terça-feira, 1 de abril de 2014

Capítulo 4

America me ama. America me ama. America me ama.
Eu precisava encontrá-la a sós. Daria um pouco de trabalho, mas eu conseguiria.
Na manhã seguinte, me aprontei horas antes de meu turno começar. Conferi todo o
posicionamento dos guardas, os turnos da limpeza, os horários das refeições da família real, dos
soldados e dos funcionários. Estudei aqueles dados até que tudo se juntou na minha cabeça e eu pude
ver as lacunas na segurança. Às vezes me perguntava se outros guardas também faziam isso ou se só
eu prestava tanta atenção.
Em todo caso, eu tinha um plano. Só precisava avisar America.
Meu posto naquela manhã era no gabinete do rei, onde eu tinha a missão incrivelmente tediosa de
guardar sua porta. Eu gostava mais de fazer as rondas, ou pelo menos ficar em uma parte mais aberta
do palácio. Para ser sincero, preferia qualquer lugar longe do olhar frio do rei Clarkson.
Observei Maxon tentando trabalhar. Ele parecia distraído naquele dia, sentado em sua mesinha que
aparentava ter sido um acréscimo de última hora à sala. Não pude deixar de considerá-lo um idiota
por ser tão descuidado com America.
No meio da manhã, Smiths, um soldado antigo do palácio, irrompeu pela porta. Ele se apressou
até o rei e fez uma breve reverência.
— Majestade, duas garotas da Elite, senhorita Newsome e senhorita Singer, acabam de brigar.
Todos na sala pararam para encarar o rei.
Ele suspirou.
— Gritando como loucas mais uma vez?
— Não senhor. Elas estão na ala hospitalar. Houve um pouco de sangue.
O rei Clarkson encarou Maxon.
— Sem dúvida a Cinco é responsável por isso. Só pode ser brincadeira sua mantê-la aqui.
Maxon levantou e disse:
— Pai, todas estão com os nervos à flor da pele depois de ontem. Tenho certeza de que estão
tendo dificuldade para processar o que aconteceu.
O rei apontou o dedo na cara do filho.
— Se foi ela quem começou, está fora. Você sabe disso.
— E se foi Celeste? — ele rebateu.
— Duvido que uma moça de calibre tão alto se rebaixaria tanto sem ser provocada.
— Ainda assim, o senhor a dispensaria? — Maxon disparou.
— Não foi culpa dela.
— Vou descobrir o que aconteceu. Tenho certeza de que não foi nada de mais.
Minha mente começou a girar. Eu não conseguia entender. Era óbvio que ele não tratava America
como ela merecia, então por que estava tão determinado a mantê-la ali? E, se ele falhasse em provar
que a culpa não tinha sido dela, eu ainda teria tempo para vê-la antes de partir?
Os rumores corriam depressa pelo palácio. Quase de imediato, fiquei sabendo que Celeste
provocou, mas Meri deu o primeiro soco. Juro, queria dar uma medalha à minha garota. Ambas
continuariam na competição — aparentemente suas ações se anulavam entre si —, mas parecia que
America não tinha ficado animada com a ideia.
Ouvir essas palavras fez meu coração ter ainda mais certeza de que a tinha reconquistado.
Corri para o meu quarto e tentei resolver tudo nos poucos minutos de que dispunha. Rabisquei
um bilhete que fosse o mais claro e breve possível. Então segui para o segundo andar e fiquei
esperando as criadas de America saírem para comer. Quando entrei em seu quarto, fiquei em dúvida
sobre onde deixar o bilhete, mas na verdade havia apenas um lugar onde colocá-lo. Só esperava que
ela visse.
Enquanto voltava pelo corredor principal, o destino sorriu para mim. America não parecia sangrar,
então fora Celeste quem saiu ferida. Quando ela se aproximou, consegui distinguir um pequeno
inchaço em sua cabeça, quase totalmente oculto sob seus cabelos. Apesar disso, vi o entusiasmo em
seus olhos no segundo em que ela me notou.
Deus, como eu desejava apenas sentar com ela. Respirei fundo. O autocontrole daquele momento
seria recompensado pela privacidade mais tarde.
Parei quando ela chegou perto e fiz uma reverência.
— Jarro.
Me endireitei e saí, mas sabia que ela tinha entendido. Após pensar por um instante, ela quase
correu pelo corredor sem olhar para trás.
Sorri, feliz em ver a vida retornar a ela. Aquela era a minha garota.
— Morto? — perguntou o rei. — Pelas mãos de quem?
— Não sabemos ao certo, Majestade. Mas não esperávamos menos dos simpatizantes que foram
rebaixados de casta — o conselheiro respondeu.
Ao entrar discretamente para apanhar a correspondência, logo me dei conta de que ele falava da
população de Bonita. Mais de trezentas famílias tinham perdido ao menos uma casta por suspeita de
apoio aos rebeldes. Aparentemente, não aceitaram a decisão sem lutar.
O rei Clarkson balançou a cabeça antes de, de repente, dar um soco na mesa. Levei um susto,
como todos na sala.
— Essas pessoas não veem o que estão fazendo? Destruindo tudo que trabalhamos para construir, e
para quê? Para defenderem uma causa correndo o risco de fracassar? Ofereci segurança a eles.
Ofereci ordem. E eles se rebelam!
Claro que um homem que tinha tudo o que poderia querer ou precisar não entendia por que uma
pessoa comum gostaria de ter as mesmas oportunidades.
Quando fui recrutado, fiquei ao mesmo tempo animado e aterrorizado. Sabia que muitos
consideravam o recrutamento uma sentença de morte. Mas pelo menos meu futuro seria mais
