quinta-feira, 6 de março de 2014

Capítulo 8 - Ciúme


Ren tornou a me beijar e deslizou um braço sob meus joelhos. 
Ele conseguiu me levar para dentro de casa e fechar a porta com o pé 
sem desgrudar os lábios dos meus. Eu finalmente tinha meu 
momento Rhett Butler. Ele se acomodou na poltrona, me aconchegou 
em seu colo, agarrou minha colcha e me envolveu com ela. 

E me beijou por toda parte — cabelos, pescoço, testa, 
bochechas... mas sempre voltava aos lábios, como se eles fossem o 
centro do Universo. Suspirei baixinho e desfrutei da avalanche de 
beijos de Ren — beijos sufocantes, beijos suaves, beijos sensuais, 
beijos que duravam um mero segundo e beijos duravam uma 
eternidade. Era fácil acreditar que meu anjo guerreiro me capturado e 
me levado voando para o céu. 

Um ronco profundo ecoou em seu peito. 

Afastei a cabeça, rindo. 

— Você está rosnando para mim? 


Ele riu baixinho, girou a fita do meu cabelo entre os dedos e a 
puxou demente, soltando minha trança. Mordendo de leve minha 
orelha, ele urrou uma ameaça: 

— Você vem me deixando louco há três semanas. Tem sorte de 
eu apenas rosnar. 

Ele traçou um lento caminho de beijos descendo pelo meu 
pescoço. 

— E isso significa que você virá aqui com mais frequência? — 
eu quis saber. 

Ele falou, movendo os lábios de encontro à minha pele. 

— Cada minuto do dia. 

— Ah. Então... você não estava apenas me evitando? 

Ele colocou o dedo sob meu queixo e virou meu rosto para 

— Eu nunca iria evitá-la de propósito, Kells. 

Ele fez um carinho na lateral do meu pescoço e na clavícula 
com a ponta dos dedos, me distraindo. 

— Mas fez isso. 

— Porque foi lamentavelmente necessário. Eu não queria 
pressioná-la, então me mantive afastado, mas estava sempre por 
perto. Podia ouvi-la. — Ele afundou o rosto em meus cabelos soltos e 
suspirou. — E sentir seu cheiro de pêssego e creme, o que me deixava 
maluco. Só que eu não me permitia vê-la, a menos que você 
concordasse com um encontro. Quando você começou a me 
provocar, pensei que fosse enlouquecer. 

— Arrá! Então você ficou tentado. 

— Esse é o pior tipo de pralobhana, de tentação. Eu a teria 
dominado por um momento, mas então acabaria por perdê-la. Evitar 
você era tudo que eu podia fazer para não agarrá-la e sequestrá-la. 


Era estranho. Agora que eu havia admitido em voz alta que 
queria estar com ele, não me sentia nem um pouco tímida ou 
hesitante. Sentia-me... liberada. Contente. Plantei dezenas de beijos 
em suas bochechas, em sua testa, em seu nariz e, por fim, em seus 
lábios perfeitamente esculpidos. Ele ficou imóvel enquanto eu 
percorria seu rosto com os dedos. Ficamos por um longo momento 
nos entreolhando, seus lindos olhos azul-cobalto presos aos meus, 
castanhos. Ren sorriu e meu coração deu um pulo, sabendo que ele, 
em toda a sua perfeição, era meu. 

Deslizei as mãos de seus ombros para os cabelos, tirando-os da 
testa, e disse baixinho: 

— Eu amo você, Ren. Sempre amei. 

Seu sorriso se abriu. Ele me apertou ainda mais nos braços e 
sussurrou meu nome. 

— Amo você, minha kamana. Se soubesse que você seria o 
prêmio que eu conquistaria depois de séculos de cativeiro, teria 
suportado tudo agradecido. 

— O que quer dizer kamana? 

— “O lindo desejo a que eu aspiro acima de todos os outros.” 

— Humm. — Pressionei os lábios de encontro ao pescoço dele 
e inspirei seu cheiro cálido de sândalo. — Ren? 

—Sim? 

Ele enroscou os dedos em meu cabelo. 

— Desculpe por ter sido tão idiota. Foi tudo culpa minha. 
Desperdicei tanto tempo. Você me perdoa? 

Seus dedos se aquietaram em meu cabelo. 

— Não há nada para perdoar. Pressionei você cedo demais. 
Não a cortejei. Não disse as coisas certas. 


— Não. Nada disso. Você disse todas as coisas certas. Acho só 
que não estava preparada para ouvi-Ias ou acreditar nelas. 

