quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Os Karas



O grupo, criado como uma brincadeira por Miguel - agora com seu mais novo integrante, Chumbinho - acaba se envolvendo em um perigoso enredo com a droga da obediência, uma droga maléfica que faz com que qualquer um que a experimente seja " fiel como um cãozinho".
Lute junto com Miguel, o "capitão do time"; Calú, o grande ator dos Karas; Crânio, o cérebro do grupo; Chumbinho, o mais recente dos Karas (que entrou no grupo forçadamente depois de ter descoberto o esconderijo); todos os incríveis códigos secretos dos Karas; Magrí, uma ginasta e única menina do grupo, contra o misterioso doutor Q.I. e sua poderosa droga. O mundo depende dos Karas.


A Droga da Obediência



O grupo, criado como uma brincadeira por Miguel - agora com seu mais novo integrante, Chumbinho - acaba se envolvendo em um perigoso enredo com a droga da obediência, uma droga maléfica que faz com que qualquer um que a experimente seja " fiel como um cãozinho".
Lute junto com Miguel, o "capitão do time"; Calú, o grande ator dos Karas; Crânio, o cérebro do grupo; Chumbinho, o mais recente dos Karas (que entrou no grupo forçadamente depois de ter descoberto o esconderijo); todos os incríveis códigos secretos dos Karas; Magrí, uma ginasta e única menina do grupo, contra o misterioso doutor Q.I. e sua poderosa droga. O mundo depende dos Karas.


Capítulo 1 - OS KARAS
Capítulo 2 - ESTRANHOS ACONTECIMENTOS
Capítulo 3 - INVESTIGAÇÃO NO ELITE
Capítulo 4 - CRÂNIO RACIOCINA
Capítulo 5 - O PLANO DE MIGUEL
Capítulo 6 - UM ENCONTRO INESPERADO
Capítulo 7 - CHUMBINHO VALENTE
Capítulo 8 - UM KARA NAS SOMBRAS DA NOITE
Capítulo 9 - DECIFRANDO A MENSAGEM
Capítulo 10 - MENINOS OBEDIENTES
Capítulo 11 - UMA DROGA MAIS QUE PERFEITA
Capítulo 12 - ASSALTO AO BANCO?!
Capítulo 13 - INFELIZ REAPARECIMENTO
Capítulo 14 - QUEM SERÁ O OFERECEDOR?
Capítulo 15 - OS TRÊS INCOMPETENTES
Capítulo 16 - A OUTRA MENSAGEM DE CHUMBINHO
Capítulo 17 - O CADÁVER MENSAGEIRO
Capítulo 18 - O PERIGOSO ESPIÃOZINHO 
Capítulo 19 - CÓDIGOS COMBINADOS
Capítulo 20 - EM BUSCA DE FORTES EMOÇÕES
Capítulo 21 - UM CASAL DE NAMORADOS CURIOSOS
Capítulo 22 - NA TRILHA DE UM DESCONHECIDO
Capítulo 23 - O DELÍRIO DO DOUTOR Q.I.
Capítulo 24 - ZÉ DA SILVA, PERIGOSO MELIANTE
Capítulo 25 - DOIS KARAS É MELHOR DO QUE UM SÓ
Capítulo 26 - MOCINHOS E BANDIDOS
Capítulo 27 - DE PREFERÊNCIA, MORTOS!
Capítulo 28 - A CAPACIDADE DE DESOBEDECER
Capítulo 29 - E O DOUTOR Q.I.?
Capítulo 30 - TEMOS DE CONTINUAR

Gostou do livro? Deixe comentários.




Livros online Now / 2014

Capítulo 30 - Temos de continuar!


— Pois é isso, meus amigos. Com a ajuda da Interpol, investigamos direitinho
a Pain Control.

    Andrade e os cinco Karas tinham marcado encontro num lugar discreto, pois
assim havia pedido Miguel. E esse lugar era o zoológico.
   De camisa esporte, caminhando pelas alamedas do Zoológico de São Paulo,
com um sorvete na mão, o detetive Andrade mais parecia um professor cercado
por seus alunos. Naquele dia, Andrade não estava suando.

— O Doutor Q.I. comandava toda a organização em uma salinha secreta que
só tinha entrada pela sala da diretoria do Elite. Ali descobrimos o
intercomunicador. Mas a minha curiosidade era saber como o Doutor Q.I.
poderia ter controlado daquela maneira uma empresa importante como a Pain
Control. Com a ajuda da Interpol, porém, recebi a resposta em menos de um dia.

— Eu também tinha pensado nisso, detetive Andrade — disse Crânio. — O
que descobriu?

— Os acionistas da Pain Control estão espalhados pelo mundo inteiro. Uma
firma de advogados conseguiu uma procuração de todos eles para representá-los
na assembléia de acionistas. Acontece que o Doutor Q.I. controlava a tal firma
de advogados. Assim, foi fácil eleger testas-de-ferro para dirigir todas as filiais
da Pain Control, enquanto o próprio Doutor Q.I. ficava por trás de tudo,
comandando a todos.

— Eta sujeito brilhante! — comentou Calú.

— Um dos mais brilhantes criminosos que já conheci — concordou Andrade.

— E o que vai acontecer com os bandidos?

— Todos vão responder processo como co-autores dos sequestros e dos
assassinatos. A maioria dos funcionários e operários da Pain Control estava fora
da trama. Trabalhavam apenas com os medicamentos normais e nem
desconfiavam da existência da Droga da Obediência. Só vinte e poucos deles,
incluindo o Doutor Q.I. e o detetive Rubens, sabiam dos meninos sequestrados. A
área do prédio onde ficavam os sequestrados era proibida para os outros
funcionários.

— E o Bino?

