quarta-feira, 2 de abril de 2014

Capítulo 6

Tinha a vaga sensação de estar sonhando. America estava do outro lado do salão, amarrada a um
trono. Maxon apoiava a mão em seu ombro e tentava subjugá-la. Os olhos dela, cheios de
preocupação, estavam cravados nos meus, e ela lutava para tentar chegar até mim. O olhar dele era
ameaçador; Maxon parecia muito com o pai naquele momento.
Eu sabia que precisava chegar até ela e desamarrá-la para fugirmos. Mas não conseguia me mexer.
Eu também estava amarrado, a uma estrutura igual à de Woodwork. O medo percorreu minha
espinha, um medo frio e paralisante. Não importava o quanto tentássemos, jamais seríamos capazes
de salvar um ao outro.
Maxon caminhou até uma almofada e pegou uma coroa sofisticada para colocar na cabeça de
America. Embora seu olhar estivesse desconfiado, ela não lutou quando ele a pousou sobre seus
cabelos ruivos e brilhantes. Só que a coroa não ficava parada. Escorregava vez após vez.
Inabalável, Maxon tirou do bolso algo similar a um gancho com duas pontas. Ele ajeitou a coroa e
a fixou com o gancho na cabeça de America. Assim que o grampo penetrou, senti duas facadas
intensas nas costas e gritei de dor. Esperei pelo sangue, mas ele não veio.
Em vez disso, observei o sangue brotar dos grampos na cabeça de America, misturando-se com o
vermelho de seus cabelos e grudando em sua pele. Maxon sorria enquanto prendia grampo após
grampo. Eu gritava cada vez que um deles rasgava a pele de America. Horrorizado, assistia o sangue
jorrar de debaixo da coroa e afogá-la.
Acordei de repente. Havia meses que não tinha um pesadelo desses, e nunca tivera um com
America. Sequei o suor da testa, lembrando a mim mesmo que aquilo não era real. Ainda assim, a
dor dos grampos ecoava em minha pele e eu me sentia tonto.
Imediatamente, meus pensamentos foram a Woodwork e Marlee. No meu sonho, eu teria
assumido toda a dor se isso poupasse o sofrimento de America. Será que Woodwork sentira o
mesmo? Será que desejara ser castigado duas vezes para poupar Marlee?
— Tudo certo, Leger? — Avery perguntou.
O quarto ainda estava escuro; ele devia ter escutado minha agitação.
— Sim, desculpe. Foi um pesadelo.
— Tudo bem. Também não estou conseguindo dormir direito.
Me virei para ele, apesar de não conseguir enxergar nada. Apenas militares de alta patente tinham
quartos com janelas.
— O que houve? — perguntei.
— Não sei. Podemos conversar um pouco?
— Claro.
Avery sempre fora um ótimo amigo. O mínimo que eu podia fazer era ceder a ele alguns minutos
do meu sono.
Escutei-o sentar, ponderando o que diria.
— Andei pensando sobre Woodwork e Marlee. E sobre a senhorita America — começou.
— Sobre o quê, especificamente? — perguntei, me sentando também.
— No começo, quando vi a senhorita America correr para Marlee, fiquei com raiva. Por acaso ela
era burra? Woodwork e Marlee haviam cometido um erro e precisavam pagar por isso. O rei e o
príncipe Maxon tinham que manter o controle, certo?
— Certo.
— Mas então as criadas e os mordomos começaram a falar sobre o assunto e de certa forma elogiar
a senhorita America. Aquilo não fez sentido para mim, porque eu achava que ela tinha agido errado.
Só que, bem, eles estão aqui há muito mais tempo do que nós. Devem ter visto muito mais coisas.
Talvez saibam de algo. E se sabem, e consideram que a senhorita America tinha razão para fazer o
que fez… então o que eu não sei?
Entrávamos em terreno perigoso. Avery, contudo, era meu amigo — o melhor que já tivera.
Confiaria minha vida a ele, e o palácio era um lugar onde um aliado podia ser muito útil.
— É uma ótima pergunta. Faz a gente pensar.
— Exatamente. É como quando estou de guarda no gabinete do rei. O príncipe está lá
trabalhando, aí sai para fazer alguma coisa. O rei Clarkson então pega o trabalho do príncipe e desfaz
metade. Por quê? Será que não podia ao menos explicar para o filho? Eu achava que ele o estivesse
treinando.
— Não sei. Controle?
Assim que pronunciei a palavra, me dei conta de que era uma explicação verdadeira, ao menos em
parte. Às vezes suspeitava que Maxon não sabia completamente o que se passava. Continuei:
— Talvez Maxon não seja tão competente quanto o rei acha que deveria ser a essa altura.
— E se o príncipe for mais competente e o rei não gostar?
Contive o riso.
— Difícil acreditar. Maxon parece distraído o tempo todo.
— Hum… — Avery se mexia na escuridão. — Talvez você esteja certo. Parece que as pessoas
julgam Maxon diferente do rei. E falam da senhorita America como se a considerassem a futura
princesa, caso pudessem escolher. Se ela é desobediente, talvez o príncipe Maxon também seja, não?
Os questionamentos de Avery levantavam hipóteses que eu não queria admitir. Será que Maxon
estava contra o pai? Se sim, será que também estava contra a coroa e tudo o que ela representava?
Nunca fui fã da monarquia, e acho que não seria capaz de odiar pra valer alguém que a combatesse.
Meu amor por America, por outro lado, era maior do que qualquer outra coisa. E como Maxon
estava entre mim e esse amor, nada do que ele dissesse ou fizesse seria capaz de torná-lo uma pessoa
decente aos meus olhos.
— Não sei — respondi honestamente. — Ele não evitou o que aconteceu com Woodwork.
— É, mas isso não quer dizer que tenha compactuado — Avery disse, já bocejando. — É o que eu
acho. Somos treinados para observar todos que chegam ao palácio e procurar segundas intenções.
Talvez devêssemos fazer o mesmo com as pessoas que já estão aqui.
Achei graça.
— Acho que você está certo — reconheci.
— Claro que estou. Sou o cérebro de toda essa operação — ele falou, ajeitando os cobertores e
deitando novamente.
— Então é hora de dormir, cabeção. Precisaremos da sua inteligência amanhã — brinquei.
— É para já.
Ele ficou em silêncio talvez por um minuto antes de abrir a boca novamente:
— Ei, obrigado por ouvir.
— Quando quiser. Não é para isso que servem os amigos?
— É — ele concordou no meio de outro bocejo. — Sinto falta de Woodwork.
Suspirei.
— Eu sei. Também sinto.

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