— Eu devia saber que não deveria apressá-la. Não fui paciente 
e um tigre sem paciência fica sem jantar. 

Eu ri. 

— Você sabia que comecei a me sentir atraído por você antes 
mesmo de você saber que eu era humano? Lembra-se de quando 
fiquei correndo freneticamente de um lado para outro durante uma 
apresentação no circo? 

— Lembro. 

— Pensei que você tivesse ido embora. Ouvi Matt dizer ao pai 
que uma das garotas novas tinha partido. Achei que eles se referissem 
a você. Eu precisava saber se você ainda estava lá. Você não foi à 
minha jaula naquele dia e eu fiquei distraído, desanimado. Não pude 
sossegar até vê-la na plateia. 

— Bem, estou aqui agora e não vou deixá-lo, Tigre. 

Ele grunhiu, me apertou e provocou: 

— Não, não vai. Não vou deixá-la sair de perto de mim outra 
vez. Agora, sobre todos aqueles poemas que você me deu... acho que 
alguns merecem ser estudados em profundidade. 

— Concordo plenamente. 

Ele tornou a me beijar. Foi um beijo prolongado e doce. Suas 
mãos seguravam o meu rosto e acho que meu coração chegou de fato 
a dar uma cambalhota no peito. Ren afastou o rosto, beijou os cantos 
da minha boca e suspirou profundamente. Ficamos agarradinhos até 
seu tempo se esgotar. 




Na noite seguinte preparei um jantar especial para Ren. 
Quando os famosos conchiglioni recheados de minha mãe ficaram 
prontos, Ren serviu uma porção gigante em seu prato, espetou um 
deles e mastigou, feliz. 

— Esta é uma das melhores coisas que já comi. Na verdade, só 
fica atrás de manteiga de amendoim, chittaharini. 

— Fico feliz que goste da receita da minha mãe. Ei, você nunca 
me disse o que chittaharini significa. 

Ele beijou meus dedos. 

— Significa “a que cativa a minha mente”. 

— E iadala? 

— Querida. 

— Como se diz “eu te amo”? 

— Mujhe tumse pyarhai. 

— E “estou apaixonada”? 

Ele riu. 

— Você pode dizer anurakta, que significa que você “está se 
afeiçoando a alguém. Ou pode dizer que é kaamaart, que significa 
que você é uma “jovem intoxicada com amor ou perdida de amor” 
Prefiro a segunda forma. 

Sorri, de modo afetado. 

— Sei, sei. Tenho certeza de que você gostaria de anunciar que 
estou bêbada de amor por você. Como se diz “meu namorado é 
bonito”? 

— Mera sakha sundara. 

Limpei os lábios com um guardanapo e perguntei se ele 
gostaria de me ajudar a fazer a sobremesa. Ren puxou a cadeira para 


que eu me levantasse e me seguiu até a cozinha. Eu estava 
superconsciente de sua proximidade, sobretudo porque a todo 
instante ele encontrava razões para me tocar. Ao guardar o açúcar, 
acariciou meu braço. Quando estendeu a mão para colocar a baunilha 
em cima da bancada, fez carinho com o nariz no meu pescoço. 
Chegamos ao ponto em que comecei a derrubar as coisas. 

— Ren, você está me distraindo. Quero que me dê um pouco 
de espaço para que eu possa terminar de preparar a massa. 

Ele obedeceu, mas se manteve perto o bastante para que eu 
roçasse nele ao guardar os ingredientes. Dei forma aos biscoitos, 
arrumei-os no tabuleiro 

— Agora temos 15 minutos até ficarem prontos. 

Ele agarrou meu braço e me puxou para ele. Quando dei por 
mim, o timer estava disparando e eu pulei de susto. Não sei como, 
mas eu tinha ido parar em cima da bancada da cozinha presa num 
abraço apaixonado. Uma de minhas mãos estava em seu cabelo, seus 
cachos sedosos enroscados em meus dedos, enquanto minha outra 
mão aparentemente agarrara sua camisa de grife e estava lentamente 
torcendo-a. A camisa recém-passada agora estava toda amassada. 
Envergonhada, relaxei a mão incontrolável e gaguejei: 

— Sinto muito pela camisa. 

Ele pegou minha mão, pousou um beijo na palma e sorriu, 
malicioso. 

— Eu não. 

Eu o empurrei e saltei para o chão. Pressionando os dedos 
contra seu peito, eu disse: 

— Você é perigoso, rapaz. 

Ele sorriu. 