— Já conseguimos pegá-lo. Ele agia sob vários nomes: Bino, Caca, Joca e
muitos outros. O plano era simples. Um dos bandidos aparecia em um colégio
pedindo que seu "filho" frequentasse as aulas por uma ou duas semanas até que
fossem liberados os documentos do colégio anterior. Fornecia um endereço falso
e pronto. Em geral, todos os colégios aceitam provisoriamente matrículas desse
jeito. Por isso o plano de colocar o Bino em qualquer colégio que quisessem
sempre dava certo.

— Bino também está preso?

— Ele é menor de idade. Está à disposição do Juizado. O juiz de menores é
que vai decidir a sorte do Bino.

    Estavam todos apoiados na mureta que dá para o fosso dos ursos-pardos.
Aquelas enormes almofadas marrons pareciam tão quentes e fofinhas que
Chumbinho ficou imaginando como seria gostoso descer até lá e abraçar-se com
um deles. Crânio quebrou o breve silêncio:

— Qual é o verdadeiro nome do Doutor Q.I.?

    Andrade estava acabando de comer a casquinha de biscoito do sorvete:

— Ainda não foi possível descobrir. Ele se recusa a falar e parece que não
existe ficha criminal dele em nenhuma parte do mundo. Mas, qualquer que seja
o seu nome, a coisa está bem ruim para o lado do Doutor Q.I....

— Com essa prisão, as coisas mudaram lá no Elite — informou Chumbinho,
esquecendo a vontade de abraçar os ursos.

— Mudou? Como?

— Com a saída do professor Cardoso, quer dizer, com a prisão do Doutor
Q.I., a Associação de Pais e Mestres assumiu a direção do colégio.

— E o que muda com isso?

— A direção — respondeu Chumbinho. — As decisões vão continuar sendo
tomadas pelo conselho de professores e alunos. Bem do jeitinho que era com o
Doutor Q.I. como diretor.

— É isso mesmo — concordou Magrí. — O sistema liberal do Elite é uma
criação do Doutor Q.I.!

— Ele foi capaz de criar um sistema democrático absoluto, de um lado —
raciocinou Crânio —, enquanto tentava criar a mais absoluta tirania, do outro...

   Andrade colocou as mãos nos ombros do líder dos Karas:

— Ele sabia olhar as coisas pelos dois lados, não é, Miguel?

— Era um crânio! — concluiu Magrí.

— Ei, espera aí! — protestou Crânio. — O único Crânio do mundo sou eu!

* * *

   No quarto de Miguel, o aparelho de televisão ligado jogava uma luz azulada
sobre o corpo do rapazinho estirado na cama, com a cabeça apoiada nas mãos
cruzadas atrás da nuca.
   Miguel olhava com atenção para a querida imagem do detetive Andrade,
suando sob o calor das luzes dos refletores, no debate sobre o assunto do
momento: a Droga da Obediência.
   Educadores, psicólogos, sociólogos e figuras de respeito da sociedade
participavam do debate. Andrade, entre elogiado e pressionado, saía-se da
melhor forma possível.
   Enquanto as palavras do debate percorriam os sentidos do garoto, uma
sombra passou pelo seu ânimo. Uma ponta de remorso. Aquele policial tão
dedicado, que passara noites sem dormir investigando os sequestros. só tinha
merecido suspeitas por parte de Miguel. E Rubens, elegante demônio, tinha
enganado completamente o líder dos Karas.

— A sociedade inteira tem uma dívida de gratidão para com o senhor, detetive
Andrade — dizia um dos debatedores.

    Líder dos Karas! Que ironia! O pensamento de Miguel afundava cada vez
mais naquela dolorosa autocrítica. Que líder era ele, se tinha considerado
Chumbinho um fedelho intrometido, de quem os Karas deveriam livrar-se? Logo
Chumbinho, o pequeno herói que tinha enfrentado as piores situações sem
fraquejar jamais? Logo Chumbinho, que tinha passado aos Karas as mais
importantes informações que haviam possibilitado a solução daquele caso? E logo
Chumbinho, que tinha desligado a chave geral de energia da Pain Control,
evitando uma batalha sangrenta no final da história?
   Na televisão, um senhor muito afetado falava com entusiasmo:

— A questão mais importante a discutir neste debate é a própria Droga da
Obediência. Quais seriam realmente seus efeitos? Quais os seus danos?

   Líder dos Karas! Mas não tinha sido ele, o próprio Miguel, quem havia jogado
Chumbinho contra Bino, pensando que Bino era um inocente novato? Grande
líder! Nem mesmo a mensagem de Chumbinho ele tinha entendido... Ele
imaginara que o B da mensagem queria dizer que Bino tinha também sido
raptado, quando Chumbinho tentava informar que Bino era o oferecedor...
Quanto tempo perdido por causa daquele erro!

— Os efeitos da Droga da Obediência poderiam até ser bem-aplicados —
dizia outro debatedor. — Ou mal-aplicados, como no plano sinistro do Doutor
Q.I....

   Grande líder! Um líder que havia exposto todos os Karas à quadrilha do
Doutor Q.I., com a ideia de fingir que todos também haviam sido sequestrados.
Que ideia estúpida!

— Sequestrar e manter em cárcere privado dezenas de meninos e meninas foi
realmente um crime hediondo — protestou outro debatedor. — Mas é claro que
não podemos ficar contra a energia nuclear só porque jogaram uma bomba
atômica em Hiroxima!

