos que 
provavelmente vocês eram as pessoas certas. Outros viram gatos e 
muitas vezes identificaram o tigre branco, mas ninguém identificou o 
gato negro como tigre e certamente ninguém falou da linha central 
como ligada à divina tecelã. Foi como soubemos que eram 

— Então o senhor pode nos ajudar? arrisquei. 

— Sim, certamente, mas, primeiro, tenho um pedido a fazer. 

O Sr. Kadam sorriu, mostrando-se à disposição. 

— Claro, O que podemos fazer pelo senhor? 

— Podem me contar sobre os tigres? Conheço o lugar que 
procuram e sei como aconselhá-los, mas... os tigres nunca foram 
explicados e o papel deles na busca foi mantido sob o mais profundo 
sigilo. O que sabem sobre isso? 


Kishan, o Sr. Kadam e eu nos entreolhamos. Kishan levantou 
uma sobrancelha quando o Sr. Kadam assentiu de leve. 

O Sr. Kadam perguntou: 

— Esta sala é segura? 

— Sim, claro. 

O Sr. Kadam e eu nos viramos para Kishan. Ele encolheu os 
ombros fortes, levantou-se e se metamorfoseou em tigre. O tigre 
negro piscou os olhos dourados para o monge, deu um rugido baixo e 
sentou-se no chão ao meu lado. Inclinei-me para coçar-lhe as orelhas 
escuras. 

Surpreso, o Mestre do Oceano se recostou na cadeira. Depois 
coçou a cabeça calva e riu, divertido. 

— Obrigado por me confiarem esse presente impressionante! 

Kishan retornou à forma humana e se sentou de novo na 
cadeira. 

— Eu não chamaria isso de presente. 

— Não? E do que chamaria? 

— De tragédia. 

— Existe um ditado no Tibete que diz: “A tragédia deve ser 
utilizada como fonte de força?’ — O monge levou um dedo à 
têmpora. — Em vez de se perguntar por que isso aconteceu, talvez 
você devesse pensar por que isso aconteceu com você. Lembre-se de 
que não conseguir o que se quer às vezes é um maravilhoso golpe de 
sorte. 

Ele voltou sua atenção para mim. 

— E onde está o tigre branco? 


— O tigre branco é o irmão de Kishan, Ren, que foi capturado 
por um inimigo. 

Ele inclinou a cabeça, refletindo. 

— Muitas vezes o inimigo é o melhor professor de tolerância. E 
você, minha cara? Como você entra nessa busca? 

Ergui minha mão, virei-me e deixei que a força borbulhasse 
dentro de mim. Ela fluiu pela minha mão e mirei a flor dentro de um 
vaso sobre a mesa. Minha mão cintilou e um minúsculo ponto de luz 
disparou na direção da flor, que brilhou por um instante antes de 
desaparecer numa suave lufada de cinzas, caindo levemente sobre a 
mesa de madeira. 

— Sou a linha central do medalhão dos tigres, a urdidura. Meu 
papel é ajudar a libertar os dois. — Apontei para o homem silencioso 
à minha direita. 

— E o Sr. Kadam é nosso guia e mentor. 

O Mestre do Oceano não pareceu surpreso com meu poder. 
Contente como um garotinho na manhã de Natal, ele aplaudiu. 

— Muito bem! Maravilhoso! Agora deixe-me ajudá-los no que 
eu puder. Ele ficou de pé, tirou o medalhão dos tigres do pescoço, 
onde havia estado oculto pelas vestes volumosas, e o inseriu numa 
abertura em sua estante. Um armário estreito se abriu e dali ele 
retirou um rolo de pergaminho antigo, preservado num vidro, e um 
frasco com uma substância verde e oleosa. 

Ele fez sinal para que nos aproximássemos. Quando rodeamos 
a mesa, ele cuidadosamente virou o vidro contendo o pergaminho 
para mostrar o que havia dentro. 

— Este pergaminho existe há séculos e lista os sinais 
associados ao medalhão dos tigres e aqueles que vêm reclamá-lo. 
Digam-me, o que sabem sobre sua busca? 


O Sr. Kadam mostrou-lhe a tradução da profecia. 

— Ah, sim. O início deste pergaminho contém a mesma coisa, 
com apenas algumas diferenças. Sua profecia diz que devo fazer três 
coisas por vocês e é o que farei. Devo desenrolar os pergaminhos da 
sabedoria, untar seus olhos e guiá-los ao portão do espírito. Este 
documento antigo que estão vendo é o pergaminho que, segundo se 
diz, contém a sabedoria do mundo. 