— Não é minha culpa que você esteja intoxicada por mim. 


Fiz cara feia para ele, mas isso não o perturbou nem um pouco; 
ele estava muito satisfeito consigo mesmo. Tirei os biscoitos do forno 
e me virei para pegar o leite. Quando lhe entreguei o copo, Ren já 
havia devorado um biscoito superquente e estava no segundo. 

— Deliciosos! São de quê? 

— De chocolate, com gotas de chocolate e recheio de manteiga 
de amendoim. 

— São a segunda melhor coisa que já provei. 

Eu ri. 

— Você disse a mesma coisa no jantar. 

— Acabei de atualizar o ranking. 

— Ah, é? Qual é o primeiro lugar agora? Ainda são as 
panquecas de manteiga de amendoim? 

— Não... você. Mas o páreo é duro. — Seu sorriso se turvou. — 
É hora de eu me transformar, Kells. 

Senti um leve tremor percorrer-lhe o braço. Ele me beijou 
docemente mais uma vez e se metamorfoseou em tigre. Então seguiu 
para a escada, subiu-a em dois saltos e se dirigiu para o meu quarto. 

Ren se acomodou no tapete perto da minha cama enquanto eu 
vestia o pijama no banheiro. Depois de escovar os dentes, ajoelhei-me 
ao lado dele. Abraçando-lhe o pescoço, sussurrei: 

— Mujhe tumse pyarhai, Ren. 

Ele começou a ronronar enquanto eu me cobria com o 
edredom. Eu não via sua metade tigre desde que ele aparecera no dia 
de Natal e estava com saudade. Abraçando-o, acariciei-lhe o pelo 
macio. Aconchegando-me ao seu o, usei suas patas como travesseiro e 
adormeci, em paz pela primeira vez desde que deixara a Índia. 




No sábado acordei em minha cama agarrada ao meu tigre 
branco de pelúcia. Ren estava sentado numa cadeira posicionada ao 
contrário, a cabeça descansando nos braços, me observando. Grunhi e 
cobri a cabeça com o edredom. 

— Bom dia, dorminhoca. Sabe, se queria tanto dormir com um 
tigre, era só dizer. — Ele apanhou o tigre de brinquedo. — Quando 
comprou isto? 

— Na semana que voltei. 

Ele sorriu. 

— Então sentiu a minha falta? 

Suspirei e sorri. 

— Como um peixe sente falta da água. 

— É bom saber que sou tão necessário assim à sua 
sobrevivência. — Ele se ajoelhou ao lado da cama e tirou o cabelo do 
meu rosto. — Eu já lhe disse que você é a coisa mais linda de manhã? 

Eu ri. 

— Fala sério. Meu cabelo está todo desgrenhado e eu estou de 
pijama. 

— Gosto de ver você acordar. Você suspira e começa a se 
remexer. Rola para um lado e para outro algumas vezes e em geral 
murmura alguma coisa sobre mim. 

Ele sorriu. 

— Então eu falo dormindo, é? — perguntei, apoiando-me no 
cotovelo. — Isso é constrangedor. 

— Eu gosto. Depois você abre os olhos e sorri para mim, 
mesmo quando estou como tigre. 


— Que garota não iria sorrir quando você é a primeira coisa 
que ela vê? É como acordar na manhã de Natal e encontrar o melhor 
presente que você já ganhou. 

Ele riu e beijou minha bochecha. 

— Quero conhecer Silver Falls hoje, portanto levante esse 
esqueleto preguiçoso da cama. Vou esperar você lá embaixo. 

A caminho das cachoeiras, paramos em Salem para o café da 
manhã no White’s, um pequeno restaurante que funcionava há 
décadas. Ren pediu a especialidade da casa: batatas tipo roesti, ovos, 
salsicha, bacon e molho, tudo misturado numa grande pilha. Eu 
nunca vira ninguém terminar um prato daqueles, mas Ren comeu 
tudo e ainda roubou uma torrada minha. 

— Você está com um apetite e tanto — comentei. — Não tem 
comido direito? 

Ele deu de ombros. 

— O Sr. Kadam contratou um serviço de supermercado, mas 
eu só sei fazer pipoca e sanduíche. 

— Por que não me contou? Eu teria cozinhado para você com 
mais frequência. 

Ele pegou minha mão e a beijou. 

— Eu queria mantê-la ocupada de outra forma. 

A viagem foi linda. Quilômetros e quilômetros de fazendas de 
pinheiros de ambos os lados da estrada serpenteante que levava a 
uma região montanhosa e coberta de florestas. 