   A depressão tinha tomado conta de Miguel. À sua memória vinha a imagem
do Doutor Q.I., tentando convencê-lo a fazer parte da quadrilha, com um argumento 
aterrador: não era ele, Miguel, uma espécie de pequeno ditador dos Karas?
Não era ele, Miguel, um autoritário? Ele era obrigado a concordar com o Doutor Q.I.
Sim, ele era um ditador. Sim, ele era um autoritário. E, mais que tudo, ele era um líder
incapaz, que havia errado várias vezes durante aquela batalha...
   Uma lágrima percorreu a face do garoto e foi salgar-lhe a boca no momento
em que ele decidia que o melhor era dissolver o grupo dos Karas. Ele não
poderia expor aqueles quatro maravilhosos amigos à sua incapacidade e ao seu
autoritarismo...
   Na televisão, o clima estava explosivo. Todos queriam falar ao mesmo
tempo, e Andrade, suando como nunca, tentava interromper o orador, que
berrava entusiasmadamente:

— A Droga da Obediência, como todas as descobertas científicas, é um bem!
Devemos pesquisá-la e usá-la com cautela, sob o controle das entidades
governamentais. Vivemos atualmente uma crise de autoridade, que pode ser
resolvida com a Droga da Obediência! Afinal de contas, um pouco de obediência
não há de fazer mal à nossa juventude!

    Os olhos de Miguel apertaram-se. Então todo aquele trabalho só tinha servido
para aquilo? As pessoas mais importantes da sociedade julgavam que a Droga da
Obediência poderia ser um bem?
    Miguel pressionou o botão do controle remoto e o televisor apagou-se.
Deitado no quarto às escuras, o rapazinho decidiu que não importavam os erros.
O que importava era a luta, que tinha de continuar. O que importava eram os Karas,
que tinham de continuar!
   Havia ainda muito a ser feito. Os Karas tinham vencido uma batalha, mas a
guerra ainda estava longe, muito longe de terminar!

Capítulo 29 - E o Doutor Q.I.?


   O detetive Andrade tinha ficado de boca aberta:

— Mas como, Miguel? Como eu posso deixar vocês fora disso? Você,
Chumbinho, Magrí, Calú e Crânio foram os verdadeiros detetives que
desmascararam a quadrilha da Droga da Obediência. Vocês são heróis de
verdade! A imprensa precisa saber disso. Todo mundo precisa saber disso!

    Enquanto esperavam a chegada dos carros da polícia para levar os bandidos
da Pain Control, Miguel negava com firmeza:

— Por favor, detetive Andrade. Nós não queremos que ninguém fique
sabendo da nossa participação nesse caso. Queremos ficar na sombra. A glória
deve ser toda sua. Diga que nós fomos sequestrados como os outros garotos e que
o senhor nos salvou a todos. Não queremos aparecer.

— Mas por quê?

— Temos nossas razões. Por favor, não pergunte quais são.

* * *

    Andrade tinha sido obrigado a concordar. Por isso, desde o dia anterior até à
manhã daquela sexta-feira, cinco dias depois que Miguel tinha convocado os
Karas para a emergência máxima, a imprensa de todo o país estava fazendo um
estardalhaço nunca visto em torno de Andrade.
   Era o herói que todos aplaudiam. O cérebro dedutivo que, "sozinho", havia
descoberto a pista daqueles sequestros tão misteriosos. O policial destemido que,
sem a ajuda de ninguém, havia penetrado no covil dos raptores e prendido a
quadrilha toda. Mais de vinte bandidos!
    Era a glória da polícia de São Paulo. O servidor dedicado, cujo heroísmo
apagava a vergonha que o corrupto detetive Rubens causara a todos os policiais.
   Andrade recusou todas as homenagens. Tinha cumprido com o seu dever e
não queria bajulações. Já estava envolvido com outro caso e não tinha tempo
para nada. A única entrevista não-oficial que aceitou conceder foi quando o
professor Cardoso, o diretor do Colégio Elite, convocou-o para uma reunião na
sala da diretoria.
   Enquanto atravessava o pátio do Elite, Andrade viu-se cercado pela garotada
e teve de conceder autógrafos como se fosse um artista de cinema. Assim,
quando entrou na sala do professor Cardoso, o gordo detetive estava suado,
enxugando a careca com seu lenço amarrotado.

— Bem-vindo ao Elite, detetive Andrade! — cumprimentou o diretor, caminhando 
até o policial e abraçando-o calorosamente.

    Na sala já se encontravam os heroizinhos anônimos Miguel, Crânio,
Chumbinho, Calú e Magrí, todos com carinhas de inocentes colegiais indefesos.
Andrade olhava para eles e sentia um nó na garganta: queria que eles fossem
seus filhos, gostaria de poder colocar no colo cada um deles. Na verdade,
Andrade sentia como se eles já fossem seus filhos.

— Sente-se, meu caro Andrade — convidou o professor Cardoso. — Nosso
colégio será eternamente agradecido ao senhor. Afinal de contas, o Elite foi o
mais atingido de todos os colégios. Seis alunos daqui foram sequestrados,
enquanto somente dois garotos desapareceram de cada um dos outros colégios. O
terceiro de cada um dos colégios era sempre o mesmo Bino, não é? Infelizmente
um dos nossos alunos foi assassinado. Mas os outros cinco estão aqui.
   
      O professor Cardoso fez uma pausa. Caminhou até os cinco Karas e pôs a
mão no ombro de Miguel.

— Temos muito a agradecer ao senhor, detetive Andrade. Por isso Miguel,
como presidente do Grêmio do Colégio Elite, pediu-me que convocasse esta
reunião. Ele tem um pequeno discurso de agradecimento para o senhor, que
expressa o que todos nós sentimos.

    Miguel levantou-se sorrindo jovialmente, como se fosse o orador da turma
em festa de formatura.

— Obrigado, professor Cardoso. Sinto-me honrado e extremamente aliviado
por estar, neste momento, encarregado de dirigir estas breves palavras ao nosso
querido herói, o detetive Andrade.

       Logo Miguel? Fazendo um discurso careta como aquele? Andrade não
conhecia o rapaz profundamente, mas o tinha visto em combate: tratava-se de
um líder de poucas palavras e muita ação. Andrade sentiu-se pouco à vontade.
Que história era aquela?