— O que isso significa? — perguntei. 

— Lenda, mito, histórias sobre a origem da humanidade: tudo 
isso se baseia em verdades eternas e algumas dessas verdades estão 
contidas aqui. Ao menos foi o que me contaram. 

— O senhor não leu? 

— Não, absolutamente. Na minha filosofia, não é necessário 
conhecer todas as verdades. Parte do processo de iluminação é 
descobrir a verdade por si mesmo através da introspecção. Nenhum 
dos Dalai-Lamas anteriores leu este pergaminho. Ele não se destina a 
nós. Foi mantido em segurança para ser entregue a vocês quando 
chegasse o momento Certo. 

— Se o pergaminho foi passado e mantido em segredo pelos 
Dalai-Lamas, então como chegou ao senhor? — perguntou o Sr. 
Kadam. 

— O pergaminho e o segredo devem ser mantidos por dois 
homens. Como o Dalai-Lama não sabe quem será seu sucessor, ele os 
confia ao seu professor. Quando seu professor morre, ele os confia à 
reencarnação daquele professor. Quando o Dalai-Lama morre, o 
professor compartilha o segredo com o Dalai-Lama seguinte, para que 
o pergaminho nunca se perca. Com o atual Dalai-Lama no exílio, a 
tarefa cabe a mim. 

— O senhor quer dizer que esse pergaminho foi guardado 
durante séculos — perguntei. 


— Isso. Temos transmitido o segredo, assim como as 
instruções, detalhando como encontraríamos aqueles a quem 
entregá-lo. 

O Sr Kadam se curvou para examinar o pergaminho no vidro. 

— Espantoso! Não vejo a hora de examinar isto. 

— O senhor não pode. Fui instruído de que o pergaminho não 
deve ser lido até que o quinto sacrifício seja completado. Existe 
inclusive a sugestão de que abri-lo antes causaria uma catástrofe 
gravíssima. 

— Quinto sacrifício? — Mas, Sr. Kadam, nem sabemos ainda o 
que será. — Voltei-me para o Mestre do Oceano. — Tudo o que 
sabemos até agora é que são quatro sacrifícios e quatro presentes. Só 
conheceremos o quinto muito mais tarde. Tem certeza de que 
seremos bem-sucedidos em nossa busca sem ler o pergaminho? 

O monge deu de ombros. 

— Não cabe a mim saber. Meu dever é colocar isto sob seus 
cuidados e cumprir minhas duas outras obrigações. Venha, sente-se 
aqui, jovem, e deixe-me untar seus olhos. 

Ele puxou uma cadeira para mim, aproximou-se com o frasco 
verde e 

— Diga-me, Sr. Kadam, em seus estudos já deparou com um 
povo chamado chewong? 

O Sr. Kadam se sentou. 

— Confesso que não. 

Dei uma risadinha silenciosa, O Sr. Kadam não sabe algo? 
Seria isso possível? 

— Os chewong são da Malásia... um povo fascinante. Existe 
uma imensa pressão sobre eles agora para que se convertam ao islã e 


se incorporem à sociedade malaia. No entanto, muitos lutam por seus 
direitos, a fim de manter sua língua e sua cultura. São um povo 
pacífico, não violento. Na verdade, eles nem têm palavras para 
designar guerra, corrupção, conflito ou punição em sua língua. Eles 
possuem muitas crenças interessantes. Um princípio digno de nota 
diz respeito à propriedade comum. Eles acreditam ser perigoso e 
errado comer sozinho, por isso, sempre compartilham suas refeições. 
Mas a crença que se aplica a vocês diz respeito aos olhos. 

Ansiosa, passei a língua pelos lábios. 

— O que exatamente eles fazem com os olhos? Servem no 
jantar? Ele riu. 

— Não, nada parecido. Dizem que seus xamãs ou líderes 
religiosos têm olhos frios, ao passo que a pessoa comum tem olhos 
quentes. Uma pessoa com olhos frios pode enxergar mundos 
diferentes e discernir coisas que estariam ocultas da visão comum. 

O Sr. Kadam ficou intrigado e começou a fazer muitas 
perguntas, enquanto meus olhos buscavam o líquido verde e oleoso 
que o monge pingava sobre seus dedos de pele fina e ressecada. 