Passamos o dia caminhando por South Falls, Winter Falls e 
Middle North Falls e seguíamos para outras três cachoeiras. Estava 
frio e eu havia esquecido minhas luvas. Ren imediatamente tirou um 
par de luvas do bolso do casaco e as calçou em minhas mãos. Eram 
grandes demais, mas forradas e quentes. O gesto me trouxe à 


lembrança o encontro horrível com Artie. Ren e Artie eram como o 
dia e a noite. 

Estávamos discutindo as diferenças entre as florestas da Índia 
e as do Oregon quando um pensamento me ocorreu e interrompi o 
assunto: 

— Ren, durante todo o tempo em que saí com Li, você não 
sentiu nem um pouco de ciúme? 

— Senti muito ciúme. Fico enfurecido todas as vezes que 
alguém se aproxima de você. 

— Você não demonstrava isso. 

— Quase fiquei louco. Não conseguia pensar com clareza. 
Quando outro cara chega perto de você, tenho vontade de fazê-lo em 
pedaçinhos com minhas garras. Mesmo que eu goste dele... como é o 
caso de Li. E especialmente se não gosto... como Jason. 

— Você não tem nenhum motivo para ter ciúme. 

— Não tenho, agora. Jason recuou e eu tenho uma dívida de 
gratidão para com Li por finalmente fazê-la reconhecer seus 
sentimentos. 

— É, isso você deve mesmo a ele. Por falar nisso, ele disse que, 
se um dia você me deixar, ele irá atrás de você. 

Ren sorriu. 

— Isso nunca vai acontecer. 

Passando por uma clareira, percebi que ele erguia o nariz. 

— O que você está farejando? 

— Humm. Sinto cheiro de urso, onça-parda, cervo, vários cães, 
cavalos, muitos esquilos, água, plantas, árvores, flores e você. 

— Não o incomoda sentir os cheiros tão intensamente? 


— Não. Você aprende a desativar todos os outros e se 
concentrar no que quer sentir. É o mesmo com a audição. Se eu me 
concentrar, posso ouvir pequenas criaturas escavando o solo, mas eu 
simplesmente desativo esses sons. 

Chegamos a Double Falis e ele me levou até uma pedra coberta 
de musgo que servia como ponto de observação. Estremeci, batendo o 
queixo, mesmo casaco e luvas. Ren rapidamente tirou o próprio 
casaco e o enrolou em corpo. Então me puxou de encontro ao seu 
peito e me envolveu com os braços. Senti seu cabelo sedoso roçar 
minha pele quando ele baixou a cabeça. 

— É quase tão lindo quanto você, priya. E muito melhor do 
que ter que nos preocupar com kappa nos perseguindo ou árvores de 
agulhas furando minha pele. 

Virei a cabeça e beijei-lhe o rosto. 

— Tem uma coisa de Kishkindha de que sinto falta. 

— Verdade? O que é? Deixe-me adivinhar. Você sente falta das 
brigas. 

— Brigar com você é divertido, mas fazer as pazes é melhor. Só 
que não é disso que sinto saudade. Sinto falta de tê-lo perto de mim 
como homem o tempo todo. Não me entenda mal, eu amo seu lado 
tigre, mas seria bom ter um relacionamento normal. 

Ele suspirou e apertou minha cintura. 

— Não sei se um dia teremos um relacionamento normal. — 
Ren ficou em silêncio por um minuto e então confessou: 

— Por mais que eu goste de ser humano, tem uma parte de 
mim que anseia por correr livre na floresta. 

Ri, envolta no calor de seu casaco. 


— Posso até imaginar a expressão no rosto do guarda-florestal 
quando visitantes disserem que viram um tigre branco correndo em 
meio às árvores. 



Ao longo das semanas seguintes estabelecemos uma rotina. 
Por decisão mútua resolvemos suspender as aulas de wushu e tive que 
passar meia hora ao telefone consolando Jennifer e encorajando-a a 
continuar sem mim. 

Ren queria estar comigo o tempo todo, mesmo como tigre. Ele 
gostava de se esticar ao longo das minhas pernas enquanto eu 
estudava sentada no chão. 

À noite ele tocava bandolim ou praticava no violão que tinha 
comprado. Às vezes cantava para mim. Sua voz era grave e profunda, 
ressonância quente e melódica. Seu sotaque era mais acentuado 
quando ele cantava, o que eu achava hipnótico. Sua voz, por si só, já 
era bastante poderosa mas, quando cantava, ela me levava a um 
transe. Ele sempre brincava com a imagem da fera acalmando a 
garota selvagem com música. 