— ... honrado por ser o porta-voz da gratidão de todos nós — continuou
Miguel. — E aliviado por poder estar aqui, inteiro e vivo, graças ao heroísmo do
senhor, detetive Andrade. Há mais pessoas que deveriam estar aqui, 
agradecendo ao senhor. Mas não caberiam todos nesta sala, porque o senhor
salvou a humanidade inteira. A vida inteligente deste planeta esteve ameaçada
pela Droga da Obediência e pelo sinistro Doutor Q.I., o cérebro criminoso que
organizou essa terrível ameaça!

   Andrade teve vontade de interromper o rapazinho, de dizer que continuava
investigando, que a captura do Doutor Q.I. era uma questão de horas, mas sabia
que aquilo não era verdade. O comandante da Pain Control havia se vaporizado
como uma gota de água no ferro quente.

— Infelizmente — continuou Miguel —, o Doutor Q.I. escapou. Na certa vai
passar um período na sombra, antes de atacar novamente. E ele vai atacar, estou
certo disso. É uma ameaça perigosa. Jamais descansará enquanto não realizar
sua ânsia de poder absoluto. É preciso pegá-lo, detetive Andrade. Ninguém
poderá dormir sossegado enquanto esse homem estiver à solta.

   Miguel aguardou um instante. Seu discurso estava tomando um rumo
inesperado, e todos os presentes estavam em suspense.

— Eu falei com o Doutor Q.I. somente através daquelas telas de
comunicação que havia na Pain Control, mas falei. Não foi possível ver o seu
rosto, porque ele estava sempre na sombra. Nem adiantaria tentar reconhecer a
voz dele, porque o Doutor Q.I. usava uma espécie de filtro de som que lhe
alterava a voz. Era quase como falar com uma máquina. Existe, porém, uma
característica da personalidade de cada um que é impossível esconder com
sombras, com filtros de som ou com qualquer outro artifício. Essa característica
é o pensamento.

    Aos poucos, um leve mal-estar foi tomando corpo e atingindo a todos naquela
sala.

— E eu me lembro perfeitamente das palavras e da maneira de pensar do
Doutor Q.I. Como se ele estivesse falando agora. E, se ele estivesse falando
agora, provavelmente diria que eu estou olhando de um lado só da questão. Diria
talvez que as coisas são relativas e que a verdade tem várias facetas.

    Miguel voltou-se para o diretor do Elite, que ouvia atentamente.

— Lembra-se, professor Cardoso, quando tudo isto começou, não faz nem
uma semana? Lembra-se da nossa conversa, quando o senhor dizia que era
melhor manter o desaparecimento do Bronca em segredo para proteger a
imagem do Elite? Lembra-se que discordamos a esse respeito?

— Lembro-me vagamente, Miguel.

— Vagamente! Então, na certa, não vai lembrar das palavras que usou
naquele momento, não é?

— Das palavras? — sorriu o diretor. — É lógico que não!

— Pois eu me lembro. É uma questão de entender o raciocínio das pessoas, o
modo de pensar das pessoas através do que elas dizem. O senhor me disse que eu
era muito jovem, não é?

— Talvez tenha dito isso, sim.

— E que eu olhava as coisas de um lado só, não é? Que eu haveria de
aprender que as coisas são relativas, não é? Que a verdade tem várias facetas,
não é?

    O professor Cardoso recuou, como se fosse empurrado pelas palavras de
Miguel.

— O que é isso? Uma brincadeira?

— Não é uma brincadeira, professor Cardoso. Ou devo dizer Doutor Q.I.?

    O homem estava branco como papel. Continuou recuando até encontrar a sua
grande mesa de diretor e olhou suplicante para Andrade.

— Detetive Andrade! O senhor está fazendo parte deste jogo?

— Eu não estava, professor... Doutor... sei lá! Não estava, mas agora estou.
Vou acabar me acostumando a ser envolvido pelas estripulias desses garotos!

— Isso é um abuso! — protestou o acusado. — Sou o diretor deste colégio e
não admito ser desrespeitado dessa maneira! Eu dirijo um colégio democrático,
um modelo de educação liberal que...

— Excelente disfarce, não é, Doutor Q.I.? — interrompeu Miguel. — Quem
haveria de desconfiar que o respeitabilíssimo e ultraliberal diretor do Colégio
Elite pudesse organizar a experiência mais ditatorial e demente que já existiu?

    O rosto do homem passou do pálido ao rubro, e sua voz saiu carregada de
ódio assassino:

— Maldito! Moleque maldito! Eu devia ter mandado matar você no primeiro
minuto! Fui acreditar na sua inteligência e você destruiu tudo! Ignorante! Você
destruiu a salvação da humanidade! Estúpido!

    Mesmo enquanto Andrade o arrastava para fora, algemado, o Doutor Q.I.
continuou gritando:

— Ignorante! Você destruiu um sonho! O maior sonho do mundo!

Capítulo 28 - A capacidade de desobedecer


    No ginásio de testes, imobilizado pela ameaça de dois revólveres, Miguel viu
que alguma coisa diferente estava acontecendo com a menina que corria sobre a
esteira rolante.
   Um brilho de consciência passou pelos olhos dela, e a menina diminuiu o
ritmo da corrida. Mas, como a esteira continuou rolando, ela foi arrastada para
trás e atirada ao chão.

— Que foi isso? — espantou-se um dos empregados.

   Aos poucos, um a um, os meninos-cobaias começaram a sacudir a cabeça, a
esfregar os olhos, a olhar espantados em volta.

— Onde estou?

— Que tontura!

— O que está acontecendo?

    O empregado bateu a mão na testa:

— Inferno! Com a confusão, esquecemos de dar o reforço da droga para as
cobaias!

— É mesmo! — concordou o outro. — Elas estão despertando!

   Miguel levantou-se corajosamente:

— Quietinho aí, rapaz! Não se mexa! — gritou o primeiro, com a arma
apontada.

    Sem temer um tiro pelas costas, Miguel voltou-se para os rapazes e moças
que estavam despertando do efeito da Droga da Obediência:

— Pessoal! Vocês foram sequestrados. Foram enganados e foram usados
pela mais sinistra das quadrilhas!