— Devo avisar que não gosto de nada nos olhos. Meus pais 
precisavam me segurar para pingar colírio quando eu tinha 
conjuntivite. 

— Não se preocupe — disse o Mestre do Oceano. — Vou untar 
suas pálpebras fechadas e compartilhar algumas palavras de 
sabedoria. 

Relaxei consideravelmente e, obediente, fechei os olhos. Senti 
seus dedos quentes tocarem minhas pálpebras. Eu esperava que o 
líquido viscoso descesse pelo meu rosto, mas era espesso, mais como 
um creme, e tinha um cheiro forte de remédio, O cheiro provocou 
coceira em meu nariz e me lembrou da pomada que minha mãe 
friccionava em meu peito para que eu respirasse mais facilmente 


quando adoecia. Minhas pálpebras formigaram e ficaram geladas. 
Mantive-as fechadas enquanto ele falava em tom suave. 

— Meu conselho para você, minha jovem, é que o verdadeiro 
propósito da vida é ser feliz. Em minha limitada experiência, descobri 
que, quando nos importamos com os outros, nosso sentimento de 
bem-estar é maior. Nossa mente fica em paz. Isso ajuda a eliminar 
qualquer medo ou insegurança que possamos ter e nos dá força para 
enfrentar os obstáculos que venhamos a encontrar.Além disso, 
quando precisar de orientação, medite. Muitas vezes encontro 
respostas através da meditação. Por último, lembre-se de que o antigo 
ditado “o amor tudo vence” é real. Quando damos amor, ele volta 
multiplicado. 

Abri os olhos com cuidado. Não sentia dor nem desconforto, 
mas eles estavam ligeiramente sensíveis. Agora era a vez de Kishan. 
Trocamos de lugar e o monge molhou as pontas dos dedos mais uma 
vez. Kishan fechou os olhos e a substância foi espalhada sobre suas 
pálpebras fechadas. 

— Agora você, tigre negro. Seu corpo é jovem, mas sua alma é 
velha. Lembre-se: por mais dificuldades que você tenha que enfrentar 
e por mais dolorosas que sejam suas experiências, jamais perca a 
esperança. Perder a fé é a única coisa capaz de destruí-lo. Os lamas 
dizem: “Vencer a si próprio e às suas fraquezas é um triunfo maior do 
que derrotar milhares numa batalha.” 

Kishan não se mexia, os olhos fechados. 

— Sua responsabilidade é ajudar a guiar sua família na direção 
certa. Isso inclui tanto a família imediata quanto a família global. Boas 
intenções não bastam para criar um resultado positivo; é preciso agir. 
Quando você participar e se envolver ativamente, as respostas às suas 
perguntas surgirão. Por último, assim como um grande rochedo não 
se perturba com os golpes do vento, a mente do homem ponderado é 
firme. Ele existe como um pilar, um apoio inabalável. Outros podem 
se agarrar a ele, pois não vacilará. 


O Mestre do Oceano recolocou a tampa no frasco e Kishan 
piscou, abrindo os olhos. A substância verde desaparecera de suas 
pálpebras. Ele se sentou ao meu lado e esticou a mão para tocar meu 
braço. O homem que era o Mestre do Oceano, um grande lama do 
Tibete, estendeu a mão para apertar a do Sr. Kadam, dizendo: 

— Meu amigo. Sinto que seus olhos já foram abertos e que 
você já viu mais do que posso imaginar. Deixo este pergaminho em 
suas mãos e peço que venha me visitar de tempos em tempos. 
Gostaria de saber como essa jornada termina. 

O Sr. Kadam curvou-se com respeito. 

— Ficaria extremamente honrado, mestre. 

— Muito bem. Agora, resta-me apenas uma tarefa, que é guiá-
los ao portão do espírito. — Ele explicou. — Os portões do espírito 
marcam a fronteira entre o mundo físico e o espiritual. Quando os 
transpomos, livramo-nos de matérias terrenas pesadas e nos 
concentramos nos aspectos espirituais. Não toquem o portão até 
estarem prontos para entrar, pois isso é proibido. Os portões 
conhecidos estão na China e no Japão, mas há um no Tibete que foi 
mantido em segredo. Vou mostrá-lo a vocês no mapa. 

Ele chamou um monge e pediu-lhe que trouxesse um mapa do 
Tibete. 