Às vezes eu não fazia nada, deixando-me apenas ficar sentada 
com sua cabeça de tigre no meu colo, observando-o dormir. 
Acariciava-lhe o pelo branco e sentia seu peito subir e descer Ser tigre 
era parte dele e eu me sentia confortável com isso. Agora, porém, que 
eu finalmente aceitara que ele me amava, sentia-me dominada pelo 
desejo de estar com ele. 

Era frustrante. Eu queria partilhar cada momento com ele. 
Queria ouvir sua voz, sentir sua mão na minha e pousar meu rosto em 
seu peito enquanto ele lia para mim. Estávamos juntos, mas não 
estávamos juntos. Ren passava a maior parte de suas horas como 
humano na faculdade, o que deixava pouco tempo para nosso 
relacionamento. Eu tinha fome dele. Podia falar com ele, as ele não 


podia responder. Rapidamente tornei-me especialista em ler 
expressões de tigres. 

Eu me aconchegava a ele no chão todas as noites e todas as 
noites ele me pegava no colo e me colocava na cama depois que eu 
adormecia. Fazíamos os trabalhos da faculdade juntos, assistíamos a 
filmes, líamos. Terminamos Otelo e passamos a Hamlet. Também 
mantínhamos contato constante com Sr. Kadam. Quando eu atendia 
o telefone, ele conversava comigo sobre a faculdade e Nilima e me 
dizia que eu não me entristecesse com o fato de minha pesquisa sobre 
a prova das quatro casas ter se mostrado inútil. Era educado e me 
perguntava sobre minha família adotiva, e também sempre pedia para 
falar com Ren. 

Eu não estava tentando bisbilhotar, mas era óbvio que alguma 
coisa estava acontecendo quando eles sussurravam e às vezes falavam 
em híndi. De vez em quando eu ouvia termos estranhos: Yggdrasil, 
pedra do umbigo e montanha de Noé. Depois que Ren desligava eu 
perguntava sobre o que estavam conversando, mas ele apenas sorria e 
me dizia que não me preocupasse, que estavam apenas discutindo 
negócios ou numa teleconferência com outras ressoas que só falavam 
híndi. Eu me lembrava do e-mail do Sr. Kadam sobre documentos e 
suspeitava que Ren estivesse escondendo alguma coisa, mas depois 
ele agia de forma tão natural e se mostrava tão genuinamente feliz 
por estar comigo que eu acabava esquecendo minhas preocupações, 
pelo menos até o telefonema seguinte. 

Ren começou a escrever breves poemas e bilhetes e a colocá-
los em minha bolsa para que eu os encontrasse durante as aulas. 
Alguns eram poemas famosos e outros eram de sua autoria. Eu os 
colava em meu diário e levava comigo o tempo todo uma cópia dos 
meus dois prediletos. 

Você sabe que está apaixonado 

quando vê o mundo nos olhos dela 


e os olhos dela em todos os cantos do mundo 

David Levesque 



Se um rei tivesse uma pérola inestimável 

Uma joia que amasse acima de tudo 

Ele a guardaria num esconderijo 

Tirando-a de vista 

Temendo que outros a roubassem? 

Ou a exibiria, orgulhoso, 

Engastada num anel ou numa coroa 

De modo que o mundo lhe admirasse a beleza 

E visse a riqueza que ela trazia à sua vida? 

Você é a minha pérola inestimável. 

Ren 



Ler seus pensamentos e sentimentos mais íntimos quase 
compensava a limitação de nosso tempo juntos. Quase. 

Um dia, depois da aula de história da arte, Ren me 
surpreendeu aparecendo por trás de mim. 

— Como você sabia onde era a minha aula? 

— Saí cedo hoje e segui seu rastro. Fácil como rastrear uma 
torta de pêssego com chantili, que você prometeu fazer para mim 
mais tarde. Não me esqueci disso. 

Ri e seguimos na direção do oratório de idiomas para devolver 
um vídeo. 


Atrás da mesa no laboratório estava Artie. 

— Oi, Artie. Quero devolver um vídeo. 

Ele empurrou os óculos nariz acima. 

— Ah, sim. Eu já tinha me perguntado por esse vídeo. Está 
muito atrasado. 

— É. Eu peço desculpas. 

Ele o deslizou para um espaço vago, que imaginei que ele 
vinha observando havia semanas, enquanto ia enlouquecendo aos 
poucos. 