   Os bandidos estavam nervosos:

— Cala a boca, rapaz! Olha que eu atiro!

    Miguel sentiu o cano frio da arma encostar-se em sua nuca. Mas continuou
falando, com calma, escolhendo as palavras:

— Todos vocês ficaram várias semanas sob o efeito da Droga da Obediência,
que anulou a inteligência de vocês e transformou todos em robôs imbecilizados!
Os meninos e meninas olhavam-se uns aos outros, como se fosse difícil
acreditar no que estavam ouvindo.

    Naquele instante, o Doutor Q.I. desviou a atenção do corredor em frente ao
laboratório onde estavam os fugitivos e ligou seu intercomunicador com o ginásio
de testes.

— O que está havendo aí? Diabo! Seus incompetentes! Façam esse garoto
calar a boca!

    Mas, dessa vez, os dois bandidos eram muito pouco frente à fúria de dezessete
garotos, que já tinham tomado consciência das palavras de Miguel. Saltaram
decididamente contra os dois, aos trancos e cabeçadas, arrancaram seus
revólveres e os imobilizaram, praticamente sentando em cima deles!
    A voz do Doutor Q.I. vinha alta e furiosa:

— Miguel! Você não entende o que está fazendo? Você está destruindo a
realização do maior sonho da humanidade! A obediência absoluta! Pare! Pense
um pouco! Você não pode fazer isso! Você está destruindo séculos de sonhos!
Você está destruindo o futuro!

    Miguel parou em frente ao intercomunicador:

— Não! Eu estou salvando o futuro! O que eu estou destruindo é um sonho
louco de dominação da humanidade, de controle da mente humana!

— Eu só entendo que a minha capacidade de criticar tudo o que ouço e vejo e
a minha capacidade de contestar tudo o que descubro de errado é que fazem de
mim um ser humano! E a minha capacidade de desobedecer que faz de mim um
homem!

— Você poderia ter se juntado a mim! Poderia construir um mundo novo!

— Eu vou construir um mundo novo! Esteja certo disso. Mas nesse mundo
não haverá lugar para pessoas como você!

  O vídeo do intercomunicador apagou-se.

* * *

   Várias sirenes foram ouvidas do lado de fora e, em poucos minutos, um
grupo de bombeiros apareceu por trás dos bandidos, justamente no momento em
que a porta do laboratório vinha abaixo.

— O que está se passando por aqui? — perguntou o bombeiro que vinha à
frente, de olhos arregalados.

    Os bandidos voltaram-se e apontaram as armas na direção dos bombeiros.
Naquele instante, todas as luzes se apagaram.

* * *

    Na escuridão total, os bandidos não atiraram, pois não havia como enxergar
qualquer alvo. Não sabiam o que fazer. Atirar a esmo? Nunca tinham agido pelas
próprias cabeças e esperavam desesperadamente uma ordem do chefe supremo
da Pain Control.

— Doutor Q.I.! Doutor Q.I.! O que faremos? — gritou um deles para a
escuridão.

   Na escuridão, a voz cavernosa do Doutor Q.I. ressoou acima de todos eles:

— Não adianta começar uma guerra no escuro. Não adianta atirar nos
bombeiros. Vocês vão acabar acertando uns aos outros. Nada mais adianta.
Fomos derrotados. Entreguem-se!

    Os bandidos tentaram entreolhar-se, para decidir o que fazer. Mas, no escuro
total, isso era impossível. E, se até a liderança brutal do Doutor Q.I. tinha
desistido, não havia mais por que oferecer qualquer resistência. Ouviu-se o ruído
das armas caindo no chão, em obediência à ordem da voz cavernosa.
    No mesmo instante as luzes acenderam-se e iluminaram as caras
assombradas dos bandidos, cercados de um lado do corredor pelos bombeiros, e
do outro pelo detetive Andrade, Magrí, Calú, Crânio e Caspérides.
   Andrade assume o comando da situação:

— Quietos, todos vocês! Mãos na cabeça!

    Os bandidos obedeceram e baixaram as cabeças, derrotados.

— Garotos! — ordenou o detetive. — Peguem as armas desses bandidos!

   Crânio, Magrí e Calú executaram a ordem. 
   O chefe dos bombeiros deu um passo à frente:

— Que loucura é essa? Posso saber o que está acontecendo por aqui?

   Andrade não deixou a surpresa durar mais:

— Sejam bem-vindos, amigos. Sou o detetive Andrade. Como vocês podem
ver, aqui não houve nenhum incêndio. Houve muito mais do que um incêndio...
Mas, antes de mais explicações, será que vocês podiam dar uma forcinha aqui na
prisão deste bando de criminosos?

    Os bombeiros ajudaram a empurrar os bandidos para dentro de uma sala,
onde eles ficariam bem trancadinhos até à chegada de reforço policial.
Por entre o grupo de bombeiros que empurrava os bandidos, uma carinha
sorridente apareceu:

— Oi, pessoal! Tudo está sob controle agora?

   Magrí deu um grito:

— Chumbinho! Você não está morto!

— É claro que não estou! — explicou o menino, com a cara mais sapeca do
mundo. — Eu só fingi que fui atingido pelo tiro. Assim esses trouxas nem ligaram
pra mim e ficaram tentando derrubar a porta. Eu fui saindo de fininho... Era a
única maneira de continuar a procurar a casa de força!

    O bioquímico Márius Caspérides surpreendia-se cada vez mais:

— Sim, sim, sim! Então foi você que apagou as luzes?

— É claro que fui!

— Sim, sim, sim, mas que valentia!

   Magrí, ainda saboreando o alívio de reencontrar Chumbinho são e salvo,
lembrou-se que o grupo ainda estava incompleto:

— E Miguel? Vamos libertar Miguel!

    Nem bem a menina acabava de falar, o líder dos Karas aparecia abrindo
caminho através do grupo de bombeiros, seguido por todos os meninos-cobaias.

