quarta-feira, 2 de abril de 2014

Capítulo 5

Eu havia planejado tudo nos mínimos detalhes. Se America chegasse nos próximos cinco minutos,
ninguém nos notaria. Sabia que era arriscado, mas não conseguia ficar longe dela. Precisava dela.
A porta rangeu ao abrir, e então se fechou rapidamente.
— Aspen?
Ouvi a voz dela como tantas vezes antes.
— Como nos velhos tempos, hein?
— Onde você está?
Saí de trás da cortina e a ouvi se sobressaltar.
— Você me assustou — ela disse, brincalhona.
— Não foi a primeira vez nem será a última.
America tinha muitas qualidades, mas a discrição não era uma delas. Enquanto tentava chegar até
mim no meio da sala, ela bateu no sofá, em duas mesas de canto e tropeçou na borda de um tapete.
Não queria deixá-la nervosa, mas ela realmente precisava ser mais cuidadosa.
— Shhh! O palácio inteiro vai saber que estamos aqui se você continuar arrastando as coisas desse
jeito — sussurrei, em um tom mais provocativo que preocupado.
Ela riu baixinho.
— Desculpe. Podemos acender a luz?
— Não — respondi, me posicionando melhor em sua direção. — Se alguém notar o brilho
debaixo do vão da porta, podemos ser pegos. Esta sala não é muito vigiada, mas não quero vacilar.
Finalmente ela chegou até mim, e o mundo inteiro ficou melhor no segundo em que toquei sua
pele. Abracei-a por um instante antes de conduzi-la a um canto.
— Aliás, como você sabia deste lugar?
Dei de ombros.
— Eu sou guarda. E sou muito bom no que faço. Conheço todo o palácio, tanto por fora como
por dentro. Cada caminho, cada esconderijo, mesmo os cômodos mais secretos. Por acaso também
conheço as rotas de patrulha, as áreas menos vigiadas e as horas em que há menos guardas no palácio.
Se um dia você quiser espionar o palácio, eu sou o cara para ajudá-la.
Com uma palavra, ela demonstrou seu orgulho e incredulidade:
— Incrível.
Dei-lhe um cutucão de leve, e ela sentou ao meu lado. Os fracos raios da lua mal a iluminavam.
Ela sorriu mas logo ficou séria.
— Você tem certeza de que isso é seguro?
Eu sabia que ela estava lembrando das costas de Woodwork e das mãos de Marlee; que pensava na
vergonha e na perda que enfrentaríamos caso fôssemos descobertos. E isso se tivéssemos sorte. Mas
eu tinha fé na minha capacidade.
— Confie em mim, Meri. Uma série de coisas extraordinárias teria que acontecer para que nos
encontrassem aqui. Estamos seguros.
A dúvida não saiu de seus olhos, mas quando a envolvi com meu braço, ela se recostou em mim,
precisando daquele momento tanto quanto eu.
— Como vão as coisas? — Foi bom poder fazer essa pergunta, afinal.
O suspiro forte que ela soltou me pegou de surpresa.
— Tudo bem, acho. Muita tristeza, muita raiva.
Sem perceber, sua mão tinha ido parar instintivamente sobre um ponto da minha perna logo acima
do joelho — o lugar exato em que ela brincava com o furo da minha calça jeans. Ela prosseguiu:
— Meu maior desejo é apagar os últimos dois dias e trazer Marlee de volta. Carter também,
embora nem o conhecesse.
— Eu o conhecia. Grande cara.
A imagem de sua família passou pela minha cabeça. Me perguntei como estariam sobrevivendo
sem seu provedor.
— Parece — continuei — que ele disse a Marlee o tempo todo que a amava e tentou ajudá-la a
suportar aquela tortura.
— É verdade. Pelo menos no começo. Fui tirada de lá antes de terminar.
Sorri e beijei-lhe a testa.
— É, ouvi falar sobre isso também.
Um segundo depois de dizer isso, me perguntei por que eu não dissera que tinha visto tudo
acontecer. Eu já sabia o que ela tinha feito antes de os funcionários começarem a cochichar sobre o
assunto. Parecia, contudo, que eu guardara o ocorrido dessa forma: através da surpresa e, geralmente,
admiração dos outros.
— Estou orgulhoso de você por não ter saído de lá sem brigar. É a minha garota — concluí.
Ela se aconchegou ainda mais em mim.
— Meu pai também estava orgulhoso. A rainha disse que eu não devia agir daquele modo, mas
que estava feliz por mim. Confuso. Como se quase tivesse sido uma boa ideia, mas não. E, no final,
não mudou nada.
Abracei-a forte. Não queria que America duvidasse daquilo que era tão natural nela.
— Foi uma boa ideia. Significou muito para mim.
— Para você?
Era estranho admitir minhas preocupações, mas ela precisava saber.
— De vez em quando, fico pensando sobre como a Seleção fez você mudar. Você está rodeada de
cuidados, e tudo é tão maravilhoso. Pergunto-me se você é a mesma America. Sua atitude me
mostrou que você é, que eles ainda não ganharam você.
— Ah, eles já me ganharam, mas não a esse ponto — ela disparou, com a voz firme. — Na maior