— Ainda bem que você teve a integridade de devolvê-lo afinal. 

— Certo. Eu tenho muita integridade. Até mais, Artie. 

— Espere, Kelsey. Você não retornou minhas ligações, então 
imagino sua secretária eletrônica não esteja funcionando. Vai ser 
difícil encaixar você, mas acho que estou disponível na próxima 
quarta. 

Ele apanhou o lápis e a agenda e já estava escrevendo meu 
nome. Como ele podia ignorar o homem enorme atrás de mim? 

— Olhe, Artie, estou saindo com outra pessoa agora. 

— Acho que não pensou nisso com clareza, Kelsey. Nosso 
encontro foi muito especial e senti uma conexão verdadeira com você. 
Tenho certeza de que, se reconsiderasse, veria que devia estar saindo 
era comigo. — Ele lançou um rápido olhar para Ren. — Eu sou 
obviamente a melhor opção. 

— Artie! — exclamei, exasperada. 

Ele empurrou os óculos novamente para cima e me olhou, 
tentando me convencer com os olhos a ceder. 


Nesse momento, Ren se interpôs entre nós dois. Artie, 
relutante, afastou os olhos de mim e olhou para Ren com antipatia. 
Os dois homens formavam um contraste tão gritante que eu não 
podia deixar de compará-los. Enquanto Artie era flácido, cheio de 
papadas e barrigudo, Ren era esguio e com peito e braços musculosos. 
E, tendo visto Ren sem camisa, eu também podia garantir que ele 
tinha músculos abdominais fantasticamente esculpidos. Poderia 
esmagar Artie no chão sem qualquer esforço. 

Artie era branco e pálido e tinha braços peludos, nariz 
vermelho e olhos lacrimosos. Ren era capaz de parar o trânsito. E 
tinha feito isso. Literalmente. Ele era um Adônis renascido em bronze 
dourado. Frequentemente eu via garotas tropeçarem na calçada e 
darem de cara com árvores quando ele passava. Nenhuma dessas 
qualidades intimidava Artie. Ele tinha uma autoconfiança 
extraordinária e se manteve firme, inabalado pela aparência 
impressionante de Ren. 

— E quem seria você? — perguntou Artie, com sua voz 
anasalada. 

— Sou o homem com quem Kelsey está saindo. 

A expressão de Artie era de incredulidade. Ele me olhou por 
trás de Ren e disse com sarcasmo: 

— Você prefere sair com esse bárbaro que comigo? Talvez eu 
tenha julgado o seu caráter. Está claro que você faz escolhas 
questionáveis baseadas puramente em impulsos lascivos. Pensei que 
fosse de um calibre moral mais alto, Kelsey. 

— Escute aqui, Art... — comecei. 

Ren se aproximou o rosto do de Artie e ameaçou em voz baixa: 

— Nunca mais a insulte. A garota deixou sua posição clara. Se 
algum dia eu souber que você voltou a persegui-la ou a alguma outra 
garota, voltarei e tornarei sua vida muito desconfortável. 


Ele espetou o dedo na agenda de Artie. 

— Talvez seja melhor você escrever isso para não esquecer 
Faça uma anotação para si mesmo lembrando também que Kelsey 
nunca mais estará disponível. Nunca mais. 

Eu jamais vira Ren dessa perspectiva. Ele podia ser letal. Se eu 
fosse Artie, estaria tremendo de medo. Mas, como sempre, Artie 
estava alheio a tudo que não fosse ele mesmo. E não viu o predador 
perigoso espreitando por trás dos olhos de Ren. As narinas de Ren 
pareciam dilatadas. Seus olhos estavam fixos no alvo e seus músculos, 
retesados. Ele estava prestes a atacar. A destroçar. A matar. 

Pousei a mão em seu braço e a mudança foi instantânea. Ele 
deixou escapar um suspiro tenso, relaxou a postura e cobriu minha 
mão com a sua. 

Apertei seus dedos. 

— Venha. Vamos embora. 

Ele abriu a porta do carro para mim e, depois de verificar que o 
cinto estava afivelado, inclinou-se e perguntou: 

— Que tal um beijo? 

— Não. Você não precisava ter sido tão ciumento. Não merece 
nenhum beijo depois disso. 

— Ah, mas você merece. 

Ele sorriu e me beijou até que eu mudasse de ideia. 

Ren se manteve quieto durante o trajeto até em casa. 

— O que você está pensando? — perguntei. 

— Estou pensando que talvez eu devesse comprar uma 
gravata-borboleta e um pulôver de lã, já que você parece gostar tanto 
deles. 