* * *

    Um grande silêncio. Há três dias os Karas não se reuniam, e a tensão daquela
aventura tinha sido de esfrangalhar os nervos de qualquer um. Mesmo que esse
alguém fosse um Kara!
   E todo aquele suspense explodiu num grito de desabafo, de saudade, de
carinho:

— Miguel!

    Com os trapos de mendiga esvoaçando, Magrí correu para o amigo e
abraçou-se a ele, bem apertado, como se fosse uma despedida.

— Miguel, meu querido!

    O outro "mendigo" baixou a cabeça e disfarçou o ciúme, mexendo nos
farrapos da calça, como se quisesse ajeitar um vinco imaginário.
    Andrade sorria, participando de toda aquela alegria, de todo aquele alívio:

— Ufa! Terminou! Ainda bem que tudo se resolveu sem derramamento de
sangue! Nem sei o que poderia acontecer se o Doutor Q.I. não tivesse desistido
e... Ei! Esperem um pouco: como é que o Doutor Q.I. pôde dar a ordem de
rendição pelo intercomunicador se a energia elétrica estava desligada?

    Calú abriu o mais orgulhoso sorriso:

— E quem disse que o Doutor Q.I. se rendeu? A voz que vocês ouviram era a
minha, imitando o safadão!

— Sim, sim, sim! Esses meninos são mesmo demais!

 Andrade fez uma festinha muda na cabeça de Calú, desmanchando-lhe os cabelos.

— Por falar em Doutor Q.I., cadê ele? — lembrou o Chumbinho.

— Onde fica a sala do Doutor Q.I., seu Caspérides? — perguntou Miguel.

— Não sei. Nós só víamos o Doutor Q.I. pelo intercomunicador...

— Então vamos procurar, pessoal! — comandou Miguel.

* * *

   Mas foi inútil. Por mais que vasculhassem a Pain Control de cima a baixo,
não foi possível encontrar o Doutor Q.I. O tenebroso personagem que pretendia
dominar o mundo com a Droga da Obediência tinha desaparecido sem deixar
rastro. Com ele se evaporava também aquele sonho louco, aquele pesadelo
ameaçador...

Capítulo 27 - De preferência, mortos!


    A porta do ginásio de testes de resistência física da Pain Control foi
arrombada com estrondo e os empregados do Doutor Q.I. entraram,
empurrando-se uns aos outros.
   Vinda do intercomunicador que havia do lado de fora, Miguel ouvia a voz do
Doutor Q.I.:

— Peguem esse Miguel! Quero ele vivo!

   O líder dos Karas começou a correr pelo ginásio, no meio dos aparelhos de
ginástica e dos meninos-cobaias, desviando-se dos perseguidores com uma
agilidade que eles nunca tinham visto!

— Pega!

— Não deixa escapar!

    No meio daquela algazarra, os empregados não prestaram a menor atenção
às cobaias, que estavam imóveis, aguardando ordens. Só a pobre menina que
havia batido o recorde da maratona continuava correndo sobre a esteira rolante.
   Havia, porém, mais um que não estava imóvel. Era Chumbinho, que, de
acordo com o plano que combinara com Miguel, aproveitou a confusão e
esgueirou-se silenciosamente para fora.
   Arrastou-se colado à parede, por baixo do intercomunicador, de modo que a
objetiva do aparelho não pudesse focalizá-lo. Desapareceu por uma porta lateral.
    O intercomunicador, lá na sala do Doutor Q.I., estava sintonizado somente no
corredor que dava para o ginásio de testes, por causa da confusão
propositalmente armada por Miguel. Assim, Chumbinho pôde correr com
tranquilidade pelo resto da Pain Control, pois todos os outros intercomunicadores
estavam apagados e todos os empregados tinham corrido para o ginásio de testes.
   As dependências onde estava sendo testada a Droga da Obediência só tinham
janelas lacradas e opacas, para que ninguém pudesse ver o que se passava lá
dentro. Assim, a iluminação era toda artificial.
   Por isso Chumbinho tinha de encontrar e desligar a chave central de energia
elétrica.
  Nesse momento, uma porta à sua frente foi aberta, e o menino tomou um
susto:

— Calú! E o senhor é o bioquímico que eu vi falando com... Ei! Por que
vocês estão algemados?

— Fuja, Chumbinho! — ordenou Calú.

    Mas era muito tarde. Por trás dos dois surgiu o detetive Rubens, apontando um
revólver para o garoto.

— Quietinho aí, menino! Senão leva chumbo!

    Mas Rubens não conhecia os Karas. Se conhecesse, jamais iria distrair-se da
guarda de um deles para apontar uma arma para o outro: com as mãos
algemadas, Calú aproveitou-se e golpeou, de baixo para cima, o braço estendido
de Rubens!
    A bala foi cravar-se no teto e, ato contínuo, Calú meteu uma cotovelada no
estômago do detetive.
   A arma voou longe e, quando Rubens recuperou o fôlego, viu um cano
apontado para sua testa. Era Chumbinho, que, rápido como um gato, havia se
apoderado do revólver:

— Quietinho, você, seu bandido! — vingou-se Chumbinho, com muita raiva
na voz. Ele se lembrava daquela cara na sala do diretor do Colégio Elite e, ao
contrário de Miguel, não tinha simpatizado com ela desde o início.

— Grande, Chumbinho! —aplaudiu Calú, revistando os bolsos de Rubens, em
busca da chave das algemas.

— Sim, sim, sim! —sorriu Caspérides. —Que meninos valentes!

— Vocês não vão escapar... —começou a ameaçar Rubens.

—Cala a boca, traidor! — Calú tirou as algemas de seus pulsos, libertou
também o bioquímico, mas, no momento em que se preparava para algemar o
detetive traidor...

— O que está acontecendo aqui?