emocionante do que os serviços burocráticos e domésticos que eu encararia se permanecesse em
Carolina. Além do mais, minha vida já não era mais a mesma depois da partida de America.
O rei levantou e começou a andar de um lado para o outro.
— Essas pessoas precisam ser detidas. Quem governa Bonita agora?
— Lamay. Ele decidiu realocar a família dele por enquanto e começou a preparar o funeral do exgovernador
Sharpe. Parece orgulhoso com seu novo cargo, apesar dos obstáculos.
O rei ergueu a mão.
— Aí está. Um homem que aceita seu fardo e cumpre seu dever visando o bem comum. Por que
todos não são assim?
Cheguei perto do rei para pegar as cartas. Ele ainda falava:
— Mande Lamay eliminar qualquer suspeito do assassinato imediatamente. Mesmo se ele errar o
alvo, o aviso estará dado. E precisamos recompensar quem repassar informações. Precisamos ter
algumas pessoas do sul em nossas mãos.
Dei meia-volta rapidamente, desejando não ter ouvido aquilo. Eu não apoiava os rebeldes. Quase
sempre eram assassinos. Mas as atitudes do rei nada tinham a ver com justiça.
— Você aí. Pare.
Olhei para trás sem ter certeza se o rei tinha falado comigo. Tinha, e observei enquanto ele
escrevia um bilhete.
— Leve isto ao correio. Os rapazes de lá têm o endereço certo.
O rei atirou o bilhete de qualquer jeito na pilha em meus braços, como se não possuísse nenhum
valor. Continuei ali, imóvel, com dificuldade de sustentar todo aquele peso.
— Pode ir — ele ordenou enfim. Como sempre, obedeci.
Com muito esforço, levei o monte de cartas até o correio.
Isto não é da sua conta, Aspen. Você está aqui para proteger a monarquia. E isto protege a monarquia.
Concentre-se em America. O mundo ao seu redor pode ir para o inferno. O importante é ter America.
Endireitei-me e fiz o que devia.
— E aí, Charlie?
Ele assoviava enquanto recebia a pilha de cartas.
— Dia cheio hoje.
— Parece que sim. Hum, esta carta… O rei não tinha o endereço à mão mas disse que você teria
— falei, apontando para a carta dirigida a Lamay no topo.
Charlie desdobrou o papel para ver qual era o destinatário e a leu rapidamente. Ao terminar,
parecia consternado. Ele olhou para os lados antes de levantar os olhos para mim e perguntar em voz
baixa:
— Você leu isto?
Neguei com a cabeça. Engoli em seco, me sentindo culpado por não admitir que já conhecia o
conteúdo da carta. Talvez eu pudesse ter evitado, mas estava apenas cumprindo meu dever.
— Humm — Charlie murmurou enquanto girava em sua cadeira. Acabou batendo em uma pilha
de cartas já separadas.
— Qual é, Charles?! — Mertin reclamou. — Levei três horas para separar isso!
— Desculpe. Vou arrumar. Bom, Leger, duas coisas.
Ele pegou um envelope solitário e me entregou.
— Primeiro: isto chegou para você.
Reconheci imediatamente a letra da minha mãe.
— Obrigado — eu disse, apertando o papel nas mãos, desesperado por notícias.
— Sem problemas — ele respondeu despreocupado. Em seguida, pegou um cesto de arame e
prosseguiu:
— Segundo: você poderia me fazer um favor e levar estes restos de papel para a fornalha? É
melhor ir imediatamente.
— Claro.
Charlie assentiu. Botei minha carta no bolso para poder segurar melhor o cesto.
As fornalhas ficavam próximas ao quartel dos soldados. Chegando lá, coloquei o cesto no chão
antes de abrir a porta cuidadosamente. As brasas estavam meio apagadas, então joguei os papéis aos
poucos para que o ar pudesse entrar.
Se não tivesse sido tão cauteloso, provavelmente não teria percebido a carta para Lamay enfiada no
meio dos envelopes vazios e pedaços de papel com endereços errados.
Charlie, o que você estava pensando?
Parei uns instantes, pensativo. Se eu a levasse de volta, ele saberia que tinha sido pego. Eu queria
que ele soubesse disso? E por acaso queria que ele fosse pego?
Lancei a carta no fogo e observei para ter certeza de que queimaria. Tinha feito o meu trabalho, e
o resto da correspondência seria enviado. Não haveria a quem culpar, e muitas vidas seriam
poupadas.
Já havia mortes suficientes, dor suficiente.
Fui embora e lavei as mãos quanto àquilo. A verdadeira justiça eventualmente chegaria para quem
estivesse certo ou errado naquela situação. Naquele momento, era difícil dizer.
De volta ao meu quarto, abri o envelope, ansioso por notícias de casa. Não gostava que minha mãe
ficasse sem mim. Era reconfortante poder enviar dinheiro a ela, mas sempre me preocupava com a
segurança da família.
Parecia que o sentimento era mútuo.
Sei que você a ama, mas não seja burro.
Claro, ela estava dois passos à minha frente e adivinhava coisas sem precisar de muitas evidências.
Soube sobre America antes de eu contar; sabia quando eu ficava com raiva mesmo que eu não
abrisse a boca. E lá estava ela, do outro lado do país, alertando-me para não fazer algo que tinha
certeza de que eu faria.
Observei o papel. O rei parecia estar no meio de um acesso de maldade, mas eu estava certo de
que conseguiria me manter longe do seu alcance. Minha mãe nunca dava maus conselhos, mas ela
não sabia como eu era bom no meu trabalho. Rasguei a carta e joguei-a na fornalha a caminho do
encontro com America.

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