parte do tempo, este lugar me lembra de que não nasci para isso.
Então sua raiva se transformou em tristeza. Ela se virou para mim e enterrou a cabeça em meu
peito, como se fosse capaz de, com um pouco mais de esforço, esconder-se sob minhas costelas. Eu
queria mantê-la em meus braços, tão próxima do meu coração que ela seria praticamente parte dele.
Queria espantar toda a dor que viesse em sua direção.
— Ouça, Meri — comecei, sabendo que para chegar às coisas boas é preciso passar pelas ruins —,
em relação a Maxon, ele é um ator. Sempre com a expressão perfeita, como se estivesse acima do
bem e do mal. Mas ele é só uma pessoa, e tem problemas como todo mundo. Sei que você se
preocupa com ele, ou não estaria aqui. Mas você precisa saber que não é real.
Ela assentiu, e tive a sensação de que aquilo não era uma novidade completa para ela, como se
uma parte dela sempre tivesse esperado por isso.
— É melhor você saber agora. E se você descobrisse depois do casamento que as coisas são assim?
— Eu sei — ela murmurou. — Andei pensando nisso.
Tentei não ligar para o fato de que ela já tinha imaginado uma vida casada com Maxon. Era parte
da experiência. Cedo ou tarde, ela pensaria nisso. Mas era passado.
— Você tem um coração grande, Meri. Eu sei que você não consegue simplesmente deixar as
coisas para trás. Mas não há nada de errado em desejar. É isso.
Ela ficou quieta, refletindo sobre minhas palavras.
— Me sinto tão idiota.
— Você não é idiota — discordei.
— Sou sim.
Precisava fazê-la rir.
— Meri, você me acha inteligente?
— Claro — ela respondeu, num tom de voz mais suave.
— É porque eu sou. Na verdade, sou inteligente demais para amar uma menina idiota. Então trate
de parar com isso agora.
Ela deu uma risada tão baixa quanto um sussurro, mas suficiente para atravessar a tristeza. Eu
mesmo já sofrera muito por causa da Seleção, e agora precisava compreender melhor o sofrimento
dela. Ela não tinha pedido para participar do sorteio. Eu tinha. A culpa era minha.
Quis me explicar uma porção de vezes, implorar pelo perdão que ela já me dera. Eu não merecia.
Talvez agora. Talvez aquele fosse o momento em que eu finalmente poderia me desculpar.
— Sinto que magoei tanto você — ela falou, a voz carregada de vergonha. — Não entendo como
você ainda pode me amar.
Respirei fundo. America agia como se ela precisasse de perdão, quando claramente era o contrário.
Não sabia como explicar. Não existiam palavras grandes o suficiente para conter o que eu sentia
por ela. Nem mesmo eu conseguia entender tudo aquilo.
— As coisas são assim. O céu é azul, o sol é quente, e Aspen ama America para sempre. O mundo
foi feito para ser assim.
Senti sua bochecha se mexer em meu peito, abrindo um sorriso. Se não conseguisse pedir
desculpas, talvez pudesse ao menos deixar claro que aqueles últimos minutos na casa da árvore
tinham sido um erro. Continuei:
— De verdade, Meri, você é a única garota que desejei na vida. Não posso imaginá-la com outra
pessoa. Tentei me preparar para isso, caso acontecesse, e… não consegui.
Quando faltaram palavras, nossos corpos falaram. Nada de beijos, apenas abraços silenciosos; eles
eram tudo de que precisávamos. Senti tudo o que sentira em Carolina, e tive a certeza de que
podíamos voltar a ser como antes. Talvez até mais.
— Não podemos ficar muito tempo mais aqui — avisei, desejando que não fosse verdade. —
Confio muito na minha habilidade, mas não quero forçar.
Ela se levantou, contrariada. Puxei-a para um último abraço, na esperança de que ele fosse
suficiente para me sustentar até que pudesse vê-la novamente. Ela me apertou com força, como se
estivesse com medo de me deixar ir. Eu sabia que os próximos dias seriam difíceis para ela, mas
independente do que acontecesse, eu estaria ao seu lado.
— Sei que é difícil de acreditar, mas sinto muito por Maxon ter se mostrado tão ruim. Queria você de volta, mas não queria vê-la magoada. Principalmente, não desse jeito.
— Obrigada — ela resmungou.
— É sério.
— Eu sei — ela disse, hesitante. — Ainda não acabou. Não enquanto eu estiver aqui.
— É, mas eu conheço minha garota. Você vai continuar para que sua família receba o dinheiro e a
gente possa se ver. Só que Maxon só teria uma chance se pudesse voltar no tempo.
Apoiei o queixo sobre sua cabeça e a mantive perto de mim o máximo que pude.
— Não se preocupe, Meri. Tomarei conta de você.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens

Não dê spoiller!
Deixem comentários e incentive a dona do blog a continuar postando! Façam pedidos!