Eu ri e dei um soco em seu braço. 

Mais tarde naquela semana vi Ren conversando com uma 
bonita garota indiana. Ele estava sério e parecia um pouco 
perturbado. Eu me perguntava quem seria aquela garota, quando 
senti alguém pôr a mão em meu ombro. Era Jason. 

— Oi, Kelsey. — Ele se sentou ao meu lado no degrau e seguiu 
meu olhar. — Problemas no paraíso, hein? 

Eu ri. 

— Não. E aí? O que você tem feito? 

— Pouca coisa — replicou ele, revirando a mochila e me 
entregando uma revista de teatro. — Fique com uma cópia daquele 
artigo. O que tem uma foto sua. 

Na capa da revista havia uma foto de Jason comigo, de pé ao 
lado do carro. Minha mão estava no braço da senhora enquanto ela 
me agradecia. Eu estava horrível. Como se tivesse sido atropelada. 

Jason se levantou de repente. 

— É... pode ficar com ela, Kelsey. Falo com você mais tarde — 
disse ele por sobre o ombro quando Ren se aproximava. 

Ren ficou olhando Jason se afastar. 

— O que ele queria? 

— Engraçado, eu ia lhe fazer a mesma pergunta. Quem é a 
garota? 

Ele mudou de posição, pouco à vontade. 

— Venha. Vamos conversar sobre isso no carro. 

Depois que deixamos o estacionamento, cruzei os braços e 
perguntei: 

— Quem é ela? 


Ele se assustou com o meu tom. 

— O nome dela é Amara. 

Esperei, mas ele não acrescentou mais nada. 

— E... o que ela queria? 

— O número do telefone dos meus pais... para que os pais dela 
pudessem ligar para os meus. 

—Para quê? 

— Para combinar o casamento. 

Meu queixo despencou. 

— Você está falando sério? 

Ren sorriu. 

— Está com ciúme, Kelsey? 

— É claro que estou. Você é meu! 

Ele beijou meus dedos. 

— Gosto que você tenha ciúme. Eu disse a ela que já estava 
comprometido, anão não se preocupe, minha prema. 

— Isso é muito esquisito, Ren. Como ela pode querer propor 
casamento se vocês nem sequer se conhecem? 

— Ela não propôs casamento exatamente; propôs a ideia de 
casamento em geral são os pais que cuidam disso, mas, nos Estados 
Unidos, as coisas mudaram um pouco. Agora a situação é mais ou 
menos assim: os pais selecionam potenciais parceiros e os filhos 
fazem sua escolha. 

— Bem, você já passou por isso. Foi prometido a Yesubai. Você 
queria se casar com ela? Seus pais a escolheram para você, certo? 

Ele hesitou e falou com cuidado. 


— Eu... aceitei o arranjo. Estava ansioso para ter uma esposa. 
Esperava ter um casamento feliz, como o dos meus pais. 

— Mas você a teria escolhido para esposa? 

— Não era uma escolha minha. — Ele sorriu, tentando me 
apaziguar. — Mas, se isso a faz se sentir melhor, eu escolhi você, 
embora não estivesse procurando ninguém. 

Eu ainda não queria deixar o assunto de lado. 

— Então você teria ido até o fim, embora não soubesse nada 
sobre ela? 

Ele suspirou. 

— O casamento era e ainda é diferente na cultura indiana. 
Quando você se casa, tenta deixar seus pais felizes com alguém que 
tenha a mesma formação cultural que você e que adote e mantenha as 
tradições e os costumes importantes para sua família. São muitos os 
fatores a se considerar, como educação, riqueza, casta, religião e local 
de origem. 

— Então é como selecionar candidatos para a faculdade? Será 
que eu teria sido aprovada? 

Ele riu. 

— É difícil dizer. Alguns pais acreditam que namorar um 
estrangeiro desonra você para sempre. 

— Quer dizer que o simples fato de namorar uma garota 
americana o desonra? O que seus pais teriam dito sobre nós? 

— Meus pais viveram numa época muito diferente. 

— Ainda assim... eles não aprovariam. 

— O Sr. Kadam é como um pai, de certa forma, e ele aprova 
você. 


Deixei escapar um gemido. 

— Não é a mesma coisa. 

— Kelsey, meu pai amava minha mãe e ela não era indiana. 
Eles vinham de culturas diferentes e tiveram que fundir tradições 
divergentes. Mesmo assim, foram felizes. Se havia alguém naquela 
época capaz de nos entender... eram eles. E os seus pais? Eles teriam 
gostado de mim? 