     Na moldura da porta, apareceram três figuras enormes, ameaçadoras:

—Detetive Rubens! — estranhou o Animal. — O que é que o senhor está
fazendo aí no chão?

— Rápido, idiota! Me ajude! Esses moleques...

— Não podemos fazer nada, seu Rubens... — lamentou-se o Coisa.

— Estamos sem as nossas armas — informou o Fera.

    Os três foram empurrados para dentro, e o detetive Andrade entrou de arma
na mão, logo seguido por um jovem casal de mendigos.

— Crânio! Magrí!

— Calú! Chumbinho!

— Cadê Miguel?

— Está na boca do lobo! — respondeu Chumbinho. — A essa hora já deve ter
sido preso. Está no ginásio de testes, às voltas com mais de vinte empregados do
Doutor Q.I.!

— Onde fica isso? — perguntou Andrade. — Vamos lá!

— Não adianta! Eles estão armados e podem pegar os meninos-cobaias e
Miguel como reféns. Mas Miguel teve uma ideia. Eu estava tentando fazer o que
ele mandou quando apareceram Calú, Caspérides e esse maldito traidor!

    Algemaram Rubens ao Fera, o Fera ao Coisa, o Coisa ao Animal e o Animal
à maçaneta da porta, usando as algemas que tinham estado em Calú e Caspérides
e mais duas que Andrade trazia consigo.

— Vamos! Temos de encontrar a chave da energia elétrica!

* * *

   Miguel correu pelo ginásio, driblou os perseguidores o quanto pôde, resistiu o
maior tempo possível, mas acabou sendo capturado e subjugado pelos
empregados. A uma ordem do Doutor Q.I., um dos bandidos ligou novamente na
tomada o intercomunicador do ginásio de testes. A voz do sinistro personagem,
novamente dentro do ginásio, estava calma, confiante:

— Que brincadeira mais boba, Miguel! Eu pensava que você fosse capaz de
agir com mais inteligência. De que adiantou correr como um ratinho? De que
adiantou... Ei! Onde está a cobaia número 20? Diabo, Miguel! Você estava só
ganhando tempo enquanto seu amiguinho fugia, não é? O número 20 é aquele
que estava sem tomar a droga!

   Furioso, investiu contra os empregados:

— Vocês são todos uns incompetentes! Deixaram o garoto enganá-los o
tempo todo!

— Mas nós... — tentou desculpar-se um dos empregados.

— Cale a boca! Deixem que eu descubro o moleque pelo intercomunicador.

    As telas dos intercomunicadores espalhados por toda a Pain Control
acenderam-se uma a uma. O Doutor Q.I. procurava Chumbinho.

— O que é isso?

    Na tela do Doutor Q.I. apareceu um longo corredor, no fim do qual,
algemados a uma porta, estavam o detetive Rubens e os três ferozes seguranças
da Pain Control, presos um ao outro, formando uma estranha fila, como crianças
grandes, de mãos dadas.

— Estúpidos! Incompetentes! — berrou o Doutor Q.I. — Os inimigos
entraram na Pain Control!. A cobaia 20 não poderia algemar sozinha esses
incompetentes. Preciso descobrir onde estão os invasores!

    O Doutor Q.I. continuou freneticamente a ligar e desligar os
intercomunicadores, à procura dos inimigos.

— Aí estão! O Caspérides está com eles! Maldito! Acho que pretendem
chegar à casa de força! — concluiu o Doutor Q.I. ao ver o detetive Andrade, o
bioquímico e os quatro Karas correndo por um corredor. — Depressa! Dois de
vocês fiquem aí, tomando conta de Miguel. O resto corra atrás deles! Se eles
desligarem a força, estaremos perdidos! Eu quero todos eles vivos ou mortos. De
preferência, mortos!

    Os bandidos conheciam muito bem a planta da Pain Control e seu labirinto de
corredores. Logo os fugitivos estavam cercados e com o acesso à casa de força
cortado.

— Eles são muitos! Não vamos escapar! — gritou Andrade vendo o grande número de 
bandidos que se aproximava de armas na mão.

— Sim, sim, sim, não, não, não! —lembrou Márius Caspérides. — Venham
comigo!

     O bioquímico abriu a porta de um laboratório e todos começaram a entrar.
Um dos bandidos, vendo que não os alcançaria a tempo, ergueu a arma, fez
pontaria e atirou.
    O tiro reboou altíssimo dentro do ambiente fechado da Pain Control.
restava um dos fugitivos fora da porta do laboratório.
Era Chumbinho. Seu corpinho deu um tranco e o menino caiu para trás.

— Chumbinho! Não! — gritou Magrí antes que a porta se fechasse.

* * *

   Dentro do laboratório, protegido por uma grossa porta corta-fogo, a confusão
era geral:

— Chumbinho! Que horror! Ele foi baleado! 

    Calú tentou acalmar a menina:

— Talvez esteja apenas levemente ferido, Magrí!

— Levemente ou gravemente ferido, não há o que a gente possa fazer pelo
Chumbinho agora, a não ser tentar sair desta! Depressa, gente! — convocou
Crânio. — Tive uma ideia. Precisamos de fumaça, muita fumaça! Vamos
queimar...

— Fumaça? — interrompeu Caspérides. — Não é preciso queimar nada.
Posso misturar alguns produtos químicos e...

— Ótimo! Onde está o alarma de incêndio?

    Todos entenderam imediatamente o plano de Crânio. Magrí correu e acionou
o alarma de incêndio. No mesmo instante, uma sirene altíssima disparou. 
Eles sabiam que uma indústria moderna como aquela deveria ter o alarma de incêndio
ligado diretamente com o corpo de bombeiros. Era a última esperança!
   A porta que os protegia era reforçada, como deve ser em um laboratório que
trabalha com produtos perigosos e explosivos. Mas aquela não aguentaria por
muito tempo: do lado de fora, os bandidos haviam arranjado marretas e
machados e golpeavam a porta sem dó nem piedade.
   Calú agarrou um pesado banco e atirou-o contra a janela opaca e lacrada do
laboratório. O vidro estilhaçou-se com estrondo. Agora havia por onde sair a
fumaça que o bioquímico começava a provocar.
  Com a ajuda de Crânio, Caspérides misturou vários produtos e logo grossos
rolos de fumaça negra saíam pela janela quebrada do laboratório.