— O portão que vocês procuram é simples e humilde. Vocês 
devem chegar até lá a pé e levar apenas provisões básicas, pois, para 
encontrar o portão, precisam provar que caminham por fé. Ele é 
marcado com as humildes bandeiras de oração dos nômades. A 
viagem não será fácil e apenas vocês dois poderão ter acesso a ele. Seu 
mentor deverá ficar. 

Ele nos mostrou um caminho por onde poderíamos iniciar a 
subida. Engoli em seco ao reconhecer o local, apesar da minha 
incapacidade de decifrar a língua. Monte Everest. Felizmente, parecia 
que o portão do espírito não levava no cume, mas a uma curta 


distância acima do limite das neves eternas. O Sr. Kadam e o Mestre 
do Oceano conversaram animadamente sobre o melhor percurso a 
fazer, enquanto Kishan escutava, atento. 

Como vou fazer isso? Tenho que conseguir. Ren precisa de 
mim. Encontrar esse novo lugar e o objetivo era o que me ajudaria a 
encontrar Ren, e nada iria me impedir, nem mesmo o enjoo da 
altitude ou uma montanha congelante. 

O pergaminho foi entregue ao Sr. Kadam, assim como os 
mapas e uma explicação detalhada de como chegarmos ao portão do 
espírito. A mão quente de Kishan segurou a minha. 

— Kelsey, você está bem? 

— Estou. Só um pouco assustada com a viagem. 

— Eu também. Mas lembre-se de que ele disse que é preciso 
ter fé. 

— Você tem fé? 

Kishan refletiu. 

— Sim, acho que tenho. Pelo menos, mais do que tinha antes. 
E você? Tenho esperança. Isso é bom o bastante? 

— Deve ser. 

O Mestre do Oceano apertou nossas mãos calorosamente e se 
despediu, jadeado por seus acompanhantes. Um monge nos guiou até 
os quartos para que reuníssemos nossos pertences. 

O Sr. Kadam passou o resto do dia envolvido nos preparativos 
da viagem. Kishan e eu arrumamos uma bagagem leve, recordando o 
aviso de levarmos poucas coisas. O Sr. Kadam determinou que não 
levássemos comida ou água, sabendo que o Fruto Dourado nos 
sustentaria. Ele me disse que testara as limitações do Fruto e que 
parecia funcionar a uma distância de até 30 metros e que, embora não 
produzisse água, podia nos prover com uma variedade de outras 


bebidas. Ele recomendou chás quentes de ervas e bebidas sem açúcar 
para permanecermos hidratados. Agradeci-lhe e embrulhei 
cuidadosamente o Fruto em minha colcha antes de colocá-lo na 
mochila. 

Discutimos durante um bom tempo os prós e contras de uma 
barraca e decidimos levar, em seu lugar, um grande saco de dormir. 
Eles acharam que eu não conseguiria subir a montanha carregando 
uma barraca e que eu precisava de espaço na mochila para as roupas 
de Kishan, para Fanindra e todas as armas. Kishan teria que se 
transformar de tigre em homem várias vezes, então precisaria de 
roupas quentes. 

No dia seguinte fomos de carro até o sopé da montanha. Lá, o 
Sr. Kadam caminhou conosco por algum tempo e depois nos abraçou 
brevemente. 

Disse que montaria acampamento ali e aguardaria ansioso 
nosso regresso. 

— Tenha muito cuidado, Srta. Kelsey. A viagem sem dúvida 
será difícil. Guardei todas as minhas anotações em sua mochila. 
Espero ter me lembrado de tudo. 

Tenho certeza de que se lembrou. Ficaremos bem. Não se 
preocupe. Com sorte, estaremos de volta antes que o senhor perceba. 
Talvez o tempo pare, como em Kishkindha. Cuide-se. E se, por algum 
motivo, não retornarmos, por favor, diga a Ren... 

— Vocês vão voltar, Srta. Kelsey. Disso estou certo. É hora de 
partirem. Até breve. 

Kishan se transformou no tigre negro e começamos a subir a 
montanha. Meia hora depois, voltei-me para olhar quanto já 
havíamos avançado, O terreno plano se estendia até onde os olhos 
alcançavam. Acenei para a pequena silhueta do Sr. Kadam, lá 
embaixo, e depois me virei, passei entre duas pedras e dei o primeiro 
passo na trilha à frente. 

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