— Minha mãe teria adorado você. Ela iria fazer biscoitos de 
chocolate e manteiga de amendoim toda semana para o genro 
querido e dar risadinhas todas as vezes que o visse, como Sarah faz. 
Meu pai nunca achou que homem algum seria bom o bastante para 
mim. Ele teria dificuldade em me deixar partir, mas também acabaria 
gostando de você. 

Entramos na garagem e eu tive uma súbita visão de nós quatro 
sentados na biblioteca dos meus pais, conversando sobre nossos livros 
favoritos. Sim, eles teriam aprovado Ren com entusiasmo. 

Sorri por um instante e então franzi a testa. 

— Não me agrada a ideia de que haja outras garotas atrás 
de você. 

— Agora você sabe como eu me senti. Por falar nisso, o 
que Jason queria com você? 

— Ah. Ele me deu isto aqui. 

Entreguei-lhe o artigo quando entrávamos em casa. Ren se 
sentou e o leu em silêncio enquanto eu preparava um lanche para 
nós. Depois apareceu na cozinha com uma expressão preocupada no 
rosto. 

— Kelsey, quando essa foto foi tirada? 

— Há cerca de um mês. Por quê? Algum problema? 


— Talvez não. Preciso ligar para Kadam. 

Ele pegou o telefone e começou a falar em hindi. Sentei-me no 
sofá, segurando sua mão. Ele falava rápido e parecia muito 
preocupado. A última coisa que disse antes de desligar foi algo a 
respeito de Kishan. 

— Ren, me conte. O que está acontecendo? 

— Seu nome e sua foto estão nesta revista. É uma publicação 
pouco importante, então talvez tenhamos sorte. 

— Do que você está falando? 

— Tememos que Lokesh possa rastreá-la até aqui. 

— Ah. Mas isso não é difícil. Tenho matrícula na faculdade e 
carteira de motorista — respondi, confusa. 

— Alteramos tudo. O Sr. Kadam tem seus contatos. Ele 
providenciou para que seus registros não combinem nome e foto. 
Você acha mesmo que ele podia providenciar um passaporte em uma 
semana para que você fosse para Índia no verão passado? 

— Não tinha pensado nisso. — Minha mente disparava com a 
nova informação e a visão que tivera na Índia do feiticeiro ávido por 
poder voltou à minha memória. De repente, preocupada, eu disse: — 
Mas, Ren, estou matriculada na faculdade com o meu nome e existem 
registros sobre mim no sistema de adoção que poderiam levar a Sarah 
e Mike. E se ele os encontrar? 

— O Sr. Kadam alterou esses dados também. Os registros do 
estado oficialmente dizem que você foi emancipada aos 15 anos e 
todas as suas faturas vão para uma conta oculta. Até a minha carteira 
de motorista é falsa e estou registrado com um nome diferente. 
Kelsey Hayes oficialmente frequenta a Western Oregon, mas sua foto 
foi trocada de forma que ele não possa identificá-la. Não deixamos 
nenhum registro do seu nome ligado à sua foto. Esses eram os 


documentos mencionados no e-mail que você viu no meu 
computador. 

— E quanto ao meu anuário da escola do ensino médio? 

— Cuidamos disso também. Apagamos você dos registros 
oficiais. Se alguém entrasse em contato com um antigo colega seu 
com um anuário nas mãos poderia identificá-la, mas as 
probabilidades de isso acontecer são pequenas. Teriam que verificar 
cada escola do país, supondo-se que saibam em que país procurar. 

— Então você acha que esse artigo significa.. 

— Que existe um registro pelo qual ele pode encontrá-la. 

— Por que vocês dois não me contaram tudo isso antes? 

— Não queríamos preocupá-la desnecessariamente. Nosso 
desejo era que levasse uma vida tão normal quanto possível. 

— E agora? O que vamos fazer? 

— Se tudo correr bem, vamos terminar o período, mas, por via 
das dúvidas, mandei buscar Kishan. 

— Kishan está vindo para cá? 

— Ele é um bom caçador e pode me ajudar a ficar de olho nas 
coisas. E também teria menos distrações que eu. 

—Ah. 

Ren me puxou para ele e massageou minhas costas. 

— Não vou deixar que nada aconteça a você. Prometo. 

— Mas e se alguma coisa acontecer a você? O que eu 
posso fazer para ajudar? 

— Kishan vai me dar cobertura para que eu possa cuidar de você.

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