Capítulo 26 - Mocinhos e bandidos


— Me larga, seu gorila! Me solta!

— Fique quieta, menina! Eu não quero lhe fazer mal!

A gordura do detetive enganava muito. Andrade era forte como poucos.
Tinha agarrado o jovem mendigo com uma das mãos e a garota mendiga com a
outra. Por mais que se debatessem, os dois esfarrapados não conseguiam soltar-se.

— Fiquem quietos! Não tenham medo! Eu sei quem vocês são! — berrava o
detetive.

— Sabe nada! — berrava de volta o mendigo. — Nós somos dois pobres
mendigos. Não fizemos nada! O senhor não pode prender a gente!

— Eu não estou prendendo ninguém. Vocês são dois dos estudantes
sequestrados, não são? Você é a Magrí e você é o Crânio! Esse disfarce não
engana meu faro de detetive. Quero falar com vocês. Fiquem quietos!

    Andrade arrastou os dois para uma sala e fechou a porta.

— Você! — acusou a menina. — Você é da quadrilha de sequestradores!
Não se aproxime de mim!

— Magrí! Crânio! —suplicou o detetive. —Eu não sou nada disso. Confiem
em mim!

— Não! Você é o inimigo! — berrou Magrí. — Eu quero o detetive Rubens!
Exijo falar com o detetive Rubens!

   Andrade balançou a cabeça:

— Vocês não sabem a diferença entre mocinhos e bandidos! Pois saibam que
o detetive Rubens acaba de sair daqui sequestrando o prisioneiro Zé da Silva e um
rapazinho, que eu nem sei quem é!

— Calú? Sequestraram o Calú? — surpreendeu-se Crânio.

— Era o Calú? — assombrou-se mais ainda Andrade. — O outro sequestrado?
Mas, afinal, vocês três foram ou não foram sequestrados?

  Foi aí que Crânio percebeu o erro que os Karas tinham cometido. Ao se
fazerem de sequestrados, eles tinham se acusado para a quadrilha! Os bandidos
seriam os únicos a saber que eles não haviam sido sequestrados. E, se Andrade
pensava que eles faziam parte dos desaparecidos, então Andrade era inocente!
Diabo! Miguel tinha errado outra vez!

— Ele tem razão, Magrí — concluiu Crânio, segurando a menina enfurecida.

— Ele é amigo. Miguel enganou-se. O bandido é o Rubens. Calú caiu numa
armadilha!

* * *

    Crânio e Magrí contaram para Andrade tudo o que sabiam. E eles sabiam
agora que, além de Chumbinho, Miguel e outros garotos, Calú e Márius
Caspérides também estavam nas mãos da quadrilha.

— Quer dizer que esse tempo todo eu tive aqui, na delegacia, a única pista do
mistério? — perguntou Andrade.

— Pois é — confirmou Magrí. — Eu ouvi a conversa dos bandidos falando da
fuga de Márius Caspérides e da prisão de um tal Zé da Silva. Depois Crânio teve
o palpite: analisando a conversa que eu tinha ouvido, descobriu que as duas
pessoas eram uma só!

— Não foi uma questão de palpite — consertou Crânio. — Foi uma questão
de lógica.

    Andrade andava de um lado para o outro:

— Certamente Rubens levou Calú e Caspérides para o mesmo lugar onde
esconderam os outros.

   Magrí sorriu tristemente:

— O problema é saber onde fica esse lugar...

    Crânio fez aquela cara triunfante que sempre fazia quando tinha uma idéia
brilhante:

—Acho que temos um jeito de saber...

—Que jeito é esse? Fala logo!

* * *

    Àquela hora, a rua onde morava o bioquímico Márius Caspérides já estava
movimentada.
   Numa esquina, três homens corpulentos discutiam dentro de um carro preto
estacionado:

— ... a gente estava quase pegando o sujeito, quando o tal assaltante de
banco...

— O Zé da Silva.

— É. O Zé da Silva.

— E aí?

— Aí a gente foi em cana.

— É...

— Pense! Precisamos pensar!

— Tô com muito sono pra pensar!

    Um rapaz todo esfarrapado passou correndo ao lado do carro e jogou um
papel lá dentro. Em um segundo, o rapaz já tinha desaparecido.

— O que é isso? — perguntou o Animal.

— Um papel — respondeu o Coisa.

— E claro que é um papel, seu idiota!— reclamou o Fera. — Dá aqui!

    O Fera abriu o papel, que estava dobrado em dois.

— É um bilhete!

— E o que é que está escrito? — perguntou o Coisa.

— Hum... deixa ver... — resmungou o Fera. — Leia você, que eu estou sem
óculos.

— Mas você não usa óculos...

— Então preciso usar. Leia!

    O Coisa pegou o bilhete. Limpou a garganta com um pigarro e ficou olhando
para o papel.

— Tô com muito sono pra ler!

    O Animal perdeu a paciência e arrancou o bilhete da mão do Coisa:

— Dá isso aqui. Eu leio. Está escrito: O chefe quer ver vocês imediatamente.
Corram!

— O chefe? Deve ser o Doutor Q.I.!

— É claro que só pode ser o Doutor Q.I., seu burro! Que outro chefe nós
temos?

— Aqui diz corram. Acho melhor a gente andar logo! 
   
    O Fera deu a partida no carro preto.
    Não notou que estavam sendo seguidos por outro carro com um homem
gordo ao volante e dois jovens mendigos.

Postagens

Não dê spoiller!
Deixem comentários e incentive a dona do blog a continuar postando! Façam pedidos!